1. INTRODUÇÃO
O procedimento do recurso de agravo de instrumento merece especial atenção do operador do direito na medida em que se trata de um recurso corriqueiramente utilizado no bojo dos processos judiciais.
A análise de seu rito procedimental, percorrendo, inclusive os requisitos para seu cabimento, afigura-se imprescindível. Neste trabalho, temos o objetivo de discorrer sobre algumas questões relevantes para a apreciação do recurso.
2. PROCEDIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Os recursos devem, para terem o mérito apreciado, ultrapassar pressupostos para serem admitidos. São os pressupostos de admissibilidade requisitos indispensáveis ao exame do mérito recursal. Esses pressupostos, analogicamente, correspondem às condições da ação.
Os pressupostos de admissibilidade referem-se a requisitos aferidos no curso do processo, podendo ser intrínsecos ou extrínsecos. O cabimento, a legitimidade para recorrer e o interesse em recorrer são pressupostos intrínsecos do recurso, já os extrínsecos são a tempestividade, o preparo e a regularidade formal.
A análise dos referidos requisitos é chamada juízo de admissibilidade do recurso, ou juízo de prelibação, podendo ser positivo, quando se admite o processamento do recurso e, por desdobramento, o exame do mérito recursal, ou negativo, vedando a apreciação do mérito do recurso. O juízo de admissibilidade quando positivo, via de regra, é implícito e o negativo sempre é ato explícito e motivado.
O recurso de agravo de instrumento, como não poderia deixar de ser, também deve observar esses pressupostos. Ao contrário do agravo retido e da maioria dos recursos, que têm duas fases de admissibilidade – uma perante o juízo a quo e outra no juízo ad quem –, o agravo de instrumento, por ser interposto diretamente diante do órgão julgador (art. 524 do CPC), tem uma só fase de juízo de admissibilidade, isto é, perante o juízo ad quem. Saliente-se, por oportuno, que a manifestação conclusiva sobre a admissibilidade será sempre realizada pelo órgão competente para apreciação do mérito recursal.
A admissibilidade, sendo matéria de ordem pública, pode ser conhecida a qualquer tempo pelo órgão recursal e exofficio, razão pela qual se justifica a presença entre os efeitos do agravo, do efeito translativo[1].
3.1. O ART. 526 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Interessante notar que a Lei n. 10.352/2001, ao modificar o art. 526 do Código de Processo Civil trouxe um esdrúxulo requisito de admissibilidade do recurso de agravo, eis que este não pode ser conhecido de ofício e deve ser argüido e provado pelo agravado, ou seja, só pode ser reconhecido após o regular processamento do recurso. Dispõe o referido dispositivo:
Art. 526. O agravante, no prazo de 3(três) dias, requererá juntada, aos autos do processo, da cópia de petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso.
Parágrafo único. O não cumprimento do disposto neste artigo, desde que argüido e provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo (g.n.).
Tal alteração foi feita para sanar situação atroz ocorrida na doutrina e na jurisprudência, pois o art. 526 do CPC, quando introduzido pela Lei n. 9.139/95, previa a juntada de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como de todos os documentos que instruíram o recurso, sem qualquer sanção para seu descumprimento.
A doutrina, capitaneada por Carreira Alvim, Milton Flaks e Vicente Greco Filho[2] entendia que o art. 526 do CPC era um pressuposto recursal - viabilizando o juízo de retratação e o conhecimento das razões recursais pelo agravado -, e o seu descumprimento acarretaria o não conhecimento do recurso. Cândido Rangel Dinamarco, Nelson Nery Jr. e Sérgio Fadel, por seu turno, entendiam que o recurso deveria ser sempre admitido, pois a norma além de não impor sanção, visava tão-somente garantir o juízo de retratação, o que era apenas interesse do agravante, sendo mera faculdade garantida pela norma. Este foi o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, após vários julgados em sentidos antagônicos.
