Resumo: Este artigo jurídico procura evidenciar algumas características e nuances do princípio dispositivo, tendo como pano de fundo expor a perspectiva de Maria Elizabeth de Castro Lopes e elencar, com o objetivo de visualização prática da aplicação do princípio, posicionamentos da atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
Palavras-Chave: Principio dispositivo. Poderes instrutórios do juiz. Poder geral de cautela. Ônus da Prova.
1. Princípio dispositivo e perspectiva histórica
O princípio como vocábulo, significa início, começo, raiz. É uma espécie de norma jurídica, conforme aduz Maria Elizabeth de Castro Lopes, e “possui forte índice de abstração, com uma referência direta de valor, e tem caráter genérico, diferentemente da regra, que também é espécie de norma, mas com natureza concreta e determinada.” [1] Josef Esser, ainda em 1956 veio a questionar se os princípios seriam integrantes do direito positivo. Para ele, na medida que tenham sido encarnados “num instituição, por um ato constitutivo do Poder Legislativo, da jurisprudência ou da vida jurídica” [2] Ademais, acrescenta que os princípios jurídicos são elementos do direito subjetivo que fruem de proteção processual, são direito positivo, “ainda que não normas (rules) precisas e independentes do direito, os chamados pensamentos jurídicos gerais, as ratione legis, os princípios valorativos e construtivos de um sistema, mas também os princípios éticos e de justiça” [3] Além disso, se apresentam como diretrizes para os órgãos formadores de direito.
Já Ronald Dworkin distingue princípios e regras de forma bastante esclarecedora: ao decidir determinado caso em que há um conflito entre princípios, deve-se levar em conta o peso relativo de cada um, no que se refere à regras, isso não acontece, o ponto não é discutir acerca do peso, nem verificar qual regra é mais importante dentro de um sistema, “mas indagar quais delas tem validade, de modo que, se houver conflito entre elas, será excluída do caso” [4].
Robert Alexy, por outro enfoque, considera princípios as normas com grau de generalidade alto enquanto as regras seriam as normas de grau relativamente baixo. [5] Ademais, acrescenta que os princípios são mandados de otimização “que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diversos graus e porque a medida ordenada de seu cumprimento não só depende das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas” [6]. As regras, por sua vez, “são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou descumpridas. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que ela ordena, nem mais nem menos” [7].
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio se irradia sob as diferentes normas, e é ele quem define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, “no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”[8]. Sendo assim, a violação ao princípio é mais grave do que transgredir uma norma “porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais” [9].
Observa Maria Elizabeth de Castro Lopes que a colisão entre princípios leva ao juiz escolher entre um deles, o que não significa que o outro seja eliminado do sistema, o que aconteceria em relação às regras. Além disso, na vida prática não é fácil distinguir um princípio de uma regra, “o que obriga a reflexões demoradas que nem sempre permitem alcanças todos os objetivos pretendidos”. [10]
Carnacini procura mostrar, após analisar a realidade do processo judicial, que o processo civil tem suas próprias exigências, e as pessoas que pretendem dele se servir devem se adequar as suas peculiaridades: “como o processo se sujeita a normas de organização e funcionamento, estas se aplicam não só ao juiz, mas também as partes, que a elas devem se adaptar” [11]. Neste sentido, a parte apresenta dois aspectos marcantes, o primeiro é que se move conforme as regras do ordenamento acerca dos interesses materiais das pessoas, no segundo, está presa a técnica peculiar do processo. Segue observando que a distinção entre o princípio dispositivo e o princípio inquisitivo reside “na dependência de aceitar, ou não, como indispensável, a contribuição das partes na obra de reconstrução dos elementos de fato.” [12].
Conforme salienta este autor, no processo civil italiano baseou-se na máxima iudex iuxta allegata et probata partium iudicare debet, acolhendo o processo de tipo dispositivo. Ademais, lá só se pode falar em princípio inquisitivo quando entra em cena o Ministério Público, já que consiste somente no monopólio instrutório das partes depois de comparecer em juízo, com todos os elementos de afirmação e não só as provas dos fatos. [13]
Liebman, por sua vez, parte da análise histórica da doutrina alemã, em que acreditavam que no processo civil só estavam em jogo os interesses das partes, de forma a firmarem que não só a iniciativa do processo, mas também o oferecimento de elementos e meios em vistas de formar a convicção do juiz competiam às partes. Para ele, ninguém é bom juiz em causa própria, de forma que o juiz “deve ser um estranho a lide e imparcial, em posição de neutralidade e eqüidistância da posição de quaisquer das partes”, contudo, “para julgar, o juiz deve formular juízos preparatórios, instrumentais, entre os quais tem importância de caráter probatório” e assim, é necessário manter a imparcialidade “que poderia ser comprometida se o próprio juiz se encarregasse de provar”.
