RESUMO: Este artigo discute a inconstitucionalidade da Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas da Comarca de Florianópolis, Santa Catarina, vara especializada de combate ao crime organizado criada pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Palavras-chave: Crime organizado. Vara especializada.
INTRODUÇÃO
A Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas da Comarca de Florianópolis/SC foi criada em regime de exceção pela Resolução 1/2013-CM, que assim dispõe:
O Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina [...]
R E S O L V E:
Art. 1º Instituir, em regime de exceção, unidade para processar os Inquéritos Policiais e as medidas cautelares nos Inquéritos Policiais, bem como processar e julgar as ações referentes a ilícitos praticados pelo Crime Organizado (Lei n. 9.034, de 3 de maio de 1995), da Região Metropolitana de Florianópolis, oriundos das comarcas da Capital, de Biguaçu, de Palhoça, de Santo Amaro da Imperatriz e de São José.
Parágrafo único. Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o procedimento e julgamento observará o disposto na Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012.
Art. 2º A denominação, a competência, a instalação, os procedimentos e o funcionamento da unidade serão definidos em ato normativo próprio, a ser editado pelo Tribunal Pleno.
Art. 3º Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições contrárias.
A competência da unidade está prevista na Resolução 12/2013-TJ. Interessam o art. 2º, I, § 1º, e o art. 3º da Resolução do Tribunal de Justiça:
Art. 2º Competirá à Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas da Região Metropolitana de Florianópolis:
I – com jurisdição plena, apreciar os inquéritos policiais e procedimentos investigatórios, processar e julgar as ações penais referentes a ilícitos praticados por Organizações Criminosas, definidas no art. 2º da Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012, oriundos das comarcas da Capital, de Biguaçu, Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz e São José, excetuados os processos de competência do Tribunal do Júri e dos Juizados Especiais Criminais e de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
§ 1º Os inquéritos policiais, procedimentos investigatórios e as ações penais referidas no inciso I, em tramitação nas respectivas comarcas indicadas, serão digitalizadas e remetidas à Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas da Região Metropolitana de Florianópolis.
Art. 3º O Juiz de Direito da Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas da Região Metropolitana de Florianópolis atuará como cooperador dos juízos criminais das comarcas da Capital, de Biguaçu, Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz e São José. (grifo nosso).
Como se nota, a Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas foi criada por meio de Resolução do Conselho da Magistratura, tendo-lhe sido atribuída pelo Tribunal de Justiça a competência plena para processar e julgar as ações penais referentes a ilícitos praticados por organizações criminosas.
A Constituição Federal veda a existência de juízos de exceção e assegura o direito ao juiz natural no art. 5º, XXXVII e LIII. Também o garante a Convenção Americana de Direitos Humanos:
Art. 8º, § 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
A questão controvertida jaz em torno da possibilidade do Conselho da Magistratura criar vara especializada, com a designação de magistrado para atuar nela em feitos determinados, ou se tratar-se-ia de juízo de exceção, com violação do princípio do juiz natural.
A INCONSTITUCIONALIDADE DA CRIAÇÃO DA UNIDADE DE APURAÇÃO DE CRIMES PRATICADOS POR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS DE FLORIANÓPOLIS/SC
É a Constituição Federal que primeiro regulamenta a criação de varas judiciárias, atribuindo aos Tribunais a competência para dispor sobre a competência e o funcionamento dos órgão jurisdicionais e propondo a criação de novas varas judiciárias, bem como propondo ao Poder Legislativo a alteração da organização e da divisão judiciárias, conforme dispõe o art. 96, I, “a” e “d”, e II, “d”, da Constituição:
Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos; d) propor a criação de novas varas judiciárias; II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
Frise-se que a a Constituição Federal no art. 125, § 1º, ainda prevê expressamente que a lei de organização judiciária é apenas de “iniciativa do Tribunal de Justiça”:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Em suma, a Constituição dispõe que a criação de novas varas judiciárias ocorre por iniciativa legislativa do Tribunal, mas não dispensa a promulgação de lei em sentido estrito. Já a especialização de varas existentes, com a repartição se competências por matéria, se encontra no âmbito de competência dos próprios tribunais.
Nesse contexto, a criação de uma Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organização Criminosa através de Resolução do Conselho da Magistratura é inconstitucional, visto que a criação de varas judiciárias está sujeita à reserva de lei em sentido estrito. Uma vez inconstitucional a criação da vara, torna-se ela incompetente para o julgamento de qualquer processo, impondo-se a anulação ab initio do presente feito.
