Resumo: Este artigo busca fazer um breve estudo acerca de um problema natural do princípio da proporcionalidade, a saber, a proteção insuficiente. De se notar, que no Direito alemão, de onde se extraiu a ideia do princípio da proporcionalidade, outra nomenclatura utilizada para este princípio é a proibição do excesso, a denotar, prima facie, sua natureza instrumental.
Palavras-chave: Princípio da Proporcionalidade.Proibição do excesso. Proteção insuficiente.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 3. DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE 4. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO
Na última década, o Direito brasileiro se viu invadido por diversas doutrinas e institutos próprios do Direito alemão. Com efeito, para além do juízo crítico que deve ser feito, pois, muitas vezes, tais linhas de pensamento e institutos são transferidos de uma realidade a outra, sem que se faça, ao menos de forma mais profunda, um juízo de necessidade de sua importação, quando, em realidade se poderia desenvolver aquilo que já existe por aqui, mas com nomenclaturas pouco menos pomposas.
De todo modo, o que enfrentaremos nesse texto é um dos consectários do princípio da proporcionalidade, qual seja, a proteção insuficiente. Se, de um lado, no Direito alemão, o princípio da proporcionalidade é também conhecido como sendo “proibição do excesso”, deixando claro seu viés instrumental, pois em determinadas situações em que ao Estado não são impostos limites objetivos no exercício de seu poder (até mesmo por razões de incompatibilidade de institutos), para que sua atuação não descambe para uma arbitrariedade, é necessário que balizas sejam explicitadas, para fins de controle judicial dos eventuais abusos cometidos.
Contudo, o outro lado da moeda é justamente quando esse excesso é tão reprimido, pelas mais diversas razões histórico-culturais, que acaba não permitindo o próprio exercício do direito que se buscava garantir.
Nesse diapasão, MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo BRANCO. Curso de Direito Constitucional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1065 e seguintes:
“Dessa forma, para além da costumeira compreensão do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (já fartamente explorada peladoutrina e jurisprudência pátrias), há outra faceta desse princípio, a qualabrange uma série de situações, dentre as quais é possível destacar a da proibiçãode proteção insuficiente de determinada garantia fundamental.”.
2. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Para além da já batida fórmula adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, MENDES e BRANCO (op. Cit. p. 367), vão mais adiante:
“A doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso(Verhältnismässigkeitsprinzip; Ubermassverbot), que se revela mediante contraditoriedade,incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins.
No direito constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da proibição de excesso (Ubermassverbot) qualidade de norma constitucional não escrita.
A utilização do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso no direito constitucional envolve, como observado, a apreciação da necessidade (Erforderlichkeit) e adequação (Geeignetheit) da providência legislativa.
...
O Tribunal Constitucional explicitou, posteriormente, que "os meios utilizados pelo legislador devem ser adequados e necessários à consecução dos fins visados. O meio é adequado se, com a sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado; é necessário se o legislador não dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais".
A aferição da constitucionalidade da lei em face do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso contempla os próprios limites do poderde conformação outorgado ao legislador. Ê o que se constata em decisão doBundesverfassungsgericht na qual, após discutir aspectos relativos à eficácia eadequação de medidas econômicas consagradas em ato legislativo, concluiu-seque o legislador não havia ultrapassado os limites da discricionariedade que lhefora outorgada.”.
E continuam:
Uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz a Corte Constitucional alemã, "sese puder constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas".
Nesse mesmo sentido, Canotilho aduz que o princípio da proporcionalidade – ou proibição do excesso – é “um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador".
No que se refere aos subprincípios relativos à proporcionalidade, notadamente, a adequação e necessidade, MENDES e BRANCO asseveram:
O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivasadotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos. A CorteConstitucional examina se o meio é "simplesmente inadequado" (schlechthinungeeignet), "objetivamente inadequado" (objetktivungeeignet), "manifestamenteinadequado ou desnecessário" (offenbarungeeignetoderunnötig), "fundamentalmenteinadequado (grundsätzlichungeeignet), ou "se com sua utilização o resultadopretendido pode ser estimulado" (obmitseinerHilfe der gewünschteErfolggefördetwerdenkann).
O subprincípio da necessidade (NotwendigkeitoderErforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmenteeficaz na consecução dos objetivos pretendidos.
Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada emenos onerosa.
Ressalte-se que, na prática, adequação e necessidade não têm o mesmo peso ou relevância no juízo de ponderação. Assim, apenas o que é adequadopode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado.”.
Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, ela seria uma espécie de sintonia fina, de sorte a servir de parâmetros para se alcançar um juízo de correção da solução encontrada, ou para indicar a necessidade de sua revisão.