Neste sentido, para Liebman, o princípio dispositivo deve ser renovado e revigorado, evitando a tendência paternalista e dando a outro órgão, o Ministério Público, poderes inquisitórios quando se trata de direitos indisponíveis, já que existe diferença entre investigar e decidir. [14]
Já Mauro Cappelletti adota outro enfoque, ressaltando a preocupação com a distribuição de justiça de forma igualitária. [15]Sendo assim, procura conciliar o princípio dispositivo com os poderes instrutórios do juiz, este terá a possibilidade de orientar as partes quando verificar um injusto prejuízo ou desequilíbrio entre elas. Partindo de análises e críticas à Carnacini, conclui que os poderes das partes se encontram em planos diferentes, podendo ser chamado:
princípio (e processo) dispositivo em sentido material, ou em sentido próprio aquele que indica a existência de um poder exclusivo das partes no pedido da tutela jurisdicional e em fixar o objeto do juízo (...) e princípio (e processo) dispositivo em sentido processual ou impróprio aquele com qual se alude ao invés ao vínculo do juiz as iniciativas das partes pelo que respeita em geral a técnica e o desenvolvimento interno do processo e na espécie a escolha dos instrumentos para a formação do convencimento judicial. [16]
Sob esse prisma, ele se preocupa em elencar os limites entre a iniciativa das partes e os poderes da iniciativa do juiz, propondo ser o juiz, além de diretor formal, o diretor material do processo, assumindo poderes referentes à matéria do processo. As partes, por sua vez, tem o poder de disposição e de exceção, e ao juiz seria conferido um poder que lhe possibilitasse auxiliar as partes, “onde pudesse mostrar, ampliar, trocar e até corrigir a posição processual, sem tocar, abalar ou mexer no pedido” [17].
Maria Elizabeth Lopes observa aspectos do princípio dispositivo em Portugal, que foram principalmente inseridos no CPC português por António Montalvão Machado, na qual são elencadas diversas novidades, e mostram que o princípio dispositivo foi abrandado, já que apesar das mudanças as partes continuam a decidir quais fatos devem constar no processo. [18].
Ademais, em relação a Espanha, a Ley de Enjuiciamento Civil de 200 intensificou as discussões acerca do princípio, que se encontra na Exposição de Motivos assim consagrado:
La nueva Ley de Enjuiciamento Civil sigue inspirandose em el princípio de justicia rogada o princípio dispositivo, del que se extraen todas sus razonables consecuencias, com la vista puesta, no solo que, como regla, los procesos civiles persiguen la tutela de derechos e intereses legítimos de determinados sujeitos jurídicos, a los que corresponde la iniciativa procesal y la configuracion del objeto del proceso, sino em que lãs cargas procesales atribuídas a estos sujeitos y su lógica diligencia para obtener la tutela judicial que piden, pueden y deben configurar razonablemente el trabajo del órgano jurisdicional, em beneficio de todos. [19]
Neste molde, o princípio dispositivo, que compreende a iniciativa da demanda, das alegações e a congruência entre pedido e sentença, decorre do modelo econômico fundado na autonomia da vontade e no respeito à livre iniciativa. Conforme salienta Juan Montero Aroca, não há obstáculo algum em aumentar as faculdades processuais, deste que o juiz não possa de ofício iniciar o processo ou alegar fatos ou praticar prova não pedida pelas partes, já que deste modo se estaria afetando a existência dos direitos subjetivos reconhecidos na norma material. [20]
O que se observa na Espanha é que o princípio dispositivo vigora plenamente, contudo, a “determinação de provas pelo juiz tem caráter de exceção” [21]. Já na Argentina, conforme sugere a autora, mantém-se o princípio dispositivo, entretanto, confere-se ao juiz vários poderes no sentido da boa marcha processual e da melhor apuração dos fatos. [22] De acordo com Enrique Vescovi, processualista uruguaio, o que se observa na Argentina parece ser uma senda indiscutível para lograr-se uma justiça melhor e também a ansiada justiça social. Nesse enfoque, a autora observa:
Segundo o autor, o aumento dos poderes do juiz na busca da verdade é indiscutível e se manifesta, de modo geral, na ampliação das faculdades de determinar diligências para melhor prover, de interrogar as partes e as testemunhas em qualquer momento etc. Além disso, mesmo mantendo-se o princípio dispositivo, cabe ao juiz proibir que as partes, de comum acordo, possam instaurar um processo em prejuízo do interesse público ou de terceiros. Conclui assinalando que o problema dos poderes do juiz, das partes e do Ministério Público é uma questão entre o indivíduo e o Estado. [23]
No processo civil o princípio é facilmente observado quando se atenta ao disposto no CPC, art. 2º, 128, 262, 333 e 460. [24]Além de enunciá-los, Maria Elizabeth Lopes dispõe jurisprudência no sentido consonante ao art. 130. Em relação às dificuldades de conciliação entre regras, o que acontece, por exemplo, entre o art. 130 e o art. 333, salienta a autora que não deverão ser interpretadas isoladamente, já que o princípio dispositivo pode tranquilamente conviver com a tendência de fortalecimento dos poderes do juiz, “desde que observado o princípio da colaboração que deve existir entre os sujeitos do processo” [25] .
