Resumo: Breve análise acerca da utilização do levantamento de valores decorrentes dos expurgos inflacionários do Fundo de Garantia por tempo de serviço – FGTS por meio de Alvará Judicial.
1. Do Alvará judicial para recebimento de valores decorrentes de expurgos inflacionários:
Milhares de trabalhadores que possuíam saldo em conta vinculada do FGTS no período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990 sofreram com perdas financeiras decorrentes dos Planos Econômicos Verão (janeiro/89) e Collor I (abril/90).
Com vistas à recomposição dos saldos de suas contas, grande parte dos prejudicados pelos citados planos em todo o país ingressaram com ações contra a Caixa Econômica Federal, gestora do fundo.
O Superior Tribunal de Justiça - STJ, por meio da súmula 252, pacificou o entendimento de que são devidos os índices de 16,65%, em janeiro de 1989 e, de 44,80%, em abril de 1990, nos seguintes termos:
Súmula 252 - Os saldos das contas do FGTS, pela legislação infraconstitucional, são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto as perdas de janeiro de 1989 e 44,80% (IPC) quanto as de abril de 1990, acolhidos pelo STJ os índices de 18,02% (LBC) quanto as perdas de junho de 1987, de 5,38% (BTN) para maio de 1990 e 7,00% (TR) para fevereiro de 1991, de acordo com o entendimento do STF (RE 226.855-7-RS).
Com o advento da Lei Complementar 110/2001, a Caixa Econômica Federal ficou autorizada a realizar créditos nas contas vinculadas do FGTS, referentes ao complemento de atualização monetária da aplicação dos percentuais de 16,64% do Plano Verão (janeiro de 1989) e 44,8% do Plano Collor I (abril de 1990), sobre os saldos das contas mantidos em 01/12/1988 (deduzido os saques efetuados entre 02/12/1988 a 28/02/1989) e sobre os saldos das contas vinculadas mantidos em 01/04/1990 (deduzido os saques efetuados entre 02/04/1990 à 30/04/1990), nos seguintes termos:
Art. 4o Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que:
Em decorrência do exposto, tem-se, portanto, que o direito dos trabalhadores à recomposição dos saldos de sua conta vinculada do FGTS poderia ser reconhecido judicialmente ou extrajudicialmente, nos termos da lei complementar 110/01.
Na hipótese de pretensão de recebimento administrativo, deveria o interessado firmar o acordo a que faz referência o inciso I do Art. 4º da citada lei complementar, in verbis:
Art. 4o Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que:
I – o titular da conta vinculada firme o Termo de Adesão de que trata esta Lei Complementar; (grifou-se)
Apesar da exigência da citada lei, foram submetidas ao Poder Judiciário procedimentos de jurisdição voluntária, mais especificamente, Ações de Alvará, por meio da qual dependentes de titulares de contas de FGTS pretendiam o levantamento dos valores decorrentes da recomposição financeira dos Planos Econômicos em questão.
Nesse diapasão, cumpre verificar a adequação da via eleita à questão de mérito em exame.
Inicialmente, deve-se asseverar o que dispõe o Art. 1º da Lei nº. 6.858, de 24 de novembro de 1980:
Art. 1º - Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.
Conforme verifica-se do citado dispositivo, os valores disponíveis na conta de FGTS do de cujus, e que não tenham sido recebidos em vida pelo falecido, podem ser pagos aos seus dependentes independentemente de inventário ou arrolamento.
Ocorre, contudo,que, da leitura do citado dispositivo depreende-se, igualmente, que com vista ao recebimento do alvará necessário se faz que os valores pleiteados existam na conta vinculada de FGTS do de cujus.
Como visto acima, para que os valores sejam incorporados ao patrimônio do correntista, impende que este tenha realizado requisição administrativa junto à Caixa Econômica Federal, nos termos do Art. inciso I do Art. 4º da Lei Complementar, com a assinatura do respectivo termo de adesão, ou que tenha ingressado com processo judicial com a mesma finalidade.
O entendimento acima foi esboçado em recente decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região sobre a matéria, senão veja-se:
FGTS. AÇÃO DE ALVARÁ. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. SALDO APROVISIONADO. ACORDO PREVISTO NA LC 110/2001. ASSINATURA. INEXISTÊNCIA. LEVANTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO DA CONDIÇÃO ESTABELECIDA. 1. "Afigura-se indiscutível que a expedição de alvará judicial para o levantamento de valores relativos ao FGTS é, a princípio, procedimento de jurisdição voluntária, assumindo, no entanto, caráter contencioso caso a Caixa Econômica Federal imponha resistência ao pedido, como na espécie. No entanto, a resistência vislumbrada não torna inadequado o feito, em homenagem ao princípio da instrumentalidade do processo. Precedentes do TRF 1ª Região e do STJ" (AC 2002.30.00.000171-8, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, 6ª Turma, DJ de 13/08/2007, p. 58). 2. O saldo residual aprovisionado de conta vinculada ao FGTS, referente a índices expurgados pelos planos econômicos, somente poderá ser levantado mediante o termo de adesão de que trata a LC 110/01. 3. Inexiste direito ao levantamento de valores aprovisionados pela ré, com intuito meramente informativo, uma vez que o autor deixou de demonstrar adesão ao acordo previsto na Lei Complementar 110/2001. Precedentes. 4. Apelação a que se nega provimento. (TRF1ª Região, AC 200734000314030, Quinta Turma, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, e-DJF1 DATA:10/09/2014 PAGINA:311).
