Resumo: O objetivo do presente artigo é discutir a judicialização do direito à saúde, discorrendo acerca da tensão entre o mínimo existencial e a reserva do possível, na busca constante pela preservação da dignidade da pessoa humana. Abordaremos a necessidade de adoção critérios racionais para a atuação do Poder Judiciário, tendo em vista a escassez de recursos públicos e a existência de políticas públicas que concretizam o direito constitucional à saúde.
Palavras-chave: Direito Fundamental. Saúde. Constituição. Judicialização. Finanças Públicas.
INTRODUÇÃO
A Justiça tornou-se uma das principais vias de acesso a medicamentos, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares. Nos últimos anos, houve um considerável aumento no número de processos judiciais contra a União, Estados e Município nos quais se requer a disponibilização de drogas de alto custo e tratamento médico, inclusive no exterior.
Como consequência dessas ações, temos o aumento de gastos pelos governos para cumprir as decisões, o que afeta diretamente o usuário do Sistema, já que cada destinação não prevista em orçamento – decorrente de decisão judicial- significa menos recursos para a implementação de políticas globais de prevenção e tratamento.
Com o escopo de analisar as consequências dessas demandas, no primeiro capítulo abordaremos o Direito à Saúde na Constituição de 1988; no segundo capítulo discorreremos acerca da judicialização do direito de saúde; e, por fim, apresentaremos as nossas conclusões acerca do tema.
1. O DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988.
A Constituição de 1988 foi a primeira Carta Brasileira a universalizar os serviços públicos de saúde. O direito fundamental à saúde não mais estaria restrito aos trabalhadores que contribuíam para os institutos de previdência, como acontecia anteriormente.
O direito à saúde está consagrado no art. 196 da Constituição Federal, o qual estabelece que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”, além de instituir o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Em relação a efetividade do direito à saúde, Gilmar Ferreira Mendes (2012, p. 696) afirma:
“É possível identificar na redação do artigo constitucional tanto um direito individual quanto um direito coletivo de proteção à saúde. Dizer que norma do art. 196, por tratar de um direito social, consubstancia-se tão somente em norma programática, incapaz de produzir efeitos, apenas indicando diretrizes a serem observadas, significaria negar a força normativa da Constituição.”
Assim, não há dúvidas de que a saúde é um direito público subjetivo (capaz de ser exigido) e que o Estado tem o dever fundamental de garantir e efetivar por meio de políticas públicas, sociais e econômicas, esse direito.
1.1. A repartição de competências e a Lei do SUS
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 198, inciso I, determina que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo-se em um sistema único, cuja direção dá-se em cada esfera de governo.
Com o intuito de organizar o Sistema único de Saúde foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual estabelece os princípios pelos quais atuação do SUS deve se orientar, assim como define a competência dos entes federativos, com destaque, aqui, para os arts. 17 a 19, in verbis:
Art. 17. À direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) compete:
(...)
III - prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde;
(...)
Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:
I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;
(...)
Art. 19. Ao Distrito Federal competem as atribuições reservadas aos Estados e aos Municípios – (grifou-se)
A partir do exame dos dispositivos supra, resta evidente que a responsabilidade da prestação dos serviços atinentes à saúde pública nas diversas esferas da atuação estatal executadas pelo sistema único de saúde (SUS) realiza-se de forma regionalizada e hierarquizada.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, firmou entendimento no sentido de que a obrigação dos entes da federação no que tange ao dever fundamental de prestação de saúde é solidária.
Neste sentido, alguns precedentes da Suprema Corte:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MUNICÍPIO. CIRURGIA. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O recurso extraordinário, ao alegar que o acórdão recorrido ofende o preceito do art. 198, versa questão constitucional não ventilada na decisão recorrida e que não foi objeto de embargos de declaração, faltando-lhe, pois, o indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356). O acórdão impugnado, ao garantir o acesso da agravada, pessoa de insuficientes recursos financeiros, a tratamento médico condigno ao quadro clínico apresentado, resguardando-lhe o direito à saúde, decidiu em consonância com a jurisprudência desta Corte sobre o tema. Precedentes. Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do estado e do município providenciá-lo. Precedentes. Agravo regimental desprovido” (AI 550.530-AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 16.8.2012, grifos nossos).
