Resumo: Muito se questiona acerca do porquê de tão elevado número de controvérsias doutrinárias e/ou jurisprudenciais acerca dos institutos e direitos atinentes ao ramo do Direito Previdenciário, que trazem a uma grande parte da sociedade um sentimento geral de incerteza e insegurança jurídica. Para o estudo que se passará a desenvolver, partir-se-á tanto de reflexões pessoais erigidas ao longo da experiência profissional e acadêmica, como de teorias e estudos de autores consagrados e/ou modernos. Abordar-se-ão - sem exaustão do tema, naturalmente -, as possíveis causas de tal fenômeno jurídico, propondo-se, ainda que timidamente, alternativas à erradicação ou pacificação das mesmas. Trata-se de abordagem num enfoque "macro", geral. Serão, mesmo que em breves linhas, "revisitados" alguns tópicos de altíssimo valor, como: vício da busca ao sustento estatal primário; ausência de política educacional-cultural e trabalhista conscientizadora do caráter supletivo do sustento estatal (não-assistencialista); dinâmica de alteração e complementação de normas previdenciárias, com vistas à pacificação de conflitos sociais, doutrinários e jurisprudenciais e à publicidade/divulgação de um direito previdenciário claro e o mais objetivo possível; evidente descompasso entre a produção normativa previdenciária e a realidade histórico-social e a volumosa demanda por integração normativa manuseada em sede judicial e administrativa; desnecessária perpetuação de controvérsias aparentemente fáceis de extirpação pelo legislador; interpretação e integração de normas de direito previdenciário como alternativas subsidiárias à produção normativa insatisfatória; e impossibilidade fática de produção normativa plenamente satisfatória.
Palavras-chave: Produtividade. Direito Previdenciário. Pacificação. Integração Normativa. Interpretação Normativa. Lacuna Legislativa. Insegurança Jurídica.
I) INTRODUÇÃO
É inegável a insuficiência normativa em vários campos do Direito, neste e em outros países, para uma regulação plenamente satisfatória dos mais variados conflitos e relações jurídicas na sociedade.
Se, por um lado, é fato que não há como o legislador prever todas as hipóteses futuras que demandarão regulação específica, também é verdade que, em muitas situações, se abstém de legislar sobre temas e questões controvertidas já existentes em âmbito sócio-administrativo ou jurisprudencial, que insistem em se perpetuar como se fosse admirável ou mesmo recomendável a manutenção de um permanente estado de insegurança jurídica em prol da riqueza dos constantes embates dialéticos travados por conta de tais lacunas normativas.
Em sede de Direito Previdenciário também não é diferente! Aliás, o nascedouro do presente ensaio advém exatamente das inúmeras e, por vezes, desnecessárias lacunas da legislação previdenciária.
E parte dessa insuficiência normativa pode ser atribuída, certamente, à própria escassez de estudos mais completos e outros trabalhos de produção científica imprescindíveis à busca da integração de qualquer ramo do direito, tal como, a propósito, pontuado por G. Mazzoni[1], ao se referir à definição jurídica da Seguridade Social e demais delineamentos:
"na realidade, não é possível dar uma definição jurídica de Seguridade Social – pelo menos em nosso país – já que não existem, entre nós – como em outras nações – estudos de direito positivo, orgânico e efetivo, mais ou menos completos, sobre a Seguridade Social."
Talvez haja, por tal motivo, a necessidade de adoção de algum mecanismo mais eficaz de recomendação à produção normativa entre, principalmente, o Judiciário – a quem repetidamente são submetidos os mesmos conflitos derivados das lacunas que fomentam a perpetuidade da insegurança jurídica nos mais variados temas de Direito Previdenciário – e o Poder Legislativo, com vistas à pacificação de tais conflitos através de previsão normativa adequada e específica, a qual, na maioria das vezes, já seria suficiente para tal mister.
II) INTEGRAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE NORMAS DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Ante a impossibilidade fática de produção normativa plenamente satisfatória (tendo em vista a incapacidade de o legislador prever todas as hipóteses futuras a demandar regulação) e a reconhecida (e, por vezes, inexplicável) ausência de normas minimamente necessárias para a pacificação dos mais diversos conflitos em matéria previdenciária, exsurge, como alternativa, o recurso inelutável ao manuseio desmedido das técnicas de interpretação e integração normativas.
Portanto, ainda que em breves linhas, é importante que se relembrem alguns aspectos atinentes a tal ponto.
Trazem-se, pois, preliminarmente, a título de ilustração, as lições de Francesco Ferrara, que erigiu a quebra do paradigma da distinção entre leitura e interpretação e a busca da produção de interpretação mais bem fundamentada (partindo-se de sua teoria de que a interpretação literal é mera atividade primária a ser desenvolvida pelo intérprete de texto normativo, devendo-se priorizar uma interpretação lógica, em seus três exercícios metodológicos básicos – elemento racional ou teleológico, elemento sistêmico e elemento histórico)[2].
