Resumo: O presente trabalho examina as espécies de federalismo, procurando diferenciar o federalismo simétrico e o federalismo assimétrico, bem como verificar como pode ser classificada a Federação na Constituição Brasileira
Palavras-chave: Direito Constitucional. Federalismo no Brasil. Constituição Federal de 1988.
1. Introdução
As primeiras lições de Teoria do Estado ensinam que a forma de Estado é o modo pelo qual a distribuição geográfica do poder político é feita, em função de um território. Essa distribuição pode ocorrer de várias formas, que originarão as formas de Estado conhecidas e estudadas pelo Direito.
As principais formas de Estado são os Estados Unitários e os Estados Federados. Entre essas duas formas de organização do Estado há diversas possibilidades intermediárias. Contudo, é inegável que hodiernamente a principal forma de Estado seja a federada.
2. Conceito de Estado Federado, Estado Unitário e Confederação
Estado Federado é, segundo a melhor doutrina[1], aquele que se divide em províncias politicamente autônomas, possuindo duas fontes paralelas de direito público, uma nacional e outra provincial. O Prof. Pinto Ferreira, citado por Sahid Maluf, definiu como "uma organização formada sob a base de uma repartição de competências entre o governo nacional e os governos estaduais, de sorte que a União tenha supremacia sobre os Estados-membros e estes sejam entidades dotadas de autonomia constitucional perante a mesma união."
Conforme Dalmo de Abreu Dallari, citado por Alexandre de Moraes[2], federalismo é a aliança ou união de Estados, baseada em uma Constituição, onde os Estados que ingressam na federação perdem sua soberania no momento mesmo do ingresso, preservado, contudo, uma autonomia política limitada.
Para Dallari, Estado Unitário é rigorosamente centralizado, no seu limiar, e identifica um mesmo poder, para um mesmo povo, num mesmo território. Já a Confederação é espécie federal de Estado que gira em torno do princípio da autonomia e da participação política e pressupõe a consagração de certas regras constitucionais, tendentes não somente a sua configuração, mas também a sua manutenção e indissolubilidade.
3. O Federalismo no Brasil
Diferente da Federação norte-americana, onde a autonomia estadual é ampla, sofrendo apenas as limitações impostas pela Constituição Federal, o federalismo brasileiro, ensina-nos Sahid Maluf[3], é diferente, é muito mais rígido, ao ponto de ser chamado de Federalismo Orgânico. Surgiu como resultado de um movimento de dentro para fora (centrífugo) e não de fora para dentro (centrípeto), decorrência natural da realidade existente e do contexto histórico da época[4], em que a enormidade do território, as variações climáticas, a diferenciação dos grupos étnicos, além de uma série de fatores naturais ou sociológicos, que tornaram a descentralização política um imperativo. Ensina-nos o autor que o Brasil Império era um Estado juridicamente unitário, mas, na realidade, era dividido em províncias. Por intermédio do Ato Adicional de 1834, concedeu-se autonomia provincial.
Para o citado autor, a federação brasileira, embora estruturada sob modelo norte americano, tornou-se uma federação de poderes superpostos, na qual os Estados-Membros devem organizar-se à imagem e semelhança da União, suas Constituições particulares devem espelhar a Constituição Federal, inclusive nos seus detalhes de ordem secundária; e suas lei acabaram subordinadas, praticamente, ao princípio da hierarquia, sofrendo impiedosas críticas da doutrina do Professor Ataliba Nogueira e de Rui Barbosa, de 1868, que são abaixo transcritos, respectivamente:
"Estamos a cada passo reduzindo o país a Estado unitário. A esfera de competência da União foi alargando-se de tal jeito que contribuiu para esse inconveniente a desnaturante centralização. A União é aqui o Estado-Providência. Acham-no capaz de resolver, milagrosamente, todos os problemas, e lhe entregam, de mãos atadas, a federação".
"Eis o que vem a ser a federação do Brasil: eis em que dá, por fim, a autonomia dos Estados, esse princípio retumbante, mentiroso, vazio de vida como um sepulcro, a cuja superstição se está sacrificando a existência do país e o princípio da nossa nacionalidade".
4. O Federalismo Simétrico e o Federalismo Assimétrico
Historicamente, a origem do pacto de federalismo é a Constituição Americana de 1787.
O federalismo apresenta-se como um fenômeno muito rico e diversificado no mundo jurídico, de forma que várias classificações são possíveis.
Pode-se classificar os Estados Federados quanto ao equacionamento das desigualdades entre seus entes integrantes, porque percebe-se que os Estados integrantes de uma federação são muito diferentes entre si, seja do ponto de vista econômico, social, climático, ambiental. Assim, sob essa ótica, o federalismo pode ser classificado como simétrico ou assimétrico.
O federalismo simétrico visa a uma repartição de competências e receitas de forma paritária e isonômica entre os entes integrantes da federação. Essa forma de federalismo parte de um pressuposto de isonomia entre os entes.
