Resumo: No presente ensaio, apresentar-se-ão, especialmente aos iniciantes no estudo do Direito Processual, institutos e conceitos jurídicos que demandam uma adequada compreensão prévia e imprescindível para que, tão-somente num segundo momento, possa o estudante ingressar na leitura e análise do texto normativo do Código de Processo Civil e outras normas correlatas. Abordar-se-á, adiante, sob vários prismas, o 1º primeiro elemento fundamental da chamada "trilogia estrutural" do Direito Processual: a "jurisdição". O segundo é a "ação", que não será objeto de estudo no presente artigo; e o terceiro elemento é o "processo", tema que mereceu destaque próprio em outro artigo desta mesma autoria, sob o título "INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO PROCESSO: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS". Do instituto jurídico sobre o qual aqui nos debruçaremos (jurisdição), serão analisados conceito, características essenciais, espécies, natureza jurídica e outros tantos aspectos relevantes para o bom entendimento de tal pilar fundamental da ciência do direito processual, tais como a distinção entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária, arbitragem, etc.
Palavras-chave: Direito Processual. Jurisdição. Jurisdição Contenciosa. Jurisdição Voluntária. Arbitragem.
I) INTRODUÇÃO
No Código de Processo Civil Brasileiro, encontram-se poucas disposições referentes ao instituto da "jurisdição", no que pertine à sua conceituação.
Encontramos, logo ao início do CPC, no LIVRO I (que trata "DO PROCESSO DE CONHECIMENTO"), o TÍTULO I (“DA JURISDIÇÃO E DA AÇÃO”). O CAPÍTULO I trata da JURISDIÇÃO; enquanto o CAPÍTULO II trata da AÇÃO.
Contudo, antes de qualquer análise aos artigos trazidos no Código de Processo Civil, é imprescindível uma abordagem, ainda que de forma sucinta, acerca de alguns institutos e conceitos jurídicos fundamentais para que se possa mergulhar no estudo do Direito Processual.
DIREITO PROCESSUAL pode ser conceituado como "o ramo da ciência jurídica que estuda e regulamenta o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional"[1].
Logo de plano, é importante que se saiba que o Direito Processual estrutura-se com base em 3 (três) elementos ou institutos jurídicos, daí a expressão "TRILOGIA ESTRUTURAL DO DIREITO PROCESSUAL", cunhada pelo jurista argentino Ramiro Podetti.
TRILOGIA ESTRUTURAL DO DIREITO PROCESSUAL: JURISDIÇÃO, AÇÃO e PROCESSO.
Só com base no conceito de direito processual já se pode constatar que se deve iniciar o estudo pela JURISDIÇÃO, eis que esta é o objeto central de enfoque da ciência processual (segundo a chamada visão linear), ou seja, é o pilar central na estrutura do direito processual, de forma a que os demais institutos figurariam como satélites ao redor da função jurisdicional.
Todavia, o Estado, salvo poucas exceções, não pode exercer a função jurisdicional sem ter sido previamente provocado para tanto - postulado a que se denomina princípio da inércia da jurisdição. Tal provocação ocorre, por sua vez, mediante a propositura de uma ação.
Uma vez proposta uma ação, caberá ao Estado-Juiz o dever de prestar jurisdição, e o fará por meio de um "instrumento": o PROCESSO (termo aqui utilizado em uma de suas várias acepções).
No presente trabalho, como dito, o enfoque se aterá tão-somente ao primeiro elemento fundamental da chamada "trilogia estrutural" do Direito Processual: a "jurisdição".
II) CONCEITO DE JURISDIÇÃO
Cabe ao Estado-Juiz, via de regra, o papel de solucionar, em última instância, os conflitos decorrentes da vida em sociedade. "Jurisdição" é esse poder de compor ou extirpar conflitos e pacificar pessoas ou grupos.