Por outro lado, em que pese a vasta utilização desse princípio pelos Tribunais brasileiros, parece que sua aplicação, fruto de uma importação que poderia ser mais maturada, pode ter produzido efeitos deletérios nos diversos julgados em que fora utilizado, justamente por faltar-lhe um conteúdo mais definido, dando azo a diversas interpretações. Nesse sentido, BERNARDO GONÇALVES FERNANDES, no Curso de Direito Constitucional, 3ª edição, Ed. Lumen Juris, 2011, p. 192, adverte que:
“Todavia, não há como discordar de Virgílio Afonso da Silva, quando este critica a falta de precisão e rigor técnico-metodológico, sejapor parte dos Tribunais brasileiros, notadamente o STF, que parece terencontrado na “proporcionalidade” o remédio taumaturgo (milagroso)para todos os problemas constitucionais, ou por parte dos juristas pátrios –seja por descuido epistemológico (equívoco que se corrige com estudo),seja por perversidade ideológica (mal a ser combatido) – que abraçam taltese de maneira acrítica e irrefletida, sem pesar (ou por que não dizer,como querem, “sopesar”) as consequências para a construção doparadigma de um direito afeito a um Estado Democrático.”.
3. DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE
Deveras, a tarefa do legislador não é fácil. Se por um lado precisa estar atento aos excessos que possam ser cometidos a pretexto de se garantir ou implementar tal direito, não pode se quedar demasiamente melindrado a ponto de não alcançar o propósito a que se propõe, sob pena de inutilidade de seus trabalhos.
A proteção insuficiente pode ser enquadrada como espécie de garantismo positivo, em oposição ao negativo (abstenção contra os excessos do Estado), exsurgindo sua importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção (MENDES e BRANCO).
Se, de um lado, tem-se que o princípio da proporcionalidade é sinônimo da proibição do excesso, não parece errado se afirmar que a proteção insuficiente pode ser entendida, afinal, como uma “desproporcionalidade em sentido estrito”. MENDES e BRANCO, sobre o tema:
“Schlink observa, porém, que se o Estado nada faz para atingir um dado objetivo para o qual deva envidar esforços, não parece que esteja a ferir o princípioda proibição da insuficiência, mas sim um dever de atuação decorrentede dever de legislar ou de qualquer outro dever de proteção. Se se comparam,contudo, situações do âmbito das medidas protetivas, tendo em vista a análisede sua eventual insuficiência, tem-se uma operação diversa da verificada noâmbito da proibição do excesso, na qual se examinam as medidas igualmenteeficazes e menos invasivas. Daí concluiu que "a conceituação de uma condutaestatal como insuficiente (untermãssig), porque 'ela não se revela suficiente parauma proteção adequada e eficaz', nada mais é, do ponto de vista metodológico,do que considerar referida conduta como desproporcional em sentido estrito(unverhàítnismãssigimengerenSinn)".
Neste mesmo sentido, BERNARDO GONÇALVES FERNANDES (op. Cit. P. 919) afirma:
“É mister salientar, ainda com apoio na doutrina dos autores supracitados, que a verificação da inconstitucionalidade material, no que tange aodesvio de poder do legislador, se refere diretamente ao princípio da proporcionalidadeou da proibição do excesso, apontados, atualmente, comoverdadeiros baluartes da jurisprudência constitucional européia e nacional.
Nesse sentido, será apreciado pelo órgão de controle de constitucionalidade se o ato normativo é adequado (relação de meios e fins), necessário(se existe outro meio menos gravoso ou o meio usado era a ultima ratio) eproporcional em sentido estrito (ponderação, ou seja, relação de ônus/bônus). Além do princípio da proibição do excesso, a mesma doutrina citaainda a verificação (análise) no controle de constitucionalidade do princípio da proibição da proteção insuficiente. Nesses termos, o legislador não poderiaatuar em excesso (devendo respeitar a proporcionalidade) e nemmesmo de forma insuficiente (devendo também respeitar a proporcionalidade).”.
4. CONCLUSÃO
A aplicação do princípio da proporcionalidade não parece ser tão simples como alguns julgados a veiculam. Há necessidade de que se analise verdadeiramente o caso concreto que se pretende aplicar, a fim de que se evite tanto um problema – proibição de excesso – como outro – proteção insuficiente.
Talvez isso seja fruto de uma importação de conceitos jurídicos do Direito alemão sem que se fizesse a necessária contextualização, o que acaba dando margem a diferentes interpretações, afastando-se mais da segurança jurídica que se pretendia conferir ao se utilizar da proporcionalidade.
BIBLIOGRAFIA:
- CANOTILHO, JJ Gomes, Direito constitucional, Ed. Almedina, p. 447.
- MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo BRANCO. Curso de Direito Constitucional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008;
- BERNARDO GONÇALVES FERNANDES, no Curso de Direito Constitucional, 3ª edição, Ed. Lumen Juris, 2011.
Procurador Federal. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto/PT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Bruno Medeiros. O princípio da proporcionalidade e a proteção insuficiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42388/o-principio-da-proporcionalidade-e-a-protecao-insuficiente. Acesso em: 23 dez 2024.
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