Resumo: A execução contra a Fazenda Pública deve obedecer às regras legais, pois o que está em jogo é o interesse público, afinal, os bens públicos, incluindo as verbas a serem pagas a título de condenação, não podem ser penhorados. Dentre as regras a serem obedecidas, está a impossibilidade de fracionamento de precatórios, exceto para pagamento de honorários sucumbenciais do advogado, conforme entendimento firmado pelos Tribunais Superiores.
Palavras-Chaves: Direito Processual Civil – Execução – Fazenda Pública – Regime de Precatório – Fracionamento – Honorários Sucumbenciais.
1 – INTRODUÇÃO
A execução contra a Fazenda Pública está disciplinada nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil, havendo, do mesmo modo, previsão na Carta da República de 1988, em seu art. 100 e parágrafos.
Em razão da impenhorabilidade e inalienabilidade dos bens públicos, a regra da execução por quantia certa em face de devedor solvente não pode ser aplicada contra a Fazenda Pública.
Assim, dependendo do valor da execução, o procedimento poderá ser feito mediante o regime de precatórios ou pela requisição de pequeno valor (RPV).
Há, porém, regras procedimentais que devem ser observadas nesse tipo de execução, incluindo a possibilidade ou não do fracionamento de valores.
É exatamente sobre esse último ponto que o presente trabalho irá tratar, mais especificamente acerca do fracionamento de precatórios para fins de pagamento dos honorários advocatícios.
1.1. Regime de Precatórios
Os precatórios, do latim precatorious (pedido), é tido como forma de ordem de pagamento contra a Fazenda Pública, ou seja, através de uma condenação em decisão judicial transitada em julgado, o Poder Judiciário, através do seu respectivo presidente, requisitará o pagamento de um crédito em favor da parte vencedora. Para cumprir tal requisição, a Fazenda Pública deverá inscrever o valor em orçamento até 1º de julho do exercício seguinte para que seja pago até o final do exercício seguinte (Art. 100, § 5º, CF). Segundo Luiz Guilherme Marinoni, a elaboração do precatório compete ao juiz da execução, cabendo ao Presidente do Tribunal apenas repassar a requisição ao ente federativo.
Cabe ao juiz da execução a elaboração do precatório e o seu encaminhamento ao presidente do Tribunal (a que está sujeita a decisão exeqüenda), que repassará a requisição ao ente condenado para inclusão em orçamento. A atividade realizada pelo presidente do Tribunal é meramente administrativa, limitada ao exame dos aspectos formais do precatório e ao controle de sua ordem cronológica, com a aplicação de eventuais sanções decorrentes de sua violação. Por isso, não se cogita de coisa julgada nesta atividade, que pode ser controlada por via jurisdicional própria.[1]
Em consonância com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado através da Súmula nº 311, segundo a qual “os atos do presidente do tribunal que disponham sobre processamento e pagamento de precatório não têm natureza jurisdicional”.
1.2. Requisição de Pequeno Valor
No que toca à requisição de pequeno valor, mais conhecido pelas suas iniciais RPV, o procedimento é um pouco mais simples.
Da mesma forma do precatório, na RPV, o presidente do tribunal expedirá a requisição para pagamento no prazo legal: 60 (sessenta) dias nos juizados especiais federais (Lei nº 10.529/2001) e nos juizados especiais da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2009). Não havendo o pagamento no prazo, o juízo da execução pode sequestrar o valor das contas públicas.
O quantum que possa ser considerado de “pequeno valor” pode ser estabelecido por cada ente federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), através de suas leis específicas, ex vi do art. 100, § 4º, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.
No caso da União, o pequeno valor é de 60 (sessenta) salário mínimos, conforme dispõe o art. 17, § 1º, da Lei nº 10.259/01.
No que toca aos Estados e Municípios, cada um, como dito, editará lei própria para fixar o dito valor. Porém, caso não haja previsão dessa lei, aplicar-se-á o disposto no art. 87 da ADCT, onde é adotado o valor de 40 (quarenta) salários mínimos para os Estados e 30 (trinta) salários mínimos para os Municípios.
