Resumo: A súmula vinculante, esta acarreta no cerceamento do princípio da livre convicção do magistrado, pois da decisão judicial que contradizer enunciado vinculante, caberá reclamação direta no Supremo. Caso seja procedente, o tribunal suspenderá os efeitos da decisão judicial impugnada. Por fim, conclui-se que a súmula vinculante, tipificada no artigo 103-A da Constituição Federal infringe os artigos 2° e 60§4°, incisos III e IV do mesmo Diploma Constitucional.
Palavras – chave: Precedentes judiciais. Súmula vinculante.
1INTRODUÇÃO
Antes de investigar cada argumento contra o efeito vinculante, segue uma pergunta: a súmula vinculante é adequada ao princípio democrático? (ROCHA, 2009). O efeito vinculante, quando não observado pelo juiz, caso seja procedente à reclamação direta no STF, incidirá sobre a aplicação do artigo 7° da Lei 11.417/2006, cuja redação impede o exercício da liberdade de decidir, isto porque, caso o magistrado entender, motivadamente, que a súmula não deverá ser aplicada, em um caso concreto, o STF suspenderá os efeitos da decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula.
Pode-se perceber que nem mesmo no common law, cujo sistema tem como regra a vinculação de precedentes, não há esta característica limitadora da livre convicção do magistrado.
É de se notar que, um dos princípios que rege o Direito Brasileiro é a motivação da sentença. Assim, se o juiz está vinculado às súmulas do STF, como sua decisão será fundamentada? É possível o magistrado decidir sem liberdade de motivar seu próprio pensamento? Como registrado no decorrer da pesquisa, o precedente não é considerado pela LINDB como fonte de direito, então, a súmula representa um instrumento cada vez mais americanizado. Desse modo, a mesma se insere como fonte da tradição brasileira? Vale ressaltar que o precedente é fonte de direito do common law, cuja técnica visa aplicar a mesma decisão em casos idênticos, não limitando a liberdade de decisão do juiz, pois como visto, o magistrado poderá deixar de aplicar o precedente caso seja incabível a sua aplicação.
No staredecisis, o magistrado cria o direito, trata-se de uma função típica do direito saxônico, em que é comum a utilização do ativismo judicial. Enquanto no Direito Brasileiro, a jurisprudência apenas declara o direito, também, como apontado em linhas atrás, no civil law, a prestação da tutela jurisdicional é fundada na legalidade, pois o próprio Ordenamento Jurídico, inclusive no Código Penal define que não há crime sem prévia definição legal.
Para Carvalho (2011, p. 1168), ao explicar o posicionamento crítico de Silva (1998):“Em estudo crítico [...] entende que a súmula de efeito vinculante agride o artigo 5°, incisos, II, XXXV, XXXVI e LIII, e artigo 60, §4°, inciso, IV, da Constituição [...]”.
Reale (2002) define que o Direito é um fato heterônomo, ou seja, os aspectos da teoria se interagem mediante a interpretação. Então, conforme preceitua a Constituição Federal, o princípio do devido processo legal se insere como núcleo fundante em que a jurisdição é prestada. A partir daí, a súmula vinculante, como forma reduzida de um texto, enfraquece a interpretação utilizada no caso concreto. Isto porque, o juiz deixa de avaliar as circunstâncias temporais e até mesmo doutrinárias no ato decisório.
Para o Supremo Tribunal Federal, a súmula vinculante tem natureza constitucional, e, quanto à classificação da súmula como norma constitucional, parece adequado o entendimento da Corte Brasileira, pois, se o enunciado vinculante é editado por uma corte suprema, sua natureza não será infraconstitucional.
Tavares (2009), como afirma, ao explicar o posicionamento de Neves (1994), entende que, para o jurista português, a súmula não tem natureza definida, isto porque se traduz como denominou o professor lusitano, em termos perplexos.
2 PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO DO MAGISTRADO
Em linhas atrás, vale ressaltar que a súmula representa uma forma de flexibilização da livre convicção do magistrado, isto porque, mesmo sendo vinculante o efeito, não impede o juiz de interpretá-la, pois, se o ato normativo é passível de interpretação, a súmula também deve ser questionada e submetida à nova interpretação. Neste sentido, aduz Tavares (2009, p.111): “também a própria súmula é passível de sofrer uma interpretação porque vertida em linguagem escrita, tal como as leis em geral”.
O efeito vinculante não é o caminho justo para a solução de problemas diversos no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Não se pode esquecer que a súmula trata casos iguais da mesma forma, como se fosse uma aplicação do staredecisis em ato legislativo, isto porque, no precedente, o tribunal não legisla, enquanto o enunciado vinculante não deixa de ser uma função legislativa.
Está certo Souza (2013, p.279) ao afirmar que: “certamente, a súmula vinculante trará enormes benefícios, mas é bom não pensar que ela seja o remédio milagroso para todos os males da Justiça, porque definitivamente não o é”.
