RESUMO: Uma execução inefetiva é o mesmo que deixar um direito violado irreparado, servindo, por conseqüência, como uma espécie de autorização à violação de direitos. E apesar de lógica, essa conclusão é de suma importância à discussão: a inefetividade da execução, e conseqüentemente do processo, leva a uma autorização estatal à violação de direitos, moldando, por conseguinte, o comportamento dos cidadãos de uma nação e a própria ética de um povo. Daí a suma importância da temática aqui estudada. A efetividade da execução é condição essencial para o funcionamento do ordenamento jurídico e do próprio Estado Democrático de Direito.
Palavras-chaves: Processo Civil. Execução Civil. Efetividade da execução. Princípio do Estado Democrático de Direito. Princípios da execução. Impenhorabilidade de bens.
SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – Princípios e regras protetivas ao devedor na execução civil; 2.1 – A impenhorabilidade de bens; 3 – Conclusão; 4 - Referências bibliográficas.
1 - INTRODUÇÃO
O processo civil – e não apenas esse ramo - vive hoje uma crise de efetividade na entrega da prestação jurisdicional. Não se trata de fenômeno recente, nem foram poupados esforços legislativos nas últimas décadas para enfrentar o problema. No entanto, não se obteve êxito considerável na efetiva entrega do bem da vida pleiteado ao autor em prazo razoável.
Frisa-se que a problemática aqui enfrentada não diz respeito à questão da morosidade do judiciário ou da tutela intempestiva ou tardia. Trata-se de um problema ainda mais grave: a ausência completa de efetividade do processo civil, na medida em que a fase executiva acaba por não entregar o bem da vida reclamado pelo autor. De fato, em inúmeros casos a única vantagem obtida pelo autor ao ingressar com a ação judicial é uma sentença condenatória contra o réu, que acaba por se esgotar em si mesma. Com efeito, inúmeros são os casos em que a execução esbarra em princípios ou regras protetivas ao devedor, acabando por privar ao credor qualquer efetividade de seu direito.
Frise-se que – e aqui corremos o risco de atestar o óbvio – uma execução inefetiva é o mesmo que deixar um direito violado irreparado, servindo, por conseqüência, como uma espécie de autorização à violação de direitos. E apesar de lógica, essa conclusão é de suma importância à discussão: a inefetividade da execução, e conseqüentemente do processo, leva a uma autorização estatal à violação de direitos, moldando, por conseguinte, o comportamento dos cidadãos de uma nação e a própria ética de um povo.
Daí a suma importância da temática aqui estudada. A efetividade da execução é condição essencial para o funcionamento do ordenamento jurídico e do próprio Estado Democrático de Direito.
Cumpre aqui citar o jargão norte americano “there is no such thing as a free lunch”, ou, em tradução livre, “não existe almoço gratuito”. Nada é de graça. Ou seja, ao se atribuir um direito ao devedor, necessariamente se estará suprimindo um direito do credor, o de ver o seu direito reparado.
2 – PRINCÍPIOS E REGRAS PROTETIVAS AO DEVEDOR NA EXECUÇÃO CIVIL
Diversos são os princípios e regras existentes na execução civil a proteger o devedor. É preciso sempre enxergar estas normas não apenas como regras de proteção do devedor, mas também como regras supressivas de direitos do credor. É inegável que o processo civil sofre de grave crise de efetividade sendo imprescindível, portanto, que se coloquem sob críticas as normas protetivas do réu no processo executivo.
Como princípios protetivos podem ser citados o princípio da patrimonialidade, do contraditório, da menor onerosidade e da proporcionalidade.
O princípio da patrimonialidade ou responsabilidade, previsto no artigo 591 do Código de Processo Civil, autoriza que a execução recaia apenas no patrimônio do executado e não em sua pessoa, vejamos:
De acordo com o princípio da responsabilidade (“toda execução é real”), somente o patrimônio do devedor (CPC, art. 591), ou de terceiro responsável, pode ser objeto da atividade executiva do Estado.
Nem sempre foi assim, contudo.
