RESUMO: O presente artigo pretende discutir os princípios da função social e da preservação da empresa em nosso ordenamento jurídico. Partindo-se de uma análise constitucional do tema, o presente trabalho tem como objetivo traçar os requisitos para incidência na realidade prática.
Palavras-chave: Direito empresarial. Princípios. Função social e preservação da empresa. Aplicabilidade prática.
1. INTRODUÇÃO
Primeiramente, adentrando nos matizes principiológicos, tem-se que estes são premissas e paradigmas norteadores do raciocínio jurídico, primordiais ao entendimento da estruturação da ordem legiferante; são regras de coesão, que constituem um liame com as demais normas como um todo, conferindo-lhes imperatividade. Os princípios constituem fontes do Direito como o são a lei, a doutrina, a jurisprudência. (FERRAZ JÚNIOR, 2001, p.244).
Deveras, o conglobado de leis brasileiras é, efetivamente, permeado de uma infinidade de princípios regentes de uma normatização abstratamente paradigmática, materializada pelo intuito informativo e pela didática na orientação aos operadores do Direito, de aplicação corriqueira nos casos da realidade fática. O Direito Empresarial não escapa da influência dos princípios, podendo ser destacados, especialmente, doravante o teor desta monográfica: o Princípio da Função Social da Empresa e o Princípio da Preservação da Empresa.
O balizamento do exercício da atividade empresarial nas plagas brasileiras encontra limitação no cerne do princípio da função social da empresa, disposto constitucionalmente nos artigos 5°, incisos XIII e XXIII, 170 incisos II a IX e parágrafo único e 186, ganhando status de direito fundamental. “Pela teoria da função social da empresa, o empresário e a sociedade empresária deverão ter o poder-dever de, no desenvolvimento de sua atividade, agir a serviço da coletividade.” (DINIZ, vol. 8, 2009, p.23).
Desencadeando uma reflexão metódica e imbricada aos fatos regentes da vida cotidiana, é imprescindível “[...] compatibilizar essa sua função social, visando o bem comum, o bem-estar e a justiça social, com a finalidade de produção de lucros.” (DINIZ, vol. 8, 2009, p.23).
2. DESENVOLVIMENTO
A função social da empresa encontra-se umbilicalmente atrelada à boa-fé objetiva por parte do empresário, “[...] tida como o modelo de conduta social em busca da economia voltada ao bem-estar geral e da melhora da atividade empresarial na obtenção de um excelente padrão de eficiência.” (DINIZ, vol. 8, 2009, p.24).
Nesse diapasão, a propriedade empresarial deve, impreterivelmente, atingir sua finalidade social coadunando o plexo de objetivos lucrativos e a efetivação de mecanismos concernentes aos interesses do mercado consumidor, dos empregados associados à atividade da empresa, do Fisco na arrecadação de tributos. Nesse sentido:
A empresa, portanto, é o núcleo convergente de vários interesses, que realçam sua importância econômico-social, como: lucro do empresário e da sociedade empresária que assegura a sobrevivência e a melhora de salários e enseja a criação de novos empregos e a formação de mão-de-obra qualificada; salário do trabalhador, permitindo sua sobrevivência e da sua família; tributos, possibilitando a consecução das finalidades do poder público e a manutenção do Estado. (DINIZ, vol. 8, 2009, p.25).
Torna-se imperioso afirmar que está-se diante de um novel panorama de empresarialidade, em que encontram-se agregados os valores principiológicos da função social e da boa-fé objetiva, tendo como diretrizes precípuas: “[...] geração de um valor econômico agregado; serviço à comunidade; desenvolvimento das pessoas que a integram e capacidade de continuidade.” [o texto original não apresenta grifos] (DINIZ, vol. 8, 2009, p.26).
Mister edificar, por fim, um pensamento vanguardista que concatene todos os pilares da nova empresarialidade, notadamente a premissa de continuidade da empresa. Destarte, diante da objetivação desta atividade acadêmica, o falecimento do empresário individual, ademais da pessoalidade no desenvolvimento da “empresa”, não poderá servir de justificativa ao encerramento das atividades; restaria, pois maculado o princípio da função social, ante o complexo emaranhado de relações arraigadas à atividade empresarial.
[...] por isso o empresário deverá exercer sua atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços no mercado de consumo, de forma a prevalecer a livre concorrência sem que haja abuso de posição mercadológica dominante, procurando proporcionar meios para a efetiva defesa dos interesses do consumidor e a redução das desigualdades sociais, assumir funções assistenciais para seus empregados [...]. (DINIZ, vol.8, 2009, p.23).
Corolário do princípio da função social da empresa encontra-se o Princípio da Preservação da Empresa, cuja máxima pauta-se na necessidade de perpetuação/continuidade da empresa – como atividade – por ser decorrência dessa a geração de lucros, empregos e tributação. Preconiza o artigo 47 da Lei 11.101 de 2005 (Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial), em hialina referência aos princípios postos em tela, que:
Artigo 47 da Lei 11.101/2005: A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a separação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Convergem, nesse diapasão, os postulados doutrinários do notável Fábio Ulhoa Coelho (vol. I, 2010, p.13):
No princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste; assim os interesses de empregados quanto aos seus postos de trabalho, de consumidores em relação aos bens ou serviços de que necessitam, do Fisco voltado à arrecadação e outros. (2010, p.13) [o texto original não apresenta destaques]
Sobre a admissibilidade da continuação na empresa por incapaz, em clara conexão com os princípios da função social da propriedade e da preservação da empresa, assegura Maria Helena Diniz (vol. 8, 2009, p.74) que: “Pelas teorias da preservação e da utilidade social da empresa, visto que, pela sua função social, gera empregos, promove a produção e circulação de bens e serviços no mercado, possibilitando recolhimento de tributos, deve ser admitida, excepcionalmente, sua continuidade[...]”.
