“O ser humano deve desenvolver, para todos os seus conflitos, um método que rejeite a vingança, a agressão e a retaliação. A base para esse tipo de método é o amor”.
(Martin Luther King)
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo precípuo traçar um breve perfil do atual cenário de utilização das formas alternativas de solução de conflitos no contexto do Estado moderno, mediante um levantamento bibliográfico temático. O estudo também pretende divulgar e difundir, bem como promover e potencializar tais métodos alternativos junto à comunidade acadêmica em geral. Ou seja, busca-se suscitar discussões críticas e construtivas a respeito das vias alternativas de composição de controvérsias. Para tanto, a fim de que tais objetivos sejam alcançados, optou-se por uma abordagem metodológica crítico-analítica, tendo como objeto de estudo e de análise estes métodos: conciliação, mediação, arbitragem e negociação. Com isso, a partir da literatura aqui reunida e do referencial teórico adotado, buscou-se construir um breve esboço do novo paradigma do acordo, isto é, da cultura do consenso e da paz social. A lógica deste estudo gira, portanto, em torno da necessidade do aprimoramento e do aperfeiçoamento desses métodos, mas também da identificação de eventuais problemas e falhas advindas do sistema de acesso múltiplo à justiça (sistema multiportas). Por fim, por meio dos resultados obtidos, este estudo chegou à firme conclusão de que os meios alternativos de composição de conflitos são, de fato, instrumentos e ferramentas eficazes na popularização do acesso à justiça. Em virtude disso, então, com a difusão de tais métodos, o direito fundamental ao acesso à justiça se concretiza e efetiva-se de maneira significativa no contexto e na realidade brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Justiça. Arbitragem. Conciliação. Justiça Restaurativa. Mediação. Negociação.
ABSTRACT: The current study aiming at tracing a brief profile of the present scenario of alternative ways of (re)settlement of conflicts usage within the context of the modern State by means a thematic bibliographical research. Also, the study aims to promote, extend, and enhance these alternative methods in the academic community. In other words, what is sought here is to raise critical and constructive discussions regarding alternative ways of composing disputes. To this end, we have opted here for a methodological approach with critical analysis, having as main goal the observation and analysis of these methods. Thus, from the literature gathered and the theoretical framework adopted to this study, we have sought to construct a short sketch of the new paradigm of the agreement, ie, of the culture of consensus and social harmony.Therefore, the logic of this study goes around the need for improvement of these methods, and also goes around the identification of potential problems and failures arising from the multiple access to justice (multi-doors system). Finally, through the study findings, we have concluded that the alternative ways of conflicts composition are, indeed, effective tools to widespread the access to justice. Because of this, with the spread of these methods, the fundamental right on access to justice is implemented and is effective significantly in the Brazilian context and reality.
KEYWORDS: Access to Justice. Arbitration. Conciliation. Mediation. Negotiation. Restorative Justice.
SUMÁRIO: 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS; 2 CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO, ARBITRAGEM E NEGOCIAÇÃO: BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DE TAIS PRÁTICAS RESTAURATIVAS; 2.1 Definição; 2.2 Histórico e direito comparado; 3 SOCIEDADE, CONFLITO E PODER JUDICIÁRIO: A BUSCA (URGENTE) PELA PACIFICAÇÃO SOCIAL; 3.1 Do conflito humano em sociedade; 4 VIAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: DA CULTURA DO PROCESSO JUDICIAL AO NOVO PARADIGMA DO CONSENSO; 5 O DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: AS MÚLTIPLAS FORMAS DE ACESSO À JUSTIÇA; 6 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES; REFERÊNCIAS.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
De início, um primeiro olhar sobre o direito já revela que ele é um fenômeno de ordenação, ordenação da conduta e do agir humano (ADEODATO, 2009, p. 108). É nesse sentido que tem o direito o papel precípuo de coordenar os interesses da vida humana em sociedade (caráter deontológico e normativo do direito —dever-ser), o que pacifica, de acordo com os parâmetros do justo e do equitativo, os conflitos sociais que surgirem.
O direito, como mecanismo de regulação social, portanto, deve resolver esses problemas com a máxima realização dos valores sociais e humanos, todavia com o mínimo de sacrifício e desgaste possível, a fim de que, assim, o Estado possa realizar e promover o controle social de maneira efetiva e satisfatória.
Entretanto, esse setor nem sempre é atendido pelo Estado com a eficiência que se espera. A solução de um conflito, através do Poder Judiciário, na maioria dos casos, é lenta, desgastante e insatisfatória para as partes envolvidas no litígio. Esse fato ocorre, sobretudo, em função da demanda excessiva pelo Judiciário.
Diante desse panorama, a promoção e a difusão de soluções e métodos alternativos, que possam desembaraçar a solução dos conflitos e desafogar o Judiciário, devem ser estimuladas (SILLMANN, 2012, p. 2).
Por isso, atualmente, as principais vias alternativas de resolução de conflitos — conciliação, mediação, arbitragem e negociação — já ocupam cenário relevante em diversos sistemas jurídicos espalhados pelo mundo, com destaque para o sistema norte-americano. Essa nova cultura pacifista, ou, ainda, essa nova tendência jurídica, voltada, portanto, para a solução de conflitos mediante vias alternativas, gera consideráveis avanços e um grande impacto positivo na ampliação da estrutura do acesso material à justiça.
