RESUMO: Esse artigo objetiva fazer uma abordagem das mudanças pelas quais tem passado o controle de constitucionalidade, realizado pela via Difusa, no STF, especialmente após a inserção dos institutos da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante pela emenda constitucional 45/2004.
PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade Difuso, Aproximação, Controle de Constitucionalidade Concentrado.
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que no controle de constitucionalidade declarado incidenter tantum as decisões limitam-se as partes do processo no qual se declarou a norma inconstitucional, inclusive quando quem a proclama é o STF.
De outro lado, o controle abstrato projeta efeitos para todos (erga omnes).
No entanto, com os novos institutos da Súmula vinculante e da Repercussão Geral, introduzidos pela emenda constitucional nº 45/2004, verifica-se a inclusão de elementos tipicamente vinculados ao processo objetivo no processo subjetivo de aferição de constitucionalidade de normas.
Tais institutos denotam uma clara aproximação desses dois modelos, quadro que já está sendo notado pela doutrina pátria.
O presente artigo objetiva analisar essa nova percepção do modelo de controle difuso de constitucionalidade, sobretudo quando Realizado pela STF.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 SÚMULA VINCULANTE E A APROXIMAÇÃO DO CONTROLE VIA INCIDENTAL REALIZADO PELO STF
De início, cumpre conceituar o que seja súmula. Esta é, segundo Nelson Nery[1] “{...}o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência reiterada e predominante no tribunal e vem traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados e editados.” Súmula vinculante, no Brasil, por sua vez, é “ a tese afirmada pelo STF que vincula todos os órgãos do Poder Judiciário do País e os órgão da administração direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal”.
Esse importante instituto foi criado em 30 de dezembro de 2004, com a Emenda Constitucional n° 45, publicada no Diário Oficial de 31/12/2004, que adicionou ao artigo 103-A de Nossa Carta Magna o artigo composto pelo seguinte texto:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
A lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, assim regulamentou a norma constitucional:
Art. 2 O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.
§ 1 O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.
Com inserção desse dispositivo no ordenamento jurídico, “uma súmula outrora meramente consultiva, pode passar a ter verdadeiro efeito vinculante, e não mais facultativo, não podendo ser contrariada”.[2] Objetiva-se eliminar um tratamento jurídico desigual, procurando-se evitar que uma mesma norma seja interpretada de formas distintas para situações fáticas idênticas, o que cria distorções injustificáveis. Também visa a referida norma retirar do STF o papel de revisar toda e qualquer decisão judicial que envolva matéria constitucional, o que reforça seu papel de Corte Constitucional.
Ante o exposto, observa-se que, se, no controle via incidental de normas, o STF proclamar a inconstitucionalidade de uma lei, e o fato se ajusta ao previsto no artigo 103-A da Constituição, haverá possibilidade de se editar súmula vinculante sobre o tema. Nesse caso, o julgado vinculará a todos, menos o Poder Legislativo, sem que seja necessário o envio da matéria ao Senado Federal a fim de que esta suspenda a execução da lei impugnada.
Zeno Veloso[3] destaca que “dado o efeito vinculante referido no art. 103-A, a lei cuja inconstitucionalidade foi reconhecida já não pode mais ser aplicada, como ocorreria se se tratasse de declaração de inconstitucionalidade em ação direta”
Nesse quadro, percebe-se uma inegável aproximação entre o controle de constitucionalidade realizado pela via incidental do controle realizado pela via de ação direta na Suprema Corte. Basta que este tribunal edite a súmula vinculante, regularmente publicada na imprensa oficial, para que dê efeito erga omnes, sem participação do Poder Legislativo, o que reforça a idéia de superação do artigo 52, X, da Constituição.
A respeito do tema, dispõe Gilmar Mendes[4]:
Não resta dúvida de que a adoção da súmula vinculante em situação que envolva a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo enfraquecerá ainda mais o já debilitado instituto da suspensão de execução pelo Senado. É que a súmula conferirá interpretação vinculante à decisão que declara a inconstitucionalidade sem que a lei declarada inconstitucional tenha sido eliminada formalmente do ordenamento jurídica (falta de eficácia geral da decisão declaratória de inconstitucionalidade). Tem-se efeito vinculante da súmula, que obrigará a Administração a não mais aplicar a lei objeto da declaração de inconstitucionalidade (nem a orientação que dela se dessume), sem eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade.
