RESUMO: O presente artigo pretende discutir os requisitos, de ordem objetiva e subjetiva, para a caracterização da litigância de má-fé, questionando sobretudo a tendência da doutrina e da jurisprudência em sustentar a taxatividade do elenco de condutas do artigo 17 do Código de Processo Civil.
PALAVRAS-CHAVE: Litigância de má-fé. Requisitos. Rol taxativo ou exemplificativo.
1. Introdução
As condições exigidas para a configuração da litigância de má-fé alternam-se conforme a opinião dos juristas quanto à natureza jurídica do instituto.
Para os doutrinadores que consideram a litigância de má-fé um ato ilícito, como ARRUDA ALVIM, os requisitos uniformizam-se com os exigidos para a configuração do ato ilícito, consoante se verifica das palavras do citado eminente professor:
É um ato ilícito, podendo ser tanto omissivo (ex. III, art. 17) como comissivo. Deve haver entre o ato (ou fato?) ilícito processual e o dano um nexo de causalidade (relação de causa e efeito). Deve haver também culpa, pois, do contrário, haveria boa-fé.[1] (grifamos).
No entanto, todos, mesmo os demais juristas, não obstante tratem a litigância de má-fé como abuso de direito, convêm que os requisitos, sem os quais não se configuraria a litigância de má-fé, são de ordem objetiva e subjetiva.
2. Requisitos objetivos e subjetivos
O requisito de ordem objetiva é o dano. Assim, a princípio deve se comprovar que do ato praticado pelo litigante sucedeu um prejuízo para o processo judicial ou para os sujeitos do litígio.
Conforme os ensinamentos de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “a responsabilidade, in casu, pressupõe o elemento objetivo dano (...).”[2]
Em artigo publicado na Revista Jurídica Consulex, de autoria de HÉLIO APOLIANO CARDOSO, acerca da litigância de má-fé, enfatizou-se a importância da ocorrência do dano:
Assim, quando o fato não tem qualquer influência no desfecho da lide, é curial que prejuízo nenhum restou às partes, quer ao processo, podendo, pois, o julgador, dentro de seu prudente arbítrio, deixar de aplicar a hipótese dos ditos comandos legais acima referidos,(...).[3]
Também em artigo, redigido por ZÉU PALMEIRA SOBRINHO, publicado no site do Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Primeira Região: “Para a configuração de litigância de má-fé manifestam-se, então, dois elementos na ação deletéria da parte: (...); b) o objetivo: o prejuízo sofrido pela parte adversa.”[4]
Neste sentido, colacionam-se algumas ementas de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – RECURSO ESPECIAL - INEXISTÊNCIA - RECURSO PREVISTO NA CARTA MAGNA - PREJUÍZO QUE A AGRAVANTE TERIA PRETENSAMENTE SUPORTADO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. A regra é que não se caracteriza como litigância de má-fé a utilização dos recursos previstos em lei, merecendo ser comprovado, nestas hipóteses, o dolo da parte em obstar o normal trâmite do processo e o prejuízo que a parte contrária houver suportado, em decorrência do ato doloso.[5]
PROCESSO CIVIL - LITIGANCIA DE MA-FE - ARTIGOS 17, V, E 18 DO CPC. 1. A conduta temerária em incidente ou ato processual, a par do elemento subjetivo, verificado no dolo e na culpa grave, pressupõe elemento objetivo, consubstanciado no prejuízo causado à parte adversa.[6]
PROCESSUAL - INEXISTÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ E DO DANO CAUSADO AO EMBARGANTE.
1 - A parte que se utiliza de recurso previsto pela legislação para recorrer não incorre em litigância de má-fé. Apenas utiliza seu direito de defesa e contraditório.
2 - Não basta a alegação de má-fé para que ela possa ser aferida. Faz-se necessário que a parte comprove a sua existência e, também, a caracterização do dano.[7]
EXECUÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ IMPUTADA À EXEQÜENTE. PREENCHIMENTO UNILATERAL DE CLAROS EXISTENTES NO CONTRATO CELEBRADO. IRRELEVÂNCIA.
