I – INTRODUÇÃO: BREVE CONCEITO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Inicialmente, é importante lembrar que a alienação fiduciária é uma espécie de direito real de garantia sobre determina coisa, havendo a sua previsão no Código Civil de 2002 (arts. 1.361 a 1.368-A) e no Decreto-lei nº 911/1969. A sua conceituação pode ser encontrada no próprio direito positivo, através do art. 22 da Lei nº 9.514/1997, onde prevê que “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
Já o art. 1º do Decreto-lei nº 911/1969 dispõe que “a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”.
Explicando de forma mais clara, Flávio Tartuce leciona:
“O credor fiduciário é o proprietário da coisa, tendo, ainda, um direito real de garantia sobre o bem que lhe é próprio. Com o pagamento de todos os valores devidos, o fiduciante adquire a propriedade, o que traz a conclusão pela qual a propriedade do credor é resolúvel”[1].
Assim, percebe-se que a alienação fiduciária possui previsão no próprio Código Civil de 2002, que traz regras genéricas sobre o assunto; na Lei nº 9.514/97, que envolve os bens imóveis; e na Lei nº 4.728/65 e Decreto-lei nº 911/69, que trata dos bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais. Porém, havendo, em determinada situação específica, previsão na legislação especial, as regras do Código Civil devem ser aplicadas de forma subsidiária, conforme determina o seu próprio art. 1.368-A, in verbis:
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.
Calha registrar que, recentemente, houve, no dia 14 de novembro de 2014, a publicação da Lei nº 13.043/2014, que trouxe diversas alterações no tema relacionado à alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro, alterações essas que serão vistas nos tópicos a seguir.
II – PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS NO ÂMBITO DO MERCADO FINANCEIRO
Quando se fala em alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro, o primeiro negócio jurídico que vem na mente de qualquer pessoa é a compra de um veículo, através de determinado banco, com garantia de alienação fiduciária. Como visto nos conceitos acima, caso o comprador (devedor no contrato de alienação fiduciária) deixe de pagar determina(s) parcela(s), o banco (credor) poderá tomar medidas para adimplir, mesmo que de forma forçada, a dívida.
Inicialmente, o credor deverá notificar o devedor, a fim de comunicá-lo acerca do atraso no pagamento da dívida, o que comprova a sua mora. Importante destacar que, sobre esta notificação, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado de que “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente” (Súmula 72), ou seja, para comprovar uma das condições da ação de busca e apreensão (interesse de agir), o credor deve, através de uma notificação, comprovar a mora do devedor.
Uma das alterações existentes na Lei nº 13.043/2014 é a possibilidade de o credor notificar o devedor através de carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário (Art. 2º, § 2º, do DL 911/69). Anteriormente à novel legislação, o credor só poderia demonstrar a mora do devedor através de carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do titulo, realizado pelo Tabelionato de Protesto.
Percebe-se que, na prática, essa alteração irá facilitar ainda mais a reação do credor, pois este, além de não depender mais das burocracias dos Cartórios, irá economizar na efetivação da demonstração da mora do devedor. Aliás, sobre a facilitação desta efetivação, não é demais apontar a parte final do art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69, onde o legislador inseriu algo previsto na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: prescindibilidade da assinatura do devedor no Aviso de Recebimento (AR) da carta. Vejamos a decisão do Tribunal Superior:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA MEDIANTE NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. SUFICIENTE A ENTREGA NO ENDEREÇO DO DEVEDOR. PRECEDENTES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. Esta Corte consolidou entendimento no sentido de que, para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente. Precedentes. (DESTAQUEI)
2. Na presente hipótese, o acórdão recorrido informa que a notificação extrajudicial foi entregue no endereço da devedora.
Rever esta conclusão importaria no reexame do conteúdo fático-provatório dos autos, o que é vedado pelo teor da Súmula 7 deste Superior Tribunal.
3. Não tendo o agravante trazido qualquer razão jurídica capaz de alterar o entendimento sobre a causa, mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos.
4. Agravo regimental não provido.[2]
Ao ingressar com uma Ação de Busca e Apreensão, o credor poderá requerer a concessão de liminar inaldita altera pars, desde que seja comprovada, através da notificação extrajudicial, a mora do devedor e o seu inadimplemento. Sobre a liminar, uma alteração existente, através da novel Lei nº 13.043/2014, foi a possibilidade de o credor utilizar o plantão judiciário para essa finalidade (Art. 3º, caput, do DL 911/69), ou seja, além dos casos absolutamente graves passíveis de utilização do referido plantão, o legislador autorizou a inclusão das liminares nas ações de busca e apreensão, onde o objeto é o contrato de alienação fiduciária.