Panorama da doutrina brasileira. Constata a autora que existem muitas divergências acerca do tema e que serão enfocadas três perspectivas doutrinárias. A primeira corrente, de Moacyr Amaral Santos, considera que o juiz exerce, “na atividade probatória, função supletiva ou complementar, isto é, às partes incumbe o ônus da prova de suas alegações e ao juiz atuar subsidiariamente” [26].
Afirma, sob esse enfoque, que resta inabalado o princípio da iniciativa das partes, mas que vigora o princípio da autoridade, o qual confere ao juiz o poder de direção do processo: “no âmbito da instrução probatória se admite uma convivência harmônica entre o princípio da iniciativa das partes e o princípio da iniciativa das partes e o princípio da iniciativa oficial por força do disposto no art. 130 do CPC.” [27]. Já para Sebastião de Souza, embora sendo o juiz a figura central do processo, compete as partes a iniciativa entre outros aspectos, o que permite concluir na predominância do princípio dispositivo.
A segunda corrente, que tem como representantes José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto dos Santos Bedaque, Hélio Márcio Campo e Sérgio Alves Gomes, propõe a ampliação dos poderes instrutórios do juiz e “não vê qualquer risco de comprometimento da imparcialidade no fato de o juiz exercer poderes instrutórios de ofício” [28].
A terceira vertente, por sua vez, de Vicente Miranda e João Batista Lopes, o juiz não pode substituir as partes na produção das provas, mas pode agir oficiosamente quando se cuidar de matéria de ordem pública. [29]
Já a posição de Lopes procura considerar que não basta apenas alçar o processo ao plano ideal, a efetiva tutela jurisdicional e etc, “já que a realidade forense é bem outra, como é público e notório”. Desconsidera-se, comumente, que os juízes sobrecarregados mal conseguem despachar seus processos, pretendendo transformar o magistrado em investigador ou pesquisador de provas. Ademais, “ao defender postura autoritária, comprometem-se o equilíbrio, a eqüidistância e a serenidade, qualidades indispensáveis na arte de julgar” [30]. Neste sentido, acrescenta:
Conceder poderes probatórios ao juiz não significa ignorar a importância da atuação das partes no fornecimento do material probatório, mas apenas compreender que as partes e o juiz devem agir em conjunto, inspirados no princípio da colaboração em busca da solução adequada ao conflito[31]
Além das diversas observações, esta autora reitera que o juiz não deve exercer função assistencial ou paternalista, já que o processo tem fins próprios que não se confundem com os das entidades filantrópicas e etc.
Passando a abordar o tema O juiz e o princípio dispositivo na execução civil, constata a autora que o processo de execução se caracteriza pela predominância de atos coativos praticados para a realização do direito do credor, reconhecido por sentença ou traduzido em titulo executivo extrajudicial. Ademais, conforme aponta Angelo Bonsignori, aplica-se ao processo de execução o princípio da iniciativa do credor. O CPC, em seus arts. 566 e 567, indica aqueles que podem promover a execução, “deixando claro, pois, que esta não se instaura de ofício”, deve haver a provocação da parte interessada. [32]
No que se refere à Justiça do trabalho, entretanto, poderá a execução ser de ofício. No CPC, deve o juiz conhecer de ofício os pressupostos processuais e as condições da ação e também a incompetência absoluta funcional. Pode ser decretada, de oficio, a impenhorabilidade absoluta.
Uma questão que surge é a de saber se o juiz pode requisitar informações a órgãos públicos sobre a existência de bens penhoráveis em nome do devedor[33]: em princípio “cabe ao executado oferecer bens à penhora e, se não o fizer, caberá ao oficial de justiça penhorar os bens que forem encontrados ou os que forem indicados pelo exeqüente.” [34]. Sendo assim, de modo geral, não deverá o juiz o substituir o exeqüente nesses atos. A jurisprudência só admite a requisição de informações pelo juiz quando o exeqüente demonstrar ter realizado diligências infrutíferas.
Após tecer algumas considerações acerca do procedimento de execução por penhora de bens e suas transformações, ressaltando a perspectiva do pacto sunt servanda, já que antes o descumprimento de uma obrigação resultava imediatamente em perdas e danos, sendo agora possível, de acordo com o disposto no art. 461 do CPC, exigir a execução específica.
Neste caso, em se tratando de obrigação de fazer ou não fazer, a lei confere ao juiz amplos poderes para adotar até mesmo de oficio providência adequadas. Contudo, a concessão da antecipação da medida não pode ser de oficio, mantém-se o princípio dispositivo nesta parte. Somente a imposição de multa ou a adoção de medidas de apoio previstas no art. 5º do art. 461 poderão ocorrer de ofício.
No que diz respeito ao juiz e ao princípio dispositivo no processo cautelar, observa a autora que não poderá a tutela cautelar ser concedida de oficio, mas somente requerida pelas partes. Sendo assim, caberá as partes manifestar sua pretensão à segurança, solicitar a tutela cautelar, não podendo o juiz suprir sua omissão: “trata-se, como se vê, de aplicação do princípio dispositivo” [35]. Vale ressaltar que é possível falar em concessões de medidas cautelares de ofício, e nisso reside a importância de limitar o poder geral de cautela do juiz.