Agora, após a Lei n. 10.352/2001, segundo Athos Gusmão Carneiro, a referida determinação legal, tem tripla utilidade:
a) permite ao juiz saber da existência do recurso e de seus fundamentos, facultando-lhe, se entender de direito, exercer o ‘juízo de retratação’, com imediata intimação das partes e comunicação ao relator (art. 529); b) permite à parte agravada conhecer o âmbito e os fundamentos do recurso, a fim de que se possa aparelhar, quando intimada pela via postal ou pelo órgão oficial), a exercer seu direito de impugnação no prazo decendial (art. 527, III[3]); c) permite ao juiz, conhecedor dos argumentos apresentados pelo recorrente contra sua decisão, prestar a respeito mais amplas e melhores informações ao relator (art. 527, I[4])[5].
Vê-se, ainda, que embora seja um ônus do agravante, incumbe ao agravado argüir o descumprimento e prová-lo, o que é razoável, já que será o prejudicado, podendo ter dificuldades de acesso a cópia da petição inicial do recurso para apresentar contraminuta.
Há, ainda, quem afirme que sua finalidade é dupla e atende tão-somente a interesses particulares: a) do agravante que, em um curto período, tem a possibilidade de ver a decisão reconsiderada pelo magistrado, eis que a cópia do recurso ensejaria o juízo de retratação; e, b) do agravado, que teria conhecimento desde logo do recurso interposto[6]. Desta forma, há razões pragmáticas para postergar a análise deste requisito, conquanto não represente a melhor técnica processual.
Outra questão a respeito do art. 526 do Código de Processo Civil é suscitada por Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier e diz respeito à possibilidade do próprio juízo a quo informar o descumprimento dessa norma, ao argumento de que “pode ter sido ‘prejudicado’ pela não juntada, por não ter podido se retratar”. Afastam a citada possibilidade considerando que:
...ainda que o juiz não esteja exercendo função jurisdicional quando presta informações, não é usual nem tradicional no nosso direito (mas, ao contrário, é excepcionalíssimo) exigir do juiz atividade probatória. Em segundo lugar, porque o juiz não seria prejudicado, já que não tem prazo para retratar-se. Pode perfeitamente tomar conhecimento da petição de interposição do agravo nesse momento (se não tomou antes, quando foi intimado para prestar informações, o que costuma ocorrer na maioria dos Tribunais) e então retratar-se (ou manter sua decisão)[7].
A norma é, portanto, clara, pois somente se argüido e provado pelo agravado, até o julgamento do mérito recursal, é que pode o Tribunal adquem deixar de admitir o recurso. Assim, mesmo se o juiz comunicar nas informações (art. 527, IV, do CPC) o descumprimento do art. 526 do Código de Processo Civil (a intempestividade da juntada ou a ausência de cópia de petição do agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e a relação dos documentos que instruíram o recurso), o Tribunal só se manifestará pela inadmissibilidade se o agravado suscitar a questão.
Revela a norma, também, o objetivo de acelerar o procedimento, pois como o agravante terá que promover a juntada da petição inicial do agravo e dos documentos que o instruem, o juízo a quo, se optar pela retratação, o fará com maior rapidez. O Tribunal, por sua vez, pode, tranquilamente, exercitar a faculdade de solicitar, ou não, informações, eis que a solicitação não será determinante para o juízo de retratação.
3.2. O ART. 527 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
A redação do art. 527 do CPC, por seu turno, foi sensivelmente transformada. Entretanto, continuaram mantidas a interposição do recurso diretamente ao Tribunal, a determinação de que a distribuição do agravo seja feita incontinenti, bem como a centralização dos impulsos processuais pelo relator, demonstração evidente da ânsia do legislador em conferir celeridade ao recurso, “não sendo lícita sua retenção sob o argumento de excesso no número de recursos a serem distribuídos”[8], como afirma Athos Gusmão Carneiro.
