Resumo: Para a construção de um verdadeiro Estado democrático de direito e o alcance da justiça social, deve haver um respeito aos direitos humanos fundamentais.Até 1988, os Direitos Fundamentais só serviam para que os indivíduos se defendessem de uma eventual ingerência excessiva do Estado.[1] Com o advento da nova ordem constitucional, seguindo uma tendência que já havia ocorrido em grande parte dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial, incluiu-se um rol de direitos fundamentais no texto da Constituição, bem como mecanismos para tentar efetivá-los, para que sejam oponíveis contra o Estado e os demais indivíduos. Há necessidade de se interpretar a constituição almejando a plena eficácia dos direitos humanos fundamentais.Os direitos e garantias fundamentais encontram limites nos demais direitos consagrados na Constituição Federal e quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o interprete deve utilizar o princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípua.
Palavras-chaves:Direitos Humanos. Dignidade da pessoa humana. Constitucionalismo. Estado Democrático de Direito.
Introdução
Os direitos humanos surgiram com a necessidade de limitação do poder estatal e de seus agentes. A sua origem antecede ao constitucionalismo moderno, sendo que este apenas esculpiu um rol mínimo em um documento escrito. Nas palavras de Alexandre de Moraes:
Os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos, das ideias surgidas com o cristianismo e com o direito material. Essas ideias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno contemporâneo.[2]
O totalitarismo que marcou o século XX, os horrores e as barbáries praticadas em nome da lei, provocaram, como reação, a necessidade de concreta efetivação dos direitos humanos. Assim, o Estado de Direito se mostrou insuficiente para proteger a coletividade frente ao totalitarismo, e buscou-se outras opções, mais seguras, nas quais se valorizassem os princípios da democracia, da liberdade e da solidariedade, não podendo estes jamais serem ignorados. Esses princípios, que consubstanciam valores, substituem as normas jurídicas quando essas se mostram injustas e arbitrárias, refletindo o valor sobre o qual se funda grande parte dos ordenamentos jurídicos atuais, isto é, o valor da dignidade da pessoa humana.[3]
Direitos fundamentais, segundo José Afonso da Silva,
Constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.[4]
Nesse contexto,o estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de declarações de direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limites ao poder político, ocorrendo a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário.[5]
Reconhecer que as Constituições estão impregnadas de valores significa entendê-los como fundantes [grifo no original]de todo o Sistema Constitucional. Foi nessa linha que a Constituição Brasileira incorporou um rol de valores que podem ser identificados já no Preâmbulo, e a seguir Título I – Princípios Fundamentais, ora como fundamentos (os do art. 1º), ora como Objetivos Fundamentais (os do art. 3º), ora como Princípios, cuja importância é vital por serem pontos axiológicos com que fundamentar a hermenêutica dos tribunais...e, por conseqüência, também se encontram os valores constitucionais plasmados nos Direitos e Garantias Fundamentais, na qualidade de desdobramento que deles decorrem.[6]
Assim, “O Estado de Direito significa que o Poder Político está preso e subordinado a um Direito Objetivo, que exprime o justo. (...) E, ademais, esse Poder há de comandar os homens por meio de leis que, para merecerem o nome, hão de ter os caracteres de generalidade (aplicar-se a todos os casos iguais) e impessoalidade (sem fazer acepção de pessoas). (...) Destarte, o Estado de Direito é um Estado constitucional...”[7]
“O Estado moderno não é caracterizado por uma relação entre cidadão e Estado, onde um é subordinado ao poder, à soberania e, por vezes, ao arbítrio do outro, mas por um compromisso constitucionalmente garantido de realizar o interesse de cada pessoa.”[8]
Os direitos humanos são previsões essências em todas as constituições que se dizem democráticas, pois consagram o respeito à dignidade humana, visando o pleno desenvolvimento da personalidade humana e garantindo a limitação do poder estatal, para que não haja abusos do Estado em relação aos cidadãos e entre si. Devemos ressaltar também que:
A constitucionalização dos direitos humanos fundamentais não significou mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário para a concretização da democracia. Ressalte-se que a proteção judicial é absolutamente indispensável para tornar efetiva a aplicabilidade e o respeito aos direitos humanos fundamentais previstos na Constituição Federal e no ordenamento jurídico em geral.[9]
Nos estados democráticos, o povo escolhe os seus representantes, os quais agem como mandatário daquele. No entanto, o poder delegado pelo povo aos seus representantes não é absoluto. A Constituição deve trazer as limitações, inclusive com a previsão de direitos humanos fundamentais. “...É na esfera política que são reconhecidos os valores comuns e estabelecidos os princípios fundamentais. O Direito Constitucional representa o conjunto de valores sobre os quais se constrói, na atualidade, o pacto de convivência coletiva, função que já foi exercida pelos códigos civis.”
Até 1988, os Direitos Fundamentais só serviam para que os indivíduos se defendessem de uma eventual ingerência excessiva do Estado.[10] Com o advento da nova ordem constitucional, seguindo uma tendência que já havia ocorrido em grande parte dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial, incluiu-se um rol de direitos fundamentais no texto da Constituição, bem como mecanismos para tentar efetivá-los, para que sejam oponíveis contra o Estado e os demais indivíduos.