Faticamente, o Princípio da Preservação encontra guarida em todo o Direito Empresarial, como, por exemplo, no artigo 974 do Diploma Cível, que trata da situação peculiar da continuidade da empresa quando o sucessor for incapaz. Com sustentáculo na preservação, é nítido o direcionamento do legislador no intuito de, também em atendimento ao princípio da função social, perpetuar uma atividade econômica que detém indubitável relevância haja vista: o mercado consumidor, que forma uma clientela assídua e fiel aos produtos/serviços postos em disponibilidade pela empresa; a existência de empregados, que dependem, economicamente, do futuro da empresa, pois desta retiram sustento vital, seu e familiar; a atividade tributária que coloca em dinamismo o poderio do Estado.
A utilização deste último princípio em análise é marcante no Direito Empresarial no que tange à recuperação e à falência. Consoante registrado pelo artigo 47 da Lei 11.101/2005 (Nova Lei de Falências), retro transcrito, hodiernamente, valoriza-se a função social através da continuidade da empresa em virtude da existência de empregos, dos interesses creditícios e da atuação no mercado consumidor.
Ademais, fazendo-se uso de um aparato analógico, pode-se dizer que a sucessão da “empresa” do empresário individual falecido pelos herdeiros é um meio de ratificar a essência dos dois princípios aqui tomados como referenciais. Nesse âmago, primar-se-ia pela perpetuação da atividade econômica através dos familiares (ou por quem de direito) em claro favorecimento às demais relações provenientes do complexo empresarial.
Nesse interregno, alguns doutrinadores, serventuários das Juntas Comerciais e alguns entendimentos jurisprudenciais denotam que a morte do empresário individual acarretaria a extinção da “empresa”. Não obstante os fundamentos que amparam tal conclusão, é inegável a ocorrência de entraves e vicissitudes sociais, tais como: a primazia de uma visão privatística e egoística, em detrimento da coletividade; o enfraquecimento da credibilidade da “empresa” ante os credores; a desestruturação da atividade tributária, notadamente pela perda dos benefícios creditícios condizentes aos programas de renegociação de dívidas fiscais; a perda da clientela consumerista e da confiança ante à sociedade; a dissipação das relações empregatícias, com a conseqüente demissão de todo o corpo trabalhista; enfim, essas e muitas outras conseqüências maléficas advêm do malogro da extinção da empresa em virtude de fatores alheios à vontade do empresário (como o falecimento).
Assim sendo, evidenciando a importância da aplicabilidade da preservação/continuidade da empresa, assim discorre Mariza Marques Ferreira:
[...] a adoção do princípio da preservação da empresa [...] prestigiou este novo paradigma, haja vista que pelo referido princípio temos que, na solução da crise econômico-financeira da empresa, devem ser considerados primordialmente os interesses da coletividade, que em geral, correspondem à preservação da empresa. (pp. 2-3, Disponível em: <www.franca.unesp.br/mariza.pdf>)
Complementando o raciocínio:
A empresa representa hoje um dos principais pilares da economia moderna, portanto, é ela uma grande fonte de postos de trabalho; de rendas tributárias; de fornecimento de produtos e serviços em geral; além de se o motor do sistema da livre concorrência; dentre muitas outras funções. [a redação original não apresenta destaques] (FERREIRA, p. 3, Disponível em: < www.franca.unesp.br/mariza.pdf>)
O doutrinador Waldo Fazzio Júnior faz estudo apurado exaltando a importância econômica e social da empresa e do princípio da preservação dizendo que: “Insolvente ou não, a empresa é uma unidade econômica que interage no mercado, compondo uma labiríntica teia de relações jurídicas com extraordinária repercussão social” (2005, p.35).
3. CONCLUSÃO
Como desfecho, tem-se que, apesar de a liquidação da empresa, acometida de crise financeira ou de outra problemática que induza ao seu término (falecimento do empresário individual), parecer uma solução plausível, surgirão incomensuráveis prejuízos à coletividade, em especial às relações derivadas do complexo empresarial.
Nesse viés, em sendo a empresa “uma unidade de distribuição de bens e serviços, um ponto de alocação de trabalho e oferta de empregos, integra, como elo de uma imensa corrente do mercado [...]”, seu desaparecimento desencadearia uma série de problemas irrecuperáveis. (FERREIRA. Mariza, p.3).
Tudo isso é vislumbrado doravante ser a “empresa” fonte de trabalho (relações empregatícias) e fonte tributária (recolhimento de tributos por parte do Estado). De outra banda, os herdeiros/sucessores do empresário individual falecido também podem encontrar, nos princípios da preservação e da função social, amparo para os seus interesses, já que assumem o patrimônio do sucedido/morto. Desta feita, relegam-se os interesses particulares, individualmente considerados, a fim de que se aplique uma solução adequada aos anseios sociais.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fábio Ulhoa: Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa - 22 ed. -São Paulo: Saraiva, 2010.
DINIZ, Maria Helena: Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 8: Direito de Empresa – 2 ed.reformulada – São Paulo: Saraiva, 2009.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo: Manual de Direito Comercial. – 3. ed. atual. – São Paulo: Atlas, 2006.
FERREIRA, Mariza Marques: O Princípio da Preservação da Empresa. Disponível em: <www.franca.unesp.br/mariza.pdf> Acesso em: 19 ago. 2010.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio: Introdução ao Estudo do Direito – técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2001.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUEDES, Bruno Torres. Os princípios da função social e da preservação da empresa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42231/os-principios-da-funcao-social-e-da-preservacao-da-empresa. Acesso em: 23 dez 2024.
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