Resumo: O presente trabalho destina-se à pesquisa e ao estudo da relativização da coisa julgada material, com a finalidade de demonstrar que em alguns casos a formalidade da decisão judicial não será empecilho para a relativização, haja vista a existência de outros institutos e princípios mais importantes que esta mera formalidade. Como o Direito é uma ciência extremamente dinâmica, tornou-se quase impossível a existência de algo absolutamente imutável em seu contexto e é, por isso, que a relativização da coisa julgada material vem sendo utilizada hodiernamente, em situações excepcionais.
Palavras-chave: relativização – coisa julgada – processo civil – intangibilidade – segurança jurídica – proporcionalidade.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, os doutrinadores e a jurisprudência têm entendido e dado muito valor ao instituto da relativização da coisa julgada. Isso se deve ao fato de que eles estão vislumbrando o fato de que a decisão transitada em julgado, após o prazo de interposição de eventuais recursos e, ainda, de ação rescisória, em alguns casos especiais, não podem mais ser consideradas intangíveis ou imutáveis.
Tudo isso se revelou a partir do instante em que o Direito evoluiu e, com ele, também evoluiu o ponto de vista de nossos doutrinadores e julgadores pátrios.
Dessa forma, o presente trabalho pretende esmiuçar alguns aspectos importantes acerca da relativização da coisa julgada, a fim de pesquisar conceitos e expor legislações e definições de todas as nuances que envolvem este instituto jurídico, com o intuito de embasar pesquisas, bem como de apresentá-lo a estudantes de Direito novatos que, eventualmente, não conheçam o tema.
2. DEFINIÇÃO DE COISA JULGADA
Geralmente, a coisa julgada é definida como a decisão judicial de determinado processo da qual já não caiba mais nenhum recurso para lhe questionar o que restou determinado. Também é denominada como res iudicata.
No Brasil, em nosso ordenamento jurídico, vários doutrinadores criaram seus conceitos acerca da coisa julgada. Todavia, o conceito que mais influenciou o Código de Processo Civil pátrio e que, por consequência, é mais utilizado, é o conceito elaborado por Enrico Tulio Liebman (1981, p. 159), no qual ele prevê que “a autoridade da coisa julgada não é efeito ulterior e diverso da sentença, mas uma qualidade de seus efeitos referentes, isto é, precisamente a sua imutabilidade”.
Note-se que Liebman engloba na coisa julgada o efeito da imutabilidade da decisão, concebendo-a como uma qualidade da sentença ou dos efeitos da sentença. Entende, assim, que a imutabilidade é, na verdade, um atributo essencial da própria sentença ou de seus efeitos e não um mero efeito da sentença.
O doutrinador Nelson Nery Junior (1997, p.677) entende a coisa julgada da seguinte maneira:
Depois de ultrapassada a fase recursal, quer porque não se recorreu, quer porque o recurso não foi conhecido por intempestividade, quer porque foram esgotados todos os meios recursais, a sentença transita em julgado. Isto se dá a partir do momento em que a sentença não é mais impugnável. (NERY JUNIOR, 1997, p.677)
Dessa forma, pode-se conceituar a coisa julgada como um provimento jurisdicional que se torna irretratável, na medida em que não poderá ser interposto mais nenhum recurso contra si. Esta definição está em acordo com a finalidade constitucional de segurança jurídica, pois a imutabilidade das sentenças favorece as razões de natureza prática e política, que asseguram a paz social e garantem a aquisição e o exercício do direito.
3. CRÍTICA AO ARTIGO 467 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O artigo 467 do Código de Processo Civil define a coisa julgada material da seguinte maneira:
Art. 467. Considera-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário e extraordinário.
Entretanto, este artigo e a sua redação são extremamente criticados pela doutrina e pelos estudiosos pátrios, pois, ao pretender definir a coisa julgada material, acabou por definir a coisa julgada formal. Isto se deve ao fato de que a coisa julgada pode ser dividida em coisa julgada formal e coisa julgada material, sendo a primeira conhecida simplesmente como “coisa julgada” e a segunda conhecida como “coisa soberanamente julgada”.
Assim, o artigo 467 define a coisa julgada formal, pois este instituto se trata realmente daquela “eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário e extraordinário”, conforme está disposto no texto do artigo.
A coisa julgada material, por sua vez, não é obstada pelo recurso ordinário e extraordinário, mas sim, pela decisão ou decaimento de prazo de interposição da ação rescisória. A ação rescisória está prevista no artigo 485 do Código de Processo Civil e é a possibilidade de, em casos especificados pela lei, se rever a decisão transitada em julgado de um processo.