O referido entendimento está em consonância com o que já havia sido decidido pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região sobre o tema, consoante se pode inferir da decisão abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. FGTS. LEVANTAMENTO SALDO PLANOS ECONÕMICOS. COMPETÊNCIA. CONTA COM VALOR PROVISIONADO COM VISTA A EVENTUAL ACORDO PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR Nº 110/2001. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º DO CPC. 1. Trata-se de apelação cível interposta por dependentes habilitados na Previdência Social contra a sentença que que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV do CPC, ao fundamento de que é da competência da Justiça Estadual autorizar o levantamento dos valores relativos ao PIS/PASEP e FGTS, em decorrência do falecimento do titular da conta. 2. Insurgem-se as apelantes ao argumento de que ingressaram com a demanda junto à Justiça Federal com o objetivo precípuo de levantamento dos resíduos dos planos econômicos, tendo os autores juntando com a petição inicial os extratos dos valores requeridos, não impugnados pela CEF em sua peça de bloqueio. 3. No presente caso, a pretensão deduzida na demanda diz respeito ao levantamento de valores existentes nas contas vinculadas do de cujus relativos aos expurgos inflacionários. Segundo entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, •se o levantamento dos depósitos de FGTS encontrar qualquer resistência por parte da Caixa Econômica Federal-CEF, é da Justiça Federal a competência para processar e julgar a ação, em face da litigiosidade que assume o feito, nos termos da Súmula 82/STJ–. 4. Desse modo, equivocado o entendimento do juízo de 1º grau, que entendeu ser competente para o exame da causa, a Justiça Estadual, pois não se trata de pretensão visando a concessão de alvará de levantamento de saldo de FGTS da conta de titular falecido. 5. Assim, tratando-se de sentença que extinguiu o processo, sem resolução do mérito, o artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil autoriza o Tribunal, nas causas que versam sobre questão exclusivamente de direito e quando o feito estiver maduro para o imediato julgamento, como é o caso dos presentes autos, a julgar a lide de imediato, não importando tal procedimento, portanto, em supressão de instância. 6. Depreende-se da análise do conjunto probatório que, no primeiro extrato acostado aos autos, o valor ali informado refere-se à saldo incorporado ao patrimônio do FGTS e, portanto, os dependentes habilitados na Previdência Social poderão levantar o saldo administrativamente, nos termos do art. 20, IV da Lei nº 8.036/90. Já no extrato relativo à outra conta, verifica-se que o valor indicado refere-se a possível adesão e para fazer jus ao recebimento daqueles valores a parte interessada deverá aderir aos termos e condições previstos na Lei Complementar nº 110/01. 7. Portanto, a despeito das razões expendidas no recurso das apelantes, não há como ser acolhida a pretensão deduzida, impondo-se o parcial provimento do recurso para anular a sentença e, aplicando o disposto no art. 515, § 3º do CPC, julgar improcedente o pedido. 8. Recurso parcialmente provido para anular a sentença e, aplicando o art. 515, § 3º do CPC, julgar improcedente o pedido. (TRF 2ª Região, Apelação Cível 200851020034681, Relator Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Sexta Turma, E-DJF2R - Data::22/08/2011 - Página::272/273)
Por oportuno, deve-se mencionar que a inadequação da via do procedimento de alvará para o levantamento dos expurgos inflacionáriossem que tenha ocorrido o reconhecimento prévio do direito não é pacífica na jurisprudência. Isto é o que comprova a decisão a seguir ementada:
FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ALVARÁ JUDICIAL - COMPETÊNCIA. FALECIMENTO DO TITULAR. LEVANTAMENTO PELO SUCESSOR. SALDO E VALORES OBTIDOS A TÍTULO DE EXPURGOS INFLACIONÁRIOS, INDEPENDENTEMENTE DA ASSINATURA NO TERMO DE ADESÃO DE QUE TRATA A LC 110/2001. POSSIBILIDADE. JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. I - Ainda que a Súmula 161 do STJ registre a competência da Justiça Estadual para autorizar o levantamento dos valores relativos ao PIS/PASEP e FGTS, em decorrência do falecimento do(a) titular, nos casos em que há conflito de interesses entre o(a) Requerente e a CEF, deve ser privilegiada a norma do art. 109, I, da CF e a Súmula 82 do STJ que indica a competência da Justiça Federal, excluídas as reclamações trabalhistas, para processar e julgar os feitos relativos á movimentação do FGTS. Precedente do STJ. II - No caso de falecimento