Resumo: O presente trabalho vem abordar o instituto da prisão civil por dívida de pensão alimentícia, mais precisamente quando essa medida é aplicada em desfavor à pessoa que exerce a profissão de advogado. Procurar-se-á expor os argumentos conforme os entendimentos da jurisprudência, notadamente dos Tribunais Superiores.
Palavras-chave: Direito Civil e Processual Civil – Pensão Alimentícia – Dívida - Advogado - Prisão Civil – Prisão Especial.
1 – PRISÃO POR DÍVIDA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA
Na mente de uma pessoa que não lida corriqueiramente na área jurídica, a prisão sempre é advinda de um ilícito penal. Acontece que, além da seara penal, a prisão pode ocorrer pela prática de ilícitos de outras áreas do direito, a exemplo de prisão civil e prisão disciplinar (militar).
A Constituição Federal prevê que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
No que toca à prisão civil do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal já editou a Súmula Vinculante de nº 25, in verbis:
Súmula Vinculante nº 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.
Na verdade, desde que houve, no Brasil, a adesão ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), não houve base legal para prisão civil do depositário infiel[1].
Assim, a única hipótese de prisão civil prevista, atualmente, em nosso ordenamento jurídico é aquela que resulta pelo inadimplemento de pensão alimentícia, que é forma excepcional de privação de liberdade por dívida.
A execução de prestação alimentícia está disciplinada no Capítulo V do Código de Processo Civil (Art. 732 a 735) e, dentre as previsões ali existentes, há a possibilidade de o juiz decretar a prisão pelo prazo de um a três meses do devedor que não pagar a dívida. Com relação a esse tempo de privação de liberdade, surgiu controvérsia acerca da aplicação da Lei nº 5.478/1968 (60 dias) ou do próprio Código de Processo Civil (1 a 3 meses). A jurisprudência pátria, sobre o tema, se inclinou na aplicação do prazo previsto na Lei nº 5.478/1968 por ser mais benéfica ao alimentante[2], apesar de o Superior Tribunal de Justiça já ter aplicado aquele prazo do Código de Processo Civil[3]. Apenas para demonstrar tal controvérsia, transcreve-se, abaixo, um trecho das lições de Alexandre Freitas Câmara:
“O ordenamento jurídico é um sistema lógico, sem contradições, o que nos leva à necessidade de interpretação pelo método lógico-sistemático de hermeneuta. É de se afastar, desde logo, a interpretação segundo a qual há prazos diferenciados para a prisão do executado por alimentos provisionais e definitivos. Esta distinção esbarra no absurdo de considerar que o prazo de prisão a que está sujeito o devedor de alimentos definitivos é inferior ao prazo a que se sujeita o devedor de alimentos provisionais. O prazo será sempre um só, e deve-se descobrir qual a norma em vigor se a do CPC ou se a da Lei de Alimentos” (DESTAQUEI).”[4]
É interessante mencionar que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “o débito que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo” (Súmula nº 309). Além disso, não há o que se falar em decretação de prisão relativa aos débitos vencidos durante a execução e que já foi alcançada por uma prisão anterior, sob pena de considerar-se prorrogação que poderia levar à uma prisão perpétua, o que é absolutamente vedada em nosso ordenamento jurídico[5]. Porém, é possível a renovação do decreto prisional do devedor que, tendo quitado parte do débito alimentar, volta a não cumprir as prestações subsequentes[6].
Saliente-se que há possibilidade de ser concedido, ex officio, habeas corpus em favor do devedor, caso haja extrapolação do prazo de prisão estabelecido[7].
2 – ADVOGADO PRESO POR DÍVIDA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA
Questão interessante é quando o devedor de prestação alimentícia exerce atividade advocatícia, ou seja, o advogado.
Inicialmente, não é demais lembrar que os advogados possuem estatuto próprio (Lei nº 8.906/1994), prevendo, dentre outros direitos, “não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar” (Art. 7º, inciso V). Sala de Estado Maior é aquela localizada em unidade militar, devendo o preso ficar recolhido em uma sala do tipo escritório, ou seja, com ausência de celas e grades. Por outro lado, deverá conter instalações adequadas (higiene e segurança, principalmente).