- Sem a prova do comportamento maldoso da parte e, ainda, da existência efetiva do dano não se configura a litigância de má-fé. Inexistência de contrariedade ao art. 17, incisos II e III, do CPC. Recurso especial não conhecido. [8]
Mas como observa JOÃO BATISTA LOPES, “trata-se de dano resultante dos atos processuais praticados pela parte (procrastinação abusiva, falseamento de fatos, utilização de expedientes escusos etc.) ficando, pois, fora da previsão legal o dano resultante de atos extraprocessuais.”[9]
Ou, como explica CELSO AGRÍCOLA BARBI, dano processual são os “(...) danos que a parte cause a outro litigante no exercício de atividades no processo”.[10]
Nesta ótica, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: “eventual conduta injurídica, extraprocessual, de que resulte dano a terceiro, pode servir de fundamento a pleito indenizatório, mas não caracteriza litigância de má-fé.”[11]
Importa, todavia, diferenciar entre o dano material e o dano moral. O Poder Judiciário e a parte inocente podem ser vítimas de dano moral com a conduta maliciosa praticada nos termos do artigo 17 do CPC, assim como de danos materiais, os quais deverão ser cabalmente comprovados para fins de indenização, como virtuosamente explica ANA LÚCIA IUCKER MEIRELLES DE OLIVEIRA.[12]
Porém, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não reconheceu danos morais em razão da atuação maliciosa no processo:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO BANCO AUTOR DECLARADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. EXECUÇÃO. APURAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. PERÍCIA. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. PRETENSÃO DE OBTENÇÃO DE DANO MORAL. INCABIMENTO.
I. A penalidade imposta ao litigante de má-fé, nos moldes do art. 17, I, do CPC, impõe a apuração dos prejuízos causados à parte adversa com a conduta lesiva do autor, porém no âmbito do processo, não se confundindo com danos morais pela eventual repercussão negativa da lide no universo social e profissional dos réus, o que extrapola o sentido da aludida cominação.
II. Fixado o quantum indenizatório com base em prova pericial que corretamente se ateve ao âmbito processual acima explicitado, a discussão sobre aquele valor, situado em parâmetro razoável, importa no reexame do quadro probatório, encontrando o óbice da Súmula n. 7 do STJ.
III. Recurso especial não conhecido.[13]
De outro lado, como o dano processual decorre de uma ação humana praticada no litígio, é imprescindível perquirir-se acerca do animus do litigante que praticou o prejuízo no processo, para, a partir daí, pretender condenação às penas da litigância de má-fé.
Neste ponto, cabe salientar que o elemento subjetivo tem sido objeto de debate na doutrina e na jurisprudência. Para alguns, o elemento subjetivo é o dolo; para outros, não necessariamente se perquire da intenção, podendo haver conduta culposa grave ou erro grosseiro.
Para HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, por exemplo, “preferindo qualificar a parte que comete abuso de litigante de má-fé, e não apenas de litigante temerário, demonstrou o Código brasileiro que se trata de punição para conduta dolosa (intencionalmente nociva) e não apenas culposa.”[14]
Como explica o eminente doutrinador, “para fins do art. 17, é preciso que o litigante adote intencionalmente conduta maliciosa e desleal.”[15]
Leciona ADA PELLEGRINI GRINOVER que, se “(...) para a configuração do abuso de direito são necessários a intenção do agente e o prejuízo deliberado a terceiros, como se vê da doutrina francesa, igualmente certo é que, na hipótese, não tendo ocorrido nenhuma nem outro, não há como se falar em exercício anormal de direito.”[16] O mesmo poder-se-ia dizer acerca da litigância de má-fé, que, em nossa opinião, tem substrato na teoria do abuso do direito.