2 – PAGAMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS PELA FAZENDA PÚBLICA E A POSSIBILIDADE DE SEU FRACIONAMENTO
Inicialmente, é importante destacar que o credor está proibido de receber o quantum indenizatório parte em RPV e o restante em regime de precatório. Essa vedação está prevista no art. 100, § 8º, da Constituição Federal.
O que o texto constitucional autoriza é a renúncia do valor que excede o “pequeno valor”, o que possibilita o credor a receber a quantia através de RPV.
Questão duvidosa é saber se a condenação em honorários sucumbenciais deve estar incluída no valor condenatório, que é o objeto principal da condenação, perfazendo um valor total para fins de pagamento pelo regime de precatório, ou de forma separada.
Na prática forense, mais precisamente no âmbito da Justiça Federal, o valor dos honorários sucumbenciais devem ser discriminados separadamente no ofício requisitório[2]. Assim, a Fazenda Pública poderá efetuar o pagamento de forma separada. É dizer: uma parte referente ao objeto principal da condenação e outra referente aos honorários do advogado.
Tal procedimento não ofende o texto da Constituição, eis que não há qualquer proibição expressa nesse sentido, havendo tão somente a vedação de fracionamento por parte de um beneficiário. Já que o valor principal da condenação e os honorários sucumbenciais são de titulares distintos, a viabilidade da requisição de pequeno valor vai ser auferido isoladamente para cada um, devendo, em caso de excesso do limite legal, ocorrer na via do precatório.
Essa interpretação, inclusive, é condizente com as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), que assim dispõe:
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
§ 1º A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.
No âmbito da jurisprudência dos Tribunais Superiores, essa questão já restou pacificada, tendo o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça admitido o fracionamento dos honorários sucumbenciais do advogado. Segue, abaixo, trecho sobremodo ilustrativo das decisões, sendo a do Supremo tomada em sede de repercussão geral (Informativo 765).
É possível o fracionamento de precatório para pagamento de honorários advocatícios. Com base nessa orientação, ao concluir julgamento, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a admissibilidade de fracionamento do valor da execução proposta contra a Fazenda Pública de estado-membro para pagamento de honorários advocatícios — v. Informativo 531. O Tribunal, inicialmente, ressaltou que os honorários advocatícios consubstanciariam verba alimentícia. Frisou que seria evidente o direito de o advogado executar de forma autônoma seus honorários (Lei 8.906/1994 - Estatuto da OAB, artigos 23 e 24). Ademais, essas verbas não se confundiriam com o principal. Além disso, a finalidade do art. 100, § 8º, da CF — introduzido pela EC 37/2002 como art. 100, § 4º e deslocado pela EC 62/2009 — seria o de impedir que o exequente utilizasse, simultaneamente, mediante o fracionamento, repartição ou quebra do valor da dívida, dois sistemas de satisfação de crédito: o do precatório para uma parte dela e o do pagamento imediato para a outra. Assim, a regra constitucional apenas incidiria em situações em que o crédito fosse atribuído a um mesmo titular. Salientou que o advogado teria o direito de executar seu crédito nos termos dos artigos 86 e 87 do ADCT, desde que o fracionamento da execução ocorresse antes da expedição do ofício requisitório, sob pena de quebra da ordem cronológica dos precatórios. Vencidos os Ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes, que proviam o recurso. Destacavam o caráter acessório dos honorários advocatícios que decorreriam da sucumbência e não de um direito autônomo, o que impediria o seu fracionamento.[3]
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESMEMBRAMENTO DO MONTANTE PRINCIPAL SUJEITO A PRECATÓRIO. ADOÇÃO DE RITO DISTINTO (RPV). POSSIBILIDADE. DA NATUREZA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
[...]
6. O art. 100, § 8º, da CF não proíbe, nem mesmo implicitamente, que a execução dos honorários se faça sob regime diferente daquele utilizado para o crédito dito "principal". O dispositivo tem por propósito evitar que o exequente se utilize de maneira simultânea - mediante fracionamento ou repartição do valor executado - de dois sistemas de satisfação do crédito (requisição de pequeno valor e precatório).