“DIREITO CONSTITUCIONAL. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 13.8.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da responsabilidade solidária dos entes federativos quanto ao fornecimento de medicamentos pelo Estado, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um deles – União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Agravo regimental conhecido e não provido” (ARE 738.729-AgR/RS, Relatora a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 15.8.2013).
2. A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
Sendo a saúde um direito público subjetivo, decerto que pode o titular deste direito ingressar em juízo a fim de obrigar o ente público a satisfazer alguma ou algumas das pretensões a ele correspondentes.
Tal fenômeno tornou-se comum nos últimos anos, sendo a via judicial um caminho, quase natural, para resolver problemas de acesso a medicamentos e vagas para internação nos hospitais públicos e privados.
Diante de demandas como esta, cabe ao Magistrado fazer uma ponderação entre os princípios constitucionais que entraram em rota de colisão, procedendo a concessões recíprocas entre normas ou fazendo escolhas fundamentadas. (Barroso, 2008)
Entretanto, na busca de satisfazer de forma imediata o direito fundamental à saúde, os magistrados, muitas vezes, acabam proferindo decisões que comprometem o orçamento público e, consequentemente, a concretização dos direitos fundamentais dos demais indivíduos.
Com efeito, a suposta obrigação do Estado de fornecer à plena assistência médica a determinado indivíduo pode levar a insuficiência de recursos para tratamento dos outros. Por isto, deve o Magistrado apreciar com cautela as demandas que envolvem essa obrigação, mormente quando se trata de fornecimento de medicamentos de alto custo e tratamento no exterior.
Para Luis Roberto Barroso:
“(...) a atividade judicial deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. Em suma: onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção.”
Nessa toada, a concessão de medicamentos e tratamentos médicos, por meio de liminares e processos judiciais, desestabiliza a harmonia do sistema federativo, com a ingerência do Poder Judiciário sobre a esfera precípua do Poder Executivo.
Não se pretende aqui defender que a inexistência de previsão orçamentária constitui óbice insuperável para o Judiciário na efetivação dos direitos fundamentais, dentre eles o direito à saúde, mas apenas demonstrar que a ausência de previsão orçamentária é um elemento que deve ser levado em consideração no momento do julgamento, haja vista que a concessão de medicamentos e tratamentos fora dos critérios estabelecidos pelo administrador poderá acarretar efeitos nefastos para os demais beneficiários.
Para Luis Roberto Barroso:
“Se os órgãos governamentais específicos já estabeleceram determinadas políticas públicas e delimitaram, com base em estudos técnicos, as substâncias próprias para fornecimento gratuito, não seria razoável a ingerência recorrente do Judiciário.”
Registre-se, ainda, que muitas vezes as pessoas beneficiadas com as decisões judiciais são as que possuem melhores condições econômicas, o que cria injustiças ainda maiores entre os beneficiários do Sistema Único de Saúde.
CONCLUSÕES
Ante o exposto, conclui-se que essa atitude “ativista” assumida pelo Judiciário esbarra na finitude de recursos públicos, que não pode ser desconsiderada. Decerto, não é admissível que a eficácia dos direitos sociais seja de forma absoluta condicionada pelos imperativos orçamentários. Entretanto, advogamos, com base no princípio da isonomia, a necessidade de adoção de critérios racionais por parte do julgador quando da análise de processos que envolvam a concessão de medicamentos e tratamentos médicos, a fim de evitar decisões que comprometam o orçamento público e, consequentemente, a concretização dos direitos fundamentais dos outros indivíduos.
REFERÊNCIAS
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 18/12/2014
http://www.conjur.com.br/dl/estudobarroso.pdf. Acesso em 18/12/2014.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora Juspodivm. 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª edição. 2012.
SARMENTO, Daniel. Por um Constitucionalismo Inclusivo. Ed. Lumen Juris, 2010.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Sharlene Souza da. A judicialização do direito à saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42693/a-judicializacao-do-direito-a-saude. Acesso em: 12 out 2024.
Por: LIGIA PENHA STEMPNIEWSKI
Por: Wellington Santos de Almeida
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: Odelino Oliveira Fonseca
Precisa estar logado para fazer comentários.