Todavia, para o eminente jurista HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, em sua obra Curso de Direito Processual Civil, “a responsabilidade, in casu, pressupõe o elemento objetivo dano e o subjetivo culpa, mas essa não se confunde necessariamente com o dolo e, pelo casuísmo legal, pode às vezes limitar-se à culpa em sentido estrito, mas de natureza grave (art. 17, n° I e VI).”[17]
No artigo publicado no site do Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Primeira Região, ZÉU PALMEIRA SOBRINHO escreveu: “Para a configuração de litigância de má-fé manifestam-se, então, dois elementos na ação deletéria da parte: a) o subjetivo: a má intenção inferida de conduta escusável.”[18]
Para PONTES DE MIRANDA, contudo, “A lei não exige, quer para invocação do art. 16, quer do art. 18, o elemento do dolo.”[19]
Sobre a exigência de dolo ou de culpa grave, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. SUMULA 383 DO STF. PRECEDENTES DO STJ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA.
(...)
III- A simples omissão de parte do art. 3. Do decreto-lei n. 1.597/72, pelo agravante, não configurou, in casu, litigância de má-fé, por isso que não houve nenhuma conduta lesiva, praticada com intenção de prejudicar (elemento subjetivo), nem mesmo outro comportamento equiparavel a culpa grave, qualquer deles suscetíveis de enquadramento nas hipóteses previstas no art. 17 da lei processual civil.[20] (grifamos).
Concordamos, entretanto, com a opinião de CELSO AGRÍCOLA BARBI, a seguir exposta:
A idéia comum de conduta de má-fé supõe um elemento subjetivo, a intenção malévola. Essa idéia é, em princípio, adotada pelo direito processual, de modo que só se pune a conduta lesiva quando inspirada na intenção de prejudicar.
Mas algumas vezes é muito difícil pesquisar a intenção do agente, de modo que exigir sempre esse elemento subjetivo redunda em impedir uma repressão mais enérgica da má conduta das partes.[21]
Por isto, explica o ilustre jurista:
(...) nossa lei não define má-fé nem culpa grave, e enumera os casos em que se reputa de má-fé a conduta. Nessa enumeração, inclui hipóteses em que a intenção malévola é exigida, e outras em que ela é dispensada. Nessas últimas está implícita a exigência somente de culpa grave. Exemplo das primeiras está no item III; da últimas, nos itens I e VII do art. 17. A culpa grave equivale ao erro grosseiro, sendo esta uma expressão de uso mais corrente em nosso direito.[22]
Comunga da mesma opinião o jurista ROGÉRIO LAURIA TUCCI, citando, ipsis verbis, em seu livro Temas e Problemas de Direito Processual, CELSO AGRÍCOLA BARBI.[23]
Neste sentido, ANA LÚCIA IUCKER MEIRELLES DE OLIVEIRA afirma ser “imprescindível o elemento subjetivo, ou seja, o agente necessita agir com dolo ou culpa grave, precisa ter a intenção, embora esta nem sempre seja necessária à configuração dos tipos ali descritos,[24] ou seja, prescinde-se do querer, considerando-o implícito na conduta.”[25]
Dessa forma, entendemos que o Código de Processo Civil, ao determinar que o litigante responde por perdas e danos quando pleitear de má-fé (art. 16), está a exigir a intenção malévola de prejudicar, posto que pratica exercício abusivo de um direito processual[26], o que impõe ao julgador a perquirição do animus do litigante. Contudo, quando o legislador enumera algumas hipóteses no art. 17, o faz reclamando ou não a intenção de prejudicar (má-fé). Nas hipóteses em que não exige a má-fé, como ocorre nos incisos I e VII, do art. 17, basta a demonstração da culpa grave (erro grosseiro).
