RESUMO: Este trabalho de acadêmico tem como objetivo destacar as várias nuances que norteiam a Conciliação Judicial no Âmbito da Administração Pública Federal. É realmente desafiadora a tentativa de construir uma proposta que tenha por objetivo não só demonstrar as possibilidades e as vantagens da autocomposição, envolvendo a litigiosidade das entidades da Administração Pública Federal, mas também tornar essa orientação um meio efetivo para a realização da justiça, tendo em conta, sabidamente, a existência de restrições legais no intuito de preservar o patrimônio público.
Palavra-Chave: Conciliação; Administração Pública.
INTRODUÇÃO
Antes de adentrar nas particularidades do tema, convém mencionar, embora de maneira breve, mas essencial para a exata compreensão da dimensão do problema, que a solução de um conflito por meio da autocomposição pressupõe a utilização de mecanismos distintos (negociação, mediação ou conciliação), os quais possuem, no entanto, um único objeto: evitar a judicialização da demanda.
A negociação representa uma técnica, em que os próprios interessados alcançam, sem a intervenção de um terceiro, a solução das divergências comuns, por meio de um acordo direito.
Já a mediação pressupõe a intermediação de um terceiro não interessado, que apenas facilita e incentiva o diálogo, permitindo que os interessados realizem o acordo possível.
Por seu turno, a conciliação consiste na interferência de um terceiro na condução do processo de pacificação do conflito, mediante a formulação, em regra, de propostas para a composição do acordo. Nesse caso, fala-se em conciliação extrajudicial, que pode ou não prescindir de homologação judicial; e em conciliação judicial, a qual se desenvolve durante o andamento de um processo e pressupõe a homologação do juiz.
O desafio a que se fez menção acima refere-se, concretamente, à necessidade de harmonizar, antes de mais nada, os princípios basilares da autocomposição com os princípios fundantes da Administração Pública, de modo que, ao final, mantenha-se preservado o interesse público, consubstanciado na efetiva vantagem para o Poder Público.
De início, pode-se afirmar que, no âmbito da Administração, a tentativa de solver o conflito por meio da negociação constitui uma das práticas mais frequentes, mas ainda dotada de extrema limitação. Em regra, a tentativa de negociação levada a efeito pelo credor público circunscreve-se a uma comunicação expedida ao devedor, informando-o sobre a possibilidade de pagamento parcelado da dívida. De qualquer forma, não se pode negar que há, nessa manifestação, uma tentativa de solucionar a demanda antes de judicializá-la. Como se vê, não ocorre uma negociação no sentido formal, em que as partes formulam livremente suas propostas para colocar termo ao conflito.
Particularmente, em relação à mediação a doutrina especializada[1] elenca os seguintes princípios: (i) voluntariedade – princípio do reconhecimento da livre participação dos interessados no eventual acordo resultante da mediação, sem coação ou coerção; (ii) consentimento informado – princípio do necessário direito ao esclarecimento dos interessados sobre a mediação, seus alcances, efeitos e restrições; (iii) autodeterminação das partes – princípio da responsabilidade dos envolvidos sobre o alcance da celebração do acordo; (iv) imparcialidade – princípio do direito à neutralidade do condutor do processo de mediação; (v) confidencialidade – princípio do sigilo das informações tratadas na mediação. Outros princípios há que se prestam a orientar o processo de mediação, sobretudo os próprios do direito processual tradicional, que, embora tenham relevância, dispensam pormenores, dado o caráter deste trabalho.
Como se pode perceber, a mediação possui alguns princípios típicos, que demandam uma ponderação, na eventualidade de ser utilizada como técnica de resolução de conflitos da Administração Pública.
Essa observação inicial é de extrema relevância, a fim de que seja evidenciado que a solução das demandas das entidades públicas não está absolutamente excluída do processo de mediação. A ressalva a ser feita é que a realização dos eventuais acordos se faça a partir da observância dos princípios constitucionais orientadores da Administração Pública.
