A Constituição Federal no art. 5º, V e X assegura o direito à reparação moral no caso de lesão à imagem.
Art. 5ºTodos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A imagem da pessoa pode ser classificada em imagem-retrato, que se trata da fisionomia de alguém, e a imagem-atributo que se trata da soma de qualificação do ser humano.
O art. 5º, IX e o art. 220, § 1º, da CF, asseguram a liberdade de imprensa, sem prévia censura, como consectário da liberdade de pensamento e de expressão (art. 5º, IV, CF).
O art. 20, caput, do Código Civil de 2002, tutela o direito à imagem e os direitos a ele conexos, in verbis:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Da leitura do dispositivo observa-se que para a utilização da imagem de outrem é necessária autorização, sob pena de responsabilidade civil. A autorização será dispensada se a pessoa do biografado interessar àmanutenção da ordem pública ou à administração da justiça, nos termos da lei. O enquadramento da pessoa nessas categorias depende de apreciação pelo magistrado, caso a caso.
O dispositivo é bastante criticado por parte da doutrina por entender que há conflito com o direito à informação e à liberdade de expressão, ambos assegurados na constituição.
A discussão coloca em lados opostos os direitos à intimidade e o direitoà liberdade de expressão e o acesso à informação, ambos, direitos garantidos pela Constituição, no artigo 5º.
Os direitos não são absolutos e devem ser ponderados quando em conflitos com outros, levando a uma ponderação de valores.
Na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal foi aprovado o enunciado 279, segundo o qual:
279 – Art.20. A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.
Nos últimos anos o conteúdo do art. 20, CC vem sendo objeto de discussões, pois alguns entendem que o disposto no Código Civil tem implicado em censura, principalmente de obras biográficas.
Visando alterar a redação do art. 20 do Código Civil de 2002, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 42/2014, oriundo da Câmara dos Deputados, que acrescenta dois parágrafos ao mencionado art. 20 do CC/2002. Assim, o dispositivo legal passa a ter a seguinte redação:
“Art.20……………………………..
……………………………………………..
§ 2° A ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou que esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.
§ 3º Na hipótese do § 2º, a pessoa que se sentir atingida em sua honra, boa fama ou respeitabilidade poderá requerer, mediante o procedimento previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, a exclusão de trecho que lhe for ofensivo em edição futura da obra, sem prejuízo da indenização e da ação penal pertinentes, sujeitas essas ao procedimento próprio.”(NR)
Vê-se da leitura dos novos parágrafos acrescentados ao diploma legal que o autor da obra não está totalmente livre para publicar tudo que queira, uma vez que o § 3º estabelece que aquele que se sentir atingido em sua honra, boa fama ou respeitabilidade poderá requer a exclusão do trecho ofensivo em edição futura da obra.
Em sentido semelhante foi proposta, em julho de 2012, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815, perante o Supremo Tribunal Federal, contra o dispositivo do CC, pela Associação Nacional dos Editores de Livros. O pedido da ADI é para ser reconhecida a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos arts. 20 e 21 do CC/02, “para que, mediante interpretação conforme a Constituição, seja afastada do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade do consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais, elaboradas a respeito de pessoas públicas ou envolvidas em acontecimentos de interesse coletivo”.
O assunto foi recentemente debatido com a proibição da comercialização da biografia “Roberto Carlos em detalhes”, de autoria do historiador e jornalista Paulo César de Araújo, e a longa disputa judicial envolvendo a família do jogador de futebol Garrincha e o escritor e jornalista Ruy Castro, autor da obra “Estrela Solitária.
A doutrina não é pacífica. Para uns a proibição das biografias é a volta da censura. Para outros devem prevalecer os direitos da personalidade, o direito ao esquecimento e, assim, as biografias dependem de autorização.
Os ilustres autores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[1] lecionam:
Se de uma banda a liberdade de imprensa não pode estar submetida à prévia censura, a outro giro, sucede que o exercício da informação não pode ser admitido em caráter absoluto, ilimitado, sendo imperioso estabelecer limites ao direito de informar a partir da proteção dos direitos da personalidade (imagem, vida privada, honra ...), especialmente com base na tutela fundamental da dignidade da pessoa humana, também alçada aos status constitucional (art. 1º, III, CF).
(...)
Ressalte-se, de passagem, que a eventual mitigação da liberdade de imprensa – e a própria liberdade de expressão – não implica repristinar, trazer de volta, a lamentável prática da censura. O que se tem, em concreto, é que a democracia e as liberdades constitucionais podem impor uma relativização no exercício de todo e qualquer direito, inclusive no que tange à liberdade de expressão e de imprensa, quando colidir com outros valores, também constitucionais, de proteção da pessoa humana.
Por fim conclui o autor:
Em síntese conclusiva, infere-se que a liberdade de imprensa (e a própria liberdade de expressão), consagrada constitucionalmente, não tem caráter absoluto, admitida a sua flexibilização no caso concreto, quando algum direito fundamental, também assegurado constitucionalmente, reclame proteção privilegiada.
Assim sendo, diante de dois direitos constitucionalmente assegurados e, portanto, que não são absolutos ou ilimitados, nem existe relação de hierarquia entre eles a palavra chave é “ponderação de interesses”.
No entanto, entende-se que a história é fundamental para a sociedade e a liberdade de expressão e o direito a informação devem ser ponderados em relação ao direito a intimidade do biografado.
Assim, não nos parece razoável condicionar a livre manifestação de autores e historiadores ao direito potestativodos biografados ou de seus herdeiros para a redação das biografias não autorizadas. Porém, por óbvio que esse direito deve cumprir sua função social e observar os limites éticos aceitáveis, caso seja verificado abuso do direito pelos historiadores com desvirtuamentos, faltando com a verdade das informações ou trazendo informações irrelevantes poderão ser responsabilizados por seus atos.
Diante do exposto, entende-se que o mais razoável é ser dada interpretação conforme a Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil para afastar do ordenamento jurídico o entendimento que tem sido invocado, no sentido da necessidade prévia de autorização por parte do biografado ou de seus herdeiros para permitir a publicação das obras biográficas.
BIBLIOGRAFIA
CHAVES, Cristiano & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil - Teoria Geral. Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2007.
SANTOS, Fernanda Freire dos. A tutela constitucional da liberdade de expressão, de informação e de pensamento versus a proteção conferida pela lex mater à imagem, à honra e à vida privada: os direitos da personalidade em conflito com o direito à livre (divulgação de) informação e a liberdade de expressão e de pensamento: a problemática das biografias não autorizadas. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3948, 23abr.2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27802>. Acesso em: 19 dez. 2014.
TARTUCE,Flávio.ManualdeDireitoCivil.Vol.único. 5ª ed.SãoPaulo:Método,2014.
[1]CHAVES, Cristiano & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil - Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. Pág. 157/160.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Katiane da Silva. As biografias não autorizadas: liberdade de expressão x direito a privacidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42785/as-biografias-nao-autorizadas-liberdade-de-expressao-x-direito-a-privacidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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