Culpa grave, conforme o citado jurista CELSO AGRÍCOLA BARBI, equivale ao erro grosseiro,[27] ou, como esclarece o mestre CARNELUTTI:
Culpa grave è, según los principios comunes, un grave defecto de diligencia en la valoración de la justicia de la petensión o de la oposición y, por tanto, no haber advertido una injusticia que una diligencia, aún escasa, hubiera bastado para advertir.[28]
Contudo, conforme assevera JOÃO BATISTA LOPES, “(...) como a má-fé se traduz, às vezes, por expedientes ardilosos e sutis, sua prova é difícil, o que tem levado a doutrina a contentar-se com meros indícios, desde que veementes e concordantes.”[29]
Grande parte da doutrina e da jurisprudência tem sustentado a necessidade da conduta maliciosa do litigante estar prevista numa das hipóteses do art. 17 do Código de Processo Civil, como esclarece RUI STOCO:
As hipóteses de caracterização de litigância de má-fé estão arroladas em numerus clausus no art. 17 do CPC, ou seja, taxativamente, não comportando ampliação. Esse o entendimento quase pacífico dos nossos doutrinadores.[30]
Assim, na opinião do insigne jurista, o ato malicioso, que não tenha enquadramento nas hipóteses do art. 17, não enseja litigância de má-fé, sendo que a parte só poderia buscar a reparação das perdas e danos em ação autônoma. Todavia,
(...) nada impede que, ocorrendo ofensa ao dever genérico de lealdade, estabelecido no art. 14 do CPC, mas não prevista expressamente nas hipóteses clausuladas do art. 17, a parte interessada busque, através de ação autônoma, reparação ou indenização com supedâneo no Direito Comum, desde que esse comportamento se transmude em ato ilícito, (...).[31]
Neste sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE DEVEDOR. NULIDADE DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - CDA. REQUISITOS (AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO CO-RESPONSÁVEL PELO DÉBITO TRIBUTÁRIO E DE DISCRIMINAÇÃO DA DÍVIDA). ART. 2º, § 5º, DA LEI 6.830/80. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTAMENTO.
(...)
3 - Para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessário o preenchimento de três requisitos, quais sejam: que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas no art. 17, do CPC; que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa (CF, art. 5º, LV); e que da sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa.[32] (grifamos).
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO ECONÔMICO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA UFESP COMO FATOR DE CORREÇÃO DE DÉBITOS FISCAIS. PRECEDENTES. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO CARACTERIZADO. ARESTO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83. INCIDÊNCIA. ALEGATIVA DE INVALIDAÇÃO DE LEI FEDERAL EM FACE DE LEI ESTADUAL. FUNDAMENETAÇÃO RECURSAL DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 128, 458, II, III, 460 DO CPC; 2º, § 7º E 3º, § 1º DO DECRETO-LEI Nº 406/68. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. OFENSA AO ART. 17 DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
4. Há violação ao art. 17 do CPC, quando se condena a parte por litigância de má-fé: sem lhe dar oportunidade de defesa, sem que haja sido comprovado dano processual quantificável à parte adversa; ou ainda, quando não há o enquadramento preciso da conduta atribuída do "improbus litigator" nas hipóteses elencadas "numerus clausus", no art. 17 da Lei Processual vigente.[33]
Todavia, não parece ser esse o entendimento mais coerente com o sistema jurídico brasileiro, posto que a limitação impediria o combate efetivo dos demais abusos de direito processual, sobretudo às transgressões aos princípios da boa-fé e da lealdade processual, deixando impunes condutas verdadeiramente ímprobas.