Demais disso, quando se trata de alienação fiduciária de veículo, que, conforme dito, é a maioria dos casos práticos, o legislador forneceu ao magistrado um meio eficaz para inserção de restrições sobre o veículo. Com a inserção do § 9º ao art. 3º do Decreto-lei nº 911/1969, o juiz deverá, através do convênio com o DENATRAN, inserir uma restrição judicial na base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAN. Para isso, o magistrado poderá utilizar o seu cadastro no sistema, inserindo, ele mesmo, a restrição judicial. Do contrário, caso o juiz não tenha acesso direto à base de dados, deverá expedir ofício ao DETRAN da localidade para os procedimentos previstos nos §§ 9º e 10 do art. 3º do Decreto-lei nº 911/1969.
Se, porventura, o veículo esteja em comarca que não aquela onde esteja tramitando a Ação de Busca e Apreensão, a parte credora poderá requerer àquele juízo a apreensão do objeto móvel, bastando, para isso, que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, se for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo (§ 12, do art. 3º, do DL 911/69). Posteriormente, seguindo o procedimento previsto nos §§ 13 e 14 do art. 3º, “a apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará a instituição financeira para retirar o veículo do local depositado no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas” e “o devedor, por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, deverá entregar o bem e seus respectivos documentos”.
É válido frisar, ainda, que o devedor terá o prazo de 05 (cinco) dias, após o cumprimento da liminar, para pagar a integralidade da dívida (§ 2º do art. 3º do DL 911/69), entendo esta como o valor referente a todas as parcelas vencidas e vincendas, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.418.593-MS). Porém, esta última interpretação do Tribunal Superior se deu após a edição da Lei n.° 10.931/2004, podendo, nas hipóteses ocorridas antes desta Lei, a purgação da mora pelo devedor, desde que tenha havido o pagamento de, no mínimo, 40% (quarenta por cento) do valor financiado, conforme Súmula 284 do próprio Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, a referida súmula está prejudicada nos casos posteriores à edição da Lei n.° 10.931/2004.
No que toca à defesa do devedor, este poderá, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar resposta, mesmo que tenha efetuado o pagamento total da dívida. Nesse caso, a defesa será referente ao pagamento feito a maior pelo devedor, o que poderá levar à devida restituição do quantum pago indevidamente, ou então à uma possível ilegalidade de cláusula inserida no contrato, o que justificaria, em tese, a aplicação da teoria da exceção do contrato não cumprido.
De mais a mais, com relação à própria satisfação do crédito, o credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato (Art. 2º do DL 911/69). Assim, o preço levantado com a venda da coisa será justamente para quitar o débito do devedor, além de pagar as despesas com a cobrança da dívida. Feito todo esse pagamento devido, qualquer sobra deverá ser devolvida ao devedor, ex vi da parte final do art. 2º, in litteris:
Art. 2o No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.
Por fim, caso o bem alienado fiduciariamente não seja encontrado, o credor poderá, nos próprios autos da busca e apreensão, requere a conversão para a ação executiva, onde serão penhorados tantos bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução (Art. 2º do DL 911/69).
III – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando os argumentos expostos, percebe-se que o legislador facilitou sobremaneira a reação do credor fiduciário, criando novos mecanismos para a satisfação do crédito.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
- TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 3ª Edição. São Paulo: Método, 2013.
- Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil.
- Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, que altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre (sic) alienação fiduciária e dá outras providências.
- Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei no 911, de 1o de outubro de 1969, as Leis no4.591, de 16 de dezembro de 1964, no 4.728, de 14 de julho de 1965, e no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências.
- Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2013, que dispõe sobre os fundos de índice de renda fixa, sobre a responsabilidade tributária na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimento por meio da entrega de ativos financeiros, sobre a tributação das operações de empréstimos de ativos financeiros e sobre a isenção de imposto sobre a renda na alienação de ações de empresas pequenas e médias; e outras providências.
[1] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 3ª Edição. São Paulo: Método, 2013,p. 1036.
[2] AgRg no AREsp 419.667/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/05/2014, DJe 13/05/2014
Procurador Federal da AGU - Advocacia Geral da União. Mestrando em Direito. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Ciências Criminais.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Jorge Andersson Vasconcelos. Principais alterações na alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42062/principais-alteracoes-na-alienacao-fiduciaria-de-bens-moveis-no-ambito-do-mercado-financeiro. Acesso em: 22 dez 2024.
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