1. INTRODUÇÃO
O Mandado de Segurança é um remédio constitucional, previsto no art. 5º, inciso LXIX da Constituição Federal e tem por objetivo a tutela de direito líquido e certo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública ou no exercício de função pública.
A Carta Magna estabelece que "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas corpus" ou "habeas data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público" (art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal).
De acordo com a doutrinadora Maria Sylvia Zanella de Pietro, o "mandado de segurança é a ação civil de rito sumaríssimo pela qual qualquer pessoa pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer lesão ou ameaça lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpos nem habeas data, em decorrência de ato de autoridade, praticado cm ilegalidade ou abuso de poder".
A legitimidade passiva no mandado de segurança pertence não só aos agentes públicos, ou seja, aqueles servidores pertencentes aos quadros da Administração Pública, como aos particulares no exercício de função pública, por delegação. Será legitimado passivo aquele que tem competência para desfazer ato ilegal ou abusivo de poder.
Ocorre que, na prática os particulares não conhecem a estrutura da Administração Pública, o que leva muitas vezes à propositura do mandado de segurança em face de autoridade que não cometeu o ato abusivo, mas pertencente à mesma rede hierárquica do coator.
Diante da flagrante violação sofrida pelo particular e do curto prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança discute-se se o indeferimento imediato da inicial do remédio constitucional seria razoável.
Daí surge a necessidade de aplicação da teoria da encampação no âmbito do Mandado de Segurança, de maneira a solucionar o impasse e compatibilizar os interesses tutelados na ação mandamental com as regras processuais.
2. DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA ENCAMPAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA
A aceitação da alegação de ilegitimidade passiva para figurar no polo passivo do mandado de segurança poderá implicar na prática em maior prejuízo para a parte que teve seu direito violado e que não conhece a fundo a organização da hierarquia de cargos da Administração Pública.
A aplicação da teoria da encampação quando o autor indicar no mandado de segurança ua autoridade coatora diferente da que efetivamente praticou o ato, mas que estão ligadas por uma relação de hierarquia se adequa melhor à tutela do direito líquido e certo do cidadão.
A Teoria da Encampação é aplicada tradicionalmente no campo dos contratos administrativos, consistente no ato de uma autoridade que retoma um serviço público quando o contrato não está mais servindo a um interesse público. A Teoria da Encampação é fundamentada pelo princípio da economia, o qual preconiza o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.
Em sede de mandado de segurança, a teoria da encampação assume outro sentido, mas que também privilegia o princípio da economia.
Se, por exemplo, a parte impetra o mandado de segurança contra o superior hierárquico da autoridade coatora e esta alega a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação, mas ao mesmo tempo apresenta a defesa do ato impugnado, diz-se que ela encampa o ato impugnado e passa a possuir legitimidade para figurar no processo de Mandado de Segurança.
No Superior Tribunal de Justiça é pacífica a aplicação da Teoria da Encampação no Mandado de Segurança, com certas condições:
AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APLICAÇÃO. (...) 2. A despeito da indicação errônea da autoridade apontada como coatora, se esta, sendo hierarquicamente superior, não se limitar a alegar sua ilegitimidade, ao prestar informações, mas também defender o mérito do ato impugnado, encampa referido ato, tornando-se legitimada para figurar no pólo passivo da ação mandamental. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 697.931/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28.02.2008, DJ 07.04.2008 p. 1)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CEBAS. CANCELAMENTO DE ISENÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. São três os requisitos para aplicação da teoria da encampação no mandado de segurança: existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Precedente da Primeira Seção: MS 10.484/DF, Rel. Min. José Delgado. (...) (MS 12.779/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13.02.2008, DJ 03.03.2008 p. 1)