Em razão disso, o princípio da confidencialidade da mediação, por exemplo, mostra-se incompatível com a necessidade de a Administração evidenciar todos os seus atos, ressalvados os sigilos legais, por nítido confronto como os princípios da publicidade e da impessoalidade.
Já o princípio da voluntariedade, citado acima, deve ser harmonizado, já que, no trato da coisa pública, a vontade do agente público é dimensionada em razão e nos limites da lei. Não há vontade livre, mas vontade condicionada. Cumpre assinalar, para que não se confunda a voluntariedade, de se cuida, com a discricionariedade. Como acentua Celso Antônio Bandeira de Mello[2], “a discrição é a completa prova de que a lei sempre impõe o comportamento ótimo ... quando a lei regula discricionariamente uma dada situação, ela o faz deste modo exatamente porque não aceita do administrador outra conduta que não seja aquela capaz de satisfazer excelentemente a finalidade legal”.
A despeito dessa necessária adequação, pode-se afirmar que o princípio constitucional da eficiência e o princípio da razoável duração do processo são aqueles que mais se identificam com o instituto da autocomposição, por exigirem da Administração a presteza, a perfeição, o resultado positivo, a satisfação da prestação da atividade administrativa na maior brevidade possível. Sendo a mediação, assim como a negociação e a conciliação, formas que objetivam justamente essa finalidade, essa relação (autocomposição e eficiência) mostra-se inevitável, já que a solução pacífica da controvérsia manifesta-se, além de mais célere, mais econômica para o Estado.
Como lembra Emmerson Gazda[3], em seu trabalho intitulado “Administração Pública em juízo: poder-dever de transigir”, o preâmbulo da Constituição Federal possui um indicador interpretativo que demonstra ser a conciliação dos conflitos um dos elementos essenciais do Estado, ao prever que a sociedade brasileira funda-se “na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. A busca pacífica das controvérsias, portanto, deve harmonizar-se com os preceitos contidos no Capítulo VII (Da Administração Pública) do Título III, nos Capítulos III (Do Poder Judiciário) e IV (Das funções essenciais à Justiça) do Título IV, de modo que essa vocação não pode encontrar restrições desmedidas perante as entidades da Administração Pública, sob pena de burlar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Quanto ao princípio da legalidade, não há como discordar, por um lado, que se constitui como um dos pressupostos de toda atividade administrativa; mas, por outro, deve-se atentar para o fato de que, modernamente, tem-se ampliado sua dimensão, indo além do seu revestimento formal, pois o conteúdo de uma lei não se limita apenas aos preceitos estritos do comando normativo.
Aliás, a própria doutrina tradicional de Hely Lopes Meirelles ressalta que “a legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei ... sob pena de praticar ato inválido”, mas não deixa de enfatizar, demonstrando uma orientação moderna, que “a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos”. Essa observação é importante para acentuar que a tutela do interesse público, representado pela confecção de acordos vantajosos para a Administração, consubstancia-se, sem dúvida, em uma prova de obediência ao princípio da legalidade.
Deve-se afirmar, pois, que a realização da autocomposição, no âmbito da Administração, deve ter por pressuposto (i) a conformação dos princípios que lhe são característicos com aqueles específicos da Administração Pública e (ii) os termos do eventual acordo não pode resultar em prejuízo para a entidade pública, mas deve implicar, antes, a aferição de uma vantagem que, bom se esclareça, precisar ser vista não apenas sob o aspecto estritamente econômico, como também jurídico, devendo-se, em qualquer caso, ser observado o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo os contornos apresentados a seguir.
DESENVOLVIMENTO
A CONCILIAÇÃO E O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO
A inevitável tendência de recusar a mediação e a conciliação no âmbito da Administração Pública, ao menos em um primeiro momento, decorre do aparente conflito entre a resolução conciliada e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Essa ideia provém do fato de que a manifestação e a decisão do Poder Judiciário traduzem-se no meio privativo para a dissolução de questões envolvendo um ente público, ao menos a partir de uma visão apriorística.
Sendo assim, a heterocomposição, baseada na decisão do conflito por um terceiro desinteressado, despontou, fatalmente, como a única via para a resolução desse tipo de demanda, de forma que o Estado-Juiz consagrou-se como o único intermediário qualificado para determinar a sorte do litígio envolvendo as pretensões do Poder Público em face da parte contrária.