Vale registar o pensamento de Streck na doutrina de Tavares (2009), pois a redação prevista no artigo 7° da Lei 11.417/2006 insere o STF numa posição constrangedora, pois, o mesmo, no caso de descumprimento da súmula, deve iniciar o cumprimento de suas próprias decisões. Ainda, para Tavares (2009), o instrumento sumular impede o desenvolvimento de um Poder Judiciário fundado na liberdade.
Sendo assim, a jurisdição constitucional não deve abordar aspectos ativistas, sob pena de transformar a Corte brasileira em um tribunal cada vez legislativo. Isto acontece devido à atuação proativa, resolvendo assuntos de alçada do legislativo. Então, a livre convicção do magistrado não deve ultrapassar os limites impostos pela Constituição, mas não a ponto de limitá-los, como prescreve o artigo 103-A.
Mais uma vez, para o autor:
[...] tem sido este o perfil verificável com certa constância no STF e uma cultura jurídica que abandone os “modelitos” de protelação incessante dispensariam a necessidade do instituto da súmula vinculante (TAVARES, 2009, p.113).
Como salientado anteriormente, esta pesquisa defende o posicionamento de que a súmula vinculante, prevista na Constituição Federal, é inconstitucional, visto que agride a cláusula pétrea, bem como outras disposições já comentadas. Então, surge o seguinte questionamento: para o exercício jurisdicional não prescinde a observância do princípio do devido processo legal, considerado direito mínimo. A Constituição define que a súmula é aprovada a partir do preenchimento dos requisitos previstos no referido artigo e da Lei 11.417/2006.
Como se vê, o procedimento para validade e aprovação do enunciado sumular não exige uma discussão maior acerca da matéria que será regulamentada na súmula vinculante. É interessante destacar que, seria conveniente a participação administrativa do Conselho Federal da OAB e do Conselho Nacional na aprovação de sumula vinculante. Pois, não se pode esquecer de que a súmula não tem o mesmo aproveitamento do precedente judicial.
Assim, Tavares (2009, p.113):
Com exceção da súmula vinculante 14, editada a partir de provocação do Conselho Federal da OAB, todas as demais contaram, em maior ou menor grau, com uma despreocupação processual comprometedora de uma ampla e madura discussão sobre o teor da súmula que se propõe seja vinculante.
Não parece conveniente a dispensabilidade do trâmite processual, quando o próprio STF propor edição de súmula vinculante, isto porque seria atribuir uma característica dominante e desnecessária ao Supremo. Sem destacar ainda que tal atribuição infringiria o disposto no artigo 5°, inciso LIV da Constituição Federal.
4CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das críticas apresentadas, no decorrer deste capítulo, seguem as seguintes conclusões: parece certo, com toda precisão, que Rocha (2009), ao afirmar que a competência fixada pela EC n°45 deslegitimou a democracia. Isto se confirma porque o preâmbulo constitucional, ao destacar que a República Federativa do Brasil institui um Estado Democrático de Direito, para o Professor o artigo 103-A, transformou a democracia em um paradigma judicial.
A súmula, por sua vez, insere-se em uma norma de força específica e constitucional, ou seja, como aduz Rocha (2009, p.137): “a súmula vinculante é uma metanorma em relação às normas legislativas porque dita o sentido em que as últimas devem ser entendidas”. Por certo, a fundamentação refere-se ao fato do STF usurpar a competência do constituinte originário.
Conforme registrado com precisão, a súmula, com efeito vinculante, não tem o mesmo sentido da jurisprudência e do precedente, visto que este último assegura, ao juiz, a possibilidade de não segui-lo quando entender incabível a sua aplicação. Logo, percebe-se o quanto que a súmula vinculante é mais agressiva que o precedente, pois naquela, o magistrado deve obediência ao enunciado do STF, pois a mesma não autoriza em nenhuma hipótese legal a faculdade de não aplicá-la ao caso concreto.
Frise-se que o efeito vinculante infringe a separação de poderes, bem como a cláusula pétrea prevista no artigo 60§4° inciso III e IV da Constituição. Isto porque, conforme demonstrado no artigo 103-A, é inconstitucional por violar competência do Legislativo, inclusive, devido à ofensa aos fundamentos da República, pois, se o poder emana do povo, que o exerce mediante seus representantes, a competência fixada no artigo 103-A é contrária ao parágrafo único do artigo 1° da Constituição, uma vez que o Supremo não é um representante do povo.
Desse modo, a súmula é geral e abstrata, diferente do staredecisis, cujo instituto é aplicado a partir do caso concreto, e não elaborado como se fosse um ato normativo, como acontece com o enunciado vinculante do Supremo.
