Resumo: O presente trabalho destina-se ao estudo e à discussão do princípio da igualdade e suas nuances em face da questão das cotas raciais em universidades, questionando a eficácia destas políticas públicas e analisando os seus resultados práticos, tendo sempre em vista que essas ações estatais pretendem mitigar os efeitos da potencial marginalização social que, historicamente, se desenvolveu no Brasil, promovendo, assim, uma oportunidade de inclusão social desses indivíduos no mundo acadêmico.
Palavras-chave: igualdade – afrodescendente – universidade – cotas – direitos – políticas públicas – marginalização – dignidade da pessoa humana.
1. INTRODUÇÃO
A implantação de cotas nas universidades brasileiras decorreu de políticas públicas que possuem a intenção de mitigar toda a exclusão e marginalização que raças como a negra e a índia sofreram e ainda sofrem no Brasil, desde os tempos da colonização.
Essa questão é extremamente delicada, pois envolve o estudo do princípio da igualdade, previsto constitucionalmente, mas também o direito à dignidade da pessoa humana e, ainda, a democratização do acesso ao ensino superior.
Portanto, para suplementar uma pretensão desta proporção, haverá a exposição de fatos e conceitos, legislações e definições de todas as nuances que envolvem os princípios mencionados, bem como o estudo acerca da inclusão social e da necessidade ou não dessa espécie de política pública.
2. ANÁLISE DO CONTEÚDO INERENTE AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
O conceito de igualdade, em sua origem, tinha um caráter distorcido, pois não previa a igualdade no sentido real da palavra. Na Grécia Antiga, por exemplo, havia a previsão de igualdade, mas para apenas algumas pessoas da sociedade. Ensina FERREIRA:
“(...) essa igualdade grega, entretanto, só se revelava em determinados círculos sociais, uma vez que as mulheres, os estrangeiros e os escravos não eram beneficiados pela dita norma”.[1]
Com o surgimento das cidades e da burguesia e, ainda, com a ascensão da Revolução Industrial, a intensificação das atividades comerciais e produtivas faz gerar o capital e, por conseguinte, o investimento em educação e no mercado de trabalho. Com a ocorrência, ainda, da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos, este enriquecimento intelectual aumentou ainda mais e fez com que a sociedade passasse a reivindicar um tratamento igualitário efetivo entre os indivíduos, sem distinção de cor, raça, sexo, idade, religião e outros. Surge então a igualdade formal.
No direito brasileiro, a igualdade é direito fundamental assegurado pelo artigo quinto da Constituição Federal de 1988. Esta é uma grande conquista dos povos e deve ser exaltada, pois o preconceito e a discriminação, apesar de reduzidos, ainda se encontram presentes na sociedade atual, disfarçados pelas aparências.
Como a iniciativa de equalização entre os indivíduos não parte deles próprios, é necessária a ação do Estado nestes liames. Assim, é necessário que haja solidariedade por parte de nossos representantes políticos eleitos a fim de garantir um mínimo existencial para essas raças que foram tão injustiçadas e maltratadas ao longo de tantos severos anos.
Dessa forma, averigua-se que o direito formal não passou de mera aparência, sem a capacidade de dar eficácia ao tratamento isonômico necessário. Assim sendo, surge a acepção de igualdade material, que é aquela que precisa da ajuda e do aparato do Estado para efetivar-se, ou seja, para conceder às pessoas marginalizadas e discriminadas a oportunidade de inserção digna na sociedade.
Ensina-nos MELLO:
“(...) as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula da igualdade apenas e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com os interesses prestigiados na Constituição”.[2]
A igualdade, portanto, é princípio inerente às constituições democráticas, possuindo essencial valor hermenêutico, compondo de maneira fundamental a ordem jurídica.
3. ACESSO À EDUCAÇÃO POR COTAS
O governo, através de políticas públicas, tenta mitigar um pouco a intensa marginalização originada por séculos de exploração e discriminação de certos indivíduos, seja por motivo de cor, raça ou sexo, entre outros. Há pouquíssimo tempo, falando-se em séculos, por exemplo, é que se permitiu às mulheres o direito ao voto.