Com isso, o princípio da indisponibilidade do interesse público apresentava-se como uma cláusula impeditiva para a realização da autocomposição conciliada, de modo que a busca da tutela jurisdicional representava o mecanismo praticamente exclusivo para declarar, constituir ou reconhecer os interesses da Administração.
Ocorre que a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, atribuiu, no seu inciso VI do artigo 4º, ao Advogado-Geral da União a competência para desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União. Com fundamento nesse dispositivo, foi editada a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.
No plano interno da AGU, existe a Portaria AGU nº 990/09, que delegou a competência do artigo 1º da Lei nº 9.469/97 ao Advogado-Geral da União Substituto, ao Secretário-Geral de Contencioso, ao Procurador-Geral da União e ao Procurador-Geral Federal; a Portaria AGU nº 109/2007, que orienta os órgãos da Advocacia-Geral da União a proceder à transação de que trata a Lei n° 10.259/01 e a Portaria nº 915/09, que autoriza a realização de acordos no âmbito da Procuradoria-Geral Federal.
O novo cenário legislativo propiciou, então, a mudança na forma como deve ser vislumbrada a disposição do patrimônio público, porquanto a transação passou a constituir um dos pilares da defesa institucional da União, de tal forma que, embora ainda seja a regra, a rigidez na condução dos processos que envolvem o patrimônio público passou a admitir uma certa flexibilização.
Não se pode dizer, contudo, que ocorreu o fenômeno da relativização do princípio da indisponibilidade do interesse público. Não é isso. Basta ver que a Lei nº 9.469/97 fixa uma série de restrições, já que delimita, entre outras situações, a competência, os parâmetros econômicos e exige a homologação judicial. Pelo rigor dessa lei, então, a tutela jurisdicional, sob a forma homologatória do acordo, ainda tornar-se imprescindível, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
Desta feita, nota-se que a Lei nº 9.469/97 admite tão somente a transação judicial e não uma transação antecipada de caráter prévio ou preventivo do litígio judicial.
É verdade que existem situações legais em que o acordo extrajudicial prévio, independentemente de o juiz homologar, é admitido, antes mesmo da formação da lide, como forma de impedir a judicialização do conflito, mediante, por exemplo, a formalização de parcelamento de débitos de qualquer natureza perante a Fazenda Nacional[4], no âmbito da própria Administração, ou perante as autarquias e fundações públicas federais[5], nos termos da Lei nº 10.522/02.
Além disso, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, regulamentada pela Portaria AGU nº 1.281, de 27 de setembro de 2007, é um excelente exemplo de opção prevista no ordenamento jurídico[6] de tentativa de evitar a judicialização das demandas, embora o objetivo principal seja, especificamente, evitar litígios entre Órgãos e Entidades da Administração Federal.
Isso já é bastante para concluir que, conquanto possível, a transação, diferentemente da realizada nas relações privadas, não obedece ao princípio da livre manifestação da vontade dos interessados (princípio da voluntariedade).
Isso não quer dizer, em absoluto, que o Advogado Público Federal esteja despojado de tomar a iniciativa de buscar a solução conciliada do conflito. Ao contrário, as condicionantes da Lei nº 9.469/97 não devem ser vistas como causas impeditivas da transação, mas uma cautela do legislador para a preservação do interesse público, que não pode inibir a atuação dos representantes das entidades federais.
Na realidade, todas essas exigências são compreensíveis e até indispensáveis, não só para dar maior proteção ao patrimônio da coletividade, como também para conferir maior certeza da decisão. Do ponto de vista, aliás, processual, a opção traz maior segurança jurídica, porque, segundo o inciso III do artigo 269 do CPC, a transação, levada a efeito pelas partes, implica a resolução do mérito da lide, de forma a superar e dissipar o conflito. Por isso mesmo, como a transação está diretamente associada ao poder de disposição total ou parcial do bem ou do direito objeto da disputa, o rigorismo legal parece ser justificado.