Houve época, como no primitivo Direito romano, em que se permitia que a execução incidisse sobre a própria pessoa do executado, que poderia, por exemplo, virar escravo do credor como forma de pagamento da dívida.[1]
Importante frisar que esse princípio não possui aplicação absoluta no ordenamento jurídico brasileiro, restando autorizada, na Constituição da República, a prisão civil na hipótese de inadimplemento inescusável de pagamento de pensão alimentícia. A prisão civil do depositário infiel foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão em que a análise de seu teor foge aos propósitos do presente trabalho.
No entanto, e ainda que concordemos com a justiça da decisão pela inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel, inegável que o credor teve uma diminuição de seu direito à tutela executiva efetiva, bem como os instrumentos da penhora e da alienação fiduciária restaram fragilizados.
O princípio do contraditório na fase executiva, em que pese sua suma importância, deve sofrer limitações sob pena de se protelar demasiadamente essa fase processual. De fato, não se pode permitir a discussão eterna de questões já acobertadas pela coisa julgada material na fase de conhecimento (execução de título judicial). O zelo excessivo pelo contraditório, por parte do juiz, em favor do devedor acabará por prejudicar o credor, devendo sempre o magistrado atentar para o equilíbrio e razoabilidade de sua aplicação.
Nenhum princípio da execução interessa tanto ao tema aqui estudado quanto o princípio da menor onerosidade da execução. Trata-se de princípio que, se aplicado em detrimento do princípio da efetividade da tutela executiva, acaba por esvaziar o próprio propósito da execução. Esse princípio está expresso no art. 620 do CPC:
Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
A interpretação do dispositivo citado deve ser realizada de forma parcimoniosa e limitada pelo princípio da efetividade da tutela executiva. Sobre o tema, Daniel Assunção Neves tece suas considerações:
E evidente que tal principio deve ser interpretado a luz do principio da efetividade da tutela executiva, sem a qual o processo nao passa de enganacao. O exequente tem direito a satisfacao de seu direito, e no caminho para a sua obtencao, naturalmente criara gravames ao executado. O que se pretende evitar e o exagero desnecessario de tais gravames. Esse e um dos motivos para nao permitir que um bem do devedor seja alienado em hasta publica por preco vil (art. 692 do CPC).[2]
Dessa forma, a aplicação desse princípio deve levar em conta primeiro a certeza de que não irá colocar o credor em situação de desvantagem. Apenas quando não gere nenhum prejuízo ao credor e uma situação muito favorável ao devedor é que haverá espaço para aplicação do princípio.
Quanto ao princípio da proporcionalidade, novamente não pode esse servir para justificar uma ausência de efetividade da execução. O processo civil, ainda que não na dimensão do processo penal, possui também uma função pedagógica, não nos parecendo correta a decisão de certos juízes que considerando o valor da execução irrisório extinguem certas execuções com fundamento na proporcionalidade.
2.1 – A IMPENHORABILIDADE DE BENS
A regra da impenhorabilidade de bens, descrita no art. 649 do Código de Processo civil e na legislação esparsa, constitui-se no maior óbice à efetividade do processo de execução. Não se está aqui defendendo o fim da impenhorabilidade, mas uma revisão de suas regras ou uma adequação de suas imposições ao caso concreto.
A impenhorabilidade de bens visa resguardar a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais sociais, a exemplo da moradia, alimentação, lazer, etc. No entanto, o credor, ao ter seu crédito inadimplido também pode se ver privado desses direitos. Cite-se o exemplo de um devedor com imóvel próprio (impenhorável) e um credor que vive de aluguel em situação de desemprego involuntário. Ou seja, deve haver uma ponderação de direitos fundamentais no caso concreto, o que a lei não faz e a jurisprudência não vêm fazendo.