Ora, vale ressaltar que o acesso à justiça não se consubstancia apenas mediante um único caminho, uma única via, um único método. Pelo contrário, a justiça se realiza materialmente mediante múltiplas formas. E talvez seja essa a tendência moderna dos Estados Democráticos de Direito, qual seja a de fomentar e suscitar as múltiplas formas efetivadoras e materializadoras do acesso à justiça em seus ordenamentos jurídicos internos.
Com efeito, é de se notar, em contrapartida, que, devido ao crescente uso de tais métodos, as formas alternativas de resolução de conflitos passaram a ser alvo constante de discussões e críticas nos meios acadêmicos, forenses e institucionais. Muito se discute, por exemplo, quais seriam o papel e a eficácia dessas práticas restaurativas diante de um contexto de um Estado moderno que, possível e supostamente, passa por severa crise em suas instituições mais tradicionais.
Seja como for, o objetivo deste breve estudo é justamente fomentar e suscitar algumas discussões críticas a respeito das formas alternativas de solução de conflitos (conciliação, mediação, arbitragem e negociação). Como se indicou, os métodos consensuais de resolução de conflitos vêm se firmando cada vez mais nos principais ordenamentos jurídicos contemporâneos. E, no Brasil, não é diferente. Nos últimos anos, sobretudo com o recente incentivo a tais práticas restaurativas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o sistema jurídico brasileiro vem se abrindo, finalmente, para esses métodos consensuais e restaurativos.
Nesse contexto, os caminhos alternativos de solução de conflitos se mostram como os mais eficientes no cenário nacional, mesmo diante dos problemas históricos advindos de algumas instituições públicas do Brasil.
Tais métodos, vale destacar, dispõem de um amplo e considerável alcance social. Exercem, assim, uma função primordial destinada à sociedade, qual seja a de transmitir paz e justiça à comunidade social. A justiça restaurativa, nas figuras dos métodos consensuais de resolução de conflitos, sendo ela mecanismo alternativo, configura-se como um importante modelo consensual de justiça, em que o diálogo é restaurado entre os conflitantes, capaz de gerar, com isso, a restauração das relações sociais e do convívio humano pacífico em sociedade.
2 CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO, ARBITRAGEM E NEGOCIAÇÃO: BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DE TAIS PRÁTICAS RESTAURATIVAS
Os métodos consensuais de resolução de conflitos estão imersos em uma mudança de paradigma cultural. Quer dizer, está ocorrendo, atualmente, no direito brasileiro, uma guinada nos procedimentos de resolução de conflitos sociais. Há quem afirme, nesse sentido, que a implantação de tais métodos na realidade brasileira chega a se tornar uma revolução. Mas o que se percebe, na realidade, é que, de fato, o acordo e o consenso são efetivamente os melhores caminhos para a solução pacífica de conflitos sociais.
É diante desse panorama que se pretende, aqui, definir aquilo que se entende comumente por mediação, conciliação, arbitragem e negociação. Além disso, também, neste tópico, será abordada uma breve noção histórica da utilização desses institutos jurídicos de índole consensual, bem como será demonstrado como tais institutos jurídicos se encontram aplicados no direito estrangeiro.
2.1 Definição
Os meios consensuais — conciliação, mediação, arbitragem e negociação — são formas alternativas de solução do conflito e possuem, se executados da forma correta, a mesma validade jurídica perante terceiros (erga omnes) e entre as partes do litígio (inter partes) que o procedimento judicial comum. Inclusive, a decisão tomada no âmbito de tais meios alternativos disporá de poder coercitivo, sendo passível de execução mediante via judicial, se não for cumprida (SILLMANN, 2012, p. 4).
Portanto, os meios de resolução alternativa de litígios são procedimentos de índole consensual que funcionam como verdadeira alternativa à litigação em tribunal e envolvem a intervenção de um terceiro face ao litígio (BROWN; MARRIOTT, 1999, p. 12). Visam, na verdade, facilitar o entendimento e o acordo entre as partes conflitantes. São, assim, atividades-meio, com o objetivo de se atingir um fim maior que é o consenso, o acordo.
Nesse sentido, diante do exposto, sendo a conciliação uma das principais formas alternativas de solução de conflitos, ela é considerada, conseguintemente, como um dos meios alternativos de pacificação social. Vale lembrar que o termo conciliação, etimologicamente, origina-se do latim conciliare, que significa atrair, ajudar e harmonizar (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 12). Assim, para Lília Maia de Morais Sales (2007, p. 42), a conciliação é:
[...] [um] meio de solução de conflitos em que as pessoas buscam sanar as divergências com o auxílio de um terceiro, o qual recebe a denominação de conciliador. A conciliação em muito se assemelha à mediação. A diferença fundamental está na forma de condução do diálogo entre as partes.
Luiz Antunes Caetano (2002, p. 17) conceitua a conciliação como:
[...] [um] meio ou modo de acordo do conflito entre partes adversas, desavindas em seus interesses ou direitos, pela atuação de um terceiro. A conciliação também é um dos modos alternativos de solução extrajudicial de conflitos. Em casos específicos, por força de Lei, está sendo aplicada pelos órgãos do Poder Judiciário.