Esse determinismo da lei, porém, não pode ocasionar efeito contrário. Na hipótese em que a transação apresenta-se como a forma mais adequada para atender ao interesse público, deixar de realizá-la é que configurará ofensa aos interesses da Administração.
Nesse sentido, as súmulas administrativas editadas pelo Advogado-Geral da União, com base em jurisprudência iterativa dos Tribunais, conforme previsto no inciso XII do artigo 4º da Lei Complementar nº 73/93, também são fontes importantes para viabilizar a formalização de acordos e, por via de consequência, evitar a perpetuação de demandas com entendimentos já consolidados perante o Poder Judiciário.
A ressalva ainda a ser feita reside no fato de que a disposição do interesse público, por ser exceção, não dispensa as formalidades próprias para a edição dos atos administrativos em geral, principalmente, a observância da finalidade do ato, sob pena de caracterização de desvio de poder. Dispor do interesse público pressupõe, antes de tudo, a observância de critérios objetivos, que, em maior ou menor extensão, venham traduzir-se em uma vantagem para a Administração, ainda que esse benefício não signifique, necessariamente, obter um proveito, mas amenizar uma lesão provável aos cofres públicos.
Tem-se, pois, que a conciliação envolvendo os interesses da Administração revela-se completamente compatível com o quadro normativo de regência citado acima. Essa compatibilidade, então, entre indisponibilidade e transação deve ser compreendida, no sentido de que a disponibilização não se traduz em renúncia[7] ao interesse público ou submissão às pretensões do administrado.
Para bem compreender o tema, cumpre trazer à baila o ensinamento da doutrina, segundo o qual a autocomposição pode ser unilateral ou bilateral, sendo que a autocomposição unilateral “se manisfesta pela renúncia, quando aquele que deduz a pretensão (atacante) dela abre mão, ou pela submissão, quando o atacado abre mão de sua resistência. A autocomposição bilateral se manifesta pela transação, acordo caracterizado por concessões recíprocas, ou seja, quando todos os envolvidos em um conflito abrem mão parcialmente do que entendem ser de seu direito” [8].
Tendo esses ensinamentos como premissa e associando-os à conciliação compartilhada por entidades federais, pode-se inferir que o artigo 1º da Lei nº 9.469/97 não autoriza a autocomposição unilateral, porquanto não admite nem a renúncia nem a submissão; mas só a autocomposição bilateral, que como visto, consubstancia-se na reciprocidade das concessões. Diz-se isso, porque esse dispositivo estabelece expressamente que somente as autoridades com poderes de disposição poderão autorizar a realização de acordos ou transação, em juízo.
Então, há, na verdade, uma aparente incompatibilidade entre a indisponibilidade do interesse público e a extinção conciliatória do conflito envolvendo os bens e interesses públicos. Fácil perceber, então, que a disposição do interesse público identifica-se com a submissão e com a renúncia; enquanto a conciliação, ao contrário, equipara-se à abdicação parcial da pretensão ou da resistência e, ainda assim, quando esse abandono não se caracteriza uma substancial desvantagem para Administração, em detrimento dos eventuais benefícios alcançados pela parte contrária.
LIMITES À CONCILIAÇÃO FIRMADA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A denominada “crise da Justiça”, decorrente, em grande medida, do amplo acesso das pessoas ao Poder Judiciário em busca da solução de suas pretensões resistidas, tem revelado novas formas de composição dos conflitos, formando o que Ada Pellegrini Grinover[9] denominou de “cultura de conciliação”.
Esse fenômeno deve-se, basicamente, ao reconhecimento de que a prestação jurisdicional possui um custo demasiadamente elevado e a efetividade da prestação jurisdicional é, no mais das vezes, tardia.
Não se pode dizer, contudo, que a Administração Pública Federal encontra-se absolutamente alheia a essa tendência, pois a realização de transação pelas entidades públicas federais, como já foi visto, encontra-se regulada pela Lei nº 9.469/97, modificada, parcialmente, pela Lei nº 11.941/09. Nesse caso, esse instrumento legal confere a possibilidade de solução conciliada da demanda, mas, em igual medida, estabelece regras bem específicas, que impõem restrições aos Advogados Públicos para a realização da composição.