Etimologicamente, a palavra "JURISDIÇÃO" origina-se da expressão latina "IURIS DICTIO", cujo significado seria "dizer o direito". Haverá jurisdição, precipuamente, quanto o Estado for provocado a declarar direitos; todavia, também haverá função jurisdicional em outras situações, como, a título de ilustração, no clássico exemplo da execução de créditos, em que o Estado, sem necessariamente declarar direitos, vem a exercer, sim, a função jurisdicional.
Nas lições do clássico e festejado jurista italiano Giuseppe CHIOVENDA, leciona-se que jurisdição é a função do Estado de atuar a vontade concreta do direito objetivo (ordenamento jurídico), seja afirmando-a, seja realizando-a na prática, seja assegurando a efetividade de sua afirmação ou de sua realização prática. Optamos pelo acolhimento da doutrina de Chiovenda como a mais adequada.
Mas são muitos os autores, tal como Chiovenda, que, ao longo da história, vêm tentando conceituar "jurisdição", sob os mais variados prismas, não havendo mínimo consenso na doutrina especializada.
Francesco CARNELUTTI, por exemplo, entendia jurisdição como uma função de busca da justa composição de lides (sendo "lide" o conflito de interesses degenerado pela pretensão de uma das partes e pela resistência da outra).
Há várias outras teorias na doutrina estrangeira e, também, nacional; mas as concepções clássicas acima são, de fato, em nosso entender, as mais relevantes para o cenário pátrio.
III) ATRIBUTOS FUNDAMENTAIS DA JURISDIÇÃO:
Em todas as manifestações jurisdicionais, poder-se-ão identificar, salvo exceções bastante restritas, alguns atributos ditos fundamentais ou essenciais. Embora haja divergência na doutrina em relação a quais seriam tais atributos ou, ainda, se haveria, realmente, como se conseguir distinguir, dentre as funções estatais, a função jurisdicional tão-somente pela busca de tais características, podemos aqui, em caráter didático, elencar três atributos da jurisdição que reputamos, estes sim, fundamentais: sua inércia, sua natureza substitutiva (ou substitutividade), e sua natureza declaratória.
Vejamos, pois, cada um desses atributos da função jurisdicional que se podem extrair de sua conceituação e de sua finalidade, para uma boa compreensão e distinção em relação às demais funções estatais:
a) inércia: a jurisdição é inerte, ou seja, o Estado só pode exercer esta sua função se for devidamente provocado por alguém (salvo raríssimas exceções em que se admite o exercício da função jurisdicional de ofício – ou seja, por iniciativa própria – pelo Estado-Juiz); o Estado-juiz só atua se for provocado, ou seja, o Juiz não procede de ofício (“princípio da demanda”).
Tal atributo da função jurisdicional é previsto, expressamente, logo ao início do Código de Processo Civil brasileiro, em seu art. 2º:
Art. 2o Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.
Caberá à parte, titular de um interesse juridicamente tutelado, portanto, salvo hipóteses excepcionais, provocar o exercício da jurisdição, através de uma demanda (daí o nome "princípio da demanda", que corresponde ao princípio da inércia, mas sob a ótica das partes, garantindo-lhes a liberdade de escolherem se vão ou não demandar a prestação jurisdicional).
Há, contudo, exceções a essa regra, como a do art. 989 do CPC, que é exemplo paradigmático, encontrado em vários manuais de Direito Processual Civil:
Art. 989. O juiz determinará, de ofício, que se inicie o inventário, se nenhuma das pessoas mencionadas nos artigos antecedentes o requerer no prazo legal.
Cabe-nos, nesta oportunidade, trazer ao leitor alguns esclarecimentos acerca de alguns conceitos que não raramente causam alguma confusão sobretudo aos iniciantes no estudo do Direito Processual:
- pretensão: é a intenção de submissão do interesse alheio ao interesse próprio;
- lide: é o conflito de interesses degenerado pela pretensão de uma das partes e pela resistência da outra (Carnelutti);
- demanda: é o ato através do qual se dá o impulso inicial à atuação do Estado-juiz.
