RESUMO: Este artigo apresenta estudo sobre a tutela específica do direito material no atual ordenamento jurídico brasileiro. O objetivo principal consiste em analisar a eficácia da tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer, evidenciando as modificações processuais ocorridas nos últimos anos, bem como os atuais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema. Para consecução dos objetivos propostos, adotou-se o método científico de interpretação sistemática. No tocante ao procedimento técnico, optou-se pela pesquisa teórica dogmática, com compilação e revisão de material doutrinário. Adotou-se, ainda, a pesquisa documental, com análise da legislação e da jurisprudência pertinentes. Verificou-se que hodiernamente a tutela das obrigações de dar, de fazer e de não fazer ganhou força, havendo previsão legal de medida com função de direito material (multa pecuniária prevista no art. 461, §§4º e 5º, do CPC) e medidas de cunho processual, tais como busca e apreensão, imissão na posse, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, etc. (arts. 461, §5º, e 461-A, §2º, ambos do CPC). Concluiu-se que o ordenamento jurídico pátrio consagra a primazia da tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer sobre outros meios de efetivação (como a substituição por ato de terceiro ou a conversão em perdas e danos), de forma a conferir ao credor exatamente o que lhe é devido.
Palavras-chave: Obrigação específica. Obrigação de dar. Obrigação de fazer. Obrigação de não fazer. Eficácia da tutela específica.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer. 3 Conclusão. Referências.
Este artigo possui como tema a tutela específica das obrigações de dar (coisa), de fazer e de não fazer e a eficácia destas no ordenamento jurídico pátrio. O tema pode ser delimitado adotando-se como objeto principal de pesquisa a eficácia da tutela específica do direito material no atual ordenamento jurídico brasileiro.
O objetivo geral ou mediato do presente trabalho é estudar a tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer.
Os objetivos específicos ou imediatos do artigo são:
a) analisar a eficácia da tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer, no atual ordenamento jurídico pátrio;
b) evidenciar as modificações processuais ocorridas nos últimos anos sobre o tema de estudo; e
c) pesquisar os atuais posicionamentos doutrinário e jurisprudencial sobre a tutela específica do direito material.
Para consecução dos objetivos propostos, adotou-se o método científico de interpretação sistemática, por meio do qual se busca estabelecer o alcance do conteúdo das normas estudadas, de forma a compreender-lhes o sentido, o objetivo e a razão de existir.
No tocante ao procedimento técnico, optou-se pela pesquisa teórica dogmática, com compilação e revisão de material doutrinário acerca dos temas propostos. Paralelamente, adotou-se a pesquisa documental, com análise da legislação e da jurisprudência pertinentes.
2 A TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE DAR, DE FAZER E DE NÃO FAZER
Historicamente, no ordenamento jurídico brasileiro não existiam instrumentos destinados a garantir a eficácia da tutela específica das obrigações de dar (coisa certa ou incerta), de fazer e de não fazer.
Não obstante, isso mudou consideravelmente com as reformas do Código de Processo Civil operadas pela Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, e pela Lei n.º 10.444, de 7 de maio de 2002.
Hoje, a tutela das obrigações de dar, de fazer e de não fazer ganhou força, havendo previsão legal de medida com função de direito material (multa pecuniária prevista no art. 461, §§4º e 5º, do CPC) e medidas de cunho processual, tais como busca e apreensão, imissão na posse, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, etc. (arts. 461, §5º, e 461-A, §2º, ambos do CPC).
Sobre o histórico em análise, veja elucidativo posicionamento da Quarta Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1006473/PR [1]:
[...]
2. Considerações acerca da tutela material específica da mora: o ordenamento jurídico brasileiro, desde o regramento inaugurado no Código Civil de 1916, no que foi substancialmente seguido pelo texto do Diploma Civil de 2002, somente contempla disciplina genérica e eficaz quando se cuida da repreensão da mora verificada no cumprimento de obrigações ao pagamento de quantia certa. Para estas, além da natural faculdade de as partes, no âmbito da autonomia da vontade, estabelecerem penalidades convencionais (multa moratória), o ordenamento material civil fixou sanções legais pré-determinadas, com a potencialidade de incidir até mesmo sem pedido do credor para a hipótese de retardamento injustificado (juros moratórios).
Vislumbra-se, portanto, no sistema pertinente às obrigações de pagar, normas jurídicas perfeitas, com preceitos primário e secundário, haja vista restar estabelecido um mandamento claro direcionado ao devedor, no sentido de que deve efetuar o adimplemento no prazo, sob pena da incidência de uma sanção material em caso de persistência no estado de mora.
Idêntica tutela mostrava-se inexistente no tocante às obrigações de fazer e não fazer, pois, para elas, o sistema legal apenas permitia a conversão da obrigação em perdas e danos, deixando de contemplar instrumentos específicos de tutela material voltados a sancionar o devedor em mora.
Justamente para conferir eficácia aos preceitos de direito obrigacional, que determinam ao devedor o cumprimento da obrigação, o legislador contemplou nova redação ao art. 461 do CPC.
No dispositivo mencionado, aglutinaram-se medidas suficientes a servir como tutela material da mora (multa pecuniária), além de outras, nitidamente de cunho processual, que buscam servir e garantir o pronto adimplemento da obrigação (busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, cessação de atividades etc).