Em suma, a conciliação consiste em um mecanismo consensual de conflitos sociais em que as próprias partes buscam encontrar uma solução eficaz para suas controvérsias particulares. Os interessados contam com o auxílio de um terceiro, o conciliador, que interfere no diálogo.Para tanto, aponta e sugere possíveis soluções para o litígio, que estejam de acordo com as propostas apresentadas pelos envolvidos.E cabe a estes aceitarem ou não as soluções apontadas pelo conciliador (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 13).
Difere, portanto, da mediação, uma vez que, nesta, o mediador apenas facilita o canal de comunicação e diálogo entre os envolvidos, o que estimula, assim, as próprias partes a encontrarem uma solução para o seu conflito. Entretanto, na conciliação, o conciliador indica soluções e é, de fato, mais incisivo na resolução do conflito (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 13). Por isso é que se refere que, na conciliação, as partes têm menos controle efetivo no processo resolutivo do conflito do que na mediação. Com efeito, na mediação, os conflitantes dispõem de mais espaço e controle dos procedimentos e dos caminhos a serem percorridos para se chegar até a solução do conflito.
Desse modo, a mediação também consiste em um meio não jurisdicional de solução de litígios. O termo mediação é oriundo do latim mediare, que significa intervir, mediar (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 7). Para Lília Maia de Morais Sales (2007, p. 23), é a mediação:
[...] [um] procedimento consensual de solução de conflitos por meio do qual uma terceira pessoal, imparcial, — escolhida ou aceita pelas partes — age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma divergência. As pessoas envolvidas nesse conflito são as responsáveis pela decisão que melhor a satisfaça. A mediação representa um mecanismo de solução de conflitos utilizado pelas próprias partes que, motivadas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória. O mediador é a pessoa que auxilia na construção desse diálogo [construtivo].
Já para Roberto Portugal Bacellar (2003, p. 174), a mediação se configura como:
[...] [uma] técnica “lato sensu” que se destina a aproximar pessoas interessadas na resolução de um conflito e induzi-las a encontrar, por meio de uma conversa, soluções criativas, com ganhos mútuos e que preservem o relacionamento entre elas.
Trata-se, portanto, de um procedimento que objetiva aproximar as partes no âmbito do conflito, a partir da ajuda de um terceiro — o mediador —, para que elas conversem e restaurem o diálogo entre si, construindo, com isso, uma solução eficaz para a controvérsia. É com a mediação que se busca reunir os litigantes a fim de se levantar as controvérsias existentes, o que, desse modo, facilita a comunicação entre ambos (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 7). Por isso, “a mediação é adequada para a resolução de conflitos de relações continuadas, isto é, de relações que se mantêm mesmo existindo controvérsias. Geralmente, tais conflitos envolvem sentimentos, o que dificulta a comunicação” (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 7).
Em razão disso, a mediação é amplamente utilizada e difundida na esfera das relações familiares, em razão, justamente, do seu caráter incisivo e revelador daquilo que se encontra por trás das situações de conflito. O mediador suscita e provoca as partes a dialogarem e restabelecerem a comunicação entre si, até então, dificultada pelo processo judicial comum. Apenas a mediação é que consegue trazer à tona os elementos subjetivos inseridos e presentes no conflito, como sentimentos, aflições, mágoas, angústias, decepções, etc.
Já a arbitragem, por sua vez, consiste em um “meio alternativo à via judicial, que visa compor litígios, onde as partes envolvidas na controvérsia concordam, através de um contrato ou de um acordo, em se submeterem ao juízo arbitral para solucionarem as contradições” (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 17). O termo arbitragem é oriundo do latim arbiter, que significa juiz, jurado (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 17).
Para Luiz Antunes Caetano (2002, p. 23):
[...] trata-se do modo, meio e forma de pessoas, empresas ou instituições particulares poderem (e deverem) dirimir, resolver e, assim, dar fim aos eventuais conflitos oriundos do relacionamento entre elas, sejam pessoais ou negociais, fora do Poder Judiciário.
Conforme anota Lília Maia de Morais Sales (2007, p. 46), a arbitragem:
[...] é um procedimento em que as partes escolhem uma pessoa capaz e de sua confiança (árbitro) para solucionar os conflitos. Na arbitragem, ao contrário da conciliação e da mediação, as partes não possuem o poder de decisão. O árbitro é quem decide a questão.
Qualquer pessoa, física ou jurídica, frise-se, que celebrar um negócio com outra, pode lançar mão da arbitragem como meio de dissolver as desavenças que eventualmente surgirem na esfera negocial. Todavia, as partes envolvidas devem querer resolver o conflito e devem combinar como será realizada a arbitragem (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 17).
Ademais, as partes da negociação podem, através de um contrato, determinar, por meio de cláusula de compromisso, que, se surgirem controvérsias, estas serão solucionadas pela arbitragem. Entretanto, mesmo fora do contrato, mediante o compromisso arbitral, as partes podem combinar que as desavenças e controvérsias serão dissolvidas pelo referido meio arbitral (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 17).
Por fim, existe ainda a negociação. Tal método pode ser compreendido como o meio de resolução de conflitos em que as partes envolvidas no conflito dialogam entre si e estabelecem um acordo sem que haja, no entanto, qualquer interferência de um terceiro alheio ao litígio. Pode ser a negociação informal, em que as partes envolvidas discutem a fim de estabelecerem um acordo verbal, mas sem assinarem qualquer documento. Pode ser, também, formal, caso em que, após a realização do ajuste, as partes elaboram um contrato. Seja como for, a negociação é amplamente difundida e empregada em conflitos de índole patrimonial.Assim, configura-se, também, como uma importante porta direcionada ao acesso material à justiça (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 5).