Logo que se leciona acerca do princípio da demanda (ou inércia da jurisdição), é oportuno que se comente, na sequência, que o juiz deve se limitar, ao exercer a função jurisdicional, a trazer uma resposta ao que fôra pedido pela parte autora. Trata-se do chamado "princípio da correlação" ou da “adstrição da sentença ao pedido”, consubstanciado dever de o Magistrado se ater a trazer um provimento jurisdicional nos moldes e limites em que fôra pleiteado pelo autor, ainda que venha a negar-lhe o pleito.
Assim, se o Juiz der provimento jurisdicional além do que foi pedido, tal sentença será ultra petita; se permanecer aquém do pedido, deixando de dar resposta sobre algo que fôra requerido pelo autor, a sentença será citra petita; e, finalmente, se proferir decisão concedendo bem da vida diverso do que o autor tenha pedido, tal decisum será extra petita - vícios donde decorrerá a nulidade da sentença ou necessidade de sua adequação conforme os limites da demanda.
b) substitutividade: Cabe ao Estado prestar jurisdição, substituindo a atividade das partes e realizando em concreto a vontade da lei (Chiovenda).
Nos primórdios das relações jurídicas, fazia-se a chamada "justiça com as próprias mãos" pelos próprios interessados (a regra era a "autotutela'). Como, no entanto, não se amoldava à paz social a possibilidade de cada um exercer, segundo suas próprias convicções e, muitas vezes, com iniciativa viciada por reprimendas vingativas desproporcionais ao agravo sofrido, a "autotutela" foi abolida, cabendo, com exclusividade (salvo hipóteses excepcionais elencadas em lei), ao Estado-Juiz tal papel.
Como exemplo residual da autotutela em nosso ordenamento pátrio atual, pode-se indicar o desforço possessório imediato indispensável, previsto no Código Civil brasileiro de 2002:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
Note-se, todavia, quão restrita é tal hipótese de exceção legal, já que se exige que, para que o possuidor utilize sua própria força para garantir sua posse, deve agir de modo imediato, bem como que os atos de defesa da posse sejam proporcionais e absolutamente indispensáveis à sua manutenção ou restituição. A regra, contudo, é a busca da tutela jurisdicional prestado pelo Estado-Juiz (substitutividade).
Pode-se, ainda, elencar um atributo ou princípio da jurisdição que seria derivado da substitutividade: o da indeclinabilidade da atividade jurisdicional, que deve ser exercida por um juiz natural, o previamente investido e competente para solucionar determinada demanda.
c) natureza declaratória: o Estado-juiz, ao exercer a função jurisdicional, não está criando ou constituindo direitos subjetivos, mas, isto sim, apenas reconhecendo e declarando direitos pré-existentes.
É importante que se alerte o leitor, desde já, para não incorrer em uma confusão bastante comum, em relação às chamadas sentenças constitutivas, que são aquelas por meio das quais se criam, modificam ou extinguem relações jurídicas. Perceba-se, no entanto: criam, modificam ou extinguem relações jurídicas, e, não, direitos subjetivos; estes (os direitos subjetivos) já preexistiam à prolação do provimento jurisdicional de natureza constitutiva da nova relação jurídica.
Não se trata, portanto, de exceção alguma ao atributo da natureza declaratória (de direitos subjetivos pré-existentes) da jurisdição.
IV) ESPÉCIES DE JURISDIÇÃO:
A jurisdição é una e indivisível; ou seja, toda atividade jurisdicional é expressão de um mesmo e único poder, que é aquele decorrente da soberania do Estado. Assim, não seria, a rigor, tecnicamente correto falar-se em “espécies de jurisdição”. Contudo, faz-se tal classificação apenas para fins didáticos.