Assim, resta analisar se essa prerrogativa inerente aos advogados é aplicada nas prisões por inadimplemento de dívida alimentícia. Na verdade, essa questão possui entendimentos controversos, havendo, na própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, entendimentos conflitantes.
A 3ª Turma, por exemplo, não admite a prerrogativa prevista no art. 7º, inciso V, da Lei nº 8.906/1994, aplicando-a somente nas prisões cautelares penais. Segundo decisão do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, “o pedido de prisão especial não merece deferimento, tendo em vista que a prisão civil por dívida alimentícia já constitui espécie de prisão especial”[8]. Segundo a referida Turma, o preso inadimplente já estaria inserido em local diverso daqueles presos comuns (leia-se: presos pela prática de algum delito penal), não havendo contato direto com estes. Além do mais, diferentemente da sanção penal, a prisão civil por inadimplemento de pensão alimentícia constitui uma medida coercitiva, importa com o fim de coagir o devedor inadimplente a efetuar o pagamento em favor do alimentando. Para ilustrar, segue a ementa do julgado:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. LEGALIDADE DA ORDEM DE PRISÃO. ADEQUAÇÃO À LINHA DE ENTENDIMENTO TRAÇADA NO ENUNCIADO SUMULAR N. 309/STJ. PRETENSÃO DE TRANSFERÊNCIA PARA SALA DE ESTADO MAIOR OU CASA DO ALBERGADO OU DE CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILIAR. INADMISSIBILIDADE.
1. Admissibilidade da prisão civil do alimentante por dívida atual, correspondente às três últimas prestações anteriores ao ajuizamento da execução, acrescidas das que se vencerem no curso do processo.
2. Aplicação do enunciado sumular n. 309/STJ.
3. O pedido de prisão especial não merece deferimento, tendo em vista que a prisão civil por dívida alimentícia já constitui espécie de prisão especial. Precedente específico.
4. Precedentes específicos da Corte.
5. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIMENTO.”[9]
Por outro lado, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, admitiu a aplicação da regra do art. 7º, inciso V, da Lei nº 8.906/1994, em favor do advogado. Na verdade, se o legislador não restringiu as hipóteses de cabimento da prerrogativa, não cabe ao intérprete restringi-la. Segundo o Tribunal Superior, se é permitido ao advogado utilizar a benesse do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil em casos de malferimento de bens tutelados pelo Direito Penal, a mesma lógica deveria ser aplicada nos ilícitos de natureza civil. É dizer, quem pode o mais, pode o menos.[10] Assim, caso não haja, na localidade, sala de Estado Maior, a prisão domiciliar é medida que se impõe, ex vi da parte final do Art. 7º, inciso V, da Lei nº 8.906/1994.
Essa segunda posição parece ser a mais correta. Isso porque uma faz finalidades da norma é preservar a integridade física e moral dos advogados, o que não significa que a violação desses direitos seja praticada por pessoas que praticaram ilícitos penais. É sabido que os estabelecimentos prisionais detêm celas totalmente inadequadas para qualquer ser humano, devendo o profissional do direito ser inserido em um local digno de sua atividade, pois, querendo ou não, um terceiro que já tenha sido parte de um processo em que o advogado encarcerado foi representante da outra parte poderá estar, também, naquele cárcere. Na verdade, toda pessoa condenada por algum ilícito (penal ou civil) merece cumprir a pena em um local digno, com instalações que garantam, no mínimo, a preservação da sua saúde e segurança, pois um dos direitos essenciais ao ser humano já estaria privado, qual seja: o direito de liberdade. É por isso que qualquer tratamento desigual em face da profissão ou função exercida por alguém seria, em tese, inconstitucional, mas, como bem lembrou Luiz Flávio Gomes, “as prisões brasileiras são tão dramaticamente inconstitucionais (porque desumanas, cruéis e degradantes) que toda regra que as evita passa a ser boa (e bem-vinda)”.[11]
Todavia, não se pode esquecer que a atividade advocatícia, por fazer parte de uma função essencial à justiça, acaba satisfazendo o interesse de uma das partes e, ao revés, prejudicando o interesse de outra. Assim, é natural que haja, no cotidiano desses profissionais, pessoas descontentes com a atuação dele, mesmo fazendo valer a justiça no caso concreto.