De maneira geral e breve, são essas as principais definições dos métodos alternativos de solução de conflitos mais utilizados (conciliação, mediação, arbitragem e negociação).
Em resumo, nota-se, claramente, que tanto na conciliação quanto na mediação, bem como na arbitragem existe a presença necessária de um interventor, um terceiro, que é chamado a auxiliar na resolução do conflito. É este o ponto em comum que pertence a essas três vias alternativas de solução de conflitos. Além disso, o que vai diferenciá-las, significativamente, é o grau de atuação do interventor no conflito. No entanto, na negociação, por sua vez, as próprias partes é que dialogam entre si,com o intuito de chegarem a uma solução consensual do conflito. Nesse caso, na negociação, é dispensada a intervenção de um terceiro alheio à controvérsia.
2.2 Histórico e direito comparado
A consolidação das formas alternativas de solução de conflitos no quadro de um sistema fortemente marcado pela supremacia dos tribunais como instâncias pacificadoras da conflitualidade social é uma das dinâmicas que percorrem os atuais sistemas de administração da justiça (FRADE, 2003, p. 107). De fato, a tendência moderna das legislações processuais é a inclusão, em seu bojo,da previsão e do estabelecimento de meios alternativos para a solução de conflitos. Por isso, investigar a origem dos métodos consensuais de solução de conflitos é tarefa de grande relevância, a fim de que se possa compreender melhor a natureza e o funcionamento operacional de tais institutos jurídicos.
O movimento dos Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos (MARCs), denominado, nos Estados Unidos da América (EUA), de Alternative Dispute Resolution (ADR’s), teve sua origem no contexto norte-americano, nas décadas de 60 e 70 do século passado. Vertiginosamente, tal movimento ultrapassou fronteiras e alcançou, logo, a Europa, começando pelo Reino Unido e pela Escandinávia, seguindo para outros países europeus, como Portugal e França (FRADE, 2003, p. 110).
Assim, nos países anglo-saxônicos, em meados da década de 70, os meios alternativos de solução de conflitos eram encarados como esquemas de recurso destinados a lidar com questões de importância menor ou marginal, não merecedoras, portanto, de um tratamento judicial completo. Todavia, o movimento dos MARCs conseguiu se impor, e as suas propostas têm ganhado espaço e adeptos no cenário jurídico internacional. Prova disso é que, além da multiplicidade de iniciativas privadas e comunitárias na área da resolução alternativa de litígios, é hoje o Estado moderno que as acolhe (FRADE, 2003, p. 126).
Além disso, as vias alternativas de solução de conflitos têm permitido, entre outros aspectos, responder à procura de soluções céleres e eficazes, nomeadamente em matéria de consumo e de crédito. Procedimentos como a conciliação, mediação e a arbitragem têm vindo a conquistar um lugar cada vez mais relevante neste novo campo da conflitualidade (FRADE, 2003, p. 110).
É curioso notar que, nos países anglo-saxônicos — nos quais a tradição dos métodos alternativos se assenta de maneira mais significativa do que nos demais países de base romanista — existem, além destes, outros métodos alternativos de solução de conflitos. É nesse sentido que a portuguesa Catarina Frade (2003, pp. 110-111) aponta para a existência de outros métodos alternativos de solução de conflitos como, por exemplo: a avaliação prévia independente, o tribunal multiportas, o minijulgamento, a peritagem, o ombundsman e a mediação-arbitragem. Todos eles representam métodos distintos de selecionar o terceiro facilitador da solução do conflito. Tais métodos também traduzem níveis diferentes de controle das partes no processo. De fato, são adaptações ou aperfeiçoamentos dos procedimentos originais de conciliação, mediação e arbitragem, que continuam, com isso, a servir de inspiração às novas figuras processuais.
Diante disso, consolida-se um novo modelo de administração da justiça, traduzido na criação de um sistema integrado de resolução de conflitos que deve promover e garantir o acesso material dos cidadãos ao direito à justiça. Esse acesso à justiça deve ser compreendido como o acesso à entidade (ou terceiro) que os conflitantes considerem a mais legítima e adequada para solucionar o seu conflito. Esse terceiro, frise-se, poderá ser tanto o tribunal como outra entidade qualquer que cumpra a mesma finalidade com eficiência e rigor legal (PEDROSO, 2001, pp. 52-53).
3 SOCIEDADE, CONFLITO E PODER JUDICIÁRIO: A BUSCA (URGENTE) PELA PACIFICAÇÃO SOCIAL
O direito — ou o fenômeno jurídico —, como indicado, exerce primordialmente, na sociedade, a função ordenadora e diretiva (dever-ser), de modo a organizar a coletividade, coordenar os interesses individuais e coletivos e compor os litígios oriundos da vida e do convívio social.
Na atual configuração em que se encontra o direito moderno, se surge um conflito entre duas pessoas, o direito estabelece que, para findar esta situação conflituosa e perturbadora e restabelecer a tranquilidade, a paz e o equilíbrio social, é necessário que seja chamado o Estado-juiz, para que este, quando devidamente provocado, analise o caso concreto e diga qual a vontade do ordenamento jurídico para aquela situação específica, ou seja, para que ele possa “dizer o direito” (iurisdictio). Com isso, o Estado exerce suas funções primordiais, que são a pacificação social e a manutenção da ordem jurídica.
