Resumo: O presente trabalho analisa a norma disposta no art. 58, parágrafo terceiro, da Constituição Federal, segundo a qual as Comissões Parlamentares de Inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, verificando a abrangência desses poderes investigatórios, notadamente a possibilidade ou não de decretação de prisão de um investigado.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Comissão Parlamentar de Inquérito. Poderes. Prisão.
1. Introdução
O Poder Legislativo brasileiro é composto pelo Congresso Nacional, através das suas duas Câmaras – a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. A Câmara dos Deputados representa o Povo e o Senado Federal representa os Estados e o Distrito Federal. O Congresso Nacional desempenha suas funções através de comissões, que podem ser permanentes e temporárias, com funcionamento e atribuições previstos no regimento ou no ato que resultar sua criação.
Uma das funções atípicas do Poder Legislativo é a função de fiscalização e a Comissão Parlamentar de Inquérito é um instituto previsto na Constituição Federal e disponível ao Congresso Nacional para a consecução dessa atividade fiscalizadora. O artigo 58, parágrafo terceiro, da Constituição Federal, dispõe, entre outras normas, que as Comissões Parlamentares de Inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.
No presente artigo, responder-se-á se, com base nesse dispositivo constitucional, a Comissão Parlamentar de Inquérito está autorizada a decretar a prisão de um investigado.
2. Desenvolvimento
José Afonso da Silva conceitua as Comissões Parlamentares como sendo “organismos constituídos em cada Câmara, compostos de número geralmente restrito de membros, encarregados de estudar e examinar as proposições legislativas e apresentar pareceres[1]”. Podem existir comissões permanentes e comissões temporárias, cujas atribuições e regulamentos estarão previstos nos regimentos internos e nos atos que lhe criarem. Poderão existir comissões da Câmara dos Deputados, comissões do Senado Federal e comissões mistas, vale dizer, do Congresso Nacional.
Como já foi dito, as Comissões Parlamentares de Inquérito estão previstas no artigo 58, parágrafo terceiro, da Constituição Federal, verbis:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
(...)
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
(...)”.
Conforme diz expressamente o texto constitucional, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Elas serão criadas mediante requerimento de 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em conjunto ou separadamente, para apurar fato determinado e por prazo certo. Suas conclusões, se for o caso, deverão ser encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
Ao tratar do objeto das CPIs, Pedro Lenza traz à baila voto do Ministro Paulo Brossard no HC 71.039/RJ (DJ, 06.12.1996, p. 48708, j. 07.04.1994, Tribunal Pleno/STF), para quem “são amplos os poderes da comissão parlamentar de inquérito, pois são os necessários e úteis para o cabal desempenho de suas atribuições. Contudo, não são ilimitados. Toda autoridade, seja ela qual for, está sujeira à Constituição. O Poder Legislativo também e com ele as suas comissões. A comissão parlamentar de inquérito encontra na jurisdição constitucional do Congresso seus limites. Por uma necessidade funcional, a comissão parlamentar de inquérito não tem poderes universais, mas limitados a fatos determinados, o que não quer dizer não possa haver tantas comissões quantas as necessárias para realizar as investigações recomendáveis, e que outros fatos, inicialmente imprevistos, não possam ser aditados aos objetivos da comissão de inquérito, já em ação. O poder de investigar não é um fim em si mesmo, mas um poder instrumental ou ancilar relacionado com as atribuições do Poder Legislativo[2]”. Desse contexto, infere-se que o objeto da CPI deve ser bem delimitado.
As CPIs não tem por escopo exclusivo a investigação do governo ou de ato de representante estatal. A CPI está autorizada a investigar qualquer fato público que seja de interesse público. Também é importante destacar que as CPIs não tem por objetivo a descoberta da verdade real, mediante elucidação de materialidade e indícios de autoria. Elas se debruçam sobre a verdade política. As Comissões Parlamentares de Inquérito podem até investigar um fato criminoso, mas investigarão com intuito de descobrir a verdade política. A elas, o legislador constituinte conferiu poderes instrutórios, mas não de julgamento. Impende frisar que todo ato realizado por uma CPI deve ser motivado.