Com isso, ecoa a necessidade de uma espécie de compensação a estas pessoas, por tanto sofrimento e depredação já vividos por si e por seus ancestrais. O combate à discriminação envolve a utilização e a implantação de medidas positivas para inserir na sociedade estas pessoas outrora discriminadas.
Geralmente é o Poder Executivo o responsável pela implementação dessas medidas na atualidade brasileira, mas nada impede que o legislativo surja com ideias ou projetos de leis, inclusive, confeccionados pela própria população interessada. E, ainda, por parte do Poder Judiciário há também possibilidade de inserção através do atendimento jurídico ou mutirões.
Essas ações por parte do Estado são denominadas ações afirmativas. As bases jurídicas e filosóficas que embasam as ações afirmativas em prol das cotas raciais para afrodescendentes são os argumentos sobre a justiça compensatória e sobre a justiça distributiva.
São vários os objetivos dessas ações, como, por exemplo, a promoção da igualdade no tratamento dos indivíduos, o combate à discriminação racial, a promoção do pluralismo e da diversidade entre os indivíduos da sociedade, o convívio conjunto em um mesmo ambiente público, o incentivo ao respeito e à real utilização do princípio da dignidade da pessoa humana.
Ademais, é intenção da política de cotas impedir discriminação futuras, mas também reverter os efeitos culturais e psicológicos gerados naqueles que foram marginalizados. Fala-se, ainda, em aumentar a representatividade desses grupos marginalizados no contexto atual da sociedade brasileira, dentre outros.
As universidades brasileiras passaram, no início do século XXI, a adotar o sistema de cotas que prevê a destinação de uma porcentagem das vagas disponíveis para pessoas afrodescendentes provenientes de escolas públicas ou carentes, bem como também prevê cotas para índios e pessoas portadoras de deficiência.
A evolução dessa política é, inclusive criar cotas raciais nos concursos públicos, como já ocorre no Brasil, nos concursos realizados pelo Poder Executivo, devido à sanção concedida pela Presidente Dilma Roussef. Isso é denominado ação afirmativa continuativa, pois não compõe-se do trinômio “acesso, permanência e sucesso”.[3]
Na medida em que são concedidas as cotas, elas devem ser bem trabalhadas e aproveitadas, para não terem apenas o efeito compensatório, mas também, para ter a devida efetividade, levando o afrodescendente beneficiado ao sucesso na carreira, com chances de torna-lo apto à disputa existente no mercado de trabalho.
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto anteriormente, é notável que o instituto das cotas raciais no Brasil está ficando a cada dia mais evidente e a sua aplicação está se tornando cada vez mais efetiva, alastrando-se, inclusive, para a seara dos concursos públicos. Estas ações são justas e tendem a dignificar e compensar os afrodescendentes e, ainda, os índios, pelos maus tratos, pela discriminação e pela marginalização sofridos ao longo de sua história por si e por seus ancestrais. Esta é uma notória aplicação do princípio constitucional da igualdade, que possui presença necessária e fundamental em Constituições Democráticas e que, quando em sua forma material, representam a real igualdade entre os indivíduos, não deixando espaço para discriminações por raça, cor, sexo, religião ou orientação sexual.
5. REFERÊNCIAS
FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
RATTS, Alecsandro J. P. Damascena, Adriane A. Ações Afirmativas em Educação: Experiências Brasileiras. São Paulo: Selo Negro, 2003.
[1] FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 143.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 17.
[3] SILVA, Cidinha da. Apud RATTS, Alecsandro J. P. Damascena, Adriane A. Ações Afirmativas em Educação: Experiências Brasileiras. São Paulo: Selo Negro, 2003, p. 185.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEAL, Fernanda Rabelo Oliveira. O princípio da igualdade e a política pública das cotas raciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43241/o-principio-da-igualdade-e-a-politica-publica-das-cotas-raciais. Acesso em: 23 dez 2024.
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