Resumo: Os direitos sociais destacam-se na apreciação das políticas públicas adotadas pela Administração, notadamente diante do controle efetuado pelo Poder Judiciário. Deste modo, necessário definir a natureza fundamental dos direitos sociais, sua relação com o instituto do mínimo existencial, acarretando a proibição do retrocesso nesta seara, o que inibe, em muitos casos, a arguição da reserva do possível como justificativa para seu eventual desrespeito.
Palavras-chave: Direitos Sociais – Mínimo Existencial – Proibição do Retrocesso – Reserva do Possível –Direitos de Segunda Dimensão – Fundamentalidade Dos Direitos Sociais – Garantias Sociais, Políticas e Jurídicas – Efetividade Normativa – Constitucionalismo Dirigente
Igualização de situações sociais desiguais é, em síntese, um dos marcos assertivos relacionados aos direitos sociais e ao mínimo existencial, permeados pela proibição do retrocesso diante da reserva do possível. Este o escopo das principais exigências do cidadão, perante o Estado, para que este último adote posturas ativas para por à disposição da sociedade, de forma equânime e razoável, todas as prestações jurídicas ou materiais consideradas necessárias para permitir o exercício das liberdades fundamentais, determinando a divisão de vantagens provenientes da cooperação social.
Enunciados assim, de modo genérico, os direitos sociais (também considerados direitos de segunda dimensão) surgiram a partir da crise da tradição do Estado Liberal. Sem dúvidas, a exploração do “homem pelo homem”, notadamente no curso da revolução industrial e da ascensão burguesa, culminaram na consagração do Estado Social – assim entendido na medida em que ativamente passou a assegurar direitos mínimos existenciais, mediante postura ativa e intervencionista, necessários à preservação da dignidade da pessoa humana.
É preciso ter em mente, nesta seara, que o Estado Social consagrou-se historicamente, de modo clássico, por meio da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919. Todavia, em verdade o Estado Social somente se consolidou realmente mediante a celebração de tratados e instituições internacionais de proteção dos direitos sociais dos trabalhadores.
De qualquer modo, a fundamentalidade dos direitos sociais não se apresenta pacífica, quanto à conceituação, na comunidade jurídica nacional. Há quem defenda, com base no artigo 5º, §1º e no artigo 60, §4º, inciso IV, da Constituição Federal Brasileira que todos os direitos sociais seriam formal e materialmente fundamentais, de modo que a mera enunciação no texto constitucional bastaria para lhes imprimir regime diferenciado, tanto de aplicabilidade imediata como de limite material para o poder constituinte derivado.
Por outro lado, apresentam-se os defensores da ideia de que todos os direitos sociais seriam apenas formalmente fundamentais, constituindo verdadeiras normas programáticas, sem aplicação imediata e que, portanto, não gerariam direitos subjetivos, muito menos limitariam o poder de reforma da constituição.
Todavia, a melhor doutrina e jurisprudência acatam a ideia de que os direitos sociais seriam apenas formalmente fundamentais, sendo materialmente fundamentais apenas em se tratando do núcleo duro essencial, considerado como sendo o mínimo existencial para que se preserve a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil estabelecido no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal Brasileira.
Assim, como os direitos sociais não nascem prontos; ao contrário, necessitam da atuação do Estado Social para serem adimplidos, necessárias se afiguram garantias para sua real efetivação. A primeira delas é de cunho nitidamente social, residindo na possibilidade de participação do indivíduo no controle do processo político e no exercício do direito de petição, este último assegurado no art. 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal Brasileira. Políticas são a segunda espécie de garantia para efetivação dos direitos sociais, revelando-se na admissão do controle externo da administração pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas, nos termos do art. 70 da Constituição Federal Brasileira. Por fim, são jurídicas as garantias que estabelecem a via jurisdicional como mecanismo para efetivação dos direitos sociais, tais como o mandado de segurança, a ação popular, o dissídio coletivo, o mandado de injunção, o habeas data, a ação civil pública e o controle de constitucionalidade, exempli gratia.
Estas garantias afastam, bom se faz dizer, a visão tradicional acerca da baixa efetividade normativa dos direitos sociais, que os considerava como normas programáticas. O largo espectro das garantias, bem como a responsabilização do Administrador Público que deixar de atender aos direitos sociais revelam, à evidência, que os direitos sociais elencados no texto constitucional não representam meras recomendações ou preceitos morais com matiz exclusivamente de direção das políticas públicas a serem adotadas; ao contrário, os direitos sociais na comunidade jurídica contemporânea constituem direito fundamental diretamente aplicável.