Segundo Ferreira Filho, “...definem esses direitos a fronteira entre o que é lícito e o que não o é para o Estado. E, limitando o poder, deixam de fora de seu alcance um núcleo irredutível de liberdade.”[11]
Para a construção de um verdadeiro Estado democrático de direito e o alcance da justiça social, deve haver um respeito aos direitos humanos fundamentais. “A previsão dos direitos humanos fundamentais direciona-se basicamente para a proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo.”[12]
Há necessidade de se interpretar a constituição almejando a plena eficácia dos direitos humanos fundamentais. “A Constituição Federal há de sempre ser interpretada, pois somente através da conjugação da letra do texto com as características históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sócio-político-econômico e almejando sua plena eficácia”.[13]
Ainda hoje, há interpretações dos princípios constitucionais à luz do Código Civil ou até mesmo são ignorados pelo aplicador do direito. Isso significa a desconsideração do princípio da democracia, pois, ao menos tendencialmente, os textos constitucionais são elaborados por um legislador democrático.[14] Ademais, “... enquanto o Código dava precedência às situações patrimoniais, no sistema de Direito Civil fundado pela Constituição a prevalência foi atribuída às situações jurídicas extrapatrimoniais, porque à pessoa humana o ordenamento jurídico deve dar a garantia e a proteção prioritária.”[15]
Natureza jurídica e eficácia das normas que disciplinam os direitos e garantias fundamentais
A doutrina dos direitos do Homem, que tem grande peso no constitucionalismo ainda hoje, nasceu no século XVIII. Ela, no fundo, nada mais é que uma versão da doutrina do direito natural que já desponta na Antiguidade. No século XVII já estava conformada. Entretanto, ela se expandiu no século seguinte, quando se tornou elemento básico da reformulação das instituições políticas. Foi incorporada pelo liberalismo, do qual é capítulo essencial. O feminismo repudiou a mesma, acusando-a de ‘machista’, impondo, em substituição, a terminologia de direitos humanos, direitos humanos fundamentais, de que direitos humanos são uma abreviação.[16]
De acordo com ManoelFerreira Filho:
Por outro lado, a doutrina dos direitos fundamentais revelou uma grande capacidade de incorporar desafios. Sua primeira geração enfrentou o problema do arbítrio governamental, com as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais, a terceira, hoje, luta contra a deterioração da qualidade da vida humana e outras mazelas, com os direitos de solidariedade.[17]
A Constituição Federal determina, no artigo 5º, § 1º, que as normas definidoras de garantias e direitos individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. Essa afirmação não bastaria se não houvesse mecanismos para torná-las eficientes, como exemplo, ação popular, mandado de injunção, mandado de segurança, ação civil pública, etc.
São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição cuja eficácia e aplicabilidade dependem muito de seu próprio enunciado, uma vez que a Constituição faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadradas entre os fundamentais. Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Essa declaração pura e simplesmente não bastaria se outros mecanismos não fossem previstos para torná-la eficiente (exemplo: mandado de injunção e iniciativa popular).[18]
O Direito enuncia o princípio, cristalizado na consciência coletiva de determinada comunidade, dispondo sobre a sua tutela, através de direitos, liberdades e garantias que a assegurem. Assim, ao ordenamento jurídico, enquanto tal, não cumpre determinar seu conteúdo, suas características, ou permitir que se os avalie.[19]
Relatividade dos direitos humanos fundamentais
Alexandre de Moraes esclarece que “Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.[20]
Os direitos e garantias fundamentais encontram limites nos demais direitos consagrados na Constituição Federal e quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o interprete deve utilizar o princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas.[21]
Considerações finais
Pode-se dizer que os direitos fundamentais não autorizam o indivíduo a agir fora dos limites impostos pela Constituição, apenas protege-os contra a ação do Estado e dos demais indivíduos, não podendo um direito individual servir para salvaguardar práticas ilícitas.
Referências Bibliográficas
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4. ed., Coimbra: Almedina, 1989.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2002.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 60
_________. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, 5 ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 19.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
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SILVA, Maria de Lourdes Seraphico Peixoto da. Conceito Constitucional de Dano Moral: o desrespeito pela dignidade humana. Tese não publicada, PUC, São Paulo: 2002.
TAVARES, André Ramos. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 34. jan/março de 201, p. 111.
[1]MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003., p. 70.
[2]MORAES. Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, 5 ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 19.
[3]MORAES. M.C.B. de., op. Cit., p. 66-68.
[4]SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 8.ed., São Paulo: Malheiros, 1992.p. 163-164.
[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 60.
[6]SILVA, Maria de Lourdes Seraphico Peixoto da. Conceito Constitucional de Dano Moral: o desrespeito pela dignidade humana. Tese não publicada, PUC, São Paulo: 2002.p. 41-42.
[7] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 2-3.
[8]PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002.p. 54.
[9] MORAES, A., Direitos Humanos Fundamentais... ,p. 21.
[10] MORAES. M.C.B. de., op. cit., p. 70.
[11] FERREIRA FILHO, op. cit., p. 6.
[12] MORAES. A. Direitos Humanos Fundamentais..., p. 22.
[13]Ibid., p. 23.
[14] MORAES. M.C.B.de., op.cit., p. 70-71
[15]Ibid., p. 75.
[16] FERREIRA FILHO,op. Cit., p. 13-15.
[17] Ibid., p. 15.
[18] MORAES. A. Direitos Humanos Fundamentais..., p. 62.
[19] MORAES, M.C.B.de., op. cit., p. 82.
[20] MORAES, A. Direitos Humanos Fundamentais..., p. 46.
[21]Ibid., p. 46-47.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Direitos fundamentais, constitucionalismo e estado democrático de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42046/direitos-fundamentais-constitucionalismo-e-estado-democratico-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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