Segundo professa Tourinho Filho, "A função primitiva do Estado, preleciona Fenech, só pode fazer-se valer em face daquele que, realmente, tenha cometido uma infração; portanto, o Processo Penal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da sentença. (...) De fato, enquanto o Juiz não penal deve satisfazer-se com a verdade formal ou convencional que surja das manifestações formuladas pelas partes, e a sua indagação deve circunscrever-se aos fatos por elas debatidos, no Processo Penal o Juiz tem o dever de investigar a verdade real, procurar saber como os fatos se passaram na realidade"[3].
Os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito estão previstos nos arts. 50 e 58, da Constituição Federal, na Lei nº 1.579/52 e nos Regimentos Internos das Casas Legislativas. O art. 2º, da Lei nº 1.579, de 18/03/1952, dispõe que “no exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar as diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença”.
Pedro Lenza exemplifica a previsão das atribuições das CPIs nos regulamentos das casas legislativas com o art. 148 do Regimento Interno do Senado Federal, segundo o qual “no exercício das suas atribuições, a comissão parlamentar de inquérito terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, facultada a realização de diligências que julgar necessárias; podendo convocar Ministros de Estado, tomar o depoimento de qualquer autoridade, inquirir testemunhas, sob compromisso, ouvir indiciados, requisitar de órgão público informações ou documentos de qualquer natureza, bem como requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias que entender necessárias[4]”.
Todos os poderes conferidos às CPIs se relacionam a sua atribuição de apurar fato determinado. Como já foi referido, a análise das atribuições legais das CPIs confirma que é função desse órgão responsabilizar nenhuma pessoa por ela investigada. A CPI pode enviar suas conclusões ao Ministério Público, órgão competente para agir a responsabilização dos investigados.
A fim de alcançar seu intento, são reconhecidos poderes às CPIs para determinar a quebra do sigilo fiscal, bancário e de dados, inclusive o sigilo telefônico; ouvir testemunhas, ouvir investigados e indiciados. Em decorrência dos poderes investigatórios conferidos pela Constituição Federal, a Comissão Parlamentar de Inquérito pode adotar cautelares investigativas, como preservar um lugar e proibir que uma testemunha se ausente do país antes de depor.
Contudo, segundo a doutrina e a jurisprudência pátrias, à luz do Princípio da Separação de Poderes, as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem desempenhar atos de competência exclusiva do Poder Judiciário, aqueles atos denominados tipicamente jurisdicionais. Paulo Gustavo Gonet Branco afirma que “tem-se frisado que o poder de investigação judicial que o constituinte estendeu às CPIs não se confunde com os poderes gerais de cautela de que dispõe os magistrados nos feitos judiciais. Estes não foram atribuídos às Comissões Parlamentares de Inquérito”[5]. Isso, porque todo ato cautelar está relacionado ao um processo judicial. E a CPI realiza uma investigação política, e não uma investigação criminal, já que não processa seus investigados, como antes mencionado.
O Ministro Celso de Mello, em julgamento do MS 23.452/RJ (DJ, 12.05.2000, p. 20), estabeleceu que “o postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante no próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’”.
É cediço que prisão é a supressão da liberdade individual, de um dos direitos fundamentais individuais mais caros ao homem - o direito de ir e vir. E, enquanto direito fundamental, o direito à liberdade tem seu regramento previsto no art. 5º, da Constituição Federal, verbis:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
(...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
(...)".
Fernando da Costa Tourinho Filho ensina que "cabe, pois, à lei explicitar as várias hipóteses em que é lícito decretar-se a privação da liberdade do cidadão. A Carta Maior veda, pois, terminantemente, qualquer prisão ou detenção cuja ordem não provenha da Autoridade Judiciária competente. A única ressalva que faz, no que respeita à exigência de ordem escrita, diz respeito às transgressões militares ou crimes propriamente militares, quando, então, a ordem poderá provir da autoridade militar competente. A outra ressalva é o flagrante. Sem que haja flagrante - e o conceito deste é dado pela lei processual -, ninguém poderá ser preso ou detido sem ordem escrita da Autoridade Judiciária competente[6]".
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a Comissão Parlamentar de Inquérito não pode decretar diligência de busca domiciliar (MS 23.452-RJ), quebra do sigilo das comunicações telefônicas, ordem de prisão, exceto em caso de flagrante delito (HC 71.039, HC 75.287-0, HC 79.790). O direito de efetuar uma prisão em flagrante é conferido a qualquer cidadão, conforme previsto no art. 283, do Código de Processo Penal. Nesse caso, deve ser obedecido o rito legal previsto na Lei Adjetiva Penal, como a apresentação imediata do preso à autoridade judiciária competente para a homologação, se for o caso, da prisão em flagrante.