Glauco Salomão Leite[5], em tese de mestrado sob a orientação de André Ramos Tavares, corrobora o pensamento acima referido, ao preconizar:
(...) A súmula vinculante, portanto, realiza um trânsito do modelo difuso-concreto para o modelo concentrado-abstrato. Fica claro, desse modo, que o efeito vinculante das sumulas não é diferente, substancialmente, daquele que está presente nas decisões proferidas nas ações de controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos. Tal efeito é característico do modelo concentrado no Brasil.
Assim, conclui-se que os princípios da economia processual, segurança jurídica e fortalecimento do papel do Supremo como Corte Constitucional, motivadores da inserção da Súmula Vinculante no ordenamento pátrio, são, da mesma maneira, os argumentos mestres da tendência de objetivação do controle realizado pela via difusa no STF.
2.2 REPERCUSSÃO GERAL: OUTRA MARCA DA ABSTRAÇÃO
Repercussão geral para Arruda Alvim[6]:
{...} é conceito legal indeterminado, cuja concretude deve ser dada em razão a algo “que diga respeito a um grande espectro de pessoas ou a um largo segmento social, uma decisão sobre assunto constitucional impactante, sobre tema constitucional muito controvertido, em relação à decisão que contrarie decisão do STF; que diga respeito à vida, à liberdade, à federação, à invocação do princípio da proporcionalidade (em relação à aplicação do texto constitucional) {...}
Esse novo instituto passou a vigorar no ordenamento jurídico pátrio a partir da publicação da emenda constitucional nº 45/2004. Com essa emenda, acrescentou-se o § 3º ao artigo 102 da Constituição Federal de 1988.
Assim dispõe o referido artigo:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
{...}
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
O referido instituto foi regulamentado pela lei 11.418/2006 que acrescentou o §1º do art. 543 – A do CPC. Este prescreve que Repercussão geral é “a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.”
Observa-se que o estabelecimento desse requisito visa diminuir as questões submetidas ao STF por meio de recurso extraordinário. Busca, em verdade, fortalecer a atribuição da Suprema Corte de ser a guardiã da Constituição.
Outrossim, vale salientar que a exigência da repercussão geral dá outros contornos ao recurso extraordinário, pois ela insere elementos típicos do processo objetivo no controle jurisdicional de constitucionalidade subjetivo.
Num primeiro momento, causa espanto a necessidade de repercussão geral no controle concreto. A exigência da demonstração de questões transcendentes aos interesses das partes identifica-se com o controle abstrato de constitucionalidade, por ser uma peculiaridade típica do processo objetivo.
Nessa esteira, preleciona Rodolfo Camargo Mancuso[7]:
Esse “ir além” do interesse direto e imediato do recorrente e recorrido é, de resto, uma básica característica dos recursos de estrito direito, por isso mesmo ditos excepcionais, permitindo hoje falar-se numa objetivação do recurso extraordinário {...}.
Contudo, tal mudança de paradigma, supostamente paradoxal, está dentro das novas concepções que modelam o controle jurisdicional de constitucionalidade no Direito Brasileiro.
Luis Roberto Barroso[8] afirma ser uma tendência mundial o fato das Cortes Constitucionais restringirem-se a tratar de aspectos que ultrapassam os interesses subjetivos da lide. Sobre o tema em apreço, preconiza:
No direito comparado observa-se forte tendência de restringir a atuação da cortes constitucionais a um número reduzido de causas de relevância transcendente. Uma das formas mais comuns de atingir esse propósito é permitir que exerçam algum grau de controle sobre as causas que irão apreciar. A principal justificativa para tal discricionariedade é promover a concentração de esforços nos temas fundamentais, evitando que a capacidade de trabalho do Tribunal seja consumida por uma infinidade de questões menores, muitas vezes repetidas à exaustão.”
Clarissa Teixeira Paiva[9], em artigo publicado pela Escola da Advocacia Geral da União aduz:
A exigência de repercussão geral é, por si só, uma mudança significativa no controle de constitucionalidade por alterar o manejo do recurso extraordinário, que é o instrumento mais importante dentro do controle difuso. Porém o impacto da repercussão geral vai muito além disso se ela for vista como ponto de partida para o fortalecimento de outras mudanças. A criação da repercussão geral provavelmente implicará na atribuição de transcendência aos motivos determinantes de todas as decisões em recurso extraordinário e, como resultado, poderá ser admitida reclamação como garantia da autoridade das decisões do STF em controle difuso. Também há uma expectativa da edição de um número maior de súmulas vinculantes a partir de decisões proferidas em recursos extraordinários com repercussão geral. Como se pode perceber, existe um potencial ainda maior de evolução de todo o sistema de controle de constitucionalidade por traz da repercussão geral.