O inciso I do art. 527 do Código de Processo Civil, utilizando-se do dispositivo previsto no art. 557 do mesmo Código, prevê que o relator pode, sozinho, indeferir ou julgar o agravo de instrumento. O juízo de admissibilidade deste recurso inclui não só juízo de prelibação, mas também de delibação, alcançando o próprio mérito recursal, atos estes que, como já salientado, serão realizados pelo próprio relator ao receber o agravo.
A propósito, a norma prevista no art. 557, caput, do Código de Processo Civil tem caráter impositivo, cogente e pode ser aplicada sem contraditório prévio, já tendo o Supremo Tribunal Federal decidido que a inovação trazida pela Lei n. 9.756, de 17.12.1998 ao referido dispositivo é constitucional (RTJ, 139/53). Trata-se de um dever do relator, pois estabelece:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (g.n.).
Athos Gusmão Carneiro, sobre esta questão, afirma que “...foi notavelmente ampliada a competência atribuída ao relator em nível monocrático: não apenas ‘poderá’, mas ‘deverá’ examinar preliminarmente se concorrem os requisitos de admissibilidade de qualquer recurso, e não apenas dos agravos”[9].
Já Carreira Alvim sustenta que:
“embora o preceito dê a entender que é dever do relator, sempre, negar – ‘negará’, soa o texto – seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, não se perca de vista que as condições que justificam a decisão monocrática não deixam de ter color subjetivo; de forma que, o fundamento legal pode estar presente para um relator, e não, para outro. Assim, por exemplo, o que um considera ‘manifestamente’ inadmissível, outro não vislumbra inadmissibilidade manifesta, de modo a justificar uma decisão monocrática. Como a regra é o julgamento plural, não deve o relator julgar singularmente, senão quando convencido de que a parte sucumbente no recurso não agravará, ou, se agravar, o seu agravo interno não será provido pelo órgão colegiado do tribunal; do contrário, estará pretendendo agilizar um julgamento que, por certo, desaguará, mais cedo ou mais tarde, no colegiado”.[10]
Entretanto, as considerações de Carreira Alvim só corroboram a imposição trazida pela norma àquele que a aplicará, ou seja, o relator. Desta forma, se o relator do recurso ao analisá-lo verificar a incidência de uma das hipóteses legais, deverá aplicá-la, o que por certo será confirmado quando do julgamento pelo órgão colegiado.
Desta forma, o relator deverá: negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior; e, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
É indiscutível a possibilidade de aplicação do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil ao agravo de instrumento, por tratar-se de regra geral. Contudo, a norma não pode ser aplicada de plano pelo relator, eis que é mister oportunizar ao agravado defender-se, sob pena de violar os princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Ora, enquanto a maioria dos recursos chega ao relator já devidamente processado (apelação, embargos infringentes, recurso especial, recurso extraordinário etc), o agravo de instrumento é interposto e processado diretamente perante o órgão competente para apreciá-lo. Com efeito, o próprio art. 527 do Código de Processo Civil prevê tão-somente a negativa liminar de seguimento do agravo (inciso I).
Neste ponto, é importante ressaltar que a doutrina ainda diverge sobre as possibilidades de indeferimento liminar de agravo pelo relator expostas no caput do art. 557 do Código de Processo Civil, sustentando alguns autores que o vocábulo manifestamente somente qualifica a inadmissibilidade do recurso enquanto outros afirmam ser necessário que o recurso seja manifestamente: inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, para que possa ser indeferido monocraticamente pelo relator e “se for duvidosa a inadmissibilidade, ou a improcedência, ou a contrariedade à súmula do Tribunal, deverá remetê-lo ao órgão colegiado para julgamento”. [11]
A melhor interpretação da norma parece ser de que o relator somente poderá negar seguimento ao recurso se verificar a qualificação manifestamente presente em qualquer das possibilidades previstas no art. 557, caput, do Código de Processo Civil[12].
O agravo de instrumento é, portanto, manifestamenteinadmissível quando estiverem ausentes os pressupostos recursais subjetivos (legitimidade e interesse) ou objetivos (tempestividade, preparo, adequação do recurso etc), gerando o não conhecimento dele.