Na metodologia da interpretação desenvolvida por Ferrara, não intenta o autor fixar a única interpretação possível de um texto, mas, sim, busca orientar a produção da interpretação mais bem fundamentada.
A interpretação literal ou gramatical, para Ferrara, seria apenas a primeira atividade a ser desenvolvida pelo intérprete à leitura de um texto normativo, pois o resultado dessa análise semântico-gramatical deve ser reservado, para que o intérprete ingresse, então, no exercício de uma atividade interpretativa mais complexa – a interpretação lógica -, composta de três exercícios metodológicos básicos: o exercício da busca da finalidade do dispositivo legal (elemento racional); o da análise do dispositivo a ser interpretado numa perspectiva de inserção no sistema de leis e normas a que pertence (elemento sistêmico), ou seja, analisa-se o dispositivo como parte integrante de uma lei e de um ordenamento jurídico como um todo, visando a perquirir-se o sentido objetivo da lei; e o exercício da verificação da história do dispositivo e da lei (elemento histórico), com o fim de se distinguirem os elementos ocasionais que originaram a lei (occasio legis) daquilo que é permanente, da razão de ser profunda da lei (ratio legis).
Para o renomado autor, salvo na maior parte dos casos, em que o resultado da interpretação lógica acabará confirmando e fundamentando o resultado da interpretação literal (“interpretação declarativa”), poderá haver uma divergência entre ambos os resultados obtidos com tais interpretações, hipóteses em que deverá prevalecer a interpretação lógica, eis que é o método que proporciona encontrar-se o sentido da norma. Ferrara enuncia que a lei não se confunde com o texto da lei, ou seja, a norma não se confunde com o texto da lei, mas, ao contrário, é o seu sentido. Por isso, há de prevalecer o resultado da interpretação lógica, ainda que contra o texto expresso da lei.
III) OUTRAS CONSIDERAÇÕES RELEVANTES
Também merecem espaço para a “aclimatação” de toda a problemática suscitada alguns outros aspectos e/ou temas de relevada importância para que se consigam delinear, adequadamente, os contornos sociais envolvidos.
Primeiramente, convocam-se os ensinamentos do mestre J.J. Gomes Canotilho[3], ao atribuir à Sociologia Jurídica a função de “adestradora do olhar vigilante” sobre as exigências do justo, o que se faz possível à luz de teorias críticas da sociedade e da justiça para, assim, abrir o jurídico para nele “se incluírem outros modos de compreender a norma do Direito.”
Não é inédito aduzir-se que há um descompasso entre a produção normativa previdenciária e a realidade histórico-social do âmbito de sua aplicação – evidenciando-se, por vezes, um “engessamento” da legislação frente aos fenômenos sociais dinâmicos -, que é fonte de outras tantas controvérsias que se avolumam, diariamente, em nossos tribunais.
Exalta-se, pois, a estrita necessidade de uma estreita ligação pari passu entre o jurídico e o social, pelos canais científicos próprios e adequados para a mais rigorosa possível harmonia entre os fenômenos e exigências sociais, de um lado, e a produção normativa e/ou jurisprudencial, de outro.
É preciso ter em mente que os direitos compreendidos na seguridade social integram o catálogo de direitos e garantias fundamentais da Constituição de 1988, os quais não estão ao alcance do poder constituinte reformador, por expressa determinação constitucional – artigo 60, § 4o, CF/1988. Não obstante isso, há de se concordar com Daniel Machado da Rocha quando este afirma que[4]:
Evidentemente, o fato de integrar o elenco das “cláusulas pétreas” não tem o condão de obstaculizar qualquer adaptação que seja necessária ao aperfeiçoamento da cobertura previdenciária ou a sua adequação aos contornos evolucionantes de nossa realidade social, ainda que o efeito seja uma indesejada redução de sua amplitude. [...] somente a alteração agressora do núcleo fundamental da proteção previdenciária – instituída pelo legislador constituinte, diagnosticada no caso concreto pela insuportável afetação à dignidade da pessoa humana – não poderá ser admitida em qualquer circunstância.
Também se pode trazer ao estudo um outro enfoque ao que será enfrentado a seguir, encontrado na teoria de Michael Walzer[5] acerca da sustentação de limites para a provisão coletiva ou comunitária, registrada no livro Esferas da Justiça.
Propõe aquele autor que, numa sociedade onde convivem diversos grupos sociais, sempre haverá demandas simultâneas, umas mais urgentes que outras; e o bom Estado é aquele que tem capacidade de discernimento das prioridades e de atendimento das reivindicações sociais, sem aceitar, por meio de seus governantes, bens que estejam fora da esfera política para favorecer um ou outro setor.