Há algumas formas (ou prismas) possíveis por meio das quais se podem identificar ou classificar as espécies de jurisdição, das quais podemos, resumidamente, destacar três: segundo o órgão que exerce a jurisdição; segundo o tipo de pretensão submetida ao Estado-juiz; e a mais importante delas (ao menos a que mais controvérsias suscita na doutrina), entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária.
1ª classificação) Segundo o órgão que exerce a jurisdição:
- jurisdição especial: julgam apenas pretensões de natureza determinada (são as chamadas “Justiças Especiais” ou “Especializadas”: Justiça do Trabalho, Justiça Militar e Justiça Eleitoral);
- jurisdição comum (Justiça Estadual e Justiça Federal): julgam pretensões de quaisquer naturezas, salvo as submetidas às “Justiças Especiais”.
2ª classificação) Segundo o tipo de pretensão submetida ao Estado-juiz:
- penal;
- civil
Tudo o que não tiver natureza penal, será, por exclusão, jurisdição civil. Assim é que, por exemplo, é jurisdição civil a de natureza cível, comercial, administrativa, constitucional, tributária, previdenciária, etc...
Assim, diante de um caso concreto, o primeiro passo é verificar se se trata de matéria de competência de qualquer das esferas da justiça especial: é matéria trabalhista? Eleitoral? Militar? Não o sendo, exclui-se a jurisdição especial, e se passa à fase seguinte da indagação: trata-se de matéria penal? Se não o for, por exclusão, será matéria a ser entregue à jurisdição civil. Diante desta última resposta, poder-se-á, ainda, indagar: trata-se de litígio que envolva pessoas capazes de assumir obrigações na esfera civil? O litígio versa sobre direitos patrimoniais disponíveis? Se for negativa a resposta a qualquer uma dessas duas últimas perguntas, exclui-se também a arbitragem como possível mecanismo de solução do conflito. Se forem positivas as respostas a ambas as perguntas, os interessados poderão, finalmente, optar entre a jurisdição civil estatal, exercida pelo Poder Judiciário, e a atividade arbitral, nos termos da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96).
3ª classificação) distinção entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária (tema a ser abordado, minuciosamente, no tópico seguinte, dada sua extrema relevância e peculiaridades próprias de seu estudo).
V) JURISDIÇÃO CONTENCIOSA X JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA:
Nos termos do artigo 1º do Código de Processo Civil brasileiro, "a jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece".
Mas, afinal, o que seria uma jurisdição voluntária? O que a distingue da jurisdição contenciosa? E como distingui-la da função administrativa?
Primeiramente, como veremos adiante, há grande parcela da doutrina, em meio a muita controvérsia acerca da natureza da jurisdição voluntária (ou jurisdição graciosa), que entende que sequer seria, a rigor, propriamente uma jurisdição, e nem seria voluntária.
Vejamos, pois, às linhas abaixo, algumas das teorias históricas ou modernas que vêm tentando identificar a natureza jurídica da chamada jurisdição voluntária:
Teoria Clássica ou Administrativista (corrente dominante na doutrina): seus defensores pregam que a “jurisdição voluntária” não teria natureza propriamente de jurisdição; seria mera função administrativa.
Segundo tal teoria, não seria jurisdição por várias razões: por não ser substitutiva, por não ser destinada a compor (resolver) lides, ou por não ter natureza declaratória (e, sim, só constitutiva de novas situações jurídicas). O exercício da jurisdição voluntária visa, segundo tal corrente teórica, a validar negócios jurídicos referentes a interesses privados por meio da intervenção do Judiciário, quando tal exigência for assim taxativamente prevista em lei (como ocorre no caso da alienação judicial de bens de incapazes).
Eis o conceito, segundo a Teoria Clássica: “É a administração pública, pelo Poder Judiciário, de interesses privados”.
