RESUMO: Os candidatos aprovados em concurso público muitas vezes possuem nível de escolaridade superior ao exigido no edital. A negativa de posse desses candidatos aprovados tem ensejado a concessão de mandados de segurança. Este artigo expõe argumentos críticos à jurisprudência que descriteriosamente assegura a posse de candidatos aprovados que apresente diploma de nível superior ao exigido no edital.
Palavras-chaves: Administrativo. Concurso público. Nível de escolaridade superior ao Edital. Nomeação. Posse.
INTRUDUÇÃO
Tem se tornado corriqueira a situação em que candidatos aprovados em concurso público, ao serem nomeados, apresentam documentação superior àquela estabelecida no edital.
O judiciário tem sido bastante sensível e concedidomandados de segurança que apontam ilegalidade na negativa de posse de servidores com nível de escolaridade superior ao exigido no edital.
Com efeito, a lógica consagra o entendimento de que uma pessoa que adquiriu maior nível de escolaridade pode desempenhar as atribuições de um cargo que exige nível de escolaridade inferior.
Cabe, todavia, estabelecer uma visão crítica sobre este entendimento. Apenas o fato de possuir nível de escolaridade superior ao estabelecido no edital não garante que o candidato possua conhecimentos necessários para o desempenho do cargo, havendo justificativa para a não aceitação deste diploma.
DESENVOLVIMENTO
A jurisprudência dos tribunais pátrios tem entendido que é desarrazoado impedir a posse de candidato que comprove formação em nível de escolaridade superior à exigida no edital.
Vejamos acórdãos do STJ:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE TÉCNICO EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO. CANDIDATO APROVADO COM QUALIFICAÇÃO SUPERIOR À EXIGIDA NO EDITAL. APTIDÃO PARA O CARGO DEMONSTRADA.
1. A jurisprudência do STJ entende que não se mostra razoável impedir o acesso ao serviço público de um candidato detentor de conhecimentos em nível mais elevado do que o exigido para o cargo em que fora devidamente aprovado mediante concurso. Precedentes: AgRg no AREsp 261.543⁄RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19⁄02⁄2013, DJe 07⁄03⁄2013; AgRg no AgRg no REsp 1270179⁄AM, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15⁄12⁄2011, DJe 03⁄02⁄2012.
2. Na espécie, o candidato aprovado para o cargo de Técnico de Tecnologia da Informação, apresentou diploma de curso superior em Tecnologia em Telemática com ênfase em Informática, ao passo em que o edital do concurso exigiu a apresentação de certidão de conclusão de curso Médio Profissionalizante ou Médio completo com curso técnico em eletrônica com ênfase em sistemas computacionais. Logo, perfeitamente aplicável o entendimento acima.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.375.017)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 128 E 460 DO CPC. INOCORRÊNCIA. CARGO TÉCNICO. CANDIDATO QUE POSSUI QUALIFICAÇÃO SUPERIOR À EXIGIDA. APTIDÃO PARA O CARGO. SÚMULA 83⁄STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO.
1. Excede a competência desta Corte a análise de preceito constitucional, porquanto trata-se de matéria a ser ventilada no competente recurso extraordinário, e não em apelo especial.
2. É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não há falar em negativa de prestação jurisdicional quando o acórdão, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, conforme ocorreu no acórdão em exame, não se podendo cogitar sua nulidade.
3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é ilegal a eliminação do candidato que apresenta diploma de formação em nível superior ao exigido no edital. Precedentes: AgRg no AgRg no REsp 1.270.179⁄AM, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 03⁄02⁄2012; AgRg no Ag 1402890⁄RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 16⁄08⁄2011; AgRg no Ag 1422963⁄RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 16⁄02⁄2012.
4. O alegado dissídio jurisprudencial não foi comprovado nos moldes estabelecidos nos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, § § 1º e 2º do RISTJ.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 252.982 – MG)
Fora os transcritos, mencione-se ainda o AgRg no AResp n. 261.543, o AgRg no Ag n. 422963 e o AgRg no Ag 1.245.578 todos do STJ.
No Tribunal Regional Federal da 1ª Região, colhe-se os seguintes arestos, também no mesmo sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE TÉCNICO EM LABORATÓRIO/BIOLOGIA. EXIGÊNCIA DE FORMAÇÃO EM ENSINO MÉDIO PROFISSIONALIZANTE OU MÉDIO COMPLETO + CURSO TÉCNICO NA ÁREA. COMPROVAÇÃO DE CONCLUSÃO DE CURSO SUPERIOR DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E MESTRADO EM GENÉTICA E BIOQUÍMICA E DOUTORADO EM BIOLOGIA. REQUISITOS SATISFEITOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. A exigência de nível de formação escolar para fins de preenchimento de cargo ou emprego público objetiva assegurar a adequação de conhecimentos técnicos dos candidatos às atribuições que serão exercidas pelo vencedor do certame.