A utilização da ação rescisória deve se adequar, portanto, a alguma das hipóteses taxativas previstas no Código de Processo Civil. O objetivo desta ação é justamente rescindir parcial ou totalmente a sentença transitada em julgado caso seja averiguado algum vício que possibilite esta ação.
Se a causa se encaixar em alguma das hipóteses de cabimento da ação rescisória, o interessado poderá propô-la em até dois anos contados da decisão transitada em julgado proferida no respectivo processo. Se, decorridos esses dois anos, e o interessado se manteve inerte, perdendo o prazo de interposição – que, portanto, decai –, a coisa julgada, que era formal, transforma-se em coisa julgada material. Da mesma maneira, a coisa julgada formal será convertida em coisa julgada material se a ação rescisória for julgada improcedente.
Assim sendo, conforme o exposto acima, restou comprovado a impropriedade da definição disposta no artigo 467 do Código de Processo Civil, haja vista que não foi bem sucedida a sua intenção em conceituar a coisa julgada material, configurando-se como mais um erro, em face de tantos, do legislador pátrio.
4. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL
Antes de se expor o que vem a ser a relativização da coisa julgada material, é necessário ressaltar que este fenômeno, para ocorrer, deverá obedecer fiel e impreterivelmente a princípios primordiais do processo e do Direito, como, por exemplo, os princípios da segurança jurídica, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade.
Ademais, deve, ainda, obedecer à constitucionalidade do ato, pois, em um Estado Democrático de Direito não se admite infração às normas previstas na Constituição Federal, que é a norma mais poderosa de um Estado constituído.
Isto posto, define-se o fenômeno da relativização da coisa julgada como a desconsideração dos efeitos da sentença oriunda da necessidade de se valorar questões do caso concreto que se mostrem mais relevantes do que a decisão proferida. Dessa forma, permite-se o reexame da decisão contida na sentença.
A relativização ocorrerá nos casos em que houver injustiça notória e intolerável, bem como nos casos em que a decisão afronte as normas e princípios contidos na Constituição Federal e, ainda, nos casos em que, utilizando-se de tecnologia atual, se verificar que a sentença que faz a coisa julgada é, em verdade, incompatível, com a realidade fática.
Com isso, há quem alegue que não se está respeitando a segurança jurídica da decisão. Entretanto, é cediço que este princípio não possui valor absoluto, assim como a maioria dos direitos e garantias fundamentais. Portanto, na ponderação dos direitos, deve-se aplicar o que confira maior justiça e verdade ao caso concreto.
Recentemente, existe um crescente número de doutrinadores que se tornaram adeptos da defesa de utilização da relativização da coisa julgada. Entretanto, as suas dimensões ainda geram controvérsias, haja vista que a sua ampliação é assunto de muitas discussões na doutrina e na jurisprudência. Isso se deve ao cuidado que esses estudiosos têm em não cometer injustiças ou erros no trato dessas ações.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto anteriormente, é notável que o fenômeno da relativização da coisa julgada passou e ainda passa por muitas barreiras e dificuldades para ser efetivamente aplicado em nosso ordenamento jurídico, todavia, é justificável essa preocupação, haja vista a importância de se respeitar princípios fundamentais no trato desta questão como, por exemplo o princípio da proporcionalidade, da segurança jurídica, da constitucionalidade e da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, conclui-se que, hodiernamente, é notável que a coisa julgada não possui caráter absoluto, mormente pelo fato de existirem incontáveis sentenças injustas, violadoras da verdade e da moralidade e, ainda, dos princípios já mencionados, razão pela qual ressalta-se, por fim, que a preocupação de nossos estudiosos e doutrinadores se encontra em buscar um equilíbrio no sistema processual para não deixar que ocorram injustiças ao se manter a coisa julgada e nem ao relativizá-la.
6. REFERÊNCIAS
CHIOVENDA, G. Instituições de direito processual civil. 2. ed.Campinas: Bookseller, 2000.
LIEBMAN, E. T. Eficácia e autoridade da sentença. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
MELLO, C. A. B. de. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006;
NERY JUNIOR, N. NERY, R. M. A. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEAL, Fernanda Rabelo Oliveira. Aspectos relevantes sobre a relativização da coisa julgada material Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43237/aspectos-relevantes-sobre-a-relativizacao-da-coisa-julgada-material. Acesso em: 23 dez 2024.
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