Teoria Revisionista ou Jurisdicionalista: vê na jurisdição voluntária uma forma de exercício da função jurisdicional. Tal teoria combate a Clássica com os seguintes argumentos:
a) a lide, que de fato não existe na jurisdição voluntária, é elemento meramente acidental – e, não, essencial – ao exercício da jurisdição; portanto, o fato de não haver lide na jurisdição voluntária não tem o condão, por si só, de descaracterizar sua natureza jurisdicional (já que também na jurisdição contenciosa há hipóteses sem lide);
b) há substitutividade, sim, na jurisdição voluntária, uma vez que a lei impede que os titulares dos interesses ali referidos possam livremente negociá-los, devendo o juiz exercer uma atividade que originariamente não lhe cabia, substituindo, assim, a atividade dos titulares dos interesses em jogo.(Ex.: alienação judicial dos bens dos incapazes).
c) quanto à natureza constitutiva da jurisdição voluntária, perceba-se que o Judiciário também aqui estará atuando um direito pré-existente à modificação operada. (Ex.: divórcio consensual – a lei exige determinados requisitos para que os cônjuges possam se divorciar; assim, caberá ao juiz analisar se, na hipótese concreta que lhe for apresentada, estão ou não presentes tais pressupostos, e, caso estejam, lhe caberá reconhecer ou declarar o direito pré-existente ao divórcio e sentenciar, trazendo a modificação jurídica pretendida pelos interessados).
Entendo mais razoável a filiação à corrente jurisdicionalista, exatamente por concordar com os contra-argumentos acima enumerados.
Caracterizada, a nosso ver, sua natureza jurisdicional, o que, então, a distingue da chamada Jurisdição Contenciosa?
A resposta é encontrada na análise da pretensão (a intenção de submissão do interesse alheio ao interesse próprio).
Como já dito alhures, pode haver processo sem lide (por isso, ao contrário de muitos autores de renome, não incluímos a lide como um dos elementos essenciais da jurisdição); todavia, não pode haver processo sem pretensão, em decorrência do princípio da inércia da jurisdição (O Estado-juiz só exerce a função jurisdicional se provocado, e tal provocação se faz através da manifestação em juízo de uma pretensão).
Se tal pretensão for de integração de um negócio jurídico de direito privado (ou seja, o ato judicial vai apenas conferir validade ao negócio jurídico), estar-se-á diante da jurisdição voluntária, como no caso da pretensão de alienação de um bem de incapaz. Caso contrário (ou seja, se a pretensão não for de mera integração de negócio jurídico), a hipótese será de jurisdição contenciosa.
VI) JURISDIÇÃO ESTATAL X ARBITRAGEM:
Merece destaque, ainda que de forma sucinta, a concepção moderna de acesso à justiça, dando-se-lhe um novo enfoque, com a valorização dos meios paraestatais de solução de conflitos, ditos “sucedâneos da jurisdição”, como a arbitragem, a conciliação, a mediação e outros meios de solução dos conflitos de interesses.
Grande parte dos negócios civis ou comerciais exigem respostas rápidas, sob pena de, quando solucionados pela burocrática máquina judiciária, perderem o objeto e ficarem desprovidos de eficácia, com prejuízos incalculáveis para as partes interessadas.
Presente no ordenamento pátrio através da Lei nº 9.307/96, a arbitragem é um instrumento alternativo de solução de conflitos por meio de terceiro indicado pelas partes envolvidas, de comum acordo, o qual atuará semelhantemente à atividade jurisdicional propriamente dita, proferindo decisão final que se equipara à sentença judicial.
Há, basicamente, duas correntes acerca da natureza jurídica do instituto da arbitragem: a teoria contratualista e a teoria jurisdicional.
A primeira, também conhecida como "privatista", alega que a arbitragem tem caráter contratual, similar ao de uma transação, sem caráter jurisdicional. A arbitragem, para tal corrente, é passível de sofrer intervenção estatal de forma plena, já que a parte poderá requerer ao Estado que aprecie o mérito e a validade da sentença arbitral.