Compartilhamos, portanto, da opinião de JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM, que, acerca do artigo 17 do Código de Processo Civil, comenta:
Se bem interpretado, no entanto, o art. 17, em cotejo com o art. 16, ver-se-á que o que parece taxativo não passa de um elenco meramente exemplificativo, e nem poderia ser de outra forma, se se considerar que o legislador não é advinho, nem possui ‘bola de cristal’, para prever todas as condutas processuais capazes de se comportarem no elenco de um conceito tão fluido e indeterminado como é o de má-fé.[34]
O propósito da lei é, num primeiro momento, responsabilizar por perdas e danos todo aquele que pleitear de má-fé, o que faz no art. 16, reputando, implicitamente, litigante de má-fé, todo aquele que adota qualquer conduta contrária à boa-fé tout court. Portanto, ao dizer, no art. 17, que reputa-se de má-fé o litigante que adota uma das condutas descritas nos seus diversos incisos, contempla expressamente estas e, implicitamente, toda aquela que vista a mesma túnica, o que faz com que o preceito assuma o caráter de numerus apertus (ilimitado) e não de numerus clausus (limitado).[35]
Tanto isso é verdade que o STJ, antes mesmo da Lei nº 9.668/98, que acrescentou o inciso VII ao art. 17, já vinha condenando ao pagamento de perdas e danos aquele que opusesse recursos infundados (jurisprudência STJ, AI 132.761).[36]
Com a mesma percepção, OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, para quem “o verbo ‘reputa-se’, empregado pelo legislador, sugere que a enumeração seja meramente exemplificativa.”[37]
Da mesma forma, HÉLIO APOLIANO CARDOSO:
O campo de aplicabilidade do instituto da litigância de má-fé é ilimitado, de modo que, ocorrendo qualquer resquício de exercício anormal de defesa e recurso, mediante prática e uso de argumentos manifestamente inadequados, com deslealdade processual e conduta temerária e prejuízo, aí estará aberta a porta para a aplicação, mesmo reconhecendo os casos clássicos da litigância de má-fé.[38]
Na verdade, embora exemplificativas, a descrição das condutas no art. 17 permite uma repressão mais objetiva ao litigante de má-fé. Não se trata, porém, de presunção de culpa (responsabilidade objetiva), porquanto todas elas requerem exame do comportamento malicioso do litigante. Neste sentido, JOÃO BATISTA LOPES[39] e AGRÍCOLA BARBI.[40]
Sobre o tema, registre-se o pensamento de RUI STOCO:
Ora, se a má-fé é a expressão do direito mal exercido, convertendo-se em ato ilícito, e se o ato ilícito em nossa legislação, tal como estabelece o art. 159 do Código Civil de 1916, só impõe reparação quando praticado por ‘ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência’, ressuma evidente que o conceito de má-fé não dispensa a culpa.[41]
Acrescente-se que a responsabilidade objetiva constitui exceção em nosso Direito, pelo que só é admissível quando expressamente prevista por lei, como ocorre, por exemplo, nos casos clássicos de responsabilidade das prestadoras de serviço público (CF/88, art. 37, § 6°) ou no caso do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).[42]
De outra banda, NELSON NERY JÚNIOR entende que a taxatividade diz apenas com as descrições enumeradas no art. 17, mas não em relação à incidência do instituto nos processos não regulados pelo Código de Processo Civil, como é o caso da Ação Popular, da Ação Civil Pública e do Mandado de Segurança.[43]
Ante a relevância do princípio da lealdade processual para a realização do Direito e da Justiça, para nós não há dúvida de que o legislador não poderia ater-se, no que tange à penalidade do litigante de má-fé, apenas às hipóteses do art. 17 do Código, sob pena de obstar a finalidade legal, qual seja, a repressão aos atos atentatórios à dignidade da Justiça.
Desse modo, afigura-se equivocado restringir a noção de litigância de má-fé às hipóteses elencadas no art. 17 do CPC. Em especial, porque a caracterização da litigância de má-fé está muito mais relacionada ao abuso do direito processual, por afronta ao princípio da boa-fé e da lealdade processual (art. 14), do que às restritas situações do artigo 17.
Sobre a matéria, assim também conclui ARRUDA ALVIM:
O artigo 17 dá ao magistrado um paradigma para ter o litigante como sendo de má-fé.
(...)
O critério do legislador constitui-se em especificar, definindo as hipóteses que configuram, no fundo e na realidade, infringência aos deveres referidos no art. 14. [44]
4. Conclusão
São requisitos, portanto, para configurar a litigância de má-fé o prejuízo processual ou dano material ou moral (elemento objetivo), bem como o dolo ou mesmo a culpa grave do litigante (elemento subjetivo), dispensando-se a exata subsunção dos das condutas avaliadas ao rol do artigo 17, que ostenta o caráter de numerus apertus.
[1] ARRUDA ALVIM, José Manoel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1975, vol. II., p p. 148/149.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 2. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. I, p. 76.
