Resumo: O presente trabalho destina-se à pesquisa e ao estudo da responsabilidade do Estado perante os atos praticados pelo Poder Judiciário que lhe acarretem responsabilização, a fim de caracterizar este fato e demonstrar alguns avanços da legislação desde que o conceito de responsabilidade do Estado se expandiu com o progresso e avanço das relações sociais.
Palavras-chave: responsabilidade – Estado – ressarcimento – danos – Judiciário.
1. INTRODUÇÃO
O conceito de responsabilidade do Estado decorre do amadurecimento, ao longo dos séculos, das relações sociais e históricas. Como havia, antigamente, a ideia do Estado soberano, não havia naquela época nenhum tipo de previsão de responsabilidade do Estado por danos decorrentes da prática de suas próprias atribuições.
Contudo, este contexto foi modificado e hodiernamente se fala em responsabilização do ente estatal pelos atos de seus agentes que gerem prejuízos a particulares, de maneira individual ou coletiva, seja por atos de quaisquer um de seus três Poderes: Legislativo, Judiciário ou Executivo.
O presente trabalho se propõe a estudar as nuances da responsabilidade estatal decorrente de atos praticados pelo Poder Judiciário, com o intuito de demostrar que a ação jurisdicional, apesar de se direcionar aos anseios de justiça da coletividade poderá, na persecução deste objetivo, se deparar com situações em que acabe por gerar a violação da letra da lei, ocasionando, assim, o dever de indenização pelos danos causados.
2. NOÇÕES ACERCA DA RESPONSABILIDADE ESTATAL
Para se definir a responsabilidade do Estado, é fundamental explicitar as três teorias contemporâneas acerca de sua definição. São elas a Teoria da Culpa Administrativa, a Teoria do Risco Administrativo e a Teoria do Risco Integral.
Com precisão, MEIRELLES[1] dispõe que a Teoria da Culpa Administrativa se refere ao primeiro estágio da transição da doutrina da subjetiva da culpa civil – que prevê que a responsabilidade é sempre do Estado quando for praticado um ato lesivo contra alguém e restar comprovado que a culpa é de algum agente estatal – e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois exalta-se a falta do serviço para dela se inferir a responsabilidade da Administração Pública. Neste caso, ter-se-ia o binômio “falta do serviço – culpa da Administração”.
O que esta teoria defende é que a Administração Pública apenas deve ser responsabilizada quando algum de seus órgãos ou agentes agir culposamente, provocando danos a terceiros, por ação ou omissão.
A Teoria do Risco Administrativo determina que, por exemplo, o mau funcionamento do serviço público, com atrasos, deficiência de produção e atendimento ou o uso da ilegalidade em alguns atos, ou seja, quaisquer problemas relacionados ao efetivo exercício serviço público são causas determinantes da ocorrência de um dano e, com isso, ao ocorrer este dano, a Administração deverá ser responsabilizada.
Por sua vez, a Teoria do Risco Integral prevê que todo e qualquer dano que tenha a mínima ligação com a Administração Pública deverá ser por ela ressarcido. Seria a união da existência de um dano e de um nexo causal entre ele e a atividade praticada pela Administração Pública para poder gerar responsabilidade estatal. É como se a Administração fizesse as vezes de uma empresa que está em habitual funcionamento e, com isso, está sempre exposta a riscos. Se estes riscos se transformarem em danos, deverão ser devidamente indenizados, indistintamente.
Em se tratando destas questões estatais, a Administração adota a Teoria do Risco Administrativo, pois não poderia indenizar todos e quaisquer danos a si relacionados, indistintamente. Dessa forma, a responsabilidade do Estado se apresenta na forma objetiva, abrangendo a conduta, o agente ou órgão público e o nexo causal. Sobre este tema, observe-se o que dispõe a Constituição Federal dispõe da seguinte forma:
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.
Assim, a responsabilidade da Administração será a de indenizar os prejuízos a terceiro decorrentes de atos de agentes ou órgãos públicos, bastando a comprovação do dano e do nexo causal entre eles. É pacificada neste sentido a jurisprudência dominante[2].