Nesse sentido, na ilustre opinião de Cesar Asfor Rocha (2009, pp. 43-44):
Ninguém hoje duvida de que a sociedade guarda, em relação à magistratura e aos juízes, grandes e esperançosas expectativas, acreditando que, por meio de sua atuação eficiente, podem ser equacionados e resolvidos seus problemas mais graves e mais antigos. E essas expectativas, se estão longe de ser ilusórias, também estão longe de alcançar concretização em curto prazo de tempo; entretanto, representam a confiança nas instituições judiciárias e no meio pacífico e civilizado de solucionar dissídios. Se assim não fosse, instalar-se-ia a total insegurança nas relações da vida social, e cada um cuidaria de defender seus interesses com o emprego dos próprios meios, retornando-se ao estado de barbárie ou da famosa guerra de todos contra todos — bellum omnium contra omnes —, a que aludiam os primeiros filósofos do contratualismo, dentre os quais o celebrado Thomas Hobbes.
Em tempos pretéritos, porém, a realidade era extremamente distinta da atual. Conforme afirmam Laís Meneghin e Fabiana Junqueira Tamaoki Neves (2010, p. 2):
Antes da estruturação do Estado, os litígios interpessoais eram solucionados através da autotutela, onde sempre prevalecia a decisão do mais forte, do mais astuto ou do mais ousado. Contudo, a partir da organização do Estado, a justiça privada deu lugar à justiça pública, e o Estado passou a se impor sobre os particulares, decidindo os conflitos de interesses destes.
Como se vê, portanto, antes da consolidação do modelo político pautado na constituição de um ente estatal soberano, os conflitos eram geralmente resolvidos pelo prevalecimento da justiça do mais forte contra o mais fraco, ou seja, por meio da justiça particular ou privada (autotutela). Essa forma de justiça, horizontalizada, — pois se efetiva num plano horizontal onde não há autoridade soberana constituída — tem como maior representante a vingança privada. Sabe-se que, em épocas passadas, na ausência de um ente político-ideológico que tomasse para si o monopólio do direito (autoridade estatal), a vingança privada era uma forma utilizada para se reparar ou retribuir um dano causado por alguém.
Somente a partir do momento em que o Estado (ente político e ideológico) toma para si o monopólio do direito é que ocorre uma verticalização da justiça. Por meio dessa verticalização, o Estado passa a assumir exclusivamente o papel de garantidor de valores sociais como a ordem, a paz, o equilíbrio e a justiça sociais.
Com a verticalização da justiça, antes horizontal, esta se transferiu para a esfera pública, e, por conseguinte, o Estado proibiu qualquer forma de realização de justiça particular ou privada pautada em atos de natureza vingativa e retributiva, à exceção de alguns atos, como a legítima defesa, por exemplo. É nessa fase que os grandes filósofos do direito e os renomados cientistas políticos apontam para um momento peculiar na história do desenvolvimento do Estado: é aqui que o Estado invoca e toma para si o monopólio de legislar, governar e, nesse caso, principalmente julgar.Enfim, sabe-se, entretanto, que, atualmente, o modelo político do Estado moderno e democrático de direito difere consideravelmente desse pressuposto lógico acima analisado.
De qualquer maneira, o fato é que a função judicante do Estado, atualmente, vem sofrendo inúmeras críticas. Fato esse que tem obrigado os operadores do direito a buscarem novos mecanismos de solução de conflitos mais céleres e menos burocráticos e, portanto, mais eficazes (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 2).
Em face das críticas à atuação do Poder Judiciário, a justiça privada vem se renovando e retomando o seu papel e espaço na sociedade, só que de forma consensual e pacífica. O fato é que o Estado, de certa forma, está devolvendo parcela significativa da sua função jurisdicional à esfera privada. Ou seja, após ter o Estado tomado para si o monopólio do direito, aos poucos esse mesmo ente devolve certa parcela da sua função jurisdicional para a justiça particular ou privada, através das formas alternativas de solução de conflitos.
Mas esse fato já é observado ao longo da história. Com efeito, os antigos mercadores europeus, os burgueses, na Idade Média, já demonstravam o desejo de julgar seus conflitos de interesses em seus próprios tribunais, sem interferências externas das cortes feudais, por meio das Corporações de Ofício (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 3). Segundo André Luiz Santa Cruz Ramos (2012, p. 3):
Ocorre que na Idade Média não havia ainda um poder político central forte, capaz de impor regras gerais e aplicá-las a todos. Vivia-se sob o modo de produção feudal, em que o poder político era altamente descentralizado nas mãos da nobreza fundiária, o que fez surgir uma série de “direitos locais” nas diversas regiões da Europa. [...] Essa classe burguesa, os chamados comerciantes ou mercadores, teve então que se organizar e construir o seu próprio “direito”, a ser aplicado nos diversos conflitos que passaram a eclodir com a efervescência da atividade mercantil que se observava, após décadas de estagnação do comércio. As regras do direito comercial foram surgindo, pois, da própria dinâmica da atividade negocial. Surgem nesse cenário as Corporações de Ofício, que logo assumiram relevante papel na sociedade da época, conseguindo obter, inclusive, certa autonomia em relação à nobreza feudal. [...] Cada corporação tinha seus próprios usos e costumes, e os aplicava, por meio de cônsules eleitos pelos próprios associados, para reger as relações entre os seus membros.