O defeito de formação do agravo se insere nas hipóteses de manifesta inadmissibilidade do agravo, o que implica seu não conhecimento. Tal hipótese ocorre quando o agravante não instruir a petição de agravo com as peças obrigatórias previstas no art. 525, I, do Código de Processo Civil ou quando não juntar as peças indispensáveis à compreensão da controvérsia.
As peças consideradas obrigatórias são: cópia da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. A doutrina e a jurisprudência têm afastado a exigência de certidão de intimação quando a tempestividade puder ser provada por outra forma[13], bem como das procurações quando estas forem impossíveis de serem juntadas, como no caso de ainda não ter havido contestação ou na hipótese do agravado ser o Ministério Público ou a Fazenda Pública[14].
Diante da impossibilidade de se converter em diligência o julgamento do agravo, tal como era possível antes da Lei n. 9.139/95, a jurisprudência construiu, ainda, a partir de interpretação da Súmula 288 do STF[15], uma outra exigência para formação do instrumento: as peças essenciais ou necessárias à compreensão da controvérsia[16].
Desta forma, se o agravante deixa de juntar qualquer documento que pode influenciar no julgamento do recurso, o relator pode, de plano, não conhecer do agravo, considerando-o manifestamente inadmissível por falta de peça essencial ao deslinde da controvérsia. À guisa de exemplo, cite-se o documento comprobatório de alteração do expediente forense perante o juízo a quo[17].
O agravo, por sua vez, é manifestamente improcedente nos casos em que fere frontalmente a legislação, sendo de plano impossível seu provimento. O improvimento é aferível ictooculi pelo relator. De outro lado, é manifestamenteprejudicado por se tornar inútil a sua própria função, como no caso da perda do objeto em virtude da retratação do juízo a quo (art. 529 do CPC).
O relator pode, ainda, negar seguimento ao agravo se ao apreciar o mérito verificar estar o recurso em manifesto confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, do que se conclui ser bastante tênue a diferença entre esta hipótese e as de manifesta improcedência e inadmissibilidade, razão pela qual Athos Gusmão Carneiro[18] entende estar esta hipótese subsumida pelas duas outras.
O procedimento do agravo de instrumento foi inovado pelas duas últimas alterações legislativas que criaram, no art. 527, II, do Código de Processo Civil, a possibilidade do relator convolar o agravo de instrumento em retido quando não houver urgência ou perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação ou a decisão versar sobre a inadmissão da apelação ou sobre os efeitos que a apelação for recebida (art. 522, caput, do CPC, alterado pela Lei n. 11.187/2005).
Enquanto sob a égide da Lei n. 10.352/2001 converter o agravo de instrumento em retido era por muitos considerada uma faculdade, e não um dever, e agora, conforme a dicção da Lei n. 11.187/2005, trata-se inequivocadamente de dever, uma vez que a nova redação determina que o relator converterá o recurso. A providência visa à diminuição do grande número de agravos de instrumento que tramitam nos tribunais de segundo grau[19], e vem reforçada pela impossibilidade de recurso ao colegiado contra esta decisão (art. 527, parágrafo único, do CPC).
A vedação ao referido recurso, que para Teresa Arruda Alvim Wambier foi a alteração mais relevante da Lei n. 11.187/2005[20], tem como escopo “evitar a superposição, a reiteração de recursos, que ao fim e ao cabo importa maior retardamento processual, em prejuízo do litigante a quem assiste razão”[21]. De se notar que a possibilidade de recurso contra a decisão que determinava a conversão do agravo de instrumento em retido, prevista pela Lei n. 10.352/2001, foi alvo de diversas críticas, não só da doutrina, mas também dos operadores do direito, que a viam como entrave a operacionalização da citada conversão.