Deve-se destacar que o art. 440 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina permite que comarcas ou varas sejam declaradas em “regime de exceção”, possibilitando a designação de um ou mais juízes para exercer cumulativamente com o titular a jurisdição da comarca ou da vara. Esse regime de exceção visaria garantir o acesso à justiça quando insuficiente a atuação dos magistrados já designados:
Art. 440 - Em casos especiais, poderá o Conselho Disciplinar da Magistratura declarar qualquer comarca ou vara em regime de exceção, prorrogando prazos pelo tempo que entender conveniente e designando, se necessário, um ou mais juízes para exercer, cumulativamente com o titular, a jurisdição da comarca ou vara.
Ocorre que o CDOJSC, Lei Estadual 5.624/1979, é anterior à Constituição de 1988, que passou a prever a competência exclusiva da União para legislar sobre processo (art. 22, I, CRFB). Com efeito, a Lei Complementar Estadual 339/2006 já não prevê a designação de juízes para as varas declaradas em regime de exceção – apesar de ainda admitir a decretação de tal regime.
A perda de suporte constitucional dos dispositivos ficou ainda mais clara com a Emenda Constitucional 45/2004 que incluiu o inciso XIII ao art. 93 da Constituição: “XIII – o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”. Cotejado esse dispositivo com a competência exclusiva da União em matéria de processo, conclui-se que o acúmulo de trabalho nas varas não se resolve mais na forma definida pelo art. 440 do CDOJSC, mas pelo art. 198 do CPC:
Art. 198. Qualquer das partes ou o órgão do Ministério Público poderá representar ao presidente do Tribunal de Justiça contra o juiz que excedeu os prazos previstos em lei. Distribuída a representação ao órgão competente, instaurar-se-á procedimento para apuração da responsabilidade. O relator, conforme as circunstâncias, poderá avocar os autos em que ocorreu excesso de prazo, designando outro juiz para decidir a causa.
De mais a mais, ainda que se entenda vigente o art. 440 do CDOJSC, é importante diferenciar a designação de um juiz para exercer cumulativamente com o titular a jurisdição da designação de um juiz para exercer competência plena.
Ora, a criação de uma vara com competência autônoma e plena não é admitida pelo art. 440 do CDOJSC – além de ser matéria sujeita à reserva legal. O próprio Regimento Interno do Conselho da Magistratura não coaduna com a criação de Vara Especializada, em regime de exceção, com competência autônoma e plena, conforme se conclui da leitura de seu art. 7º:
Art. 7º - Em casos especiais, poderá o Conselho da Magistratura declarar qualquer comarca ou vara em regime de exceção, prorrogando prazos pelo tempo que entender conveniente e designando, se necessário, um ou mais Juízes para exercer, cumulativamente, com o titular, a jurisdição da comarca ou vara (Código de Divisão e Organização Judiciárias, art. 440).
§ 1º - No caso deste artigo, os feitos acumulados serão distribuídos, como se a comarca ou vara tivesse mais um titular, ressalvada ao Conselho a faculdade de determinar outra orientação.
§ 2º - A designação poderá compreender também os auxiliares e funcionários necessários à execução do regime.
§ 3º - Por conveniência do serviço poderão os Juízes da vara em regime de exceção dividir o cartório em unidades independentes, designando o Diretor do Foro o escrivão.
§ 4º - A distribuição dos feitos novos obedecerá ao disposto no art. 420 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado - Lei nº 5.624, de 09/11/79.
À vista de todo o exposto, carece de fundamento legal e constitucional a vara especializada criada pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
CONCLUSÃO
Em conclusão, a criação da Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas da Comarca de Florianópolis/SC, tal como ocorrida, é inconstitucional, por violar diversas regras do ordenamento jurídico, além de contrariar os princípios do juiz natural e da vedação de tribunais de exceção.
Advogado criminalista. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HAYASHI, Francisco Yukio. A inconstitucionalidade da criação da Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas de Florianópolis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43177/a-inconstitucionalidade-da-criacao-da-unidade-de-apuracao-de-crimes-praticados-por-organizacoes-criminosas-de-florianopolis. Acesso em: 23 dez 2024.
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