Resumo: Este sintético artigo busca fazer um estudo acerca da Teoria do Limite dos Limites, ligado ao ramo dos Direitos Fundamentais, e sua difusão na jurisprudência do STF.
Palavras-chave: Limite dos Limites. Direitos Fundamentais. STF.
Sumário:1. INTRODUÇÃO. 2.TEORIA DO LIMITE DOS LIMITES. 3. A TEORIA DO LIMITE DOS LIMITES NA JURISPRUDÊNCIA DO STF4. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO
De certo tempo para cá, os doutrinadores de Direito Constitucional do Brasil tem se arvorado cada vez mais nas várias – e complexas – teorias ligadas ao que, em diversos países europeus, se chama de Direitos Fundamentais. A acepção do termo ora utilizada não se refere aos direitos em si (conceito restrito, que, quando nos referirmos a ele nesse texto, o faremos com letras minúsculas – direitos fundamentais), tais como aqueles elencados no art. 5º da CF/88, dentre outros reconhecidos materialmente e difundidos ao longo da Carta, mas sim a um ramo do Direito dotado de autonomia, desgarrado do Direito Constitucional, tratado como mais um dos sub-ramos do Direito, sendo, pois, considerado autônomo (conceito amplo).
Nesse diapasão, uma das teorias que foram trazidas para estudo, foi a do Limite dos Limites (Schranken-Schranken), que, como se nota, foi trazida do Direito alemão pelos doutrinadores constitucionalistas Gilmar Mendes e Paulo Gonet.
O que se buscará fazer aqui, portanto, é uma exposição sobre o tema, seguida de seu tratamento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando o tema foi abordado de forma direta.
2. Teoria do Limite dos Limites.
A premissa para que iniciemos o tratamento da matéria é saber que não existem direitos absolutos. O exemplo mais corriqueiro para demonstração da veracidade de tal assertiva é que o Direito à Vida, de forma ampla e genérica, pode sofrer restrições na Ordem jurídico-Constitucional brasileira, mormente nos casos de Guerra declarada.
Se existem limites a todos os direitos, e aqui cuidamos dos direitos fundamentais em seu conceito restrito, é necessário que saibamos até onde se pode limitá-los, a fim de que se evite seu completo desvirtuamento ou mesmo sua anulação a pretexto de limitá-lo.
Assim, as restrições legais aos direitos fundamentais sujeitam-se aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e, em especial, àquilo que, em sede doutrinária, o Gilmar Mendes e Paulo Gonet (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 349 e seguintes), denominam de limites dos limites (Schranken-Schranken), que dizem com a preservação do núcleo essencial do direito. Mas o que se considera como núcleo essencial? Como tornar tais parâmetros mais objetivos?
Segundo ensinam Gilmar Mendes e Paulo Gonet, existem 02 teorias sobre o tema:
“1) Os adeptos da chamada teoria absoluta (absoluteTheorie) entendem o núcleo essencial dos direitos fundamentais (Wesensgehalt) como unidade substancial autônoma (substantieüerWesenskern) que, independentemente de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. Essa concepção adota uma interpretação material segundo a qual existe um espaço interior livre de qualquer intervenção estatal. Em outras palavras, haveria um espaço que seria suscetível de limitação por parte do legislador; outro seria insuscetível de limitação. Neste caso, além da exigência de justificação, imprescindível em qualquer hipótese, ter-se-ia um "limite do limite" para a própria ação legislativa, consistente na identificação de um espaço insuscetível de regulação.
2) Os sectários da chamada teoria relativa (relativeTheorie) entendem que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso, tendo em vista o objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo. O núcleo essencial seria aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre meios e fins (Zvueck-Mittel-Prüfung), com base no princípio da proporcionalidade.0 núcleo essencial seria aquele mínimo insuscetível de restrição ou redução com base nesse processo de ponderação. Segundo essa concepção, a proteção do núcleo essencial teria significado marcadamente declaratório.”.