A teoria jurisdicional (ou "publicista"), por outro lado, entende que a decisão arbitral é perfeitamente equiparável ao provimento jurisdicional estatal, eis que não necessita de homologação pelo Poder Judiciário, bem como ante a autonomia e eficácia da cláusula compromissória, por meio da qual as partes se submetem ao juízo arbitral.
Antes da Lei 9.307/96, era necessário que o laudo arbitral fosse homologado pelo Judiciário para que tivesse força executiva. Vigia, portanto, até então, o entendimento contratualista.
Todavia, a Lei 9.307/96 trouxe a força de título executivo judicial à decisão arbitral, sem necessidade de qualquer homologação pelo Judiciário. A sentença arbitral tornou-se irrecorrível, fazendo coisa julgada entre as partes (a única possibilidade de recurso ou impugnação reside no caso de se incidir em nulidade prevista em lei ou de se estar ferindo algum dispositivo legal). Predomina, atualmente, portanto, a teoria jurisdicional.
Para Carreira Alvim[2], "se a justificação de seu cabimento radica-se numa relação negocial privada (a convenção arbitral), o certo é que, uma vez instituído o juízo arbitral, sua natureza é tão jurisdicional como a dos órgãos integrantes do Poder Judiciário”.
O Supremo Tribunal Federal, quando instado a se manifestar acerca da possível inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei nº 9307/96, ratificou a validade da norma, por entender que a manifestação de vontade da parte na cláusula de compromisso e a faculdade concedida ao juiz, para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso, não colide com o inciso XXXV do artigo 5º que proíbe a exclusão de apreciação pelo Judiciário de lesão ou ameaça a direito.
O caráter monopolizador da jurisdição exercida pelo Estado não impede que os interessados, desde que em hipóteses autorizadas por lei, optem por meio não estatal de exercício de jurisdição, isto é, de realização de atividade capaz de pôr fim à lide (arbitragem).
Entretanto, a arbitragem não é franqueada a todos e quaisquer conflitos, possuindo limitações e dependendo, como já aduzido anteriormente, de autorização legal. Também não exclui a atividade jurisdicional.
Repita-se, no particular, o que já mencionado anteriormente quanto aos passos para identificação da possibilidade ou não do uso da arbitragem:
Primeiramente, há de se identificar se se trata de litígio que envolva pessoas capazes de assumir obrigações na esfera civil.
Em seguida, há de se verificar se o litígio versa sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Se for negativa a resposta a qualquer uma dessas duas últimas perguntas, exclui-se a arbitragem como possível mecanismo de solução do conflito. Se forem positivas as respostas a ambas as perguntas, os interessados poderão, finalmente, optar entre a jurisdição civil estatal, exercida pelo Poder Judiciário, e a atividade arbitral, nos termos da Lei de Arbitragem (Lei nº9.307/96).
VII) CONCLUSÃO
Vimos, no presente trabalho, que o Direito Processual é o ramo da ciência jurídica que estuda e regulamenta o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional.
Não por outro motivo nos debruçamos, exclusivamente, a esse principal pilar da chamada trilogia estrutural do processo, que integra até mesmo o próprio conceito de Direito Processual: a jurisdição ou função jurisdicional.
Identificamos, como mais adequada e completa, a definição dada à jurisdição por CHIOVENDA: jurisdição é a função do Estado de atuar a vontade concreta do direito objetivo (ordenamento jurídico), seja afirmando-a, seja realizando-a na prática, seja assegurando a efetividade de sua afirmação ou de sua realização prática.
Discorreu-se, outrossim, acerca de três atributos ou características da função jurisdicional, aqui por nós consideradas como fundamentais ou essenciais (e, não, meramente acidentais), aptas, assim, a distinguir a função jurisdicional das demais funções estatais: a inércia da jurisdição (cuja atuação deve ser provocada por iniciativa das partes), a substitutividade (da atuação do Estado-juiz em relação às partes, coibindo-se o exercício da autotutela) e a natureza declaratória (de direitos subjetivos pré-existentes, ainda que pelo provimento jurisdicional se venha a criar, modificar ou extinguir alguma relação jurídica).