A existência de vedação legal ao recurso não impede que o prejudicado impetre mandado de segurança, utilizando o mandamuscomo sucedâneo recursal. Conquanto existam decisões teratológicas, que impedem o justo conhecimento do agravo de instrumento pela Turma Julgadora, obstaculizar o recurso contra a decisão que converte o agravo de instrumento em retido coaduna com o espírito de celeridade e efetividade, impedindo a utilização das vias recursais pelo mero prazer de demandar e esgotar todas as vias recursais (com intuito muitas vezes procrastinatório).
Não está imune de críticas o referido parágrafo único do art. 527 do Código de Processo Civil, eis que prevê a reforma da decisão, de que trata o art. 527, II, do mesmo Código, por reconsideração do relator ou quando do julgamento do agravo, o que é tecnicamente inoperante, considerando que o agravo irá ficar retido nos autos.
O inciso III do art. 527, por sua vez, estabeleceu que o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão.
De regra, o agravo de instrumento somente é recebido no efeito devolutivo, nos termos do art. 497 do Código de Processo Civil, sendo devolvido ao tribunal competente toda a matéria veiculada apropriadamente no recurso.
A decisão recorrida, desta forma, pode ter plena eficácia, sem danos à causa, que poderá prosseguir normalmente, a menos que seja conferido efeito suspensivo à decisão ou antecipada a tutela da pretensão recursal.
Interessante definir que é o efeito suspensivo. Socorrendo-me das lições do Professor Getúlio Targino Lima, citado pela também Professora Valentina Jungmann Cintra Alla, vê-se que “a decisão passível de recurso não é eficaz enquanto transcorre o prazo para a interposição desse remédio processual. Interposto, prorroga-se por mais algum tempo a ineficácia já existente, face à pendência da possibilidade de um recurso com efeito suspensivo. A suspensividade, portanto, não suspende uma eficácia existente. Prorroga a ineficácia que existia face à possibilidade do remédio recursal.”[22] O efeito suspensivo é, então, a prorrogação da ineficácia da decisão enquanto não for julgado o recurso.
Com efeito, como a concessão de efeito suspensivo ou de antecipação da tutela recursal são exceções, razão pela qual, segundo entendimento da doutrina, estes pedidos só podem ser apreciados se a parte, necessariamente, os requerer. O deferimento, de igual modo, só poderá ocorrer nos casos previstos na lei, por ser exceção à regra prevista no art. 497 do Código de Processo Civil.
O relator, portanto, não pode conferir exofficio os referidos pleitos, devendo estes ser expressamente requeridos pelo agravante nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação (art. 558 do CPC).
Portanto, “a nova sistemática do agravo torna obrigatório o pedido de suspensão na própria petição do agravo, por ocasião da interposição deste como acontece com o pedido de liminar no mandado de segurança”[23]. Aplica-se, com já visto, tal entendimento, também, ao pedido de antecipação da tutela da pretensão recursal.
O efeito suspensivo pode ser concedido nos casos em que há “o perigo de que da eficácia da decisão impugnada decorram danos graves e de difícil reparação para o recorrente, sendo o fundamento do recurso, relevante. A lei alude a alguns casos,..., apenas a título exemplificativo”[24]. Desta forma, caso concedida à suspensão pelo relator, a decisão proferida pelo juízo a quo não terá eficácia enquanto não for julgado o recurso.
Destaque-se que, conforme a dicção legal, a lesão deve ser concomitantemente grave e de difícil reparação, sendo grave toda lesão que ultrapassa o tolerável, sendo esta, objetivamente ou subjetivamente, de difícil reparação. Concluindo o relator pela presença de ambas as condições o pedido deve ser concedido.
Athos Gusmão Carneiro e Teresa Arruda Alvim Wambier citam a posição de Alcides de Mendonça Lima que “asseverava que, nos casos do art. 558, o juiz tem ‘arbítrio’ para decidir. Cabe-lhe dar efeito suspensivo ao agravo, nestes casos, ‘a seu talante’. Não é um direito assegurado ao vencido recorrente, porquanto ao juiz se outorga a faculdade de deliberar se é, ou não, possível, sustar a execução da ordem”.[25] O arbítrio “é expressão que se usa para designar o poder de alguém determinar-se consoante os ditames da própria vontade, isto é, fugindo de outras imposições que não sejam as que se derivem de suas próprias razões” (De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, 2ª ed., Vol. I, p. 147).