Nesse contexto, a tutela material da mora pertinente às obrigações de fazer e não fazer, tímida e insipidamente tratada no Código Civil, ganha força e autoridade a partir da disciplina fixada no Código de Processo Civil, dada a possibilidade de o magistrado agir, inclusive ex officio, cominando uma multa, uma sanção, para a hipótese de o devedor manter-se injustificadamente no estado de letargia. [...]. (BRASIL, 2012, grifo nosso).
Como se vê, no atual sistema processual pátrio, a busca pela eficácia da tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer é a regra, dispondo o juiz de instrumentos para impor ao devedor o cumprimento da obrigação ou determinar as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
É de consignar que, em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado, buscar o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela almejada, tendo em vista o fim da norma e a ausência de previsão legal de todas as hipóteses fáticas.” (BRASIL, 2006).
Barroso (2007, p. 230) enfatiza o poder-dever que o juiz possui, a fim de garantir a eficácia da tutela específica:
O juiz tem o dever institucional de emitir uma tutela específica, com medidas que obriguem o devedor a seu cumprimento e que confira ao detentor do direito a percepção de efeitos práticos equivalentes àqueles experimentados se a obrigação tivesse sido cumprida espontaneamente.
A partir das considerações já expostas, conclui-se que os artigos 461 e 461-A do CPC consagram a primazia da tutela específica das obrigações de dar coisa distinta de dinheiro, de fazer e de não fazer sobre outros meios de efetivação, de forma a conferir ao credor exatamente o que lhe é devido.
De fato, “o atual sistema processual dá preferência à satisfação da obrigação in natura – como se estivesse sendo cumprida espontaneamente pelo devedor – em detrimento de sua substituição por ato de terceiro ou pela conversão em indenização.” (BARROSO, 2007, p. 230).
Quanto à eficácia da tutela específica, leciona Fredie Didier Júnior, ao tratar do art. 461 do CPC:
[...] Esse dispositivo, [...], trazido pela Reforma Legislativa de 1994, veio deixar clara a opção do legislador de privilegiar a tutela específica da obrigação de fazer ou de não fazer, seja ela legal ou contratual, fungível ou infungível.
É o que, repita-se, passou a ser chamado de princípio da primazia da tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, segundo o qual se deve buscar dar ao credor tudo aquilo e exatamente aquilo que ele obteria se o devedor tivesse cumprido espontaneamente a obrigação que lhe cabia, isto é, tudo aquilo e exatamente aquilo que o credor obteria se não fosse necessário provocar a atividade jurisdicional para imposição da ordem. (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 437-438, grifo do autor).
Os conceituados autores Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero apresentam os seguintes comentários, a respeito da tutela específica do direito material:
A tutela específica do direito material encontra acentuada prioridade dentro do direito brasileiro contemporâneo. [...] A prestação da tutela pelo equivalente monetário há de ser a última solução de tutela jurisdicional do direito a ser oferecida ao demandante – deve ser prestada apenas se 'impossível' a obtenção da 'tutela específica' ou do 'resultado prático correspondente'. (MARINONI; MITIDIERO, 2008, p. 433-434, grifo nosso).
Assim, atualmente o ordenamento jurídico brasileiro dá preferência à satisfação da própria obrigação específica, dispondo o julgador de instrumentos para conferir ao credor exatamente o que lhe é devido.
Ao contrário de outrora, relativamente às obrigações de dar, de fazer e de não fazer, no atual ordenamento jurídico brasileiro a regra consiste na busca pela eficácia da tutela específica do direito material.
Para isso, o juiz dispõe de instrumentos para impor ao devedor o cumprimento da própria obrigação específica ou para determinar as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação.
Enfim, hodiernamente, o ordenamento jurídico pátrio consagra a primazia da tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer sobre outros meios de efetivação (como a substituição por ato de terceiro ou a conversão em perdas e danos), de forma a conferir ao credor exatamente o que lhe é devido (arts. 461 e 461-A do CPC).
BARROSO, Darlan. Manual de direito processual civil: teoria geral e processo de conhecimento. 2. ed. ampl. e atual. Barueri: Manole, 2007. v. 1.
BRASIL. Lei n.° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jan. 1973. Seção 1, parte 1 (suplemento). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 19 nov. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma). Recurso Especial 794253/RS. Relator Ministro José Delgado. Brasília, DF, 21 nov. 2006. Diário da Justiça, 1 fev. 2007, p. 418. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=2780250&num_registro=200501832460&data=20070201&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 25 nov. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial 1006473/PR. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF, 8 maio 2012. Diário da Justiça Eletrônico, 19 jun. 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=22823560&num_registro=200702705583&data=20120619&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 26 nov. 2014.
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MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2008.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 46. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 2.
NOTAS:
[1] STJ; REsp 1006473/PR; Relator Ministro Luis Felipe Salomão; Relator para acórdão Ministro Marco Buzzi; Data do Julgamento: 08.05.2012. DJe 19.06.2012.
Possui GRADUAÇÃO em DIREITO pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Araguari (UNIPAC/Araguari), graduação em ADMINISTRAÇÃO: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e graduação em ENGENHARIA CIVIL pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). MESTRE em Engenharia Civil (Engenharia de Estruturas) pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP). ESPECIALISTA em Direito Processual Civil e Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). SERVIDOR PÚBLICO do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Clayton Moreira de. A eficácia da tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer no atual ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42427/a-eficacia-da-tutela-especifica-das-obrigacoes-de-dar-de-fazer-e-de-nao-fazer-no-atual-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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