[3] CARDOSO, Hélio Apoliano. Da Litigância de Má-Fé. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n.° 113, p. 38-41, set. 2001, p. 39.
[4] PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. Litigância de Má-Fé e a Nova Redação do Art. 18. Disponível em http://www.trt21.gov.br/publ/index2.html. Acesso em 11/05/2002.
[5] AGA 398870/SP, Segunda Turma, rel. Min Paulo Medina, DJ 11.03.2002, p. 249.
[6] REsp 21549/SP, Primeira Turma, rel. Humberto Gomes de Barros, DJ 08.11.1993, p. 23520.
[7] EDAG 314574/MA, Primeira Turma, rel. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18/12/2000, p. 170.
[8] REsp 220162/ES, Quarta Turma, rel. Barros Monteiro, DJ 09/04/2001, p. 366.
[9] LOPES, João Batista. O Juiz e a Litigância de Má-Fé. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.° 740, p. 128-33, 1997. p. 129.
[10] BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 124.
[11] REsp 117483/SP, Terceira Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 23/06/1997, p. 29128.
[12] OLIVEIRA, Ana Lúcia Iucker. Meirelles de. Litigância de Má-Fé. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000.p. 81.
[13] REsp 217442/BA, Quarta Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior , DJ 05/11/2001, p. 115.
[14] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O processo civil brasileiro: no limiar do novo século. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 60.
[15] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 13.
[16] GRINOVER, Ada Pellegrini. Desistência e Reajuizamento do processo. Exercício Regular de Direito. Inexistência de Litigância de Má-Fé. Conduta Ética dos Procuradores. O Processo em Evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996. p. 378.
[17] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 2. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. I. p. 76.
[18] Litigância de Má-Fé e a Nova Redação do Art. 18. Disponível em http://www.trt21.gov.br/publ/index2.html. Acesso em 11/05/2002.
[19] MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Brasília: Forense, 1973. Tomo I. p. 370.
[20] REsp 72465/SP, Primeira Turma, rel. o Ministro Demócrito Reinaldo, DJ 15/12/1997, p. 66216.
[21] Op.cit., p. 125.
[22] Idem, ibidem.
[23] TUCCI, Rogério Lauria. Temas e Problemas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 22-3.
[24] Refere-se ao artigo 17 (op. cit., p. 34).
[25] Op. cit., p. 34.
[26] Idem, ibidem.
[27] Idem, ibidem.
[28] CARNELUTTI, Francesco. “Instituciones del Proceso Civil”. Trad. da 5 ed. Italiana por SANTIAGO SENTIS MELENDO. EJEA, v. I, Buenos Aires, 1989, p. 364-365.
[29] LOPES, João Batista. p. 129.
[30] STOCO, Rui. Abuso do Direito e Má-Fé Processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 97.
[31]Idem, p. 53/54.
[32] REsp n.º 271584/PR, Primeira Turma, rel. Ministro José Delagado, DJ 05/02/2001, p. 80.
[33] REsp 84835/SP, Primeira Turma, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 26/10/1998, p. 22.
[34] ALVIM, José Eduardo Carreira. Código de Processo Civil Reformado. 4a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 28.
[35] Idem, p. 28/29.
[36] Idem, p. 29.
[37] SILVA, Ovídio Araújo Baptista. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. I. p. 110.
[38] CARDOSO, Hélio Apoliano. Da Litigância de Má-Fé. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n.° 113, p. 38-41, set. 2001.p. 40.
[39] Op. cit., p. 128
[40] Op. cit., p. 176.
[41] Op. cit., p. 96.
[42] STOCO, Rui. Op. cit. p. 96.
[43] NERY JÚNIOR, Nelson et al. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual em Vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 423.
[44] Op. cit., p. 153.
Procurador Federal desde 2010, atualmente em exercício junto à Procuradoria-Seccional Federal de Caxias do Sul-RS. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALLEGARI, Artur Henrique. Litigância de má-fé: análise crítica sobre seus requisitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42092/litigancia-de-ma-fe-analise-critica-sobre-seus-requisitos. Acesso em: 23 dez 2024.
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