O direito processual moderno, em face da crise pela qual passa a justiça estatal, busca um direito, bem como uma justiça mais acessíveis a todos os cidadãos. É assim que surgem os meios alternativos de resolução de conflitos, considerados novos rumos, novos caminhos, nova esperança, que podem ser, de modo facultativo, percorridos pelos jurisdicionados que almejam a solução de seus conflitos de forma distinta dos padrões tradicionais do processo civil (MENEGHIN; NEVES, 2010, p. 3).
3.1 Do conflito humano em sociedade
O conflito é um fenômeno próprio da convivência humana em sociedade e pode ser gerado por diversos motivos, tais como pensamentos divergentes, interesses distintos, insatisfação de uma necessidade, acordos descumpridos, entre outros. Quando tratado de forma pacífica, o conflito pode ser aproveitado para a solução do problema inicial. Todavia, quando as pessoas não estão preparadas para lidarem com o conflito, ou lidam de uma forma inadequada, ele se transforma em um violento e verdadeiro confronto, capaz de se arrastar por décadas (SOUZA, 2009, p. 2).
Para Adriana Goulart de Sena (2007, p. 98):
O convívio em sociedade e o exercício da liberdade individual perante uma coletividade de iguais acaba gerando naturais conflitos e litígios entre os seus membros. O direito visa, assim, prevenir ou findar os conflitos existentes nas relações humanas; trazer, em suma, a estabilidade social diante do conceito mais próximo de Justiça pensada por aquele conjunto de pessoas.
Muitas pessoas acreditam que uma controvérsia apenas pode ser solucionada mediante um processo judicial. Este pode ser definido como o método de compor a lide em juízo por meio de uma relação jurídica vinculativa de direito público (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 55). Todavia esta crença é confirmada apenas quando o problema versa sobre direitos indisponíveis, que são os direitos tutelados pelo Estado e quanto aos quais não há possibilidade de declínio. Entretanto, quando a ação versa sobre direitos disponíveis (geralmente relacionados a direitos patrimoniais, que podem ser mensurados economicamente) existem outros métodos para a resolução do conflito. Como o conceito de jurisdição envolve meios não estatais de resolução de conflito, uma solução que se configura como bastante satisfatória para resolver os confrontos sociais trata-se, justamente, dos métodos alternativos de solução de conflitos (SILLMANN, 2012, pp. 3-4).
É nesse sentido que Suelen Agum dos Reis (2007, p. 13) leciona que:
Em certas áreas ou espécies de litígios, a solução normal — o tradicional processo litigioso em juízo — pode não ser o melhor caminho para ensejar a vindicação efetiva de direitos. Assim, a sociedade moderna possui razões para buscar essas alternativas que fazem parte da essência do movimento de acesso à justiça, qual seja o processo judicial acessível a toda a população, ou que pelo menos deveria ser, com solução dos conflitos até mesmo fora do sistema formal.
4 VIAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: DA CULTURA DO PROCESSO JUDICIAL AO NOVO PARADIGMA DO CONSENSO
Na sociedade atual, o que impera é o tradicional paradigma do processo judicial como sendo a única forma de se obter uma solução satisfatória para o conflito. Entretanto, como já abordado, as vias consensuais de solução de conflitos se configuram como verdadeiras formas alternativas de resolução das controvérsias, possibilitando um novo olhar sobre a desavença.
O que se sabe é que, com a utilização crescente desses métodos como forma de se resolver litígios, está passando-se, paulatinamente, da cultura do processo judicial para o novo paradigma do consenso e do acordo. Logo, a sociedade brasileira precisa estar ciente de que existem outras formas mais viáveis de se compor um conflito. Para tanto, considera-se que ações voltadas para a divulgação e para a difusão desses métodos são extremamente relevantes, a fim de que a comunidade social possa, enfim, desfrutar dos benefícios práticos oriundos da conciliação, da mediação, da arbitragem e da negociação.
De fato, a atual sociedade capitalista, pautada, portanto, nas relações de consumo e de produção, enxerga, como o único e exclusivo método de resolução de conflitos, a justiça comum. Ora, isso certamente faz parte da cultura herdada de períodos pretéritos, em que o Estado tomava para si o monopólio absoluto do direito.
É óbvio que não se pretende, aqui, incentivar ou fazer qualquer tipo de apologia contra o processo judicial e contra a justiça comum. Muito pelo contrário. O que se defende, com este breve estudo, é justamente a variação positiva de formas de se realizar a justiça e de materializá-la. Isto é, fazer com que outros meios mais adequados, em alguns casos, ganhem também espaço no direito brasileiro. Por isso, defende-se a total conveniência e eficiência da utilização do processo judicial comum. Mas existem alguns tipos de conflitos advindos do meio social que necessitam de uma abordagem metodológica e de um tratamento diferenciado em razão de suas peculiaridades.
Assim, deve-se atentar para a necessidade de uma verdadeira política pública voltada para a difusão e divulgação dos métodos alternativos de solução de conflitos. É necessário haver uma maior popularização de tais métodos, para que, então, a comunidade social possa lançar mão, de maneira eficiente, desses novos e viáveis caminhos a serem percorridos pela justiça contemporânea.
