1. INTRODUÇÃO
O sistema de controle de Constitucionalidade adotado pelo Brasil, como acentuado acima, foi o jurisdicional. Em sua primeira manifestação, na Constituição de 1981, seguiu-se a linha norte-americana, optando-se por um sistema difuso, fato que persiste até os dias atuais.
Porém, o fato que vai chamar a atenção ao longo do desenvolvimento do constitucionalismo brasileiro é a importância que adquiriu o controle concentrado de constitucionalidade, fazendo com que, em se adotando uma corrente de pensamento mais moderna, chegue-se à conclusão de que o controle difuso de constitucionalidade perdeu significativa importância.
Esse passo evolutivo teve início em 1934 com: (a) a ação de direta de inconstitucionalidade interventiva; (b) a regra de que somente pela maioria absoluta de votos dos membros dos tribunais é que se poderia declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público; (c) e a regra que somente com a interferência do Senado Federal se poderia sustar a execução, no todo ou em parte, de ato declarado inconstitucional em decisão definitiva. Essas três significativas alterações, buscando uma aproximação com o controle austríaco, foram incorporadas definitivamente ao Direito Constitucional pátrio.[1]
Nas precisas lições de Gilmar Mendes:
[...] não obstante a breve vigência do Texto Magno, ceifado pelas vicissitudes políticas que marcaram aquele momento histórico, não se pode olvidar o transcendental significado desse sistema para todo o desenvolvimento do controle de constitucionalidade mediante ação direta no Direito brasileiro.[2]
Já sob a égide da Constituição de 1946 foram introduzidas duas outras inovações: a ação direta de inconstitucionalidade, cuja competência para o julgamento era do Supremo Tribunal Federal, sendo a representação de inconstitucionalidade lei ou ato normativo, federal ou estadual, de argüição exclusiva do Procurador Geral da República; também ficou assentado que a lei poderia estabelecer um processo para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual, sendo o órgão competente para apreciar a demanda o Tribunal de Justiça local.[3]
Com o advento da Constituição de 1988, podemos destacar, seja em sua redação original ou através das mudanças decorrentes do poder constituinte derivado, uma preferência e um fortalecimento do controle abstrato de validade das normas, fato que se deve a inúmeros fatores, enumerados a seguir:
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 O fim do monopólio nas Ações Diretas
O texto constitucional de 1988 retirou o monopólio do Procurador Geral da República para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Em decorrência disso, uma ampla gama de setores da sociedade passou a ter legitimidade para a propositura de ações diretamente ao STF. Explica o professor Gilmar Mendes que:
O constituinte assegurou o direito do Procurador-Geral da República de propor a ação de inconstitucionalidade. Este é, todavia, apenas um dentre os diversos órgãos ou entes legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade.
Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988 dispõem de legitimidade para propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.[4]
Com isso, a Constituição de 1988 acabou por reduzir fortemente a importância do controle de constitucionalidade difuso ao ampliar, de forma expressiva, a quantidade de legitimados para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade, dando ensejo para que praticamente todas as controvérsias relevantes sejam submetidas ao crivo do Supremo Tribunal Federal mediante um processo célere de controle abstrato de normas.
Disso decorre que as grandes controvérsias constitucionais têm uma possibilidade remota de não chegarem diretamente ao STF, fazendo uso alguns dos legitimados da Ação Direta. A vantagem desse método é a celeridade, pois a demanda é proposta no órgão de cúpula do Judiciário, há a possibilidade de obtenção de medida cautelar, sustando de imediato a eficácia da norma, bem como prepondera efeito erga omnes quando do julgamento final do mérito da questão.
Desse modo, se a doutrina tradicional continua a asseverar que o ordenamento brasileiro adota um controle misto de constitucionalidade, tal afirmação deve ser lida com a devida ressalva. É importante salientar que “se continuamos a ter um modelo misto de controle de constitucionalidade, a ênfase passou a residir não mais no sistema difuso, mas no de perfil concentrado.”[5]
2.2 A criação da Ação Direta de Constitucionalidade
Outro fator importante que merece destaque é a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade através da EC n. 3/93. A ADC tem por objeto lei ou ato normativo federal em que haja controvérsia sobre a sua constitucionalidade.
A grande pergunta que se coloca é sobre a razão de ser de tal instrumento. Qual será o motivo de se introduzir em nosso ordenamento uma ação que visa afirmar uma constitucionalidade de uma norma onde se sabe que os atos normativos possuem presunção de legitimidade?
A resposta é a de que esta presunção é meramente relativa, em virtude da existência do controle difuso de constitucionalidade, em que dado o poder de todos os órgãos do Poder Judiciário poderem, ordinariamente, afastar a aplicação de leis ou atos normativos no deslinde das causas sujeitas a seu crivo. Frise-se que também é dado ao Poder Executivo o poder de deixar de aplicar uma norma por entender que existe vício de inconstitucionalidade.
Feito essa explanação, a conclusão que se chega é de que a finalidade de ADC é transformar a presunção de constitucionalidade relativa em absoluta, expurgando a incerteza e a insegurança jurídica do ordenamento.
