Resumo: O presente trabalho pretende fazer breve análise sobre as características e atribuições do Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, e perquirir se sua criação violou ou não o Princípio da Separação de Poderes, apresentando decisão do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Controle Externo. Princípio da Separação de Poderes.
1. Introdução
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que tratou da Reforma do Poder Judiciário, mediante inclusão do art. 103-B, no texto constitucional.
O CNJ tem sede em Brasília (art. 92, § 1º, da Constituição Federal) e, como dispõe o art. 103-B, da Carta Magna, é composto por quinze membros, dentre os quais nove pertencem à magistratura, dois ao Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos, com mandato de dois anos, admitida uma recondução. O Presidente do Supremo Tribunal Federal e um Ministro do Superior Tribunal de Justiça compõem o Conselho, desempenhando as funções de Presidente e Corregedor, respectivamente.
O CNJ integra a estrutura do Poder Judiciário (como dispõe o art. 92, I - A, da Constituição Federal) e tem funções administrativas, vale dizer, não tem competência jurisdicional. Suas atribuições são, basicamente, supervisionar a atuação administrativa e financeira daquele poder estatal.
2. Desenvolvimento
O art. 103-B, parágrafo quarto, da Constituição Federal, detalhou as atribuições do Conselho Nacional de Justiça. Vejamos:
"(...)
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IV- representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)"
O CNJ é um órgão do Poder Judiciário cujas atribuições estão restritas ao controle da atuação administrativa, financeira e disciplinar dos órgãos do Poder Judiciário a ele sujeitos[1].
Segundo ensina André Ramos Tavares[2], a Constituição Federal previu duas espécies de funções para o Conselho Nacional de Justiça - as funções primárias ou principais e as funções secundárias ou suplementares. Dentre as funções primárias está o controle do cumprimento dos deveres funcionais. Afirma o constitucionalista que "a eficácia da atuação funcional do Judiciário é um pressuposto do Estado Constitucional de Direito, com seus direitos solenemente declarados e reconhecidos. Cumpre ao Judiciário atuar na defesa e efetivação desses direitos"[3]. O CNJ deve visar a aplicação da lei, de súmula ou de decisão com efeito vinculante do Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, o CNJ tem função de fiscalizar, e não de legislar. Por ser um órgão desprovido de competência jurisdicional ou legislativa, o CNJ tem apenas poder regulamentar, como conclui André Ramos Tavares, no sentido de expedir atos regulamentares e assegurar o exato cumprimento da lei.
A separação dos Poderes é um princípio fundamental do Estado, tal como dispõe o art. 2º, da Constituição Federal, verbis: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Tão caro é esse princípio para a democracia brasileira, que o Legislador Constituinte Originário o erigiu à condição de cláusula pétrea, como se denota da redação do art. 60, § 4º, III: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III - a separação dos Poderes".
Analisando as atribuições do CNJ, Paulo Gustavo Gonet Branco observa que "trata-se, como se pode ver, de amplo feixe de atribuições concernentes à supervisão administrativa e financeira das atividades do Judiciário nacional. Competência de grande significado institucional, nesse contexto, é aquela referente à expedição de atos regulamentares. É uma das atribuições que, certamente, tem ensejado maiores contestações e polêmicas. Confira-se, v. g. a Resolução do nepotismo (REs. n. 7, de 18-10-2005, do CNJ) que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências"[4].
Poder-se-ia perquirir acerca da ofensa à separação de Poderes, por exemplo, se o CNJ, na pretensão de cumprir sua função disciplinar da magistratura, emitisse resoluções dispondo sobre matéria reservada a lei, como normas correicionais previstas na Lei do Estatuto da Magistratura, penalidades e ritos do processo administrativo disciplinar. E, nesse caso, não seria o Conselho Nacional de Justiça ou a Emenda Constitucional nº 45/2004 inconstitucional, mas apenas determinado ato emanado por esse órgão.
Criticando a criação do Conselho Nacional de Justiça e sua atribuição constitucional para emitir atos com força de lei, Lenio Streck, Ingo Sarlet e Clemerson Merlin Clève anotam que "no Estado Democrático de Direito, é inconcebível permitir-se a um órgão administrativo expedir atos (resoluções, decretos, portarias, etc.) com força de lei, cujos reflexos possam avançar sobre direitos fundamentais" e que "parece de pronto, inconcebível que o constituinte derivado, ao aprovar a Reforma do Judiciário, tenha transformado os Conselhos em órgãos com poder equiparado aos do legislador. Ou seja, a menção ao poder de expedir 'atos regulamentares' tem o objetivo específico de controle externo, a partir de situações concretas que surjam no exercício das atividades de judicatura e de Ministério Público. Aliás, não se pode esquecer que é exatamente o controle externo que se constituiu na 'ratio essend' da criação de ambos os Conselhos"[5].