Ademais, nesse contexto abordado, as formas alternativas de solução de conflitos não vieram para substituir o processo judicial comum, muito menos para concorrer com ele. Ao contrário, os novos métodos de resolução de conflitos surgiram para dar opções e alternativas à sociedade para a solução de seus conflitos. E, de fato, essa nova cultura do consenso e do acordo — que ainda precisa ser mais popularizada — supera aqueles pontos negativos que são constantemente vistos nos processos judiciais comuns, como a cultura do adversário, o “tudo ou nada” ou o “ganha ou perde”, no âmbito processual.
Mais que isso, as vias alternativas de solução de conflitos, quando pautadas justamente no acordo e no consenso, motivam a restauração do diálogo, com a finalidade máxima de se chegar a um resultado satisfatório para ambas as partes do conflito. Meta que, dificilmente, observa-se nos processos nos tribunais. Em um processo judicial simples, dificilmente as duas partes permanecem satisfeitas com a decisão do magistrado. É por isso que existem os recursos às instâncias superiores.
Desse modo, com o novo paradigma dos métodos e formas alternativas de solução de conflitos não existe perdedor, muito menos ganhador. Todos ganham. Ninguém perde. O conflito dá lugar, agora, ao consenso, ao acordo e à paz nas relações entre as pessoas, de modo que o diálogo se mostra a alternativa mais eficiente e viável nesses casos. É necessário se avançar urgentemente para esse tipo de abordagem do conflito.
Além disso, como bem ressalta Marina Matos Sillmann (2012, p. 2):
[...] uma lide julgada nem sempre é sinônimo de lide resolvida. Apesar do juiz de direito ter determinado uma sentença e com isso colocado um ponto final ao processo, para as partes a lembrança deste perdurará por um bom tempo: a angústia, o longo tempo de espera, a raiva, isso sem falar que é muito provável que o relacionamento que uma parte possuía com a outra, antes do confronto, nunca venha a se restabelecer.
E prossegue a autora afirmando que:
Assim, os meios alternativos de pacificação de conflitos, se executados na linguagem adequada, podem, além de solucionar o conflito, restaurar o relacionamento deturpado pela discórdia. Estes meios trabalham com a reconstrução do diálogo e por isso apresentam uma eficiente solução para o confronto com um desgaste bem menor do que a solução via Poder Judiciário. Em outras palavras, a utilização dos meios alternativos de pacificação social finaliza de forma definitiva o problema, pois acabam com este de acordo com o pensamento das partes e não apenas com a aplicação da Lei conforme o pensamento do juiz. E pode-se dizer também que se trata de uma maneira mais humana de resolução de conflito (SILLMANN, 2012, p. 2).
5 O DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: AS MÚLTIPLAS FORMAS DE ACESSO À JUSTIÇA
Sabe-se, categoricamente, que o direito ao acesso à justiça é um direito fundamental, previsto na Constituição Federal de 1988. É através dele que os demais direitos (direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à privacidade, etc.) podem ser garantidos e tutelados de maneira efetiva. Noutros termos, o direito ao acesso à justiça, no atual panorama em que se encontra o Estado Democrático de Direito, configura-se como um direito essencial, sem o qual dificilmente os demais direitos elencados nas constituições seriam resguardados. Ora, se o direito ao acesso efetivo à justiça é negado, obviamente, por via de consequência, todos os demais direitos fundamentais são atingidos em razão disso. É pelo acesso à justiça que o cidadão comum tem a possibilidade de receber dela uma resposta para o seu problema.
Assim, como afirmam Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 8), o direito ao acesso à justiça, compreendido como direito fundamental, pressupõe sua plena realização pelo Estado de Direito mediante um sistema de justiça efetivo e democrático. Todavia, o quadro macroeconômico e sociocultural no qual gesta essas garantias não é favorável à sua realização objetiva de forma igualitária entre os indivíduos. Para isso, formulam-se, no âmbito do Estado, práticas alternativas de resolução de conflitos com o intuito de dirimir as desigualdades das disputas levadas à lide. É nessa ótica de tornar o processo civil menos oneroso para a parte desfavorecida, e mais célere, que, desde a década de 1960, discute-se pelo mundo o direito ao acesso à justiça por meio do destacado Movimento Universal do Acesso à Justiça (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 9).
Nesse sentido, em consonância com o exposto, explicam Bernadete de Lourdes Figueiredo de Almeida e Dandara Batista Correia (2012, p. 42) que:
O Acesso à Justiça como direito garantido pela ação do Poder Público requer dele próprio iniciativas que possam assegurar o enfrentamento de determinantes que envolvem os conflitos levados a juízo. Nesse sentido, [a arbitragem, a negociação,] a mediação e a conciliação são entendidas como meios alternativos de solução de conflitos sociais, aptos a viabilizar o Acesso à Justiça.
Assim, portanto, o acesso à justiça, para que seja efetivo, não deve se ater somente ao acesso ao Poder Judiciário, mas também às demais formas alternativas de realização de justiça (conciliação, mediação, arbitragem e negociação). “O acesso à Justiça é um direito do cidadão, não apenas do ponto de vista do direito ao ajuizamento da ação, mas também no sentido amplo que o termo tem, encerrando verdadeira pacificação social” (SENA, 2007, p. 109).