Tais situações estão previstas no art. 797, 798 e 799 do CPC, consideradas por Galeno Lacerda uma norma penal em branco, já que conferem ao magistrado, em um estado de direito, “um poder puro, idêntico ao do pretor romano, quando, no exercício do imperium, decretava a interdicta” [36]. Ademais, para este mesmo autor, o poder geral cautelar possui natureza discricionária e, via de regra, jurisdicional. Para a autora, entretanto, a discricionariedade é própria da atividade administrativa, “ao administrador caberá indagar sobre a conveniência ou oportunidade do ato praticado, salvo se a lei não lhe der tal faculdade” [37], e assim, na atividade judicial, não caberá ao juiz fundamentar sua decisão em razões de conveniência ou oportunidade: “se estiverem presentes os requisitos legais (fumus bonus iuris e periculum in mora) o juiz não pode deixar de conceder a tutela”. [38]
Neste sentido, retornando a possibilidade de o juiz agir de oficio, deverá conceder medidas cautelares para preservar a ordem pública ou direitos absolutos, evitando que a tutela concedida exceda os limites do razoável. Outra discussão se refere a possibilidade de alteração do tipo de tutela cautelar pretendida pelo autor, ou seja, “Se o autor pedir providência cautelar específica, pode o juiz conceder-lhe medida cautelar inonimada?” [39] Para a autora, a resposta deve ser negativa, já que o legislador estabeleceu os requisitos para concessão da medida nominada, sem que deva prevalecer a vontade do autor. [40]
Considerando, por sua vez, a tutela antecipada, observa que ao contrário do que ocorre na tutela cautelar, não será possível a concessão de medidas de ofício, de acordo com o disposto no art. 273 do CPC. Contudo, poderá o juiz substituir um pedido de antecipação de tutela pelo de providência cautelar, caso estejam presentes seus pressupostos (art. 273, parágrafo 7º). Sob esse enfoque, considera-se que “o juiz tem o poder-dever de conceder o tipo de tutela jurisdicional adequado à situação de fato alegada e provada pelo autor em obediência ao princípio do devido processo legal, que, como se sabe, abrange as garantias constitucionais do processo” [41]
O Eg. STJ já adotou expressamente o entendimento de que Poder Geral de Cautela é medida de defesa da Jurisdição, passível de ser engendrado em qualquer processo ou incidente processual, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Na concepção de Calamandrei, o Poder Cautelar Geral do juiz "corresponde ao conceito de medida cautelar como 'polícia judiciária' ou como grupo de poderes que o juiz exerce para disciplinar a boa marcha do processo, preservando-lhe de todos os possíveis percalços que possam prejudicar-lhe a função e utilidade final de seu resultado" (Ovídio A. Baptista da Silva, in "Do Processo Cautelar", 4ª ed., Ed. Forense, 2009, Rio de Janeiro, pág.117).(...)(AgRg na MC 17.177/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 17/12/2010)
No que se refere ao juiz e ao princípio dispositivo no Código de Defesa do Consumidor, a autora observa que a defesa do consumidor foi alçada constitucionalmente, assim como José Afonso da Silva considera que foi elevada à condição de princípio da ordem econômica. Discute-se, além disso, se o Código de Defesa do Consumidor tem caráter exclusivamente protetivo do consumidor ou se se destina a disciplinar as relações de consumo[42]. Na verdade, possui ambos os aspectos, não se trata de beneficiar o consumidor, mas de resguardar seus direitos na relação de consumo. Sendo assim, não é que o consumidor sempre tenha razão, ao juiz caberá garantir a igualdade de tratamento das partes e a paridade de armas. Para tornar viável esse objetivo, “impõe-se o fortalecimento dos poderes do juiz, o que significa o abrandamento do princípio dispositivo nas relações de consumo” [43]
Vale salientar, assim como observa a autora, que o princípio do contraditório aqui alcança importante destaque, já que em regra o consumidor é a parte mais fraca e, deste modo, com maiores dificuldades para exercer plenamente seus direitos em juízo. A idéia tradicional de que o fortalecimento dos poderes instrutórios do juiz poderia torná-lo parcial não mais possui respaldo na atualidade, no que se refere ao direito do consumidor, não basta somente a tríade que sustenta o contraditório: informação, reação e diálogo, mas também dos poderes conferidos ao juiz pela legislação processual. De acordo com o art. 6º do CDC, o juiz poderá inverter o ônus da prova “no caso de o consumidor trazer aos autos alegação verossímil ou demonstrar a sua hipossuficiência” [44].