Nesse contexto, seguindo as palavras do próprio Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.127/DF, é dever do Estado de manter a integridade física e moral do preso, ainda que condenado em definitivo. Segue, abaixo, um trecho sobremodo ilustrativo:
“Os abusos do dia-a-dia da atividade policial, as precárias situações de delegacias, penitenciárias e demais dependências públicas, direcionam ao crivo da OAB, cabendo perceber que a cláusula, assim reconhecida pela OAB, está ligada a instalações e comodidades que a norma quer condignas e que são inerentes a uma sala realmente passível de ser enquadrada como Estado Maior.”[12]
Ora bem, se o Poder Público não possui condições de garantir instalações mínimas necessárias para a defesa da saúde e da segurança dos apenados, não seria razoável proibir qualquer forma de afastar um ser humano desses ambientes.
3 - CONCLUSÃO
Face o exposto, pode-se concluir que a prisão civil por inadimplemento de dívida alimentícia é medida excepcional, devendo o magistrado, antes de aplicar tal medida, se utilizar de outros meios coercitivos para o devedor cumprir a sua obrigação. Além disso, é perfeitamente possível haver, através de legislação infraconstitucional, prerrogativas em favor de certos profissionais que possam sofrer violação de direitos dentro dos cárceres em razão do múnus que exercem, a exemplo dos próprios advogados.
BIBLIOGRAFIA:
- BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, disponível em: www.stj.jus.br, acesso em: 13/12/2014.
- BRASIL, Supremo Tribunal Federal, disponível em: www.stf.jus.br, acesso em: 13/12/2014.
- BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
- BRASIL, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil.
- BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil.
- BRASIL, Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, que dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências.
- BRASIL, Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
- CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. 17ª ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009.
- RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, disponível em: www.tjrs.jus.br, acesso em: 13/12/2014.
[1] RE 466.343, Voto do Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 3.12.2008, DJe de 5.6.2009.
[2] Segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é ilegal a prisão civil por dívida alimentar por prazo superior a sessenta dias. Ordem concedida. (Habeas Corpus Nº 70053195293, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 27/02/2013).
[3] RHC 16.005/SC, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2004, DJ 30/08/2004, p. 279.
[4] CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. 17ª ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 319.
[5] REsp 658.823/MS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 06/08/2007, p. 485.
[6] HC 213.646/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 03/10/2011.
[7] RHC 16.019/MG, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2004, DJ 21/06/2004, p. 213
[8] RHC 41.472/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 20/11/2013.
[9] RHC 41.472/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 20/11/2013.
[10] Os dados do processo não foram divulgados em razão do segredo de justiça.
[11] Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2003085/prisao-cautelar-de-advogado-sala-de-estado-maior-ou-prisao-domiciliar, acesso em: 13/12/2014.
[12] ADI 1127, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2006, DJe-105 DIVULG 10-06-2010 PUBLIC 11-06-2010 EMENT VOL-02405-01 PP-00040 RTJ VOL-00215- PP-00528.
Procurador Federal, ora de 1ª Categoria, cuja data de posse ocorrera em 03/03/2008, Matrícula Siape n. 1611995, Chefe da Seção da Matéria de Benefícios e Chefe-Substituto da Procuradoria Federal Especializada do INSS em Campina Grande/PB (PFE/INSS/CGE) no período entre 08/2012 a 12/2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Carlos Eduardo de Carvalho. Delineamentos acerca da situação do advogado preso por dívida de pensão alimentícia e o direito à prisão especial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42568/delineamentos-acerca-da-situacao-do-advogado-preso-por-divida-de-pensao-alimenticia-e-o-direito-a-prisao-especial. Acesso em: 23 dez 2024.
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