Entretanto, a maioria entende que tal possibilidade estaria dentro da discricionariedade judicial que nada mais é do que os limites dentro dos quais pode ser proferida a decisão para que seja considerada legal. É a margem de liberdade conferida pela lei ao seu aplicador, conceito este originário do direito administrativo.
A discricionariedade judicial estaria diretamente ligada aos conceitos vagos existentes na lei, conceitos estes que serão preenchidos pelo juiz, ou melhor, pelo relator do agravo a fim de conceder ou não o pretendido efeito suspensivo. Embora exista certo consenso em ser a atividade desempenhada pelo relator de natureza discricionária, Teresa Arruda Alvim Wambier critica-a, entendendo que existem mais diferenças do que semelhanças entre a discricionariedade judicial e a administrativa, utilizando-a apenas com caráter metodológico e defendendo seu uso em sentido impróprio.
Contudo, o relator, ao averiguar a existência do perigo de lesão grave e de difícil reparação, bem como os fundamentos relevantes do pedido, não poderá negar a concessão do efeito suspensivo ou do pedido antecipatório, pois já exerceu a discricionariedade a ele fornecida pela lei, estando agora, após concluir pela presença dos pressupostos, vinculado à sua concessão, para que bem possa aplicar a norma.
Ora, diante destas considerações, como o agravo de instrumento é cabível contra todas as decisões interlocutórias, em todas pode ser feito o pedido de suspensão da decisão agravada, e se presente os requisitos legais, este pedido deverá ser concedido. A afirmação se aplica mesmo nos casos em que a decisão tenha conteúdo negativo, ou seja, o pedido tenha sido negado pelo juízo a quo e a parte objetive sua concessão pelo juízo ad quem, é o caso da antecipação da tutela da pretensão recursal, expressão consagrada pela Lei n. 10.352/2001, eis que antes não existia previsão legal expressa do provimento ativo[26].
Da decisão que apreciou este pedido de efeito suspensivo ou o pedido antecipatório não cabe recurso, conforme o já citado art. 527, parágrafo único, do Código de Processo Civil, o que implica a possibilidade de impetração do mandado de segurança, renovando-se a discussão da utilização do mandamus como sucedâneo recursal.
O relator pode, ainda, solicitar informações ao prolator da decisão recorrida que devem ser prestadas no prazo de 10 (dez) dias. Tal procedimento, segundo José Carlos de Moraes Sales é:
... novidade que, por certo, teve como fonte inspiradora a legislação do mandado de segurança (Lei 1.533 de 31.12.1951, art. 7°, I) e do conflito de competência (art. 119 do Código de Processo Civil). Trata-se, pois, de providência que, utilizada com parcimônia e sabedoria poderá trazer excelentes resultados no julgamento dos agravos de instrumento. [27]
Outrossim, ressalta Sérgio Bermudes:
Trata-se de uma faculdade que o relator se valerá, se não entender o agravo suficientemente instruído, ou se reputar que as informações contribuirão para o mais adequado julgamento do recurso. Espera-se que o pedido de informações não sirva de pretexto para que relatores desidiosos violem a obrigação de levar o agravo a pronto julgamento.[28]
Da análise da ordem dos dispositivos trazidos pela lei, conclui-se que o relator não pode mais optar por apreciar o pedido de efeito suspensivo ou de antecipação da tutela da pretensão recursal depois de prestadas as informações pelo juízo. Deve apreciá-lo e, só depois, solicitar as informações, quando entender que elas são imprescindíveis.