Entretanto, em que momento poderia ocorrer essa inversão? Para uma corrente, deve ela acontecer antes da produção da prova, para outra, o ônus da prova é visto como regra de julgamento, ou seja, a preocupação do juiz com o ônus da prova só deveria acontecer no momento da sentença, e não antes dela. [45] O que acontece, quando se trata do campo dos direitos do consumidor, é que a lei não dispensa o consumidor de alegar fatos e fundamentar juridicamente seu pedido, ou seja, não elimina o princípio dispositivo, apenas o abranda em face da necessidade de garantir o equilíbrio das relações jurídicas. [46]
A concepção de que o sistema não é simples reunião, mas um esquema mental entre elementos e suas interações (1), a de que norma é conceito amplo que abrange princípios e regras (2), de que princípio é espécie de norma com caráter fundante e com forte índice de abstração e generalidade (3), de regra como espécie de norma com natureza concreta e determinada (4), de que a jurisdição, a tutela jurisdicional e a tutela de urgência possuem caráter constitucional (8), de que o processo efetivo e justo é aquele cujo resultado garanta a paz pública, a certeza, a segurança jurídica e a educação dos jurisdicionados (9).
Além disso, acrescenta que a admissibilidade do princípio dispositivo não é incompatível com o fortalecimento dos poderes do juiz (11), assim como o juiz não é o dono do processo, já que este é um instrumento público regido pelo princípio da colaboração entre os sujeitos que dele participam (12). No mesmo sentido, o juiz não é investigador de provas (13).
No que se refere ao sistema brasileiro, observa que “o sistema vigente confere ao juiz razoável soma de poderes, não se vislumbrando a necessidade de ampliá-los, mas sim de fazê-los atuar eficazmente na busca da efetividade do processo” (14),[47]no que se refere a execução (15) e ao processo cautelar (16), considera que no primeiro vigora amplamente o princípio dispositivo, enquanto no segundo ele sofre abrandamento em razão do poder geral de cautela, amplo mas não irrestrito.
Por último, constata que o direito positivo brasileiro contempla algumas hipóteses em que, “sem haver propriamente ablação do princípio dispositivo, este sofre abrandamento em razão da relevância dos interesses em jogo, como ocorre nas relações de consumo e, de modo geral, nos direitos com status constitucional (18)” [48].
Tendo em vista a visualização prática do princípio dispositivo, abaixo constam recentes julgados do Eg. Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Interessante observar recente julgado no qual se entendeu pela possibilidade de concessão ex officio de quantia mensal para marido e mulher idosos em medida cautelar fiscal, a saber:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MEDIDA CAUTELAR PARA IMPRIMIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. FUMAÇA DO BOM DIREITO NÃO EVIDENCIADA. BLOQUEIO DA ÚNICA CONTA BANCÁRIA DO CASAL. DISPONIBILIZAÇÃO DE QUANTIA MENSAL PARA MARIDO E MULHER IDOSOS. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO EX OFFICIO PELO RELATOR . PODER GERAL DE CAUTELA.
1. Não se revelando presente o fumus boni iuris, descabida se faz a concessão de medida cautelar para a outorga de efeito suspensivo a recurso especial interposto contra acórdão proferido por Tribunal Regional Federal, em sede de medida cautelar fiscal.
2. Mesmo à falta de pedido expresso nesse sentido, mas despontando dos autos quadro de severas dificuldades financeiras, resultante do bloqueio de ativos financeiros, lícito se faz ao Relator, com base no poder geral de cautela previsto no art. 798 do CPC e, sobretudo, tendo em mira a idade avançada do casal requerente, a natureza da medida constritiva a ele imposta (bloqueio da única conta bancária) e as diretrizes advindas do Estatuto do Idoso (art. 2º da Lei 10.741/03), determinar a disponibilização de quantia mensal aos cônjuges, enquanto remanescer o bloqueio judicial do numerário em favor da Fazenda Nacional.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no RCD na MC 21.322/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 03/02/2015)
Este posicionamento reflete entendimento que tem sido manifestado em diversos julgados, que enfatiza o excepcional deferimento de medidas cautelares ex officio, com fundamento na necessidade da tutela da eficácia do processo. No âmbito da Lei de Improbidade Administrativa, se decidiu que pode o magistrado, excepcionalmente, conceder a medida liminar sempre que verificar que a observância daquele procedimento legal poderá tornar ineficaz a tutela de urgência pretendida.. Neste sentido:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MEDIDA CAUTELAR. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. INAPLICABILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. TUTELA DA EFICÁCIA DO PROCESSO. ART. 798 DO CPC. DECISÃO MANTIDA.
1. O poder geral de cautela, positivado no art. 798 do CPC, autoriza que o magistrado defira medidas cautelares ex officio, no escopo de preservar a utilidade de provimento jurisdicional futuro.
2. Não contraria o princípio da adstrição o deferimento de medida cautelar que ultrapassa os limites do pedido formulado pela parte, se entender o magistrado que essa providência milita em favor da eficácia da tutela jurisdicional.
3. No caso, a desconsideração da personalidade jurídica foi decretada em caráter provisório, como medida acautelatória. Dessa forma, a aventada insuficiência probatória do suposto abuso da personalidade jurídica não caracteriza ofensa ao art. 50 do Código Civil vigente.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 429.451/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 18/09/2014)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS. PODER GERAL DE CAUTELA (ART.