Importante frisar que a criação do CNJ pautou-se pelo princípio da moralidade administrativa, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal. Sobre o princípio da moralidade administrativa, professa Celso Antônio Bandeira de Mello que "a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicaria violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé (...)[6]".
A Associação dos Magistrados do Brasil questionou a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 45 no que concerne à criação do CNJ, sustentando a violação do princípio da separação de Poderes, mediante ajuizamento da ADI 3.367, oportunizando que o Supremo Tribunal Federal se manifestasse sobre o tema, que resultou no julgamento, por maioria, pela constitucionalidade do CNJ tal como previsto pela Emenda Constitucional nº 45/2004. O julgamento foi assim ementado:
"Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do STF. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos arts. 102, caput, inc. I, letra r, e 103-B, § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o STF e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. (ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 13.04.2005, DJ de 22.09.2006).
Anota Paulo Gustavo Gonet Branco que o STF rejeitou a tese de afronta ao princípio da separação de Poderes, enfatizando que "tal como concebido, o Conselho Nacional de Justiça configura órgão administrativo interno do Poder Judiciário e não instrumento de controle externo, e que, em sua maioria, os membros que o compõem são integrantes do Poder Judiciário. Assinalou-se, também, que o próprio Congresso Nacional havia aprovado proposta de emenda que impõe aos membros do Conselho as mesmas restrições e impedimentos constitucionais impostos aos juízes, o que estaria a sinalizar a plena integração do órgão na estrutura do Poder Judiciário. Ademais, por expressa disposição constitucional, os atos do Conselho estão submetidos ao controle judicial do Supremo Tribunal Federal"[7].
Para o Supremo Tribunal Federal, a presença de seis integrantes não magistrados na composição do Conselho Nacional de Justiça não viola a separação de poderes: "(...) Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente (...)[8]" Nesse sentido, o Ministro Relator asseverou que "pode ser que tal presença seja capaz de erradicar um dos mais evidentes males dos velhos organismos de controle, em qualquer país do mundo: o corporativismo, essa moléstia institucional que obscurece os procedimentos investigativos, debilita as medidas sancionatórias e desprestigia o Poder".
3. Conclusão
Após o breve estudo acerca do tema, conclui-se que, embora exista importante doutrina em contrário, a criação do Conselho Nacional de Justiça, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, não violou o princípio da separação de Poderes, conforme sedimentou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.367, na medida em que o Conselho Nacional de Justiça configura órgão administrativo interno do Poder Judiciário e não um instrumento de controle externo, e que, em sua maioria, os membros que o compõem são integrantes do próprio Poder Judiciário. O CNJ possui atribuições de controle da atuação administrativa, da atuação financeira e dos deveres funcionais, nos termos e limites já estabelecidos por lei, dos magistrados a ele sujeitos.
4. Referências bibliográficas:
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 13ª. ed, Editora Saraiva, São Paulo, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 19ª ed., 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direitos Constitucional, 4ª. ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2009.
STRECK, Lenio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang e CLÈVE, Clemerson Merlin. Os limites constitucionais das resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Revista de Doutrina - www.revistadoutrina.trf4.gov.br, acesso em 6-10-2006.
TAVARES, André Ramos. O Conselho Nacional de Justiça e os limites de sua função regulamentadora. Disponível em: RBEC. Ano 3, n. 9, jan/mar 2009, Belo Horizonte, Editora Fórum.
[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Editora Saraiva, 13ª ed, 2009, pág. 574.
[2] TAVARES, André Ramos. O Conselho Nacional de Justiça e os limites de sua função regulamentadora. Disponível em: RBEC. Ano 3, n. 9, jan/mar 2009, Belo Horizonte, Editora Fórum, pp. 13-26.
[3] Idem.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 19ª ed., 2005, pág., 1034-5.
[5] STRECK, Lenio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang e CLÈVE, Clemerson Merlin. Os limites constitucionais das resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Revista de Doutrina - www.revistadoutrina.trf4.gov.br, acesso em 6-10-2006.
[6] Idem, pág. 107.
[7] MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, São Paulo, 2009, 4ª ed., pág. 1035.
[8] ADI 3.367, REl. Min. Cezar Peluzo, j. 13.04.2005, DJ de 22.09.2006.
Procuradora Federal desde novembro de 2007. Ex-Advogada da Caixa Econômica Federal. Especialista em Direito Previdenciário e em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal - ESMAFE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Cristiane Castro Carvalho de. A Criação do Conselho Nacional de Justiça violou o Princípio da Separação de Poderes? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42529/a-criacao-do-conselho-nacional-de-justica-violou-o-principio-da-separacao-de-poderes. Acesso em: 23 dez 2024.
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