Sumário: Introdução; 1. A evolução dos paradigmas constitucionais modernos; 2. O estado democrático de direito, a privatização de entidades, a publicização de espaços e o terceiro setor; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo discorrer, em breve síntese, sobre a evolução dos paradigmas constitucionais modernos, analisandoa relação dos distintos tipos de Estado com a “sociedade civil”, o perfil das correspondentes Constituições e da Administração Pública em cada fase.
No decorrer do texto, serão abordadas as crises que desencadearam a transição de um paradigma para o outro, assim como a relação entre o modelo do estado democrático de direito e temas como privatização de entidades e publicação de espaços.
Com isto, espera-se fornecer elementos que ajudem a melhorentender a evolução dos paradigmas constitucionais modernos, oportunizando ainda uma compreensão mais adequada dos alicerces do atual paradigma constitucional consistente no estado democrático de direito.
1. A evolução dos paradigmas constitucionais modernos
Nascido da Revolução Francesa e após uma ruptura com período absolutista, o Estado Liberal foi marcado pela ideia de liberdade e de limitação do poder político, tendo como característica a não intervenção ou abstencionismo. Seu norte precípuo era o de não ingerência nos assuntos da sociedade civil, inclusive aqueles econômicos, limitando-se às funções clássicas de garantia da ordem social, defesa externa e administração da justiça. Cabia à sociedade, portanto, prover sua auto-organização e autorregulação.
No Estado Liberal a Constituição, passando a ser escrita, tinha como foco ser garantista, a fim de evitar os abusos do passado, garantindo direitos políticos aos cidadãos, sua liberdade e patrimônio, consagrando os princípios da legalidade e da igualdade formal (direitos fundamentais de primeira dimensão – direitos civis e políticos). Foi um período em que a Administração Pública guardava restrito respeito à Lei.
Como a sociedade não conseguiu se autogerir, notadamente após a Primeira Guerra Mundial e a crise da Bolsa de Nova York, foi necessária uma mudança de paradigma, de perfil do Estado, o qual deveria deixar de absenteísta para intervir fortemente nas relações jurídicas, sociais e econômicas.
A doutrina sintetiza com maestria o contexto dessa transição:
“A incapacidade estatal de dar respostas consistentes aos crescentes reclames sociais, no tradicional modelo de isolamento (aqui o binômio rígido Estado x Sociedade do período liberal clássico), constituiu-se em uma razão que justificava a opção pela mudança no sistema. O cenário de crise econômica que se desenhava desde o final da 1ª Guerra Mundial, com radical aprofundamento a partir da Quebra da Bolsa de Nova York de 1929 (cujos efeitos foram sentidos por décadas em todas as regiões do mundo), impunha, segundo se passou a entender, na época, a atuação dos Estados nacionais para controlar o caos socioeconômico do período.[1]”
Daí nasceu o Estado Social, que passou a ser agente produtor de bens e serviços, controlador do sistema de trabalhos e das relações de emprego em geral e promotor dos direitos fundamentais como o direito à saúde, à educação, ao trabalho, habitação e lazer(direitos fundamentais de segunda dimensão– direitos econômicos, sociais e culturais).
No entanto, com o crescimento vertiginoso das atribuições assumidas pelo Estado, reduziu-se a autonomia privada da sociedade, gerando uma concepção paternalista do Estado e um déficit democrático, pois à sociedade não cabia decidir conjuntamente, mas apenas aceitar as decisões e intervenções estatais.
No Estado Social, a Constituição previa o modo de intervenção do Estado na sociedade e da regulação na economia, salvaguardando direitos fundamentais para além dos políticos, como visto acima.
Contudo, neste modelo a Administração Pública englobou muitas outras atribuições, com o consequente e substancial aumento de seu aparato físico/humano, crescendo também a atividade legislativa do Executivo.
Aludido paradigma também enfrentou sua crise, em especial devido ao alto custo de manutenção de um Estado tão cheio de atribuições e encargos, bem como pelo referido déficit democrático, sendo certo que dois eventos históricos foram propulsores dessa crise, ocorridos nas décadas de 70 e 80 do século passado, quais sejam: o fim do sistema de paridade internacional lastreado no ouro e as crises do petróleo.
A doutrina esclarece que Novamente o texto-base nos socorre, destacando as características da crise fiscal que assolou, naquele momento histórico, o Estado Social:
“A crise fiscal, ou crise de financiamento do Estado Social, é aquela que evidenciará a incapacidade de o Estado continuar a atuar diretamente na economia com a função de prover bens e serviços para a sociedade. Será a crise básica que marcará a passagem de um Estado de caráter produtor (intervenção direta) para um Estado de caráter regulador (intervenção indireta).”[2].
Portanto, como ficou evidente, o Estado Social produtor, assoberbado de funções assumidas, não conseguiu contingenciar as demandas do povo, gerando um déficit público. No PDRAE restou consignado que a crise do Estado Social foi notadamente uma crise fiscal “caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa”.
Assim, chegamos ao Estado Democrático de Direito, o qual passou a intervir na sociedade como regulador da atividade privada, e não mais produtor de bens e serviços, intervindo na economia apenas excepcionalmente.