3. Conclusão
Realizado o presente estudo, constatou-se que as Comissões Parlamentares de Inquérito são instrumentos para que o Poder Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado Federal, juntos ou separadamente) exerça sua constitucional função fiscalizatória. A CPI pode se debruçar sobre qualquer fato público que tenha importância ou pertinência pública e se destinam a buscar a verdade política – e não a verdade real.
À luz do art. 58, parágrafo terceiro, da Constituição Federal, as CPIs são dotadas de poderes instrutórios, mas não de julgamento. Conforme o caso, o resultado da investigação da CPI deve ser levado ao Ministério Público, para apuração de eventual responsabilidade. Para cumprir seu desiderato, a Comissão Parlamentar de Inquérito pode adotar cautelares investigativas, como preservar um lugar e proibir que uma testemunha se ausente do país antes de depor.
Contudo, os poderes das CPIs são limitados e encontram restrições no próprio texto constitucional. Consagrando o Princípio da Separação de Poderes e em observância aos Direitos e Garantias Individuais, tem-se que às Comissões Parlamentares de Inquérito não é permitido desempenhar atos de competência exclusiva do Poder Judiciário, aqueles atos denominados tipicamente jurisdicionais. O poder de investigação judicial que o constituinte conferiu às CPIs é diverso dos poderes gerais de cautela dos magistrados nos processos judiciais. E o poder geral de cautela não foi atribuído às Comissões Parlamentares de inquérito. Isso, porque todo ato cautelar está relacionado ao um processo judicial. E, como já se disse, a CPI realiza uma investigação política, e não uma investigação criminal.
Paulo Gustavo Gonet Branco registra que “as CPIs têm sido as vedetes do noticiário político – e até policial – dos últimos tempos. Ostentam um vasto potencial positivo. Por meio delas, vêm à tona realidades que, de outra forma, não emergiriam ao debate público, não obstante merecerem a atenção legislativa. A vida política do País tende a ser depurada com o trabalho consequente das Comissões Parlamentares de Inquérito. Não é privilégio brasileiro, entretanto, que ocasionalmente, a vontade de agir de uma CPI termine por colidir com direitos individuais. Para orientar a harmonização do interesse público a que buscam as CPIs com os direitos fundamentais e o princípio da separação de Poderes, a ação do STF é crucial, vindo a traçar, com mais nitidez, o desenho institucional das CPIs do Direito brasileiro”[7].
Nessa linha de raciocínio, e segundo já julgou o Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões, a Comissão Parlamentar de Inquérito não pode decretar ordem de prisão de nenhum investigado, por ser ato típico jurisdicional, exceto em caso de flagrante delito. O direito de efetuar uma prisão em flagrante é conferido a qualquer cidadão, conforme previsto no art. 283, do Código de Processo Penal. Nesse caso, deve ser obedecido o rito legal previsto na Lei Adjetiva Penal.
Referências bibliográficas:
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 24ª. ed, Malheiros Editores, São Paulo, 2009.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 13ª. ed, Editora Saraiva, São Paulo, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direitos Constitucional, 4ª. ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2009.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 1996.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 2º e 3º volumes, Editora Saraiva, São Paulo, 2002.
[1] Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, São Paulo, 12ª edição, 1996, pág. 486.
[2] Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, Editora Saraiva, São Paulo, 13ª edição, 2009, pág. 362-3.
[3] Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, 2º volume, Editora Saraiva, São Paulo, 2002, pág. 36-7
[4] Idem, pág. 363.
[5] Mendes, Gilmar Ferreira; Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, São Paulo, 4ª edição, 2009, pág. 910.
[6] Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, 3º volume, Editora Saraiva, São Paulo, 2002, pág. 392.
[7] Idem, pág. 915.
Procuradora Federal desde novembro de 2007. Ex-Advogada da Caixa Econômica Federal. Especialista em Direito Previdenciário e em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal - ESMAFE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Cristiane Castro Carvalho de. Os Poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito para Decretar Prisão de um Investigado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42448/os-poderes-das-comissoes-parlamentares-de-inquerito-para-decretar-prisao-de-um-investigado. Acesso em: 26 dez 2024.
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