804 CPC). EXCEÇÃO AO ART. 17, § 7º, DA LIA. TUTELA ESPECÍFICA DE CARÁTER NÃO EXCLUSIVAMENTE SANCIONATÓRIO. VIABILIDADE. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. O recurso traz a exame controvérsia sobre a possibilidade de conceder liminar concedida inaudita altera pars em ação de improbidade administrativa. Consta do acórdão recorrido que o juízo de primeiro grau, antes mesmo de expedir a notificação para defesa prévia, determinou, liminarmente, a proibição de a demandada receber verbas do Poder Público e com ele contratar ou auferir benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, direta ou indiretamente.
PRESSUPOSTOS DA TUTELA DE URGÊNCIA 2. A estreita via do Recurso Especial não comporta o exame dos pressupostos autorizadores das tutelas de urgência concedidas pela primeira instância, tendo em vista o óbice da Súmula 7/STJ.Precedentes (AgRg no AREsp 350.694/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 18/09/2013).
DEFESA PRÉVIA 3. Embora o art. 17, § 7º da LIA estabeleça, como regra, a prévia notificação do acusado para se manifestar sobre a ação de improbidade, pode o magistrado, excepcionalmente, conceder a medida liminar sempre que verificar que a observância daquele procedimento legal poderá tornar ineficaz a tutela de urgência pretendida. Poder geral de cautela. Inteligência do art. 804 do CPC e dos arts. 12 e 21 da Lei 7.347/85 c/c o art. 84, § 3º, da Lei 8.078/90. Precedente dos Edcl Ag 1.179.873/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 12.3.2010, e do REsp 880.427/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 4.12.2008.
4. Nesse ponto, o entendimento adotado pelo aresto recorrido não destoou da orientação vigente no Superior Tribunal de Justiça, de modo que incide na espécie o enunciado da Súmula 83/STJ, aplicável mesmo às hipóteses recursais do art. 105, III, "a", da Constituição Federal.
PROVIDÊNCIAS CAUTELARES 5. Ressalvadas as medidas de natureza exclusivamente sancionatória - por exemplo, a multa civil, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos - pode o magistrado, a qualquer tempo, adotar a tutela necessária para fazer cessar ou extirpar a atividade nociva, consoante disciplinam os arts. 461, § 5º, e 804 do CPC, 11 da Lei 7.347/85 e 21 da mesma lei combinado com os arts. 83 e 84 do Código de Defesa do Consumidor, que admitem a adoção de todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos interesses que a Ação Civil Pública busca proteger.
6. No caso concreto, o acórdão regional revela a gravidade dos atos de improbidade, que consistiram na utilização de recursos públicos para benefícios particulares ou de familiares, no emprego de veículos, materiais e equipamentos públicos em obra particular; no uso do trabalho de servidores públicos e de apenados (encaminhados para prestação de serviços à comunidade) em obra particular e na supressão de prova necessária ao esclarecimento dos fatos. Nesse contexto, a liminar concedida pelo juízo de primeiro grau para proibir a demandada de receber novas verbas do Poder Público e com ele contratar ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios guarda relação de pertinência e sintonia com o ilícito praticado pela ré, sendo evidente o propósito assecuratório de fazer cessar o desvio de recursos públicos, nos termos do que autorizado pelos preceitos legais anteriormente citados. 7. Recurso Especial não provido. (REsp 1385582/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 15/08/2014)
Em relação aos poderes instrutórios do juízo, alguns recentes julgados:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTOS. DETERMINAÇÃO DE DESENTRANHAMENTO. PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUÍZO. RELATIVIZAÇÃO. NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO.
1. É admitida a juntada de documentos novos após a petição inicial e a contestação desde que: (i) não se trate de documento indispensável à propositura da ação; (ii) não haja má fé na ocultação do documento; (iii) seja ouvida a parte contrária (art. 398 do CPC).
Precedentes.
2. Dessarte, a mera declaração de intempestividade não tem, por si só, o condão de provocar o desentranhamento do documento dos autos, impedindo o seu conhecimento pelo Tribunal a quo, mormente tendo em vista a maior amplitude, no processo civil moderno, dos poderes instrutórios do juiz, ao qual cabe determinar, até mesmo de ofício, a produção de provas necessárias à instrução do processo (art. 130 do CPC).
3. De fato, o processo civil contemporâneo encontra-se marcado inexoravelmente pela maior participação do órgão jurisdicional na construção do conjunto probatório, o que, no caso em apreço, autorizaria o Juízo a determinar a produção da prova consubstanciada em documento público, tornando irrelevante o fato de ela ter permanecido acostada aos autos a despeito da ordem para seu desentranhamento.
4. Nada obstante, essa certidão foi objeto de incidente de falsidade, o qual foi extinto pelo Juízo singular, em virtude da perda superveniente do interesse de agir decorrente da determinação de desentranhamento dos documentos impugnados dos autos. Assim, verifica-se que o contraditório não foi devidamente exercido, sendo tal cerceamento contrário à norma insculpida no art. 398 do CPC.
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1072276/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 12/03/2013)
PROCESSUAL CIVIL. PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ. MATÉRIA COMPLEXA.
NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DA PROVA PERICIAL AINDA QUE O MAGISTRADO DISPONHA DE CONHECIMENTO TÉCNICO. PRESTÍGIO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. COMPLEXIDADE DA MATÉRIA. SÚMULA 7/STJ.
1. O art. 145 do CPC estabelece que "quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421." O art. 421, § 1º, do CPC, por sua vez, dispõe em linhas gerais que o juiz nomeará perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo, cabendo às partes indicarem assistente técnico e a apresentarem quesitos.
2. Em se tratando de matéria complexa, em que se exige o conhecimento técnico ou científico, a perícia deve ser realizada. O juiz, ainda que não esteja vinculado às conclusões do laudo pericial, não pode realizar os cálculos "de próprio punho". Isso porque, com a determinação da perícia, as partes terão a oportunidade de participar da produção probatória, com a nomeação de assistentes técnicos e a formulação de quesitos.
3. O indeferimento da perícia só pode ocorrer nas hipóteses prevista no parágrafo único do art. 420 do CPC, quais sejam: I) quando a prova de o fato não depender do conhecimento especial de técnico, II) quando for desnecessária, em vista de outras provas produzidas, e III) quando a verificação for impraticável.
4. Assim, a realização da prova pericial, quando o fato a ser demonstrado exigir conhecimento técnico ou científico, é um direito da parte, não podendo o magistrado indeferi-la, ainda que possua capacitação técnica.
5. A esta conclusão se chega não apenas em decorrência do prestígio ao contraditório e ampla defesa, mas também da interpretação, feita a contrário senso, do art. 421, parágrafo único, I, do CPC. Este dispositivo permite ao juiz indeferir a perícia quando "a prova do fato não depender, do conhecimento especial de técnico". Ora, se o magistrado pode indeferir a perícia quando a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico, pode-se dizer, então, que, quando a prova depender deste conhecimento, ela não poderá ser indeferida.
6. Portanto, no caso dos autos, acertou o Tribunal de origem quando entendeu que, em face da complexidade da matéria, é necessária a realização de prova pericial, facultando às partes a nomeação de assistentes técnicos e a formulação de quesitos.
7. Não há como fugir da conclusão do acórdão recorrido, de que a presente demanda envolve matéria complexa, pois, para isto, seria necessário revolver o contexto fático-probatório, o que esbarra na Súmula 7 desta Corte Superior.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 184.563/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 28/08/2012)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO EXISTENTE.
SANEAMENTO. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO EM MATÉRIA DE PROVA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 473 DO CPC.
1. Os embargos de declaração somente são cabíveis para a modificação do julgado que se apresentar omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar possível erro material existente na decisão.
2. Omisso acórdão que não se pronunciou sobre a impossibilidade de preclusão em matéria de provas. Saneamento.
3. A jurisprudência desta Corte é pacífica ao reconhecer que não há preclusão em matéria de provas, pois a iniciativa probatória do magistrado, em busca da veracidade dos fatos alegados, com realização de provas, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça. Precedentes.
Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para afastar a preclusão decretada, e consequentemente, negar provimento ao Recurso Especial da Fazenda Nacional.
(EDcl no REsp 1189458/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/08/2010, DJe 08/09/2010)
Por fim, em relação ao Direito do Consumidor, o entendimento consolidado no STJ é no sentido de que a inversão do ônus da prova fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor e de sua hipossuficiência, conceitos intrinsecamente ligados ao conjunto fático-probatório dos autos que deve ser delineado nas instâncias ordinárias e cujo reexame é vedado em especial. AgRg no AREsp 545.976/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/12/2014, DJe 15/12/2014).
Além disso, a jurisprudência da Corte é no sentido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, sendo que a decisão que a determinar deve - preferencialmente - ocorrer durante o saneamento do processo ou - quando proferida em momento posterior - garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas. Precedentes: REsp 1395254/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 29/11/2013; EREsp 422.778/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 21/06/2012.(AgRg no REsp 1450473/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014)
O atual posicionamento, supramencionado, é uma evolução da jurisprudência, ao se observar o seguinte julgado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
MOMENTO. SENTENÇA. POSSIBILIDADE. REGRA DE JULGAMENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. INEXISTÊNCIA.
1. A jurisprudência do STJ não se pacificou quanto à possibilidade de o juízo inverter o ônus da prova no momento de proferir a sentença numa ação que discuta relação de consumo.
2. O Processo Civil moderno enfatiza, como função primordial das normas de distribuição de ônus da prova, a sua atribuição de regular a atividade do juiz ao sentenciar o processo (ônus objetivo da prova). Por conduzirem a um julgamento por presunção, essas regras devem ser aplicadas apenas de maneira excepcional.
3. As partes, no Processo Civil, têm o dever de colaborar com a atividade judicial, evitando-se um julgamento por presunção. Os poderes instrutórios do juiz lhe autorizam se portar de maneira ativa para a solução da controvérsia. As provas não pertencem à parte que as produziu, mas ao processo a que se destinam.
4. O processo não pode consubstanciar um jogo mediante o qual seja possível às partes manejar as provas, de modo a conduzir o julgamento a um resultado favorável apartado da justiça substancial.
