RESUMO: Com a superação da Súmula n. 690 do STF muito se discutiu sobre as regras de definição de competência para julgamento de mandados de segurança e habeas corpus impetrados contra atos praticados por Turmas Recursais dos Juizados Especiais. Hoje existem regras distintas de definição de competência para cada uma das ações constitucionais em epígrafe, o que se considera desarrazoado, propondo-se alteração no entendimento jurisprudencial atualmente em vigor.
Palavras-chave: Turma Recursal – Habeas Corpus – Mandado de Segurança – Competências Constitucionais Do STF e do STJ – LOMAN – Súmula 690 do STF – Súmula 376 do STJ – Crimes Comuns e de Responsabilidade – Critérios Uniformes de Definição de Competência.
Os Juizados Especiais, destinados à análise de questões de pequeno valor ou complexidade, foram inicialmente previstos na Constituição Federal Brasileira, no art. 24, inciso X, bem como no art. 98, inciso I e §1º, permitindo ao legislador infraconstitucional disciplinar sua criação e funcionamento. A disciplina, por sua vez, ocorreu com a edição das leis federais n. 9.099/95 (que dispôs sobre a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito estadual) e n. 10.259/01 (que tratou da mesma matéria, porém no âmbito da Justiça Federal).
Dentre os princípios basilares dos Juizados Especiais, destacaram-se, de chofre, a simplificação do processo judicial, a oralidade, a informalidade e, principalmente, a economia processual com vistas à rápida e razoável duração do processo. Sem muitos exageros, pode-se afirmar que essas circunstâncias, somadas à possibilidade do cidadão postular sua pretensão diretamente ao Juízo, sem a necessidade de se ver representado por advogados, culminaram no assoberbamento dos Juizados Especiais.
Para os que militam no foro, destacadamente no Juizado Especial, fácil é perceber a grandiosidade do volume de ações distribuídas diariamente, além do reduzido número de juízes destacados para decidir as lides em apreço. Há quem diga, inclusive, que os Juizados Especiais, diante do inesgotável volume de feitos e da exiguidade da infraestrutura a eles disposta, acabam por criar verdadeiro Código de Processo Civil à parte, à revelia do ordenamento jurídico vigente, sob a pretensa justificativa da célere prestação jurisdicional.
Por tais razões, não são raros os remédios constitucionais adotados para correção de eventuais equívocos praticados, seja pelos juízes que atuam propriamente nos Juizados Especiais, seja por aqueles designados para compor as respectivas Turmas Recursais. Cumpre estabelecer, por oportuno, que as Turmas Recursais são funcionalmente independentes dos Tribunais, não havendo qualquer subordinação administrativa, compostas por juízes de primeiro grau, nomeados por antiguidade e merecimento, para mandatos de dois anos, vedada a recondução.
Dentre os remédios constitucionais em testilha, sem dúvidas destacam-se o habeas corpus e o mandado de segurança. Já de início se faz importante dizer que, em face da promoção da celeridade no processamento e julgamento das causas cíveis de menor complexidade (objeto dos Juizados Especiais), não se admite a impetração de mandado de segurança contra decisões interlocutórias nos processos do Juizado Especial. Já se aventou, neste aspecto, que este impeditivo constituiria afronta ao princípio da ampla defesa, assegurado pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal Brasileira. No entanto, sobredita assertiva restou superada pela jurisprudência, a entender que a ampla defesa não foi preterida; ao contrário, foi apenas postergada em nome da celeridade processual, já que as decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição do respectivo recurso inominado, diante da sentença final proferida pelo juízo.
Em que pesem todo o nuance envolvendo a dinâmica peculiar dos Juizados Especiais, mesmo sendo possível a impetração tanto do habeas corpus quanto do mandado de segurança, sempre se questionou qual seria o órgão competente para apreciá-los. A dúvida existia porque, sendo a Turma Recursal composta por juízes de primeiro grau, eventual medida apresentada por conta ato praticado por juiz singular em procedimento sob a marcha do Juizado Especial tecnicamente não seria apreciada por outro grau de jurisdição (princípio do duplo grau de jurisdição), mas sim pelo mesmo grau em que proferido o ato impugnado (no caso, o primeiro grau). Ademais, sendo as Turmas Recursais órgão funcionalmente independentes dos Tribunais, a eles não estando submetidas sequer hierarquicamente, indagava-se quem seria o órgão competente para julgar mandados de segurança e habeas corpus impetrados contra atos por ela praticados.
Tais dissonâncias deram azo à edição da Súmula n. 690 do STF, assim redigida:
Súmula 690. Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais.