Sobre o tema, novamente a lição de Daniel Neves:
Atualmente, diante do manifesto fracasso do processo de execução por quantia certa, parcela da doutrina se pergunta se o legislador pátrio não teria exagerado na proteção do devedor, em evidente e injusto detrimento do credor. Apesar da inegável importância da manutenção de um mínimo suficiente para a manutenção da dignidade humana, o que parece ter ocorrido e um exagero na amplitude da impenhorabilidade de bens. E triste, portanto, a postura da Presidência da Republica ao vetar duas modificações que seriam introduzidas no sistema pela Lei 11.382/2006, e que tomariam as coisas mais equilibradas, quais sejam a penhora de bens de família com valor superior a um teto estabelecido em lei e a penhora de uma parte do salário.[3]
Direitos fundamentais protegidos pela impenhorabilidade podem ser violados por esse mesmo instrumento. O direito à moradia do credor pode estar sendo violado na medida em que não consegue cobrar seu crédito. Ou seja, preserva-se o direito à moradia do devedor em detrimento do mesmo direito do credor. Assim como o princípio da dignidade da pessoa humana. Imagine-se a hipótese de um devedor que recebe um alto salário (impenhorável) estar sendo executado por um trabalhador que perceba o salário mínimo.
Dessa forma, a impenhorabilidade de bens, já alvo de muitas críticas pela doutrina, constitui-se em grande óbice à efetividade da execução e nem sempre atendendo à sua função de preservação da dignidade humana ou em sacrifício à dignidade do credor.
3 - CONCLUSÂO
O Estado Democrático de Direito é o Estado da Lei, da garantia dos direitos fundamentais e do respeito à Constituição da República. A falta de efetividade do processo civil – objeto do desse estudo – leva à sua ruína. Não se trata de um problema limitado à esfera jurídica, mas de uma construção de um modelo de Estado com graves repercussões no senso ético e na economia de uma nação.
A falta de efetividade na execução, muitas vezes alimentada por regras protetivas ao devedor, causa prejuízos não apenas ao credor, mas a todos. Terceiros que nunca litigaram são atingidos por esse sistema, na medida em que perdem oportunidades de negócios ou pagam altas taxas de juros em razão da insegurança gerada às relações comerciais por um sistema jurídico inoperante.
É nesse cenário que devem ser ponderados os direitos fundamentais do devedor e do credor em conflito no caso concreto. Mas não é apenas a situação financeira das partes que deve ser levada em consideração, mas deve ser sempre ponderado que houve um inadimplemento por parte do devedor e que inadimplementos sem sanção levam a um colapso na segurança das relações de direito privado, com graves conseqüências ao desenvolvimento econômico de um país. O custo disso é repartido por todos, na medida em que bancos elevam a taxa de juros por risco de inadimplência e de ausência de efetividade nas suas execuções, pessoas deixam de realizar transações comerciais, e etc, penalizando aquele que busca cumprir todas suas obrigações contraídas. Não se ignora que existem hipóteses extraordinárias de desamparo que levam um sujeito a inadimplir suas obrigações e que essas hipóteses devem ser tuteladas pela legislação para garantir dignidade àqueles que caem em ruína. Mas todas as hipóteses protetivas ao devedor devem ser ponderadas como um mal necessário, como causadoras de um prejuízo ao credor e à sociedade , numa análise macroeconômica, e como potencialmente lesivas ao Estado Democrático de Direito. Por isso devem ser reduzidas a um mínimo necessário e ponderadas na situação concreta posta em juízo.
4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Método, 2009.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito processual civil. v. 5. Salvador: Juspodivm, 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Execução. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009.
NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 9ª Ed. 2006;
NEVES, Daniel Amorim Assumpcao. Manual de direito processual civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; Sao Paulo: METODO, 2013.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 10ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de Processo Civil. Vol. 1,2 e 3. Ed. RT. São Paulo, 2001.
[1] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito processual civil. v. 5. Salvador: Juspodivm, 2011. Pg 51
[2] NEVES, Daniel Amorim Assumpcao. Manual de direito processual civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; Sao Paulo: METODO, 2013. Pg. 825.
[3] NEVES, Daniel Amorim Assumpcao. Manual de direito processual civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; Sao Paulo: METODO, 2013. Pg. 865.
Procurador da Fazenda Nacional. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto AVM. Ex-Auditor Interno do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIMENTA, Andre Afeche. A efetividade da execução civil como fundamento do estado democrático de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42663/a-efetividade-da-execucao-civil-como-fundamento-do-estado-democratico-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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