Para Rocha (2009, p.138):
O artigo 103-A e, por extensão, a súmula vinculante, são inconstitucionais por incompetência material do Congresso Nacional, para legislar sobre a matéria reservada à lei e afrontar o princípio da separação de poderes, ambos insusceptíveis de serem abolidos, e todos mecanismos de proteção das liberdades e do princípio democrático.
Por certo, o procedimento da ADIN é o mais adequado para aprovação da súmula vinculante. Vale ressaltar que a postura do STF, ao afirmar que a provocação de ofício prescinde de observância do procedimento da ação declaratória de inconstitucionalidade, visto que em face da proteção da democracia e dos direitos fundamentais, insere-se imprescindível numa PEC para aumentar o quórum de aprovação da súmula vinculante, bem como a elaboração de procedimento específico ou com alguns ajustes daquele utilizada na ADIN.
Como afirmado, o efeito vinculante é baseado em normas gerais e abstratas editadas por um Tribunal. Esta conclusão justifica a atuação ativista do Supremo, isto porque a ideia relativizada de um sistema mitigado do estrangeiro, ou seja, dos precedentes judiciais, insere o STF como um órgão legislador, cuja função incide na solução de questões que deveriam ser resolvidas pelos outros poderes, como exemplo clássico, o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Neste sentido, aduz mais uma vez Rocha (2009, p.140):
A concentração dos poderes nos tribunais e, em especial, no Supremo Tribunal Federal, de criar as normas gerais que orientam a convivência social e, ao mesmo tempo, aplicar essas normas nos casos concretos, acarreta o perigo de os tribunais assumirem o controle da sociedade e seus problemas, o que é danoso para as liberdades.
Frente à tendência americanizada do Direito Constitucional e Processual, revestem-se por último, duas considerações: a súmula vinculante representa o início de um Ordenamento Jurídico mais próximo do common law, mas enfraquecido em suas raízes históricas.
Quanto à segunda consideração, o Direito não deve ser interpretado como mera sequência lógica de números matemáticos, como diuturnamente ocorre com a súmula vinculante, cujo instituto não abrange os valores, mas apenas os fatos e as normas. Por tudo, vale relembrar que o significado do Direito insere-se alternativamente, como fato, valor e norma, conforme preceituava Reale (2002), isto porque, em cada decisão judicial, os valores não são os mesmos, pois, os sujeitos são diferentes.
Vale ressaltar que, apesar da súmula vinculante proteger a isonomia perante a jurisdição e a estabilidade jurisprudencial, não deve prevalecer o entendimento de que a súmula é a solução para a morosidade do Poder Judiciário, inclusive, do fortalecimento da jurisdição constitucional, visto que, não típico de um Estado constitucional, a função legislativa da corte suprema, bem como do cerceamento da livre convicção do magistrado. Pois, o direito não pertence ao entendimento lógico, como insere os efeitos da reclamação ao tratar uma decisão da mesma forma e o limite imposto ao juiz na liberdade de decisão contrária ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Pelo exposto, nos precedentes, o juiz deve obediência às decisões do tribunal superior, inclusive, com a manutenção da liberdade de decidir. Por outro lado, na cultura brasileira, fundada no principio da legalidade, certamente, o juiz não deve ser vinculado ao tribunal superior, como acontece com os efeitos da súmula vinculante, sob pena de ofensa à cláusula pétrea, estampada no artigo 60§4°, incisos III da Constituição Federal.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Teoria do Estado e da Constituição Direito Constitucional Positivo. 17° ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.
NEVES, António Castanheira. O problema da constitucionalidade dos assentos: comentário ao Acórdão n.810/1993 do Tribunal Constitucional. Coimbra: Editora Coimbra, 1994 apud TAVARES, André Ramos. Nova Lei da Súmula Vinculante Estudos e Comentários à Lei 11.417, de 19/12/2006. 3°ed. Método: São Paulo, 2009.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27° ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
ROCHA, José de Albuquerque. Súmula Vinculante e Democracia. São Paulo: Atlas, 2009.
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Pós-graduado latu sensu em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2015). Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos, FUPAC/ UNIPAC (2013). Graduação interrompida em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP (2015). Tem experiência acadêmica enquanto Professor de Filosofia e Sociologia. Dedica-se ao estudo nas áreas de Direito Penal e Processual, com foco na Psicanálise na Cena do Crime, inclusive, em pesquisas voltadas ao Direito Constitucional Comparado, Ambiental e Minerário. Autor de artigos científicos de revistas nacionais e internacionais, bem como autoria citada em Faculdades renomadas, como na Tese no âmbito do Doutoramento em Direito, Ciências Jurídico-Processuais orientada pelo Professor Doutor João Paulo Fernandes Remédio Marques e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Fernando Cristian. A ideia do princípio da liberdade jurisdicional e sua relação com o direito constitucional contemporâneo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43226/a-ideia-do-principio-da-liberdade-jurisdicional-e-sua-relacao-com-o-direito-constitucional-contemporaneo. Acesso em: 23 dez 2024.
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