Aliás, é interessante analisar nesse ponto quais são as acepções jurídicas da expressão “acesso à justiça”. Com efeito, na acepção jurídica formal, o acesso à justiça é a mera garantia formal de postulação jurisdicional de acesso ao Poder Judiciário. Na acepção jurídica material, porém, é o acesso a todo e qualquer órgão, poder, informação e serviço, especialmente aos públicos e aos direitos fundamentais e humanos (MARTINS, 2004, pp. 732-733). Já para Cappelletti e Garth (1988, p. 8), em posição paralela, o acesso à justiça é o “sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”.
Pretende-se, aqui, afinal, enfatizar que a justiça alternativa se encontra inserida em um sistema de justiça denominado multiportas, que é implicitamente referendado pela atual Constituição da República. Efetivamente, extrai-se do Texto Constitucional de 1988 a solene possibilidade de se ter um sistema de justiça alternativo, que é, portanto, mais flexível e adaptável às exigências e necessidades advindas da complexa sociedade brasileira.
Com o acesso múltiplo à justiça, ou seja, com o sistema multiportas de acesso à justiça, os métodos alternativos de resolução de conflitos passam a desempenhar relevante função social, pois multiplicam, desse modo, as chances do cidadão ter a justiça à sua disposição e ao seu breve alcance.
6 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES
Em sede conclusiva, portanto, percebeu-se aqui que as formas alternativas de solução de conflitos, nas figuras da conciliação, mediação, arbitragem e negociação, localizam-se em um patamar mais próximo da realização material do acesso à justiça. Vale destacar que tal acesso deve ser igualitário, de modo que todos os cidadãos possam, em iguais condições, acessar os mecanismos que compõem a justiça, esta considerada em seu sentido amplo (lato sensu). De fato, a cultura da paz emerge como um novo ideal a ser buscado e vivenciado por todos aqueles atores que compõem o meio social, tanto a sociedade, na pessoa do cidadão comum, quanto as instituições públicas e privadas.
Essa mudança cultural, dos tempos da judicialização absoluta dos conflitos para o modelo da paz e do consenso, possui um alcance social enorme. Daí surge a necessidade de haver uma urgente reeducação social no sentido de se (re)educar as pessoas para a utilização dos métodos alternativos na solução de seus conflitos interpessoais. É notável que a busca pela implantação do paradigma do consenso, em detrimento da cultura do processo como única forma de se resolver conflitos, traz consigo a necessidade de haver uma maior divulgação de tais métodos alternativos, a fim de que, então, estes sejam potencializados como mecanismos pedagógicos efetivadores do acesso igualitário à justiça em todos os setores e segmentos da sociedade.
Doutro modo, ou seja, se não houver uma verdadeira popularização e difusão dessa cultura pacífica, muito dificilmente haverá êxito nessa nova proposta de se ampliar o acesso igualitário à justiça, mediante o sistema multiportas.
Além do mais, em virtude do amplo alcance social das formas alternativas de resolução de conflitos, é necessária uma (re)adaptação de toda a estrutura que envolve o Poder Judiciário brasileiro, visando sempre à qualidade da justiça oferecida e prestada aos cidadãos por esses métodos.
Esses caminhos alternativos dispõem de um enorme potencial para a materialização e a concretização do direito ao acesso igualitário à justiça. Entretanto, a disseminação de tais métodos restaurativos, no contexto brasileiro, ainda sofre resistências de alguns setores, órgãos e instituições da sociedade, que, em vez de lutarem pela ampliação do acesso igualitário e efetivo à justiça, impedem e dificultam a implantação desse novo modelo de múltiplo acesso à justiça.
Somada a isso, uma mudança de cultura como esta necessariamente atinge estruturas sociais, culturais, políticas e econômicas que se solidificaram ao longo do tempo na formação do Brasil. Por conseguinte, a inserção de formas alternativas de acesso à justiça diante do contexto dos países subdesenvolvidos, de economia e política instáveis, torna-se ainda mais difícil e problemática. A questão é que a realidade dos países periféricos se contrasta com a estabilidade dos sistemas de administração de justiça encontrados em outros países, considerados de primeiro mundo.
Seja como for, apesar dos obstáculos vivenciados atualmente pela implantação da cultura do consenso, no Brasil, tal meta não se configura como uma utopia ilusória, nem como algo irrealizável. Ao contrário, a cultura da paz, traduzida na utilização, difusão e popularização dos métodos alternativos de solução de conflitos, mostra-se, na verdade, mais possível e real do que se possa imaginar.
Assim, colocar em prática instrumentos alternativos para a solução de conflitos sociais é tarefa árdua e demasiadamente difícil, ao serem considerados alguns aspectos e fatores históricos, políticos, sociais, culturais e econômicos do Brasil. Contudo, a resolução pacífica de conflitos, apesar dos empecilhos encontrados na realidade brasileira, vem aos poucos se consolidando e afirmando-se, de modo que já alcança alguns resultados positivos e satisfatórios.
Este breve estudo é finalizado com as brilhantes palavras do pastor protestante e ativista político norte-americano Martin Luther King, que foram proferidas em um de seus vários discursos realizados em defesa dos direitos civis dos negros, promovendo, pelo mundo, campanhas de não violência e de amor ao próximo. Segundo ele, “o ser humano deve desenvolver, para todos os seus conflitos, um método que rejeite a vingança, a agressão e a retaliação. A base para esse tipo de método é o amor”.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, José Joércio do. O papel das vias alternativas de solução de conflitos na concretização do múltiplo acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43269/o-papel-das-vias-alternativas-de-solucao-de-conflitos-na-concretizacao-do-multiplo-acesso-a-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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