3. ASPECTOS DA FUNÇÃO JURISDICIONAL
Conforme prescreve o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, a função jurisdicional é um monopólio estatal, pois “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Jurisdição é a ação de dizer o direito, de aplica-lo aos casos concretos que são apresentados diariamente ao Poder Judiciário, através de causas de jurisdição voluntária ou contenciosa. Os magistrados, portanto, são as pessoas encarregadas de administrar a justiça.
CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO entendem que:
“Jurisdição (...) é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve com justiça (...).
(...)
A jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal)”[3].
Assim sendo, depreende-se que a jurisdição é um monopólio estatal que, entretanto, não se manifesta pela vontade única do Estado, mas sim, através do processo, que ditará as regras de como deverá ser aplicado o direito ao caso concreto. Todos os atos do magistrado deverão ser observados e devidamente fundamentados.
4. RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELOS ATOS DO PODER JUDICIÁRIO
O agente público a ser tratado neste capítulo é exclusivamente o agente que tem vinculação com o Poder Judiciário, ou seja, os serventuários da justiça, os auxiliares, os escrivães e escreventes, os magistrados, entre outros.
Isto posto, existem alguns atos judiciais que geram situações ensejadoras de responsabilidade do Estado. Como principais exemplos, tem-se o erro judiciário, a denegação da justiça e a demora na prestação jurisdicional.
O erro judiciário consiste em um equívoco na prolatação da sentença judicial, ou seja, um erro do magistrado ao declarar um pedido procedente ou improcedente, concedendo uma tutela a quem não a merecia por direito ou negando-lhe a quem, de fato, a merecia por direito.
A Constituição Federal dispõe, em seu art. 5º, LXXV, que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Dessa forma, a indenização pelo erro judiciário deverá ocorrer de forma integral, abrangendo tanto os danos materiais como os danos morais por si ocasionados.
Denegação da justiça é o que ocorre quando há uma resistência ou recusa na prestação do serviço judiciário. DERGINT[4] entende que a denegação consiste “na negação do Estado-juiz em oferecer a devida proteção aos direitos de seus cidadãos mediante a prestação da tutela jurisdicional”. Este comportamento é indevido, pois a legislação prevê que o Poder Judiciário não deve se omitir nem denegar a aplicação da lei, mas sim, efetivá-la da maneira possível, inclusive preenchendo adequadamente as suas lacunas.
Como exemplo, cite-se o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que dispõe: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Ademais, o Código de Processo Civil prevê semelhante norma:
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Por sua vez, a demora na prestação jurisdicional decorre no atraso na execução de determinado ato que já deveria ter sido executado. É o caso de extrapolação do limite de prazos anteriormente fixados. Isto não pode ser admitido, devendo o Estado ser responsabilizado, pois, na medida em que monopolizou determinadas atividades, neste caso a jurisdicional, tem a obrigação de entregá-la em tempo hábil para que o indivíduo tenha como se defender de quaisquer alegações contra si, bem como seja capaz de se proteger de abusos.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto anteriormente, é notável que o Estado, ao monopolizar atividades como, por exemplo, a atividade jurisdicional, deverá exigir de seus agentes a prestação mais eficaz e legal possível, caso contrário, o particular poderá, com razão, acionar o Estado, exigindo dele a devida indenização pelos danos causados, desde que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente ou órgão público e o dano causado ao particular. A Constituição Federal e toda a legislação do nosso ordenamento jurídico preveem medidas a serem tomadas pelo particular em casos que merecem ser indenizados como, por exemplo, o erro judiciário e a denegação da justiça. Tudo isso é princípio e postulado do Estado Democrático de Direito.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Responsabilidade objetiva do Estado – A responsabilidade objetiva do Estado é tema de direito Constitucional. (...)”. Recurso Especial n.º 19.978-9. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Decisão datada de 17/08/1993. D.O.U.: 20/09/93.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 553-555.
[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Responsabilidade objetiva do Estado – A responsabilidade objetiva do Estado é tema de direito Constitucional. (...)”. Recurso Especial n.º 19.978-9. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Decisão datada de 17/08/1993. D.O.U.: 20/09/93.
[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. p. 129.
[4] DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais. p. 189.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEAL, Fernanda Rabelo Oliveira. A responsabilidade estatal em face dos atos do Poder Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 fev 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43231/a-responsabilidade-estatal-em-face-dos-atos-do-poder-judiciario. Acesso em: 23 dez 2024.
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