2. "Assente nesta Corte o entendimento no sentido de que a comprovação de que o candidato a cargo público possui grau de escolaridade superior ao exigido pelo edital do certame lhe confere direito líquido e certo à nomeação e posse, não se mostrando razoável impedir seu acesso ao serviço público."(REOMS 0000224-22.2010.4.01.4300 / TO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.111 de 25/03/2013)
3. Na hipótese, tendo sido exigida pelo Edital do certame a formação em ensino "Médio Profissionalizante ou Médio Completo + Curso Técnico na área", tem-se que restou satisfeito o requisito por ter o/a candidato/a apresentado Diploma de Curso Superior de Ciências Biológicas, Mestrado em Genética e Bioquímica e Doutorado em Ciências Biológicas, uma vez que o seu nível de escolaridade é superior ao exigido para o cargo. 4. Apelação e Remessa oficial não providas.
(AMS 0001543-27.2011.4.01.3803 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.197 de 03/09/2013)
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NÍVEL MÉDIO. TÉCNICO DE LABORATÓRIO/MEIO AMBIENTE. CANDIDATA COM FORMAÇÃO SUPERIOR EM BIOLOGIA E ESPECIALIZAÇÃO EM MEIO AMBIENTE. CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS EDITALÍCIAS. POSSE E NOMEAÇÃO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. SENTENÇA MANTIDA.
I - Se a candidata é detentora de conhecimentos mais elevados do que o exigido, sendo graduada em Biologia e Pós Graduada em Meio Ambiente, demonstrou que possui a qualificação profissional necessária ao exercício do cargo de nível médio na mesma área, restando cumpridas as exigências contidas no edital do certame.
II - Ao candidato sub judice não se reconhece direito à nomeação e posse, antes do trânsito em julgado da decisão, já que inexiste, em Direito Administrativo, o instituto da posse precária em cargo público (AMS n. 0006306-34.2002.4.01.3400/DF - e-DJF1 de 28.06.2010). III - Considerando-se que, por força de liminar e sentença proferidas nestes autos, a requerente foi efetivamente nomeada, a situação de fato consolidada não deve ser desconstituída em atenção ao princípio da razoabilidade. IV - Apelação e remessa oficial não providas.
(AMS 0000943-69.2012.4.01.3803 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.232 de 03/04/2013)
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NÍVEL MÉDIO. TÉCNICO EM FARMÁCIA. CANDIDATO COM FORMAÇÃO SUPERIOR EM FARMÁCIA. CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS EDITALÍCIAS. POSSE E NOMEAÇÃO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. SENTENÇA MANTIDA.
I - Se o candidato é detentor de conhecimentos mais elevados do que o exigido, sendo graduado em Farmácia, demonstrou que possui a qualificação profissional necessária ao exercício do cargo de nível médio na mesma área, restando cumprida as exigências contidas no edital do certame.
II - Ao candidato sub judice não se reconhece direito à nomeação e posse, antes do trânsito em julgado da decisão, já que inexiste, em Direito Administrativo, o instituto da posse precária em cargo público (AMS n. 0006306-34.2002.4.01.3400/DF - e-DJF1 de 28.06.2010).
III - Considerando-se que, por força de liminar e sentença proferidas nestes autos o requerente foi efetivamente nomeado, a situação de fato consolidada não deve ser desconstituída em atenção ao princípio da razoabilidade. III - Apelação e remessa oficial não providas.
(AMS 0008074-93.2010.4.01.3600 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.), SEXTA TURMA, e-DJF1 p.148 de 04/03/2013)
Ademais, veja-se que tal matéria não foi reconhecida pelo STF como de repercussão geral, de modo que, por revelar discussão sobre questão infraconstitucional, o entendimento do STJ é o que deverá prevalecer, não havendo possibilidade jurídica de contestação à corte constitucional:
CONCURSO PÚBLICO. Cargo de professor. Habilitação específica para o cargo. Não atendimento. Qualificação superior à exigida por Edital. Questão infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. Recurso extraordinário recusado. Não apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que, tendo por objeto a análise de habilitação superior à prevista por Edital, mas inespecífica em relação ao exigido neste, versa sobre matéria infraconstitucional.
(ARE 690113 RG, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 23/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012)
Assim, suponha-se que um candidato seja graduado no curso engenharia de agrimensura e tenha concorrido para um cargo que exige a escolaridade de nível médio mais diploma de curso técnico em topografia.
O curso de graduação em engenharia é mais elevado que o curso de técnico em topografia acompanhado da graduação em nível médio. Senão vejamos.
A Resolução do CONFEA n. 473/2002deixa claro que as atribuições de um técnico em topografia estão inseridas nas atribuições de um engenheiro em agrimensura. O título de técnico em topografia encontra-se na mesma modalidade/espécie de engenharia de agrimensura.