Em seguida, apresentamos ao leitor a opção pela adoção de três formas de classificação básicas da jurisdição: segundo o órgão que exerce a jurisdição (jurisdição especial ou jurisdição comum); segundo o tipo de pretensão submetida ao Estado-juiz (jurisdição penal ou jurisdição civil); e a mais importante delas (ao menos a que mais controvérsias suscita na doutrina), entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária.
Elencamos as 2 principais teorias acerca da natureza jurídica da jurisdição voluntária (ou graciosa): teoria clássica ou administrativista (corrente majoritária na doutrina, cujos defensores pregam que a “jurisdição voluntária” não teria natureza propriamente de jurisdição, mas, isto sim, de mera função administrativa) e a teoria revisionista ou jurisdicionalista (que vê na jurisdição voluntária uma forma de exercício da função jurisdicional).
Apresentamos ao leitor os principais argumentos (ou contra-argumentos) entabulados pelos revisionistas, contra as acusações dos defensores da Teoria Clássica, tendo-se registrado a opção deste autor, exatamente pela razoabilidade e pertinência de tais argumentos, à Teoria revisionista (ou jurisdicionalista), não havendo motivo para não se admitir a natureza efetivamente jurisdicional da Jurisdição Voluntária.
Identificou-se que o elemento de discrímen entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária reside na pretensão. Se a pretensão for de integração de um negócio jurídico de direito privado (ou seja, o ato judicial vai apenas conferir validade ao negócio jurídico), estar-se-á diante da jurisdição voluntária, como no caso da pretensão de alienação de um bem de incapaz. Caso contrário (ou seja, se a pretensão não for de mera integração de negócio jurídico), a hipótese será de jurisdição contenciosa.
Por fim, em sucintas linhas, abordou-se a concepção moderna de acesso à justiça, dando-se-lhe um novo enfoque, com a valorização dos meios paraestatais de solução de conflitos, ditos “sucedâneos da jurisdição”, como a arbitragem, que é um instrumento alternativo de solução de conflitos por meio de terceiro indicado pelas partes envolvidas, de comum acordo, o qual, desde que haja expressa autorização legal para tanto, atuará semelhantemente à atividade jurisdicional propriamente dita, proferindo decisão final que se equipara à sentença judicial.
Com o advento da Lei 9.306/97, a sentença arbitral tornou-se irrecorrível (salvo nas hipóteses contra legem e/ou de nulidades previstas em lei), fazendo coisa julgada entre as partes e configurando título executivo judicial, sem necessidade de homologação pelo Judiciário. Predomina, atualmente, portanto, a teoria jurisdicional (ou publicista), em contraposição à anterior teoria contratualista (ou "privatista"), vigente antes da Lei de Arbitragem de 1997, para a qual a arbitragem não tinha natureza jurisdicional (corresponderia a uma transação, de natureza contratual).
Trata-se de ferramenta eficaz e rápida, desburocratizada e pouco informal, que visa a salvaguardar grande parte dos negócios civis ou comerciais, os quais exigem respostas rápidas, sob pena de, quando solucionados pela burocrática máquina judiciária, perderem o objeto e ficarem desprovidos de eficácia. Por isso, mesmo, sua utilização há de merecer, cada vez mais, o necessário fomento tanto pelo legislador pátrio, quanto pelo Estado-Administração.
[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[2] Carreira Alvim, Direito arbitral interno brasileiro, pg. 58-69.
Procurador Federal (Advocacia-Geral da União). Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do RJ e Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília. Foi Técnico Judiciário e Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) entre os anos de 1998-2004. Aprovado e nomeado Procurador da República (MPF) no ano de 2006
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAVES, Roberto de Souza. Noções introdutórias ao estudo da jurisdição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42451/nocoes-introdutorias-ao-estudo-da-jurisdicao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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