Não se pode jamais fomentar uma política de assistencialismo generalizado, geradora de um vício social: a busca constante pelo sustento estatal primário e, não, em caráter supletivo.
De fato, podem confirmar todos aqueles que lidam com matéria previdenciária, de uma forma ou de outra, seja no âmbito administrativo, seja no judicial, que a realidade social hodierna de nosso país aponta para a existência de uma tendência quase generalizada à busca, em caráter primário, do sustento pela Seguridade Social, estimulando-se, assim, uma cada vez maior relação de dependência econômica do indivíduo em relação ao Estado, em meio à inegável ausência de política educacional-cultural e trabalhista conscientizadora do caráter supletivo do sustento estatal (não-assistencialista) - tendência que deve ser urgentmente erradicada.
Outrossim, não têm sido raras as decisões dos tribunais pátrios que, em meio a lacunas legislativas ou controvérsias interpretativas, acabam por determinar a concessão de benefícios previdenciários sem o mínimo probatório exigido pela legislação, frequentemente pautando-se num ultragenérico princípio da dignidade da pessoa humana, de contornos quase sempre obscuros e, assim, de aplicação muitas vezes "banalizada" - postura que, em nosso entender, merece ser melhor avaliada e discutida, nos mais variados e fóruns (doutrinário, acadêmico e dentro do próprio Judiciário).
De qualquer modo, independentemente da tendência ou postura que se adote por determinado setor da sociedade ou momento histórico-social, fato é que, indubitavelmente, há manifesta insuficência legislativa e, igualmente (ou, mesmo, por consequência), elevada insegurança jurídica acerca dos institutos, direitos e garantias atinentes ao ramo do Direito Previdenciário, cujo perfil, essencialmente dinâmico e multifacetário, é carecedor de maior e mais qualificada produção normativa, doutrinária e jurisprudencial.
IV) CONCLUSÃO
Como se disse ao início do presente artigo, seriam timidamente "revisitados" alguns temas críticos de inegável relevância, tais como o vício da busca ao sustento estatal primário; ausência de política educacional-cultural e trabalhista conscientizadora do caráter supletivo do sustento estatal (não-assistencialista); dinâmica de alteração e complementação de normas previdenciárias, com vistas à pacificação de conflitos sociais, doutrinários e jurisprudenciais e à publicidade/divulgação de um direito previdenciário claro e o mais objetivo possível; evidente descompasso entre a produção normativa previdenciária e a realidade histórico-social e a volumosa demanda por integração normativa manuseada em sede judicial e administrativa; desnecessária perpetuação de controvérsias aparentemente fáceis de extirpação pelo legislador; interpretação e integração de normas de direito previdenciário como alternativas subsidiárias à produção normativa insatisfatória; e impossibilidade fática de produção normativa plenamente satisfatória.
Como dito, se, por um lado, é fato que não há como o legislador prever todas as hipóteses futuras que demandarão regulação específica, também é verdade que, em muitas situações, se abstém de legislar sobre temas e questões controvertidas já existentes em âmbito sócio-administrativo ou jurisprudencial, que insistem em se perpetuar como se fosse admirável ou mesmo recomendável a manutenção de um permanente estado de insegurança jurídica em prol da riqueza dos constantes embates dialéticos travados por conta de tais lacunas normativas.
Há, de fato, manifesta insuficência legislativa e elevada insegurança jurídica acerca dos institutos, direitos e garantias atinentes ao ramo do Direito Previdenciário, cujo perfil, essencialmente dinâmico e multifacetário, é carecedor de maior e mais qualificada produção normativa, doutrinária e jurisprudencial, merecendo destaque, outrossim, a escassez de estudos mais profundos de produção científica imprescindíveis à busca da integração de tal ramo do Direito.
[1] MAZZONI, G. Existe um conceito jurídico de seguridade social? In: VIANNA, João Ernesto Aragonés. Direito Previdenciário. Texto do Curso de Pós-Graduação em Direito Público. CEAD/UnB, 2009, p. 8.
[2] FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. Tradução de Manuel A. D. de Andrade. 2ª edição. Arménio Amado Editor. Coimbra: 1963.
[3] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p.23.
[4] ROCHA, Daniel Machado da. O direito fundamental à previdência social. Livraria do Advogado, 2004, p.114.
[5] WALZER, Michael. Esferas da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Procurador Federal (Advocacia-Geral da União). Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do RJ e Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília. Foi Técnico Judiciário e Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) entre os anos de 1998-2004. Aprovado e nomeado Procurador da República (MPF) no ano de 2006
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAVES, Roberto de Souza. A insatisfatória produtividade normativa em sede de direito previdenciário: breve análise crítica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42297/a-insatisfatoria-produtividade-normativa-em-sede-de-direito-previdenciario-breve-analise-critica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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