7. O fracionamento vedado pela norma constitucional toma por base a titularidade do crédito. Assim, um mesmo credor não pode ter seu crédito satisfeito por RPV e precatório, simultaneamente. Nada impede, todavia, que dois ou mais credores, incluídos no polo ativo da mesma execução, possam receber seus créditos por sistemas distintos (RPV ou precatório), de acordo com o valor que couber a cada qual.
[...]
9. Optando o advogado por executar os honorários nos próprios autos, haverá regime de litisconsórcio ativo facultativo (já que poderiam ser executados autonomamente) com o titular do crédito dito "principal".
10. Assim, havendo litisconsórcio ativo voluntário entre o advogado e seu cliente, a aferição do valor, para fins de submissão ao rito da RPV, deve levar em conta o crédito individual de cada exequente, nos termos da jurisprudência pacífica do STJ.
11. O fracionamento proscrito pela regra do art. 100, § 8º, da CF ocorreria apenas se o advogado pretendesse receber seus honorários de sucumbência parte em requisição de pequeno valor e parte em precatório. Limitando-se o advogado a requerer a expedição de RPV, quando seus honorários não excederam ao teto legal, não haverá fracionamento algum da execução, mesmo que o crédito do seu cliente siga o regime de precatório. E não ocorrerá fracionamento porque assim não pode ser considerada a execução de créditos independentes, a exemplo do que acontece nas hipóteses de litisconsórcio ativo facultativo, para as quais a jurisprudência admite que o valor da execução seja considerado por credor individualmente considerado.
RE 564.132/RS, submetido ao rito da repercussão geral
[...]
15. Não há impedimento constitucional, ou mesmo legal, para que os honorários advocatícios, quando não excederem ao valor limite, possam ser executados mediante RPV, ainda que o crédito dito "principal" observe o regime dos precatórios. Esta é, sem dúvida, a melhor exegese para o art. 100, § 8º, da CF, e por tabela para os arts. 17, § 3º, da Lei 10.259/2001 e 128, § 1º, da Lei 8.213/1991, neste recurso apontados como malferidos.
16. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.[4]
3 - CONCLUSÃO
Portanto, por se tratar de direito autônomo do advogado, este poderá requerer que os honorários sucumbenciais sejam pagos de forma fracionada, podendo ser mediante requisição de pequeno valor, desde que que o valor não ultrapasse o limite legal, hipótese em que deverá seguir o procedimento do precatório.
BIBLIOGRAFIA
- CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2006.
- MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. São Paulo: RT, 2007, Vol. 3.
- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1347736/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/10/2013, DJe 15/04/2014. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 22/11/2014.
- BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 564132/RS, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 30.10.2014. Disponível em: < http://www.stf.jus.br >. Acesso em: 22/11/2014.
- BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
- BRASIL, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil.
- BRASIL, Lei nº 10.250, de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.
- BRASIL, Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
- BRASIL, Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
- BRASIL, Resolução nº 168 do Conselho da Justiça Federal, de 05 de dezembro de 2011, que regulamenta, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, os procedimentos relativos à expedição de ofícios requisitórios, ao cumprimento da ordem cronológica dos pagamentos, às compensações, ao saque e ao levantamento dos depósitos.
[1] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. São Paulo: RT, 2007, p. 396. Vol. 3.
[2] Resolução nº 168 de 05/12/2011 / CJF - Conselho de Justiça Federal
(D.O.U. 08/12/2011).
[3] RE 564132/RS, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 30.10.2014. (RE-564132)
[4] REsp 1347736/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/10/2013, DJe 15/04/2014.
Procurador Federal da AGU - Advocacia Geral da União. Mestrando em Direito. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Ciências Criminais.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Jorge Andersson Vasconcelos. Possibilidade de fracionamento de precatório para fins de pagamento de honorários sucumbenciais mediante requisição de pequeno valor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42156/possibilidade-de-fracionamento-de-precatorio-para-fins-de-pagamento-de-honorarios-sucumbenciais-mediante-requisicao-de-pequeno-valor. Acesso em: 22 dez 2024.
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