Em face da Súmula 473 do STF, a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Diante do corolário da segurança jurídica, esse poder de autotutela do Estado encontra-se limitado por prazos decadenciais previstos na legislação ordinária.
A controvérsia posta no presente trabalho cinge-se à contagem do prazo decadencial para a revisão de benefícios previdenciárioscontrários aos interesses dos segurados.
Essa hipótese acontece rotineiramente, uma vez que o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social gere e administra milhares de benefícios previdenciários em todo o pais, fazendo com que as apurações de irregularidades sejam constantes e necessárias.
Oentendimento majoritário atual é de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 sujeitam-se ao prazo decadencial de 10 anos, contados de sua vigência (05/02/1999), razão pela qual somente seriam colhidos pela decadência em 05/02/2009.
No que tange aos atos administrativos de revisão praticados após a citada lei, o prazo decadencial contar-se-á a partir da sua efetivação, tendo a Administração, mais especificamente o INSS, 10 anos para rever o suposto ato irregular.
O presente ponto de vista está respaldado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme Recurso Especial Repetitivo abaixo transcrito:
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787⁄99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784⁄99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI 8.213⁄91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839⁄2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO.
1.A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784⁄99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784⁄99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). Ressalva do ponto de vista do Relator.
2.Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784⁄99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839⁄2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213⁄91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus benefíciários.
3.Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.
4.Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a. Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
MINISTRO RELATOR
(REsp 1.114.938 – AL (Recurso Especial Repetitivo))
Vejamos agora como foi construído esse entendimento.
A Lei do Processo Administrativo (Lei 9.784/99) estabeleceu, em seu artigo 54, que
“o direito da Administração de anular os atos administrativos que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.” (Brasil, 1999).
Porém, antes de decorridos 5 anos da citada lei, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839⁄2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213⁄91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.
O referido art. 103-A da Lei 8.213/91 encontra-se assim redigido:
Art. 103-A - O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o. - No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
(...).
Tal lapso, por se tratar de legislação inovadora na seara administrativa, uma vez que antes da edição da Lei 9.784/99 a Administração podia rever seus atos a qualquer tempo (art. 114 da Lei 8.112/90), nos termos do entendimento consolidado do Colendo Superior Tribunal de Justiça, somente pode ser aplicado a partir da edição da referida lei, em janeiro de 1999. Neste sentido, confira-se:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. DECADÊNCIA. ART. 103-A DA LEI 8.213/91. MATÉRIA JULGADA PELO PROCEDIMENTO DOS RECURSOS REPETITIVOS.
1. A Terceira Seção desta Corte, sob o regime do art. 543-C do CPC (Recursos repetitivos), reiterou o entendimento segundo o qual o prazo decadencial para a Administração Pública rever os atos que gerem vantagem aos segurados será disciplinado pelo art. 103-A da Lei 8.213/91, descontado o prazo já transcorrido antes do advento da MP 138/2003, ou seja, relativamente aos atos concessivos de benefício anteriores à Lei n. 9.784/99, o prazo decadencial decenal estabelecido no art. 103-A da Lei n. 8.213/91 tem como termo inicial 1º/2/1999, data da entrada em vigor da Lei 9.784/99. ( REsp. 1.114.938/AL, Terceira Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 02/08/2010).
2. No presente caso, embora o benefício da autora tenha sido concedido em 1º/09/1971, o prazo decadencial somente teve início em 1º/2/1999, e como o procedimento de revisão administrativa se iniciou em dezembro de 2008, evidente que não restou consumada a decadência para revisão do ato administrativo.
3. Recurso especial provido. (RESP 1282073/RN,DJe 02/02/2012)
Alguns doutrinadores ensinam que o momento inicial do prazo da prescrição é determinado pelo nascimento da pretensão (actio nata), enquanto que o momento inicial do prazo da decadência seria determinado pelo nascimento do direito, uma vez que esta é conceituada como prazo fatal para exercício de um direito.
Isso não quer dizer que, inexistente prazo decadencial na data do nascimento do direito, sua possibilidade de exercício seja perpétua. Não, pois à "semelhança dos fatos jurídicos complexos ou de formação continuada, a prescrição e a decadência subordinam-se à lei em vigor na data do termo prescricional ou preclusivo." (BATALHA, Direito intertemporal, p. 241).
Assim, não há dúvidas de que a lei pode perfeitamente fixar prazo decadencial após o nascimento do direito, com efeito imediato sobre as situações em curso. Porém, não deve, em princípio, haver incidência retroativa, o que se evita computando o prazo, para direitos já existentes, a partir da data de vigência da lei.
Não há que se falar em efeito retroativo na aplicação da lei a fatos ocorridos após a sua entrada em vigor. Se o prazo decadencial for contado a partir da data em que a lei entrou em vigor, e se for inteiramente consumado sob a vigência desta não há aplicação retroativa.
Dessa maneira, conforme exposto, entendemos que a incidência da decadência sobre as relações jurídicas em curso não acarreta ofensa ao princípio do ato jurídico perfeito.
O INSS tem o poder-dever de anular os seus atos administrativos que tenham surtido efeitos favoráveis aos seus segurados ou dependentes, quando tais atos estejam eivados de vícios que, consequentemente, os tornem ilegais.
Porém, nessas revisões, devem ser observados o prazo da decadência, o devido processo legal, o contraditório e a proteção jurídica dos beneficiários de boa-fé, em virtude do princípio da segurança jurídica.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, 1991.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Brasília, 1990.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZARRI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Editora Conceito Editorial. 9º edição. 2008.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. Tomo I – Noções de Direito Previdenciário. Editora LTr São Paulo. 2ª Edição. 2001.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito intertemporal. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1ª Edição. 1980.
PROCURADOR FEDERAL lotado na Procuradoria Federal em Minas Gerais, Especialista em Direito Público pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Bruno Di Fini. O Prazo Decadencial para o INSS rever os seus Atos Administrativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42253/o-prazo-decadencial-para-o-inss-rever-os-seus-atos-administrativos. Acesso em: 23 dez 2024.
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