Por essas regras, a transação somente pode ser realizada em juízo com a finalidade específica de terminar o litígio, mediante a autorização do Advogado-Geral da União diretamente, por delegação, ou em conjunto com outras autoridades, a depender da situação.
A forma restritiva como a matéria vem apresentada na Lei nº 9.469/97 conduz à forçosa conclusão de que a realização de acordo ou transação extrajudicial não possui amparo legal, como já mencionado. Essa constatação, porém, merece, ser apreciada sob a ótica do princípio da razoabilidade.
Essa limitação tem encontrado respaldo no Tribunal de Contas da União[10], que não tem reconhecido transações, que não tenham sido homologadas em juízo, como preconiza aquela norma, ainda mais quando se constata que houve disposição desvantajosa do patrimônio público, em ofensa direita ao princípio da indisponibilidade do interesse público[11].
A despeito disso, o próprio TCU[12] entendeu que a transação, diante da autorização legal, não pode ser compreendida de maneira extremamente rigorosa, ao proceder à orientação seguinte:
É importante salientar que a indisponibilidade do interesse público não significa a proibição de os entes de direito público realizarem transações, tanto que há o permissivo legal mencionado [Lei nº 9.469/97], e sim vedar a realização de transações desvantajosas, que ofendam os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da economicidade.
...
Por conseguinte, considerando a existência de concessões recíprocas, há a necessidade de procurar uma interpretação da Lei nº 9.469/1997 que possibilite a harmonia entre a transação e o princípio da indisponibilidade da coisa pública.
Nesse mesmo julgado, o TCU fez uma importante observação sobre a aplicabilidade da Lei nº 9.469/97, ao dizer que “pode ser esclarecido à AGU que a transação pode ser efetuada pelo Poder Público, desde que observados os contornos legais, expostos na Lei nº 9.469/1997, especialmente quanto à anuência das autoridades mencionadas nesse diploma legal, que não seja instrumento para burlar o estabelecido no art. 100 da Constituição Federal, ou seja, o respeito à ordem do pagamento de precatórios, e que haja uma criteriosa avaliação em termos de economicidade, ou seja, que o acordo seja financeiramente benéfico à União”.
Para a Corte de Contas, como se pode perceber, a Lei 9.469/97, embora seja o meio hábil para terminar o litígio instaurado em juízo, deve ser utilizada para obter uma vantagem para Administração; sem, contudo, influenciar na forma de pagamento prevista no artigo 100 da Constituição, como, aliás, não poderia deixar de ser.
O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou especificamente sobre a submissão do acordo judicial à regra constitucional do precatório[13].
Revela-se imprescindível consignar que, conquanto o objetivo da Lei nº 9.469/97 tenha sido conferir mais segurança jurídica à negociação, ao determinar que a transação seja realizada em juízo, não resta dúvida de que a eventual formalização das tratativas de um acordo, resultado de uma negociação, mediação ou conciliação, poderá ser revestida de legalidade, mesmo sem a condução preliminar de um magistrado. Para tanto, a transação deve, todavia, ser submetida, posteriormente, à homologação judicial, a fim de que se cumpram as regras contidas na Lei nº 9.469/97.
CONCLUSÃO
Em suma, vê-se que a legislação tem avançado, no sentido de outorgar à Administração Pública a formulação de acordos judiciais para pôr fim às demandas. Diante desse contexto, o papel do Advogado Público Federal é justamente envidar esforços na tentativa de identificar as demandas propícias à solução conciliada e atuar de forma ativa na apresentação de caminhos plausíveis para obstar o prosseguimento do processo judicial passível de ser solucionado de forma acordada.
Enfim, a Lei nº 9.469/97 precisa ser encarada como um marco na forma como a litigiosidade deve ser conduzida pelas entidades públicas federais. Mesmo contendo algumas restrições, trata-se de meio que permite à Advocacia-Geral da União, em especial, postular a realização de acordos benéficos para a Administração, sem a submissão exclusiva da resolução dos conflitos ao poder unilateral do judiciário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Judicial. 2ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2007.