A Resolução n 218/73 do CONFEA, em seu art. 4º, define as atribuições do engenheiro agrimensor:
Art. 4º - Compete ao ENGENHEIRO AGRIMENSOR:
I - o desempenho das atividades 01 a 12 e 14 a 18 do artigo 1º desta Resolução, referente a levantamentos topográficos, batimétricos, geodésicos e aerofotogramétricos; locação de:
a) loteamentos;
b) sistemas de saneamento, irrigação e drenagem;
c) traçados de cidades;
d) estradas; seus serviços afins e correlatos.
II - o desempenho das atividades 06 a 12 e 14 a 18 do artigo 1º desta Resolução, referente a arruamentos, estradas e obras hidráulicas; seus serviços afins e correlatos.
O engenheiro de agrimensura, portanto, possuiu formação superior a de um técnico em topografia e está legalmente autorizado a realizar levantamentos topográficos pela Resolução n. 218/73 do CONFEA, não havendo, assim, justificativas para não aceitaçãodo diploma de nível superior de engenharia em agrimensura para posse no cargo que exige apenas o curso de técnico em topografia, além do nível médio escolar.
Ademais, o técnico de topografia, enquadra-se, segundo o Decreto 90.922/85, como técnico em agrimensura:
Art. 4º As atribuições dos técnicos industriais de 2º grau, em suas diversas modalidades, para efeito do exercício profissional e de sua fiscalização, respeitados os limites de sua formação, consistem em:
(...)
§ 3º Os técnicos em Agrimensura terão as atribuições para a medição, demarcação e levantamentos topográficos, bem como projetar, conduzir e dirigir trabalhos topográficos, funcionar como peritos em vistorias e arbitramentos relativos à agrimensura e exercer a atividade de desenhista de sua especialidade.
Do exposto, face as atribuições conferidas aos técnicos em agrimensura, disciplinadas pelo § 3º do art. 4º do Decreto n. 90.922/85, em comparativo com as atribuições do art. 4º da Resolução 218/73 do CONFEA, a cargo dos engenheiros agrimensores, somado ainda ao que disciplinado pela Resolução 473/2002 do CONFEA, que põe o técnico em topografia e o engenheiro agrimensor inserido n mesma modalidade/tipo de engenharia, a conclusão é de que a graduação em engenharia de agrimensura é um título superior ao de técnico em topografia.
Sob estas condições, demonstrando-se que existe comunhão de disciplinas e proximidade entre as áreas de conhecimento, reconhecendo-se, assim, que o nível superior apresentado para a posse consubstancia-se em curso de conhecimentos mais aprofundados em determinada área fim nada impede a aceitação desta documentação para efeito de posse.
Todavia, a mera apresentação de nível superior ao exigido no edital não basta, residindo aí a crítica a respeito da jurisprudência consagrada.
É indispensável aferição a respeito de se este curso superior abrange conhecimentos do curso técnico exigido no edital, ou seja, se há afeição nas atribuições a serem desenvolvidas.
Pode ocorrer que o nível superior não seja afeto à área do curso técnico, havendo assim motivos para não se aceitar uma graduação superior à exigida no edital. Com efeito, o nível superior em uma área da engenharia não possui grade disciplinar semelhante ao curso de técnico em enfermagem.
Cabe reconhecer que existem hipóteses em que o nível superior apresentado não é algo que seja condizente com a área de conhecimento necessário para o desempenho das atribuições do cargo que se pretende ocupar.
Nestas situações, é razoável a negativa de posse, posto que devidamente justificada com base em argumentos plausíveis.
CONCLUSÃO
Deve-se olhar com reservas a jurisprudência firme e pacífica no sentido de considerar ilegal, por afronta ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, a não aceitação de documentação comprobatória de graduação em nível mais elevado que o exigido no edital para a posse de candidato nomeado.
Podem ocorrer situações em que a conclusão de nível superior ao exigido no edital não garantirá os conhecimentos necessário para as atribuições do cargo, prejudicando a eficiência da administração, hipótese em que a negativa da posse estará embasada em argumentos plausíveis e não se revestirá de irrazoabilidade.
PROCURADOR FEDERAL. GRADUADO EM DIREITO PELA PUC-RIO, POS GRADUADO EM DIREITO PUBLICO PELO IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARBACH, Mauricio Neves. Visão crítica acerca da jurisprudência sobre a posse de candidato aprovado que apresenta diploma de nível superior ao exigido no edital Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42899/visao-critica-acerca-da-jurisprudencia-sobre-a-posse-de-candidato-aprovado-que-apresenta-diploma-de-nivel-superior-ao-exigido-no-edital. Acesso em: 23 dez 2024.
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