do(a) titular da conta do FGTS é indevida a exigência da Caixa Econômica Federal de condicionar o levantamento dos rendimentos decorrentes dos expurgos inflacionários à assinatura do termo de adesão previsto na LC n. 110/2001. Isso porque, o comando normativo é dirigido ao(à) titular da conta, ou seja, o(a) de cujus, que não pode mais aderir aos preceitos indicados na norma legal, devendo o numerário ser levantado pelo(s) sucessor(es) do(a) falecido(a). III - O fato de a LC 110/2001 admitir o saque em uma única parcela nos casos de neoplasia maligna, porte de vírus HIV, aposentadoria por invalidez e doença terminal enseja interpretação mais extensiva da norma a fim de alcançar também o caso de óbito do(a) trabalhador(a). Até porque não existe norma legal a impedir o(s) sucessor(es) de levantar(em) de uma só vez o numerário depositado no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, bem como os valores complementares decorrentes dos expurgos dos planos econômicos, independentemente da assinatura do termo de adesão de que trata a LC 110/2001. IV - Apelação da Autora provida, ação julgada integralmente procedente, autorizada a expedição de alvará judicial para o levantamento, de uma única vez, dos valores depositados na conta fundiária de sua genitora, falecida em 11/03/2002, juntamente com os créditos complementares decorrentes dos expurgos inflacionários dos planos econômicos, conforme pedido na inicial, independentemente da assinatura do termo de adesão exigido pela Lei Complementar n. 110/01. V - Juros e correção monetária ambos incluídos na taxa Selic a contar de novembro de 2003, data do ofício requisitório do MM. Juízo de Direito (autos de pedido de alvará). VI - Custas e honorários advocatícios pela CEF, fixados os últimos em quantia equivalente a 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação. ((TRF1ª Região, AC 200734000418410, Sexta Turma, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, e-DJF1 DATA:30/08/2012 PAGINA:111).
O entendimento acerca da possibilidade de expedição de alvará independentemente da assinatura do termo de adesão exigido pela LC 110/2001 ou de decisão judicial que reconheça o direito aos expurgos não parece ser o mais acertado.
Isso porque, considerando que as correções decorrentes das defasagens econômicas não são automáticas, tem-se que os valores decorrentes dos expurgos apenas integram o patrimônio do de cujuscaso tenha ocorrido reconhecimento administrativo ou judicial do direito.
Assim sendo, impende concluir ser indevida a utilização do procedimento previsto na Lei 6.858, de 24 de novembro de 1980, com o objetivo de obtenção de provimento judicial autorizativo do levantamento de valores cuja existência ainda dependa de reconhecimento explícito e anterior.
Demais disso, pode-se asseverar ser igualmente inviável a utilização do procedimento em questão como sucedâneo de ação de jurisdição contenciosa que vise o reconhecimento dos expurgos inflacionários.
2. Conclusão.
Por todo o exposto, conclui-se que o levantamento dos valores decorrentes dos expurgos inflacionários nas contas do FGTS somente poderá ser realizado por meio do procedimento na previsto Lei nº. 6.858, de 24 de novembro de 1980 na hipótese de reconhecimento do direito, explícita e previamente, no âmbito administrativo ou judicial.
Ademais, deve-se salientar que não deverá o procedimento em questão ser utilizado como sucedâneo processual da ação de jurisdição contenciosa que deveria ser intentada com vistas à revisão do saldo da conta vinculada.
3. Bibliografia.
DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 11 ed. Salvador: JusPodivm, 2009.
MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 12. ed. SãoPaulo: Manole, 2013.
Procuradora Federal - membro da Advocacia-Geral da União, em exercício na Procuradoria Federal Especializada Junto à Universidade Federal do Sul da Bahia. Graduação em Direito pela Universidade Católica de Salvador (2005), especialização em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia (2008) e especialização em Direito Público pela Universidade de Brasília (2013).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Roberta Rabelo Maia Costa. Considerações acerca da utilização do procedimento previsto na Lei Nº. 6.858/80 para recebimento de valores decorrentes de expurgos inflacionários do FGTS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42047/consideracoes-acerca-da-utilizacao-do-procedimento-previsto-na-lei-no-6-858-80-para-recebimento-de-valores-decorrentes-de-expurgos-inflacionarios-do-fgts. Acesso em: 23 dez 2024.
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