Nota-se que a Súmula em epígrafe cuidou apenas da hipótese de habeas corpus, sem nada mencionar sobre o mandado de segurança. Partia-se do raciocínio de que, não estando os Juizados Especiais vinculados a qualquer Tribunal (Tribunal de Justiça ou Superior Tribunal de Justiça), somente ao órgão superior do Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal) caberia analisar hipótese de habeas corpus impetrado em face de decisão proferia por Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais. Na mesma seara, a Súmula em questão não afastava, por conseguinte, a análise de habeas corpus, pela própria Turma Recursal, quando impetrado contra ato de juiz singular no exercício da jurisdição do Juizado Especial Federal.
Todavia, referida Súmula não resistia a uma análise jurídica mais acurada, indicando que o posicionamento inicial do Supremo Tribunal Federal balizara-se mais em critérios de organização judiciária do que na normatividade estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Explica-se.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o julgamento da medida de habeas corpus deve ter a competência definida pelas partes nele envolvidas, de acordo com as qualidades do paciente e respectivo impetrante. Sendo as Turmas Recursais compostas por juízes de primeiro grau de jurisdição, estes últimos estão sujeitos à jurisdição do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal (a depender de se estar diante de Turma Recursal dos Juizados Especiais Estaduais ou de Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais), caso a eles se imputem crimes comuns ou de responsabilidade, conforme estabelece o art. 96, inciso III, da Constituição Federal Brasileira:
Art. 96. Compete privativamente:
(...)
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Ao Tribunal de Justiça, ou ao Tribunal Regional Federal, portanto, incumbiria julgar habeas corpus contra ato praticado, respectivamente, por Turma Recursal do Juizado Especial Estadual ou do Juizado Especial Federal, e não ao Supremo Tribunal Federal, cuja competência é exaustivamente estabelecida no artigo 102 da Constituição Federal Brasileira, não abarcando a hipótese objeto da Súmula 690.
Por tais motivos, referida Súmula não possui mais aplicação, conforme se pode observar do julgamento paradigma proferido nos autos de habeas corpus n. 86.834/SP, cuja ementa segue abaixo transcrita:
COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - DEFINIÇÃO. A competência para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos - paciente e impetrante. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - ATO DE TURMA RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso, julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - LIMINAR. Uma vez ocorrida a declinação da competência, cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida acauteladora, ficando a manutenção, ou não, a critério do órgão competente.(HC 86834, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/08/2006, DJ 09-03-2007 PP-00026 EMENT VOL-02267-02 PP-00242 RJSP v. 55, n. 354, 2007, p. 175-184 LEXSTF v. 29, n. 341, 2007, p. 350-365)
Referida interpretação coaduna-se com a exegese do disposto no art. 102, inciso I, alínea “i”, da Constituição Federal Brasileira, assim disposto:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;
O Supremo Tribunal Federal, portanto, apenas se afigura competente para apreciar habeas corpus quando o coator for Tribunal Superior, sendo que os juízes integrantes de Turmas Recursais, como já observado, sequer compõem Tribunal algum, quanto mais Superior...
Portanto, restou estabelecido ser o Tribunal de Justiça (ou o Tribunal Regional Federal, a depender da natureza da Turma Recursal, se estadual ou federal) o competente para analisar os casos de habeas corpus em face de atos proferidos em sede de Juizado Especial, notadamente pelas Turmas Recursais,
Entretanto, melhor sorte não assiste quando se está diante da definição da competência para analisar e julgar mandado de segurança contra ato de juiz singular em exercício nos Juizados Especiais, bem como contra atos das Turmas Recursais. A competência para análise do mandado de segurança, nestes casos, não segue a mesma lógica apresentada para definição da competência nas hipóteses de habeas corpus.
A celeuma justifica-se a partir da interpretação do artigo 21, inciso VI, da Lei Complementar n. 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) -, que assim estabelece:
Art. 21 - Compete aos Tribunais, privativamente:
(...)
VI - julgar, originariamente, os mandados de segurança contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções.
Como as Turmas Recursais são funcionalmente independentes dos Tribunais, ausente qualquer subordinação administrativa, a elas se aplicam inteiramente as disposições contidas no art. 21, inciso VI, da LOMAN, sendo delas mesmas (e não do Supremo Tribunal Federal) a competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada a ela mesma, ou a juízes em exercício no Juizado Especial Federal. A própria LOMAN, expressamente neste aspecto, decidiu diferenciar as regras de definição de competência para o julgamento de habeas corpus e de mandado de segurança.
Nessa linha de raciocínio, aliás, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 376, nos seguintes termos:
“Súmula 376. Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial”.
Há que se ressaltar, no entanto, embora o Supremo Tribunal Federal tenha definido que a competência será sempre da própria Turma Recursal para julgar mandado de segurança (AI 666.523 AgR/BA, j. em 26.10.2010) a melhor doutrina e jurisprudência entendem, corretamente, que se o mandado de segurança versar não sobre o mérito da decisão proferida pela Turma Recursal, mas sobre a competência dos próprios Juizados Especiais, referido conflito deveria ser resolvido pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal. Neste sentido, confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA DECISÃO DO JUIZADO ESPECIAL QUE NÃO CONHECEU DA APELAÇÃO POR INTEMPESTIVIDADE.