Como sói ocorrer, críticas são apontadas para ambas as teorias. No que se refere especificamente à teoria absoluta:
“È verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo essencial, insuscetível de redução por parte do legislador, pode converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial. É certo, outrossim, que a ideia de uma proteção ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil identificação, pode ensejar o sacrifício do objeto que se pretende proteger. Não é preciso dizer também que a ideia de núcleo essencial sugere a existência clara de elementos centrais ou essenciais e elementos acidentais, o que não deixa de preparar significativos embaraços teóricos e práticos.”.
Por seu turno, a teoria relativa pode se apresentar como mais uma continuidade do problema, eis que se não se sabe a priori quais os limites de cada direito fundamental, sendo auferível caso a caso, como se poderia saber com algum grau de certeza que o núcleo essencial do direito efetivamente não foi atingido? A indagação continua, por certo.
Continuam os autores:
“Por essa razão, propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no princípio da proporcionalidade uma proteção contra as limitações arbitrárias ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também contra a lesão ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. É que, observa Hesse, a proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramente econômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela medida.”.
No Brasil, não temos qualquer tratamento expresso na legislação a respeito do tema, não ao menos de forma direta e específica. Contudo, não se deve olvidar que a CF/88 veda qualquer proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais (CF/88, art. 60, § 4ª, IV), pelo que se pode ver aí, ainda que timidamente, uma tentativa de se limitar os limites.
3. O TRATAMENTO DA TEORIA DO LIMITE DOS LIMITES NA JURISPRUDÊNCIA DO STF.
O STF já teve oportunidade de lidar com a matéria em pelo menos três oportunidades:
1) No voto do Ministro Rodrigues Alckmin na Representação nº 930 sobre a liberdade de conformação do legislador, ainda sob a égide da Constituição de 67/69;
2) No HC nº 82.959, cuja relatoria coube ao Ministro Marco Aurélio, oportunidade em que o STF trilhou entendimento no sentido de que a imposição de regime integralmente fechado para cumprimento de condenação nos crimes hediondos configuraria lesão ao princípio do núcleo essencial;
3) Na ADC nº 29/DF, julgada em 16/02/2012, que cuidou da Ficha Limpa.
No que se refere ao primeiro caso, um excerto deveras esclarecedor pode ser extraído do voto, que versava, como adiantado acima, sobre a liberdade de conformação do legislador:
"Essa liberdade, dentro de regime constitucional vigente, não é absoluta, excludente de qualquer limitação por via de lei ordinária.
Tanto assim é que a cláusula final ('observadas as condições de capacidade que a lei estabelecei’) já revela, de maneira insofismável, a possibilidade de restrições ao exercício de certas atividades.
Mas também não ficou ao livre critério do legislador ordinário estabelecer as restrições que entenda ao exercício de qualquer gênero de atividade lícita. Se assim fosse, a garantia constitucional seria ilusória e despida de qualquer sentido.
Que adiantaria afirmar 'livre' o exercício de qualquer profissão, se a lei ordinária tivesse o poder de restringir tal exercício, a seu critério e alvitre, por meio de requisitos e condições que estipulasse, aos casos e pessoas que entendesse?
E preciso, portanto, um exame aprofundado da espécie, pata fixar quais os limites a que a lei ordinária tem de ater-se, ao indicar as 'condições de capacidade'. E quais os excessos que, decorrentes direta ou indiretamente das leis ordinárias, desatendem à garantia constitucional".
A matéria teve tratamento muito tímido no voto, mas de sua leitura se percebe que é possível se falar em limites dos limites naquele contexto.
No segundo caso, agora mais recente, cuidou-se do regime inicial obrigatório de prisão previsto na lei nº 8.072/90 – Lei dos crimes hediondos – que, sem se considerar quaisquer circunstâncias do caso concreto, impunha ao julgador a cominação de regime fechado sempre que se cuidassem daqueles delitos.
