RESUMO: Pretende-se, com o presente artigo,demonstrar que a norma insculpida no artigo 15, inciso I da lei n.º 8.213/91 deve ter a sua aplicabilidade excepcionada nos casos de recebimento do benefício de auxílio-acidente.
Palavras - chave: RGPS. Auxílio-Acidente. Qualidade de Segurado.
INTRODUÇÃO
Previsto no artigo 86[1] da lei n.º 8.213/91, o benefício de auxílio-acidente é destinado aosegurado da Previdência Social que, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, tiver seqüelas que impliquem na redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
Trata-se, portanto, de beneficio de natureza nitidamente indenizatória, consoante reconhece expressamente o dispositivo legal retromencionado, não havendo impedimento ao exercício de atividade remunerada pelo seu beneficiário, uma vez que esta prestação não visa substituir a remuneração do trabalhador, mas apenas compensar a redução da sua capacidade laboral.
Não obstante, o artigo 15, I da lei n.º 8.213/91 prevê a manutenção da qualidade de segurado daquele que está em gozo de benefício previdenciário, independentemente da natureza da prestação.
Parece-nos, entretanto, quea norma em análise deveria ter a sua aplicabilidade excepcionada nos casos de recebimento do benefício de auxílio-acidente, pelos motivos que se passa a expor.
DA QUALIDADE DE SEGURADO DO BENEFICIÁRIO DE AUXÍLIO-ACIDENTE
De acordo com ocaput do artigo 201[2] da Constituição Federal, a Previdência Social deverá ter caráter contributivo, devendo ser mantida através das contribuições vertidas pelos seus interessados.
Assim, para que o interessado possa se valer da proteção previdenciária,deverá verter contribuições ao sistema, financiando-ode modo a manter o exigido equilíbrio atuarial.
É por meio do pagamento das contribuições ou pelo mero exercício de atividade remuneratória que o interessado se vincula ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), integrando o sistema protetivo e passando a usufruir da condição de segurado.
A qualidade de segurado, portanto, é a condição que confere àquele vinculado ao RGPS o direito de requerer prestações previdenciárias e o dever de contribuir com o sistema.
Nesse contexto, verifica-se que a qualidade de segurado é condição indispensável à concessão dos benefícios previdenciários. Ausente esta condição, não há possibilidade de deferimento das prestações sociais.
Todavia, a legislação previdenciária estabelece que a ausência de contribuições ou o não exercício de atividade remunerada não implica de imediato na perda da qualidade de segurado.
Com efeito, mesmo sem contribuir, o beneficiário poderá manter a qualidade de segurado por determinado período.Trata-se do denominado período de graça, cujas hipóteses estão elencadas no artigo 15 da lei n.º 8.213/91. O inciso I deste dispositivo tem o seguinte teor:
“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;”
Como se vê, de acordo com a legislação previdenciária, aquele que está em gozo de benefício previdenciário–frise-se que a lei não faz qualquer restrição ao tipo de benefício - manterá a qualidade de segurado durante o período de recebimento.
O objetivo do legislador, neste inciso, foi preservar o trabalhador no momento de convalescença em que recebe a prestação social, deixando-o protegido pelo sistema securitário.
Nesse panorama, surge relevante indagação: o benefício de auxílio-acidente também deve seguir àquela regra?
Em que pese a previsão genérica da lei, parece-nos que não.
O artigo 86 da lei n.º 8.213/91 define o auxílio-acidente como benefício de natureza indenizatória possuindo, destarte, características distintas dos demais benefícios por incapacidade. Com efeito, ao contrário do que ocorre com o auxílio doença e com a aposentadoria por invalidez, o benefício em questão não impede o beneficiário de exercer atividade remunerada.
Isto porque ele é devido apenas em razão da redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia o interessadoà época do acidente, sendo irrelevante se aferir se há ou não capacidade laboral.
O auxílio-acidente não visa, portanto, substituir a remuneração do trabalhador, até porque o segurado poderá trabalhar regularmente durante o período de seu recebimento.
Nesse sentido, calha trazer à lume a lição de Zambitte:
“Como a concessão do auxílio-acidente independe da comprovação da rela perda remuneratória, evidencia-se sua natureza indenizatória, pois a indenização é paga, em geral, baseada em prejuízos presumidos, como o caso.
Ainda que o segurado, no futuro, venha a exercer atividade remunerada em que não haja reflexo negativo de sua sequela, o auxílio-acidente continuará sendo pago. Somente será interrompido no caso de novo afastamento em razão do mesmo acidente ou na aposentadoria (também será encerrado na hipótese do segurado averbar seu tempo de contribuição em outro regime de previdência, por exemplo, ingressa em RPPS).” [3].
Nessa mesma linha lecionam Carlos Alberto Pereira Castro e João Batista Lazzari[4]:
“O auxílio-acidente é um benefício previdenciário pago mensalmente ao segurado acidentado como forma de indenização, sem caráter substitutivo do salário, pois é recebido cumulativamente com o mesmo, quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidentes de qualquer natureza - e não somente de acidentes de trabalho -, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia - Lei n. 8.213/91, art. 86, caput.”