1. O writ impetrado contra ato das Turmas dos Juizados Especiais somente submete-se à cognição do Tribunal de Justiça local quando a controvérsia é a própria competência desse segmento de Justiça.
2. In casu, trata-se de writ contra decisão da Turma Recursal que não conheceu da Apelação interposta por intempestividade.
3. É cediço na jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça que: "O Tribunal de Justiça não pode rever, em mandado de segurança, o que foi decidido pelo Juizado Especial. Recurso ordinário não provido." (RMS 9500/RO, Rel. MinistroARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.10.2000, DJ 27.11.2000 p. 154); "Inexiste lei atribuindo ao Tribunal de Justiça competência para julgar mandado de segurança contra ato da Turma Recursal do Juizado Especial Cível." (RMS 10357/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 20.05.1999, DJ 01.07.1999 p. 178); "Não tem o Tribunal de Justiça competência para rever as decisões desses juizados, ainda que pela via do mandado de segurança." (RMS 9065/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02.04.1998, DJ 22.06.1998 p. 71).
4. Conflito de competência conhecido para declarar competente a Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Salvador/BA.
(CC 39.950/BA, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2007, DJe 06/03/2008)
A confirmar referido posicionamento, não se poderia deixar de mencionar, ainda, o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
COMPLEXIDADE DA CAUSA. NECESSIDADE DE PERÍCIA. CONDENAÇÃO SUPERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. CONTROLE DE COMPETÊNCIA. TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DOS ESTADOS. POSSIBILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. CABIMENTO.
1. Na Lei 9.099/95 não há dispositivo que permita inferir que a complexidade da causa – e, por conseguinte, a competência do Juizado Especial Cível – esteja relacionada à necessidade ou não de realização de perícia.
2. A autonomia dos Juizados Especiais não prevalece em relação às decisões acerca de sua própria competência para conhecer das causas que lhe são submetidas, ficando esse controle submetido aos Tribunais de Justiça, via mandado de segurança. Inaplicabilidade da Súmula 376/STJ.
3. O art. 3º da Lei 9.099/95 adota dois critérios distintos – quantitativo (valor econômico da pretensão) e qualitativo (matéria envolvida) – para definir o que são “causas cíveis de menor complexidade”. Exige-se a presença de apenas um desses requisitos e não a sua cumulação, salvo na hipótese do art. 3º, IV, da Lei 9.099/95. Assim, em regra, o limite de 40 salários mínimos não se aplica quando a competência dos Juizados Especiais Cíveis é fixada com base na matéria.
4. Admite-se a impetração de mandado de segurança frente aos Tribunais de Justiça dos Estados para o exercício do controle da competência dos Juizados Especiais, ainda que a decisão a ser anulada já tenha transitado em julgado.
5. Recurso ordinário não provido.
(RMS 30.170/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 13/10/2010)
Conclui-se, do exposto, que para julgamento de habeas corpus impetrado em face de ato praticado por Turma Recursal dos Juizados Especiais, a jurisprudência atual define ser a atribuição do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal respectivo; já para o julgamento de mandado de segurança contra ato da Turma Recursal, seria ela própria competente para analisá-lo. Esta diferenciação, entretanto, não se afigura coerente, conforme lição de PEDRO LENZA, em sua obra “Direito Constitucional Esquematizado”, 18ª edição, editora Saraiva, p. 806, in verbis:
Não é pelo fato de ser MS que o entendimento deva ser diferente do HC, com base, simplesmente, no art. 21, inciso VI, da LOMAN. Ambas são ações constitucionais e buscam seu fundamento diretamente na Constituição, no caso, para nós, no art. 96, III, e na inexistência de previsão específica para outro Tribunal.
Em epítome, portanto, seria de bom alvitre proceder-se à modificação da jurisprudência hodierna, estabelecendo-se critério uniforme para a apreciação tanto do mandado de segurança quanto do habeas corpus em se tratando de atos praticados por Turmas Recursais dos Juizados Especiais, atribuindo competência originária ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal locais – sem prejuízo da manutenção da competência das Turmas Recursais quando se tratar de ato praticado por juiz de direito em exercício no Juizado Especial.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JANNUCCI, Alessander. Habeas corpus e mandado de segurança contra ato de Turma Recursal do Juizado Especial: superação da Súmula 690 do STF e novas perspectivas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42298/habeas-corpus-e-mandado-de-seguranca-contra-ato-de-turma-recursal-do-juizado-especial-superacao-da-sumula-690-do-stf-e-novas-perspectivas. Acesso em: 23 dez 2024.
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