O Estado Democrático de Direito tem como foco afastar-se da frieza do Estado Liberal e enfrentar a ausência de participação da sociedade nas decisões públicas, alcançando uma harmonia e equilíbrio entre a autonomia pública e privada. Nesse contexto, as Constituições consagram direitos individuais homogêneos, difusos, relacionados ao direito à informação e à efetiva participação da sociedade das decisões públicas (direitos fundamentais de terceira dimensão – direitos relacionados à solidariedade e à fraternidade).
Na esfera da Administração Pública, houve uma crescente gestão participativa, a partir da efetiva inserção do cidadão no processo decisório público, passando a sociedade a ser mais ouvida, ou seja, não só aceitando o ordenamento jurídico que lhe é imposto, mas também contribuindo para sua construção.
2. O estado democrático de direito, a privatização de entidades, a publicização de espaços e o terceiro setor.
Nesse cenário, a participação do cidadão na administração aumentou, ocorrendo de formas variadas (opinião pública, participação em procedimentos administrativos e jurisdicionais etc.). A sociedade passa a ser mais ouvida e ter mais espaço para não só aceitar o ordenamento jurídico que lhe é imposto, mas também contribuir para sua construção, legitimando ainda mais o estado democrático de direito, de cunho regulador.
O Estado regulador tem por notável característica colocar-se como controlador, fiscalizador e normatizador das atividades privadas, sendo certo que tal regulação, para além da questão econômica, abrange também o aspecto social.
Nesse contexto, o Estado deixa de atuar diretamente nos assuntos particulares, notadamente no que toca às atividades econômicas, passando a agir indiretamente, salvo nas hipóteses de garantia da ordem social, defesa externa e administração da justiça, excepcionalmente.
Como o exercício da atividade econômica pelo Estado Regulador passou a ser exercida apenas excepcionalmente (em casos de segurança nacional ou interesse coletivo previsto em lei), iniciou-se um processo de privatização de suas empresas e entidades encarregadas de intervenção direta na atividade econômica, fato sentido notadamente nos anos 90 do século passado. Essa conduta tinha por objetivo deixar ao cargo da iniciativa privada a atividade econômica propriamente dita, já que esta detinha melhores condições e maior eficiência, cabendo-lhe o papel de fiscalizar, controlar e normatizar tais atividades.
Interessante constatar que nesse contexto, o Estado realizou uma “publicação de espaços” (denominação contida no PDRAE), na medida em que passou a realizar parcerias com o Terceiro Setor (ONG, OS, OSCIP etc.), para a realização de prestação de serviços públicos não exclusivamente estatais – Ex. saúde, educação, cultura etc.
Foi mais uma forma que o Estado encontrou para desmobilizar recursos estatais materiais e humanos e, ao mesmo tempo, devolver à iniciativa privada o protagonismo econômico e social.
Percebe-se, assim, que tanto a privatização de entidades quanto a publicação de espaços decorrem da busca pela desoneração do Estado de tantas atividades que havia assumido durante o modelo social, a fim de restabelecer a autonomia privada em matéria econômica e social.
Considerações finais
Como se pôde perceber, nas linhas acima, houve uma evolução dos paradigmas constitucionais modernos, a partir da evolução do corpo social, cada qual possuindo nuances e características específicas.
Ficou evidenciado a inter-relação de cada paradigma com a Carta Política e à formatação da Administração Pública de sua época, bem como a maior valorização da participação do cidadão na construção das decisões públicas, a partir do estado democrático de direito, eis que a atuação estatal passou a ser considerada muito mais legítima com a participação dos indivíduos, que de meros receptores passivos das decisões, ações e atos normativos provenientes do Estado, passam a ser colaboradores, co-partícipes da produção das decisões, ações e atos públicos.
Nesse contexto, discorreu-se ainda sobre a privatização de entidades, a publicização de espaços e o terceiro setor, no seio do Estado regulador, dentro do paradigma de Estado democrático de direito.
Portanto, com este breve artigo, espera-se ter fornecido elementos hábeis a permitir uma melhor compreensão da evolução dos paradigmas constitucionais modernos, tema de grande relevância para uma mais adequada percepção dos alicerces do atual paradigma constitucional do estado democrático de direito.
Bibliografia
ACUNHA, Fernando José Gonçalves. Texto-base: A administração pública brasileira no contexto do estado democrático de direito - DF: CEAD/UnB, 2012. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/>.
[1] ACUNHA, Fernando José Gonçalves. Texto-base: A administração pública brasileira no contexto do estado democrático de direito - DF: CEAD/UnB, 2012. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/>. Acesso em: 30/05/2013. Pág. 6.
[2] ACUNHA, Fernando José Gonçalves. Texto-base: A administração pública brasileira no contexto do estado democrático de direito - DF: CEAD/UnB, 2012. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/>. Acesso em: 30/05/2013. Pág. 9.
Procurador Federal e Professor de Processo Civil da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Pós-graduado em Direito Público (UnB/AGU), em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas - FGV) e em Relações Internacionais (Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Bruno César Maciel. A evolução dos paradigmas constitucionais modernos: breves considerações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42168/a-evolucao-dos-paradigmas-constitucionais-modernos-breves-consideracoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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