Em que pese o disposto no artigo 18[5] da lei n.º 8.213/91, o auxílio-acidente não pode ser considerado como um benefício previdenciário comum, já que tem natureza indenizatória, destoando das demais prestações previdenciárias.
Como já ressaltado,este benefício consiste em mera indenização paga em razão da redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia o segurado.
Neste benefício, parte-se da premissa de que o segurado ainda detém a capacidade laborativa, embora de forma reduzida, e a sua concessão visa apenas compensar esta perda da sua capacidade laboral.
Ele não tem, portanto, caráter substitutivo da remuneração do segurado, mas apenas de uma compensação financeira pela redução da sua capacidade laboral, tanto que o seu valor é inferior ao salário-mínimo, já que corresponde a 50% do salário-de-benefício[6].
Destarte, não há falar em incapacidade laboral do segurado em gozo de auxílio-acidente, podendo o seu beneficiário auferir renda normalmente.
Ora, se o segurado pode trabalhar durante o gozo deste benefício, não se justifica a aplicação da norma prevista no inciso I do artigo 15 da lei n.º 8.213/91, a qual se destina a tutelar aqueles que não conseguem laborar e contribuir com o RGPS.
Com efeito, o inciso I do artigo 15 foi concebido para os casos em que o segurado não pode retornar ao RGPS em razão de situações que lhe impedem de exercer atividade laboral como os eventos que lhe causam incapacidade, reclusão, etc., o que não ocorre no caso de auxílio-acidente.
Pelo exposto, não se afigura correto que o beneficiário do auxílio-acidente mantenha a qualidade de segurado durante o período em que recebe o benefício.
Por isso, propugna-se aqui que o artigo 15, inciso I da lei n.º 8.213/91 o exclua expressamente deste inciso, já que esta norma objetiva tutelar apenas aqueles que estejam impossibilitados de contribuir com a Previdência e, portanto, recebem benefício previdenciário substitutivo do rendimento do trabalho, o que não ocorre com o auxílio-acidente.
Saliente-se que o INSS vem reconhecendo a manutenção da qualidade de segurado nesses casos, tendo expressamente mencionado, na Instrução Normativa n.º 45 INSS/PRESS de 06 de agosto de 2010, que disciplina no âmbito administrativo o reconhecimento de direitos dos beneficiários da Previdência Social, esta situação no seu artigo 10:
“Art. 10.Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuição:
I - sem limite de prazo, para aquele em gozo de benefício, inclusive durante o período de recebimento de auxílio-acidente ou de auxílio suplementar;”
Entretanto, com a devida venia, esse entendimento deve ser revisto, conforme já exposto.
Na mesma linha do entendimento ora sufragado, a jurisprudência vem se manifestando, conforme se infere da ementa do seguinte julgado:
“MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO.APOSENTADORIA POR IDADE. PERÍODO EM GOZO EXCLUSIVODE AUXÍLIO-ACIDENTE. CONTAGEM PARA EFEITOS DECARÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
O período em gozo exclusivo de auxílio-acidente, sem o recolhimento decontribuições previdenciárias, não pode ser considerado para efeitos de carência, uma veztratar-se de benefício de caráter indenizatório, que não tem o condão de substituir o saláriode-contribuição ou os rendimentos do trabalho do segurado.”
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006585-53.2009.404.7001/PR)
Tem-se, portanto, que em razão do seu caráter indenizatório, o auxílio-acidente não visa substituir o salário do segurado, já que ele apenas reduz a sua capacidade laborativa e não o impede de laborar.
CONCLUSÃO
Como se viu, a despeito do entendimento no âmbito administrativo, o gozo do benefício de auxílio-acidente não deve implicar na manutenção da qualidade de segurado, uma vez que a sua natureza indenizatória é incompatível com esta manutenção.
Defende-se, por isso, que o disposto no artigo 15, inciso I da lei n.º 8.213/91 deva ter a sua aplicabilidade excepcionada nos casos de recebimento do benefício de auxílio-acidente.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 3ª edição. São Paulo: Leud Editora, 2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 08/12/2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 08/12/2014.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 5.ª Edição. São Paulo. LTr, 2004.
IMBRAHIM,FábioZambitte. Curso de Direito Previdenciário.16.ª edição, Niterói: Impetus, 2011
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário, Tomo II, Previdência Social. 2.ª edição. São Paulo: LTr, 2003.
VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de Direito Previdenciário. 4ª Edição. São Paulo: Atlas, 2011.
[1]“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.”
[2]“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:”
[3]inCurso de Direito Previdenciário, 16.ª edição, Editora Impetus, pág. 648, Fábio Zambitte Ibrahim.
[4]CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 567.
[5]Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
I - quanto ao segurado:
(...)
h) auxílio-acidente;
[6]Art. 86. (...)
§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Sávio Luís Oliveira. A manutenção da qualidade de segurado do beneficiário de auxílio-acidente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42483/a-manutencao-da-qualidade-de-segurado-do-beneficiario-de-auxilio-acidente. Acesso em: 11 out 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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