A ênfase no ônus subjetivo da prova implica privilegiar uma visão individualista, que não é compatível com a teoria moderna do processo civil.
5. Inexiste surpresa na inversão do ônus da prova apenas no julgamento da ação consumerista. Essa possibilidade está presente desde o ajuizamento da ação e nenhuma das partes pode alegar desconhecimento quanto à sua existência.
6. A exigência de uma postura ativa de cada uma das partes na instrução do processo não implica obrigá-las a produzir prova contra si mesmas. Cada parte deve produzir todas as provas favorável de que dispõe, mas não se pode alegar que há violação de direito algum na hipótese em que, não demonstrado o direito, decida o juiz pela inversão do ônus da prova na sentença.
7. Recurso especial conhecido e improvido.
(REsp 1125621/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 07/02/2011)
Ademais, o Eg. STJ tambem já se pronunciou considerando que, em virtude do poder geral de cautela concedido ao magistrado na forma dos arts. 798 e 799 do CPC, mesmo após o magistrado se declarar absolutamente incompetente para julgar o feito, ele pode conceder ou manter decisão liminar, como forma de prevenir eventual perecimento do direito ou a ocorrência de lesão grave e de difícil reparação, até que o Juízo competente se manifeste quanto à manutenção ou cassação daquele provimento cautelar. Precedentes: REsp 1.288.267/ES, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, DJe 21/8/12; AgRg no REsp 937.652/ES, Rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe 28/6/12.(...) (EDcl na Pet 7.939/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 18/04/2013)
Em outro julgado, a Corte evidenciou que o poder geral de cautela visa a tutelar situações extremas e emergenciais, recomendando o abrandamento dos rigores formais e procedimentais em prol da efetividade da prestação jurisdicional, sobremaneira quando evidenciado o risco de dano irreparável ou de difícil reparação ao interesse público municipal. No caso, entendeu pela necessidade de suspensão dos concursos para viabilizar à nova Administração a análise ponderada da seleção pública às luzes da realidade orçamentária e financeira do respectivo Município: “Agravo regimental provido para que se tutele provisória e precariamente, até o dia 1o. de janeiro de 2013, a suspensão, não o cancelamento, dos concursos públicos em questão.” (AgRg na MC 20.384/RR, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 14/05/2013)
Observa-se, portanto, que tanto a doutrina como a jurisprudência tem buscado encontrar soluções para ponderar formas de resolução do caso concreto a partir do sopesamento entre o princípio dispositivo e a busca da justiça.
Referências Bibliográficas
LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O Juiz e o Princípio Dispositivo. Prefácio Donaldo Armelin. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006.
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ.
[1] LOPES (2006, p. 27)
[2] ESSER apud LOPES (2006, p. 27)
[3] ESSER apud LOPES (2006, p. 27)
[4] LOPES (2006, p. 28)
[5]ALEXY apud LOPES (2006, p. 28)
[6]ALEXY apud LOPES (2006, p. 28)
[7] LOPES (2006, p. 28-29)
[8]MELLO apud LOPES (2006, p. 29)
[9] MELLO apud LOPES (2006, p. 29)
[10] LOPES (2006, p. 29)
[11]LOPES (2006, p. 92)
[12]LOPES (2006, p. 93)
[13]LOPES (2006, p. 94)
[14]LOPES (2006, p. 95-96)
[15]LOPES (2006, p. 97)
[16] LOPES (2006, p. 99)
[17]LOPES (2006, p. 100)
[18]LOPES (2006, p. 101)
[19]PISANI apud LOPES (2006, p. 105)
[20]LOPES (2006, p. 106)
[21]LOPES (2006, p. 107)
[22]LOPES (2006, p. 107)
[23]LOPES (2006, p. 108)
[24]LOPES (2006, p. 109-110)
[25]LOPES (2006, p. 111)
[26]LOPES (2006, p. 112)
[27]LOPES (2006, p. 113)
[28]LOPES (2006, p. 113)
[29]LOPES (2006, p. 115)
[30]LOPES (2006, p. 115)
[31]LOPES (2006, p. 117)
[32]LOPES (2006, p. 120-121)
[33]LOPES (2006, p. 125)
[34]LOPES (2006, p. 1125)
[35]LOPES (2006, p. 133)
[36]LACERDA apud LOPES (2006, p. 135)
[37]LOPES (2006, p. 137)
[38]LOPES (2006, p. 138)
[39]LOPES (2006, p. 142)
[40]LOPES (2006, p. 142)
[41]LOPES (2006, p. 143)
[42]LOPES (2006, p. 145)
[43]LOPES (2006, p. 145)
[44]LOPES (2006, p. 147)
[45]LOPES (2006, p. 149)
[46]LOPES (2006, p. 150)
[47]LOPES (2006, p. 152)
[48]LOPES (2006, p. 152)
Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília-UnB. Pós-graduada pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (FESMPDFT).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KILIAN, Kathleen Nicola. O processo civil e o princípio dispositivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43281/o-processo-civil-e-o-principio-dispositivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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