Visando, ainda, agilizar o procedimento do agravo de instrumento a Lei n. 10.352/2001 estabeleceu que a intimação do agravado deverá ser feita por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, ou seja, pelo correio (art. 527, V, do CPC). Contudo, nas comarcas ou seções judiciárias que forem sede de tribunal e naquelas cujo expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação será feita por órgão oficial. Tal providência será realizada junto com a decisão que aprecia o pedido de efeito suspensivo, de antecipação da tutela da pretensão recursal ou ainda no despacho deflagrador do recurso, já que na mesma oportunidade o relator deve tomar todas estas providências, inclusive mandar ouvir o Ministério Público, se for o caso (art. 527, VI, do CPC).
Inseriu-se previsão de que nas comarcas cujo expediente forense for divulgado no diário oficial a intimação será feita por órgão oficial, a fim de acelerar, ainda, mais o procedimento. A alteração tem grande repercussão na Justiça Federal, eis que nos Tribunais Regionais Federais todos os expedientes são publicados no diário oficial, destarte fica suprimida a intimação por ofício nas causas que tramitarem na Justiça Federal.
Essa conclusão poderia, aparentemente, trazer tratamento desigual àqueles que militam na Justiça Estadual e na Justiça Federal, entretanto, o objetivo da norma foi justamente agilizar o recurso de agravo de instrumento. Ademais, várias são as diferenças existentes entre os procedimentos internos da Justiça Estadual e Federal, como por exemplo, o valor e a forma do pagamento das custas, o que não traz qualquer discriminação, amoldando tão-somente as especificidades de cada uma. Outrossim, por uma questão de ordem prática, haverá a diminuição do custo operacional, com menos ofícios expedidos, e trabalho dos servidores poupado e transferido para outras ocupações, que com certeza são muitas.
Esta foi a menslegislatoris, pois na exposição de motivos do Projeto de Lei nº 3.474/00, que deu origem a Lei nº 10.352/01, afirma-se “é, outrossim, ampliada a possibilidade de intimação do agravado pela imprensa oficial, não só nas comarcas sede do tribunal, como também naquelas cujas notas de expediente sejam igualmente incluídas no Diário Oficial”. Com certeza, a questão será objeto de discussão no Superior Tribunal de Justiça, que, por tratar-se de lei federal, dará a definitiva interpretação.
Digno de nota salientar que, esta posição não é a adotada por Cândido Rangel Dinamarco e Teresa Arruda Alvim Wambier, que defendem que comarca só pode se referir às Justiças Estaduais, não à Federal. O dispositivo deve ser interpretado restritivamente, atingindo somente a cidade que for sede de Tribunal Regional Federal[29].
A redação do inciso V foi alterada, também, pela Lei n. 11.187/2005 que modificou a expressão “facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes” para “facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente”, ou seja, possibilitou a juntada de documentos que não estão no processo que tramita perante a primeira instância. Esta possibilidade deve ser interpretada cumgrano salis, pois enquanto possibilita ao agravado, que às vezes sequer apresentou contestação, a juntada de documentos que corroborem com o entendimento expresso na decisão recorrida, pode gerar a transferência total de dados ao Tribunal, subtraindo do juízo de primeiro grau elementos de cognição indispensáveis para a direção e julgamento do processo.
Encerrada esta fase, a teor do art. 527, VI, do Código de Processo Civil, o relator, se for o caso, determinará que o Ministério Público seja ouvido, nos casos em que deva intervir, ex vi, do art. 82 do mesmo Estatuto Processual.
4. CONCLUSÃO
Como se vê do presente trabalho, o agravo de instrumento, com rito delineado pelo Código de Processo Civil e já alterado por diversas vezes, vem sendo aprimorado no direito brasileiro, a fim de resumir suas hipóteses de cabimento. Outrossim, a partir da alteração trazida do art. 557 do mesmo Código, o legislador buscou conferir maiores poderes ao relator dos recursos, de uma maneira geral, o que, de consequência, culminou em afetar de maneira expressa o agravo de instrumento.
O relator do recurso de agravo de instrumento, portanto, além dos poderes conferidos pelo art. 557 do Código de Processo Civil, também pode suspender ou antecipar a tutela recursal, sendo esta manifestação judicial de extrema relevância, porquanto, em regra, os provimentos judiciais que buscam ser modificados por meio do agravo de instrumento são decisões de impacto no curso do processo de conhecimento.