EMENTA: “AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL INOMINADA” – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (LEI Nº 6.024/74) – PRETENDIDA RETIFICAÇÃO DO QUADRO GERAL DE CREDORES – ILEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” DO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL PARA FIGURAR COMO AUTORIDADE COATORA NO ÂMBITO DA CAUSA PRINCIPAL – CONSEQUENTE INCOGNOSCIBILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PERANTE O E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – LITÍGIO MANDAMENTAL CUJO MÉRITO SEQUER FOI APRECIADO PELO STJ – INADMISSIBILIDADE DA INVOCAÇÃODA TEORIA DA ENCAMPAÇÃO QUANDO DELA RESULTAR A INDEVIDA MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA, ORIGINÁRIA OU RECURSAL, DISCIPLINADA NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – REQUISITOS QUE CONDICIONAM A APLICAÇÃO DA TEORIA DA ENCAMPAÇÃO – PRECEDENTES – INAPLICABILIDADE, DE OUTRO LADO, AO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA, DO ART. 515, § 3º, DO CPC, QUE CONSAGRA A TEORIA DA CAUSA MADURA – PRECEDENTES (STF) – INADMISSIBILIDADE, AINDA, EM SEDE MERAMENTE CAUTELAR, DA OBTENÇÃO DE PROVIMENTO JURISDICIONAL MAIS ABRANGENTE DO QUE AQUELE QUE SE CONTÉM NOS ESTRITOS LIMITES MATERIAIS DACAUSA PRINCIPAL – CARÁTER ANCILAR DO PROCESSO CAUTELAR – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos embargos de declaração como recurso de agravo, a que negou provimento, nos termos do voto do Relator. 2ª Turma, 08.04.2014. (AC 3545 MC-ED / DF - EMB.DECL. NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO CAUTELAR, Relator Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, Julgamento em 08/04/2014, DJe-077 DIVULG 23-04-2014 PUBLIC 24-04-2014)
(RMS 28194 AgR-ED / SP - EMB.DECL. NO AG.REG. NO RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA, Relator Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, Julgamento em 08/04/2014, DJe-077 DIVULG 23-04-2014, PUBLIC 24-04-2014)
E M E N T A: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO – PRETENDIDO REEXAME DA CAUSA – CARÁTER INFRINGENTE – INADMISSIBILIDADE – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (LEI Nº 6.024/74) – PRETENDIDA RETIFICAÇÃO DO QUADRO GERAL DECREDORES – ILEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” DO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL PARA FIGURAR COMO AUTORIDADE COATORA – CONSEQUENTE INCOGNOSCIBILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PERANTE O E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – LITÍGIO MANDAMENTAL CUJO MÉRITO SEQUER FOI APRECIADO PELO STJ – INADMISSIBILIDADE DA INVOCAÇÃO DA TEORIA DA ENCAMPAÇÃOQUANDO DELA RESULTAR A INDEVIDA MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA, ORIGINÁRIA OU RECURSAL, DISCIPLINADA NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – REQUISITOS QUE CONDICIONAM A APLICAÇÃO DA TEORIA DA ENCAMPAÇÃO – PRECEDENTES – INAPLICABILIDADE, DE OUTRO LADO, AO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA, DO ART. 515, § 3º, DO CPC, QUE CONSAGRA A TEORIA DA CAUSA MADURA – PRECEDENTES (STF) – INOVAÇÃO DOS LIMITES MATERIAIS DO PEDIDO – IMPUGNAÇÃO RECURSAL QUE NÃO GUARDA PERTINÊNCIA COM OS FUNDAMENTOS EM QUE SE ASSENTOU O ATO DECISÓRIO QUESTIONADO – OCORRÊNCIA DE DIVÓRCIO IDEOLÓGICO – PRECEDENTES – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
Decisão
A Turma, por votação unânime, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. 2ª Turma, 08.04.2014.
O Superior Tribunal de Justiça admite a aplicação da Teoria da encampação desde que existam as seguintes hipóteses:
-existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado;
-ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal;
- manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas.
Diante da flagrante violação sofrida pelo particular e do curto prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança entende-se que não é razoável o indeferimento imediato da inicial do remédio constitucional.
3. CONCLUSÃO
A Teoria da Encampação coaduna-se com os princípios da economia e celeridade processual. Se a Autoridade impetrada adentrou no mérito, não é razoável privilegiar o formalismo exagerado, extinguindo-se o processo, em detrimento de um direito líquido e certo do autor, que sofreu com uma ilegalidade ou abuso de poder.
A aplicação da teoria deve ser vedada, no entanto, quando implicar na modificação da competência originária ou recursal prevista na Constituição Federal, quando, por exemplo, a ação é movida contra o superior hierárquico, que não praticou o ato e possui foro privilegiado. Neste caso, aceitar a legitimidade passiva do superior implicaria em tolher a apreciação da ação pelo órgão judicial de primeira instância, competente para apreciar a causa originariamente, de acordo com a previsão da Constituição Federal.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6. ed. Dialética: São
Paulo, 2008).
DIDIER JR. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 5ed. Salvador: Juspodivm, 2010, v. 2.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo, , 22 ed, editora Atlas, 2009
A teoria da encampação" no mandado de segurança em matéria tributária Daniel Cavalcante Silva, www.jusnavigandi.com.br
Jurisprudência, site: www.stj.jus.br
PROCURADORA FEDERAL DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, ATUANTE NO NÚCLEO DE MATÉRIA FINALÍSTICA DA PROCURADORIA-FEDERAL DA 1ª REGIÃO, EM BRASÍLIA-DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTO, Geruza Ribeiro do Espirito. A aplicação da "teoria da encampação" relativamente à autoridade coatora no mandado de segurança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42700/a-aplicacao-da-quot-teoria-da-encampacao-quot-relativamente-a-autoridade-coatora-no-mandado-de-seguranca. Acesso em: 23 dez 2024.
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