Em trecho do voto do Min. César Peluso, o tema foi assim abordado:
"Logo, tendo predicamento constitucional o princípio da individualização da pena (em abstrato, em concreto e em sua execução), exceção somente poderia ser aberta por norma de igual hierarquia nomológica.
'A imposição de um regime único e inflexível para o cumprimento da pena privativa de liberdade', nota Maria Lúcia Karam, 'com a vedação da progressividade em sua execução, atinge o próprio núcleo do principio individualizador, assim, indevidamente retirando-lhe eficácia, assim indevidamente diminuindo a razão de ser da norma constitucional que, assentada no inciso XLVI do art. 5ªda Carta de 1988, o preconiza e garante'.
Já sob este aspecto, falta, pois, legitimidade à norma inserta no § Ia do art. 2a da Lei n. 8.072/90".
Quanto a esse último julgado, Gilmar Mendes e Paulo Gonet assim comentam:
“A referência à lei — princípio da reserva legal — explicita, tão-somente, que esse direito está submetido a uma restrição legal expressa e que o legislador poderá fazer as distinções e qualificações, tendo em vista as múltiplas peculiaridades que dimanam da situação a reclamar regulação.
Seria de indagar se o legislador poderia, tendo em vista a natureza do delito, prescrever, como o fez na espécie, que a pena privativa de liberdade seria cumprida integralmente em regime fechado, isto é, se na autorização para intervenção no âmbito de proteção desse direito está implícita a possibilidade de eliminar qualquer progressividade na execução da pena.
Essa indagação remete para a discussão de um outro tema sensível da dogmática dos direitos fundamentais, que é o da identificação de um núcleo essencial, como limite do limite para o legislador.
Independentemente da filiação a uma das teorias sobre a identificação desse conteúdo essencial, é certo que o modelo adotado na Lei n. 8.072/90 faz tabula rasa do direito à individualização no que concerne aos chamados crimes hediondos.”.
Por fim, na ADC nº 29/DF, o tema foi abordado de forma mais direta e especifica do que nas outras vezes, senão vejamos:
“O princípio da proporcionalidade constitui um critério de aferição da constitucionalidade das restrições a direitos fundamentais. Trata- se de um parâmetro de identificação dos denominados limites dos limites (Schranken-Schranken) aos direitos fundamentais; um postulado de proteção de um núcleo essencial do direito, cujo conteúdo o legislador não pode atingir. Assegura-se uma margem de ação ao legislador, cujos limites, porém, não podem ser ultrapassados. O princípio da proporcionalidade permite aferir se tais limites foram transgredidos pelo legislador.”.
4. CONCLUSÃO.
Embora apenas mais recentemente a doutrina nacional venha se utilizando da denominação cunhada pelo direito alemão, a teoria do limite dos limites já encontrava defensores por aqui há muito tempo, como se viu no primeiro caso de tratamento da matéria, não obstante ela não tenha se desenvolvido como deveria com o passar dos anos, talvez em função do contexto político então vivido pelo Brasil quando da ocasião do Ministro Rodrigues Alckmin.
Contudo, ainda que se considere que essa retomada veio a reboque do avanço promovido pelos denominados “neo-constitucionalistas” no enriquecimento do Direito Constitucional brasileiro, é de se notar que, referido instituto ainda é muito pouco utilizado, e seu conceito e críticas inerentes ainda dependem de maturação pelos juristas pátrios.
BIBLIOGRAFIA:
- LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15 ed. São Paulo: Método, 2011.
- MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: 4º ed., Saraiva, 2008.
- MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2004.
- MORAIS, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
Procurador Federal. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto/PT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Bruno Medeiros. Teoria do Limite dos Limites (Schranken-Schranken) na jurisprudência do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42337/teoria-do-limite-dos-limites-schranken-schranken-na-jurisprudencia-do-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
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