-------------------. Curso de Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2007.
CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de Direito Administrativo. 7ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2007.
CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª Ed., São Paulo; Atlas, 2004.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Mediação e Gerenciamento do Processo. São Paulo: Atlas, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 25ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 9ª Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
SIX, Jean-François. Dinâmica da Mediação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
[1] Esse é o magistério de Petrônio Calmon. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pags.: 122/123. O autor esclarece que esses princípios baseiam-se no standard MAMP (Massachussets Association of Medation Programas).
[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Judicial. 2ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 70
[3] Vide: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao010/emmerson_gazda.htm
[4] Art. 10. Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei.
[5] Art. 37-B. Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, poderão ser parcelados em até 60 (sessenta) prestações mensais.
[6] A matéria está prevista no artigo 11 da Medida Provisória no 2.180-35, de 24 de Agosto de 2001:
Art. 11. Estabelecida controvérsia de natureza jurídica entre entidades da Administração Federal indireta, ou entre tais entes e a União, os Ministros de Estado competentes solicitarão, de imediato, ao Presidente da República, a audiência da Advocacia-Geral da União.
Parágrafo único. Incumbirá ao Advogado-Geral da União adotar todas as providências necessárias a que se deslinde a controvérsia em sede administrativa.
[7] No Código de Processo Civil Comentado, 9ª Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 448, Nelson Nery Junior, define renúncia ao direito como sendo “ato privativo do autor, implica a disponibilidade do direito de deduzir em juízo, impossibilitando o autor de repropor ação pleiteando o direito que renunciou. Somente pode ser objeto de renúncia o direito disponível”.
[8] CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 54.
[9] GRINOVER, Ada Pellegrini. Mediação e Gerenciamento do Processo. São Paulo: Atlas, 2008, fl. 01.
[10] Tomada de Contas Especial. DNER. Contrato de locação. Pagamento administrativo de acordo extrajudicial a empresa privada, em condições excessivamente onerosas à União e em detrimento de sentença judicial mais favorável aos cofres públicos. Ausência de homologação judicial do acordo. Responsabilidade solidária. Citações. Alegações de defesa rejeitadas. Contas irregulares. Débito. Multa. Remessa de cópia ao MPU. Processo 020.173/2003-4. AC-1161-17/10-P. Plenário. Data da Publicação no DOU: 04/06/2010. No mesmo sentido: Plenário. Processo 012.986/2003-1. Data da Pública no DOU: 29/01/2010.
[11] É bom ter presente os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo. Malheiros: São Paulo, 2007, p. 70, sobre a dimensão do princípio da indisponibilidade do interesse público. “A indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade - internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los - o que é também um dever - na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis."
[12] Esse trecho refere-se ao Processo 011.105/2004-3. Plenário, publicado no DOU em 03/09/2004: Ementa : Consulta formulada pela Advocacia-Geral da União - AGU. Solicitação de análise, pelo Tribunal, de pré-proposta de acordo a ser realizado entre a União e a Federação dos Trabalhadores em Empresas de Difusão Cultural e Artística do Estado do Rio de Janeiro e outros sindicatos para adoção de providências pela consulente. Acordo oriundo de reclamação trabalhista sobre diferenças salariais referentes a plano econômico. Esclarecimentos à consulente. Caso concreto. Negado conhecimento. Arquivamento.
[13] O STJ consignou o seguinte: “É ilegal e, portanto, insuscetível de homologação judicial, a transação entre a Administração e o particular que viola a seqüência dos precatórios, mesmo se o credor renuncia à parte (in casu, parte ínfima) do crédito, vedação essa que incide tanto se já há precatório, como em momento anterior à sua expedição. (AgRg no REsp 1090695/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 04/11/2009)
Advogada, Procuradora Federal, Graduada no UniCeub-Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DONIAK, Alessandra Alves. Conciliação Judicial no Âmbito da Administração Pública Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 fev 2015, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43288/conciliacao-judicial-no-ambito-da-administracao-publica-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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