O federalismo assimétrico, por sua vez, parte do pressuposto de que existem exacerbadas desigualdades regionais (socioeconômicas, políticas, culturais) e busca reverter esse quadro com a realização de programas e a distribuição de atribuições diferenciadas entre os entes para equacionar as desigualdades. Um típico exemplo de federalismo assimétrico é o Canadá, em cujo Estado as línguas francesa e inglesa são oficiais, de forma a atender a todos os integrantes de seu território. Cabe observar que a assimetria ora tratada não gera discriminação entre os entes. Ela serve, na verdade, para reduzir a discriminação existente, quando for absurda ou arbitrária.
No Brasil, não temos a questão da língua (ou, sob um aspecto mais amplo, problemas culturais), mas há outras diferenças drásticas entre os Estados, sob o ponto de vista socioeconômico (Estados do Sudeste x Estados do Norte, por exemplo); políticos, climáticos (seca no Nordeste ou no Sul x enchentes do Sudeste, por exemplo), entre outros. No nosso país, essas distinções regionais ensejam discussão sobre o federalismo assimétrico, se não para prever atribuições diferentes, ao menos para discutir programas diferenciados e direcionados às necessidades específicas de cada região e para a definição de políticas públicas com a finalidade de equacionar as desigualdades existentes. Segundo o art. 18, da Carta Maior, a República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, todos autônomos nos termos da Constituição, a qual inseriu, dentre suas cláusulas pétreas, a vedação de proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado.
Assim, pode-se identificar traços do federalismo assimétrico no atual modelo de Estado definido pela Constituição da República Federativa do Brasil, especialmente nos princípios da homogeneidade federativa (vale dizer, a vedação de criação de preferências ou discriminação ente os entes), fulcrado no art. 3º, III. Verbis: "Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (...)".
5. Conclusões
O presente trabalho abordou uma das espécies de classificação do federalismo, quanto ao equacionamento das desigualdades entre os entes: o federalismo simétrico e o federalismo assimétrico. Pode-se observar que o tratamento assimétrico entre os entes participantes da federação visa a reduzir as discriminações existentes.
No Brasil, constatou-se que a Carta de 1988 adotou o federalismo assimétrico para discutir programas e políticas públicas destinadas às necessidades específicas de cada região, no intuito de equacionar as desigualdades existentes. Exemplo disso é o princípio da vedação de criação de preferências ou discriminação ente os entes, previsto no art. 3º, III, da CF. No caso brasileiro, não há previsão de atribuição diferentes entre os entes integrantes da federação, conforme estabelece o art. 18, da CF.
7. Referências Bibliográficas
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 24ª. ed, Malheiros Editores, São Paulo, 2009.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo, Belo Horizonte: Fórum, 2007.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 13ª. ed, Editora Saraiva, São Paulo, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Ed. Saraiva, 4ª ed., 2009.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2003.
[1] MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 21ª edição revisada e atualizada por Miguel Alfredo Maluf Neto. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 166.
[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2003, p. 267.
[3] Leciona o autor: "E a Constituição norte-americana de 1787 é o marco inicial do moderno federalismo. As treze colônias que rejeitaram a dominação britânica, em 1776, constituíram-se em outros tantos Estados livres. E sustentando a luta pela sua independência, ante a reação da Inglaterra, uniram-se, em prol da defesa comum, sob a foma contratual de Confederação de Estados, em 1781, visando ao fortalecimento da defesa comum. Verificou-se que o governo resultante dessa união confederal, instável e precário como era, não solucionava os problemas internos, notadamente os de ordem econômica e militar. As legislações conflitantes, as desconfianças mútuas, as rivalidades regionais ocasionaram o enfraquecimento dos ideais nacionalistas e dificultavam sobremaneira o êxito da guerra da libertação. Discutidos amplamente os problemas sociais, jurídicos, econômicos, militares, políticos e diplomáticos, de interesse comum, durante noventa dias, na Convenção da Filadélfia, decidiram os convencionais, sob a presidência de George Washington, transformar a Confederação em uma forma de união mais íntima e definitiva. (...) e, afinal, os resultados da Convenção foram consubstanciados na Constituição Federal de 1787"
[4] MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 21ª edição revisada e atualizada por Miguel Alfredo Maluf Neto. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 169. Segundo o autor, os primeiros sistemas administrativos adotados por Portugal, as governadorias gerais, as feitorias, as capitanias, traçaram os rumos pelos quais a nação brasileira caminharia fatalmente para a forma federativa.
Procuradora Federal desde novembro de 2007. Ex-Advogada da Caixa Econômica Federal. Especialista em Direito Previdenciário e em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal - ESMAFE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Cristiane Castro Carvalho de. O federalismo simétrico e o federalismo assimétrico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42480/o-federalismo-simetrico-e-o-federalismo-assimetrico. Acesso em: 23 dez 2024.
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