Por fim, André Ramos Tavares[10], disserta sobre as conseqüências dos novos institutos para o controle difuso-concreto de constitucionalidade. Segundo ele:
Na realidade, tem-se, a partir de agora, com já assinalado, um passo em direção à transformação do Supremo Tribunal Federal em verdadeiro e pleno Tribunal Constitucional. A combinação da súmula vinculante com o instituto aqui analisado da repercussão geral cria uma nítida conexão entre o modelo de controle difuso-concreto e o modelo de abstrato-concentrado, aproximando aquele das características próprias deste último, o que talvez seja realmente o caminho mais apropriado para países que pretendam manter ambos os modelos concomitantemente.
Nesse cenário, a partir dos novos institutos da Súmula vinculante e da Repercussão Geral, introduzidos pela emenda constitucional nº 45/2004, é inegável a constatação de que foram incluídos elementos tipicamente vinculados ao processo objetivo no processo subjetivo de aferição de constitucionalidade de normas. Dessa forma, percebe-se uma inegável aproximação entre os dois modelos.
Nesse aspecto, tem-se que há um fortalecimento do papel do Supremo Tribunal Federal, possibilitando-o a exercer efetivamente sua função primeira, que é a guarda da Constituição.
3. CONCLUSÃO
Analisado o tema acima, à luz da doutrina pátria, conclui-se com a inserção da súmula vinculante e do instituto da repercussão geral, o supremo Tribunal Federal tem seu papel de corte jurisdicional fortalecido, pois, cada vez mais, deixa de atuar como um Tribunal Recursal, de causas meramente privadas.
Verifica-se, desse modo, uma aproximação entre os controles de constitucionalidade difuso e concentrado, ao menos em seus efeitos, quando realizados no STF.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise critica da jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CAPEZ, Fernando. Súmula vinculante. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 911, 31 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em: 21 abr. 2010.
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais nos tribunais. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2009. v. 3.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e especial. 10. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e legislação constitucional. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
PAIVA, Clarissa Teixeira. A repercussão geral dos recursos extraordinários e a objetivação do controle concreto de constitucionalidade. Revista virtual da AGU, Brasília, ano 13, n. 80, set. 2008. 25 p. Disponível em: < http://www.agu.gov.br/SISTEMAS/SITE/Midia/521841.pdf >. Acesso em: 4 maio 2010.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
[1] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e legislação constitucional. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 530.
[2] CAPEZ, Fernando. Súmula vinculante . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 911, 31 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em: 21 abr. 2010.
[3] VELOSO, op. cit. p. 473.
[4] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, op. cit. p. 968.
[5] LEITE, Glauco Salomão. Súmula vinculante e jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: PUC, 2007. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica. p. 77. Disponível em: < http://www.sapientia.pucsp.br/ >. Acesso em: 10 maio 2010.
[6] ARRUDA ALVIM, apud NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit. p. 488.
[7] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e especial. 10. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 212.
[8] BARROSO, op. cit. p. 2.
[9] PAIVA, Clarissa Teixeira. A repercussão geral dos recursos extraordinários e a objetivação do controle concreto de. Revista Jurídica: Brasília, v. 9, n. 89, p. 19, fev./mar. 2008. Disponível em: <http://http://www.escola.agu.gov.br/revista/2008/Ano_VIII_setembro_2008/a%20repercuss%C3%A3o%20geral_clarissa.pdf >. Acesso em: 4 maio 2010.
[10] TAVARES, André Ramos. A repercusão geral no recurso extraordinário.In: TAVARES, André Ramos, LENZA, Pedro, ALARCCÓN; Pedro de Jesus Lora. Reforma do Judiciário analisada e comentada. São Paulo: Editora Método, 2005, p. 218.
Advogado da União. Pós Graduado em Direito Constitucional pela rede LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Weslley Rodrigues. As transformações do controle difuso de constitucionalidade e sua proximidade com o modelo concentrado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42376/as-transformacoes-do-controle-difuso-de-constitucionalidade-e-sua-proximidade-com-o-modelo-concentrado. Acesso em: 22 dez 2024.
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