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Wambier, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 3.ed. rev., atual. e ampl. do livro O novo regime do agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
__________Os agravos no CPC brasileiro. 4.ed. rev., atual. e ampl. do livro O novo regime do agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
NOTAS:
[1] Cf. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais – teoria geral dos recursos. 4.ed. rev. e amp.São Paulo:Revista dos Tribunais, 1997, p.414.
[2]CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 174.
[3] Hoje art. 527, V, do CPC.
[4] Hoje art. 527, IV, do CPC.
[5] CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 174, com alteração nos incisos modificados.
[6] Cf. DIDIER JR, Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Op. Cit., p. 119.
[7] Op. cit., p. 117-8.
[8]Carneiro, Athos Gusmão. O novo recurso de agravo e outros estudos. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 61.
[9]Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, p. 234-5.
[11]Alla, Valentina Jungmann Cintra. O recurso de agravo e a Lei 9.139, de 30.11.1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 141.
[12] Cf. CARREIRA ALVIM, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO entre outros.
[13] AGRAVO. TEMPESTIVIDADE. CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. - É dispensável a certidão de intimação da decisão recorrida quando evidente a tempestividade do recurso. Recurso especial conhecido e provido.(REsp 257294/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 15.08.2000, DJ 02.10.2000 p. 175)
[14] Súmula 644 do STF. Ao titular do cargo de procurador de autarquia não se exige a apresentação de instrumento de mandato para representá-la em juízo.
[15] Súmula 288 do STF. Nega-se provimento a agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia.
[16]Cf. AgRg no Ag 702.737/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, julgado em 08.11.2005, DJ 21.11.2005 p. 195; REsp 552.407/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Quarta Turma, julgado em 06.09.2005, DJ 24.10.2005 p. 329; REsp 750.007/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Quarta Turma, julgado em 16.08.2005, DJ 05.09.2005 p. 433; EREsp 449.486/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Corte Especial, julgado em 02.06.2004, DJ 06.09.2004 p. 155.
[17]AgRg nos EDcl no Ag 636.804/MG, Rel. Ministro CASTRO FILHO, terceira turma, julgado em 28.06.2005, DJ 15.08.2005 p. 307.
[18] O novo recurso de agravo e outros estudos, p. 78.
[19] Cadernos IBDP – Série Propostas Legislativas, v. 2, agosto de 2001, p. 14
[20] op. cit. p. 98.
[21]apud, Wambier, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4.ed. rev., atual. e ampl. do livro O novo regime do agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 97.
[22] Op. cit., p. 153.
[23]Alvim, J.F. Carreira. Novo Agravo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 144.
[24]Wambier, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 3.ed. rev., atual. e ampl. do livro O novo regime do agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 229.
[25]Wambier, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 244.
[26] A jurisprudência e a doutrina, contudo, antes da Lei n. 10.352/2001 já consagravam a possibilidade do relator conceder, liminarmente, o provimento vindicado em primeira instância e negado pelo juízo a quo. Tal providência ficou sendo conhecida como efeito ativo do agravo de instrumento.
[27]Sales, José Carlos de Moraes. Recurso de Agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 136.
[28]Bermudes, Sérgio. A reforma do Código de Processo Civil: observações às Leis 8.950, 8.951, 8.952 e 8.953, de 13-12-1994, 9.079, de 14-7-1995, 9.139, de 30-11-1995, e 9.245, de 26-12-1995, que alteraram o CPC. 2. ed.. São Paulo: Saraiva, 1996, p.93.
[29] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 193; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4.ed. rev., atual. e ampl. do livro O novo regime do agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 306-307.
Procuradora Federal. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIA, Carolina Lemos de. O procedimento do Agravo de Instrumento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42126/o-procedimento-do-agravo-de-instrumento. Acesso em: 23 dez 2024.
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