É preciso ter em mente, aliás, que a omissão do legislador na edição de leis que materializem os direitos sociais pode, inclusive, ser objeto hábil a permitir a responsabilidade civil do Estado por inércia. Diante deste quadro, inúmeros são os direitos sociais que, a despeito de assegurados na Constituição, passaram a ser objeto de leis específicas quanto à sua aplicabilidade – muito embora, na maioria dos casos, este cuidado se apresentasse desnecessário.
No entanto, urge destacar que, uma vez garantidos os direitos sociais, passam a compor o patrimônio político de cada cidadão, vedado o retrocesso neste campo. Em outros termos, a partir da aquisição dos direitos sociais, considerando-se-os como fundamentais, passa a existir um limite material implícito, de forma que os direitos sociais fundamentais constitucionalmente assegurados, em patamar adequado de densidade normativa, não poderão ser suprimidos do ordenamento jurídico – nem mesmo por emendas constitucionais – a menos que, por razões absolutamente justificadas e passíveis de análise pelo Poder Judiciário, instituam-se prestações alternativas para os direitos em questão.
Por esses fundamentos, o princípio do não retrocesso acaba por se revelar em duas faces da mesma moeda: na primeira delas verifica-se conteúdo eminentemente negativo, adstrito a vedar qualquer supressão ou redução do grau de densidade normativa atribuído aos direitos fundamentais sociais; já na segunda, pugna a efetiva concretização dos direitos fundamentais sociais, para a constante redução das desigualdades aferíveis tanto concreta como socialmente.
O caráter cogente do princípio do não retrocesso limita a liberdade de conformação do legislador. Deste modo, somente mediante o oferecimento de medidas compensatórias, e desde que respeitadas a razoabilidade e proporcionalidade, poderia haver modificação do rol dos direitos fundamentais sociais, mantendo-se, em todo o caso, seu núcleo essencial.
Por tais motivos, ganha força na comunidade jurídica a aceitação do constitucionalismo dirigente, que visa a estabelecer um projeto social compreensivo para o futuro, vinculando a totalidade das decisões, no âmbito social, político e econômico, tendo por escopo as gerações futuras, mediante a imposição de deveres ativos e prestacionais para o Estado. Em síntese, o constitucionalismo dirigente busca não apenas garantir o mínimo existencial, e sim ampliá-lo de modo prolongado no tempo.
Mas o que, de fato, vem a ser o mínimo existencial?
Inicialmente, a ideia em questão está diretamente relacionada à necessidade de implementação do piso de direitos, sejam eles de que natureza for, hábil a permitir que o indivíduo usufrua dos direitos indispensáveis a um vida digna.
Assim, o mínimo existencial constitui uma barreira, um limite que impede a prática de atos, seja pelo Estado ou por particulares, que retirem as condições materiais indispensáveis a uma vida digna do indivíduo.
Em contrapartida, no contexto do Estado Social, referido conceito também desencadeia a necessidade de atuação positiva governamental, representada por conjunto de direitos e concessões a serem efetivamente implementados e concretizados em favor do indivíduo, assegurando-se-lhe a dignidade.
Queiramos ou não, entretanto, o Estado Social, no cumprimento das políticas públicas que assegurem o gozo do mínimo existencial, depende essencialmente de recursos financeiros ou meios jurídicos para satisfazer o objeto dos direitos sociais. Em outras palavras, surge o instituto da Reserva do Possível, de acordo com o qual o Estado somente estaria obrigado a fazer aquilo que se encontrar ao alcance de suas possibilidades financeiras e jurídicas.
De qualquer modo, a Reserva do Possível jamais pode ser utilizada para o fim de, deliberadamente, recusar o Estado ao cidadão o gozo de seus direitos fundamentais sociais. Por esses fundamentos, a realização dos direitos fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário e muito menos pode ser entendida como tema a depender da vontade política.
A vontade política, neste caso, já foi exercida pelo poder constituinte originário, que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como norte a estabelecer a configuração do mínimo existencial a ser respeitado pela Administração Pública. Os direitos fundamentais sociais se apresentam tão intimamente ligados à dignidade humana que jamais podem ser limitados em razão da escassez, principalmente quando esta escassez é fruto de escolhas do administrador que preterem o mínimo existencial.
Adotando, assim, o chamado “pensamento do possível”, os Tribunais Superiores tem exigido que o Poder Público comprove que suas escolhas se permearam pelo respeito ao mínimo existencial dos cidadãos, que não pode ter sido olvidado de modo algum, destacando-se a vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas como valor ético-jurídico supremo, a sobressair em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica como na política e social.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JANNUCCI, Alessander. Direitos sociais e mínimo existencial: a proibição do retrocesso e a reserva do possível Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42527/direitos-sociais-e-minimo-existencial-a-proibicao-do-retrocesso-e-a-reserva-do-possivel. Acesso em: 23 dez 2024.
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