Com isso, se a jurisdição ordinária, quase sempre se manifestando em relação a um caso concreto, passar a sustentar a inconstitucionalidade de determinada lei, poderão legitimados, convencidos da constitucionalidade da norma, provocar o STF para que ponha termo à controvérsia.[6]
A decisão definitiva de mérito, conforme autorizado pela EC. 03/93, possui eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos dos poderes Executivo e Judiciário. Esse efeito também foi estendido com a edição da EC 45/2004 à Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme passaremos a expor abaixo.
2.3 Do efeito vinculante em sede de controle concentrado
As decisões tomadas em sede de controle concentrado são dotadas de efeito vinculante. Tal sistemática foi introduzida pela EC nº 3, que acrescentou o § 2º ao art. 102, abalizando que tal efeito somente se aplicaria às decisões tomadas em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC).
Porém é necessário observar que a jurisprudência do STF, antes mesmo da edição da EC. nº 45/2004, já admitia pacificamente o efeito vinculante para Ação Direta de Inconstitucionalidade, notadamente pelo seu caráter dúplice.
A Lei n. 9.868/99, por sua vez, em seu art. 28, parágrafo único, conferiu tratamento uniforme e coerente à matéria, prevendo que as declarações de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal.
É necessário traçar uma pequena distinção entre eficácia vinculante e eficácia erga omnes, pois apesar de serem institutos semelhantes não podem ser confundidos. Nas lições de Gilmar Ferreira Mendes[7], a doutrina majoritária tem posicionamento no sentido de que o primeiro dos institutos atinge não só a parte dispositiva da decisão, mas também os seus motivos determinantes; já o primeiro tem o condão de atingir somente a parte dispositiva do julgado.
Segundo esse entendimento, a eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros[8]
Essa característica será adiante mais detalhada quando da análise da teoria da transcendência dos motivos determinantes.
2.4 A Ação de descumprimento de preceito fundamental
Outra grande contribuição para o enriquecimento do sistema brasileiro de controle concentrado de constitucionalidade é a chamada ação dedescumprimento de preceito fundamental—ADPF—, instrumento que o constituinte derivado estipulou vagamente no § 1 ° do art. 102 da Constituição, deixando ao legislador ordinário a tarefa de regulamentá-la, o que acabou se concretizando com a Lei n. 9.882/99.
Esta nova modalidade de controle assinala a opção do constituinte derivado de fortalecimento do controle concentrado de constitucionalidade. A ADPF veio para completar uma lacuna que havia no sistema de controle concentrado, ao permitir que matérias sujeitas apenas ao controle difuso de constitucionalidade pudessem ser remetidas diretamente ao órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Com isso, questões até então não apreciadas em controle abstrato de constitucionalidade poderão ser objeto de exame no âmbito desse novo procedimento, como, por exemplo, as controvérsias acerca de leis ou atos normativos municipais e o direito pré-constitucional.
3. CONCLUSÃO
De tudo o exposto, cabe ainda ressaltar um importante fator: o caráter analítico da Constituição Federal de 1988, dando ensejo ao vasto manejo de ações diretas de constitucionalidade. São impecáveis as palavras de Daniel Sarmento em magnífico trabalho sobre a história constitucional brasileira:
Neste quadro, a solução engendrada buscava integrar todos os constituintes na tarefa de elaboração do novo texto magno. Previu-se a criação de 24 subcomissões temáticas, que elaborariam textos sobre os temas de sua competência e os entregariam a 8 comissões temáticas, cada uma congregando 3 subcomissões. [...] Uma das conseqüências decorrentes da formula adotada foi o caráter analítico da Constituição, já que, ao se criar uma subcomissão dedicada a tratar um determinado assunto, este, naturalmente, se tornava objeto de disciplina constitucional. Ademais, a escolha dos temas das subcomissões já importava na definição das questões que ingressariam na nova ordem constitucional.[9]
Todos esses fatores formam uma rede de processos que permitem a afirmação de que o controle difuso de constitucionalidade perdeu significativa força com a advento da Constituição de 1988. É nítida a preferência do legislador constituinte, tanto o originário quanto o reformador, de explicitar a força e benefícios do controle concentrado de normas.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo GustavoGonet. Curso de Direito Constitucional.4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva e Instituto Brasiliense de Direito Público, 2009
SARMENTO, Daniel: Por um constitucionalismo inclusivo - História Constitucional Brasileira, Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. – 1 ed. - Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
[1]SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 51.
[2]MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo GustavoGonet op. cit. p. 1087, nota 2
[3]SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 45, nota 12
[4] MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit. p. 1103, nota 2
[5]Idem, Ibdem. p. 1134
[6]Idem, Ibdem. p. 1182
[7]Idem, Ibdem. p. 1333
[8]Idem, Ibdem. p. 1333
[9]SARMENTO, Daniel: Por um constitucionalismo inclusivo - História Constitucional Brasileira, Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. – 1 ed. - Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010, p. 90
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUEDES, Bruno Torres. Do enfraquecimento do controle difuso de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42323/do-enfraquecimento-do-controle-difuso-de-constitucionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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