RESUMO: O presente trabalho pretende dialogar com as teorias pragmáticas da argumentação encampadas por Robert Alexy e Neil MacCormick, tratando, assim, das conexões entre a argumentação prática geral e argumentação jurídica como uma modalidade específica daquela. Ademais, busca-se intentar uma relação com a Teoria dos Sistemas luhmanniana, promovendo um diálogo entre teses aparentemente distintas.
Palavras-chave: Teoria da Argumentação Jurídica. Retórica. Pragmática. Teoria da Comunicação. Teoria dos Sistemas.
ABSTRACT: This work intends to establish a dialogue with pragmatic theories of argumentation as it teached by Robert Alexy and Neil Mac Cormick, studying the connections between general practical argumentation and its specific modality, legal argumentation. Besides, seeks to make a relation with Niklas Luhmann´s Systems Theory, with the goal to promote a dialogue with apparently different theses.
Keywords: Theory of Legal Argumentation; Rhetoric; Pragmatism; Communication Theory; Systems Theory.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. A que serve uma teoria da argumentação jurídica? 3. Argumentação jurídica como caso especial do discurso prático geral 4. O caráter argumentativo do Direito 5. Argumentação jurídica em Luhmann 6. Dogmática e argumentação para Luhmann e Alexy 7 Conclusões.
1. Introdução
Não reste dúvidas acerca do senso comum como um modo de conhecimento do que se percebe como realidade. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 112), em sua visão estritamente consensual da verdade, o definem como uma “(...) série de crenças admitidas no seio de uma determinada sociedade, que seus membros presumem ser partilhadas por todo ser racional”. Este, longe de não ter qualquer valor, é um importante auxílio para a aproximação acerca do que se pretende falar. O Direito, então, na visão dos não-iniciados (e não deixa de ser curiosa a expressão “leigo” usada para todo aquele que não partilhe da experiência prévia de qualquer assunto, tal como o termo eventualmente pode ser usado para os fiéis que não ocupam posições sacerdotais ou cerimoniais em dada religião), é visto como um campo no qual são dois os caracteres essenciais: a leitura e a argumentação.
Com muito mais nuances e complexidades, o saber jurídico, quer seja considerado científico ou não, estabelece o ponto de partida indissociável do Direito moderno: os textos (legais ou judiciais) e as normas jurídicas a partir deles extraídas. Mas uma pergunta se faz presente: donde a especificidade do direito?
Para além de respostas que destacam o caráter monopolisticamente estatal e essencialmente sancionatório da experiência jurídica moderna, parece haver algo de próprio na maneira como se discute uma questão jurídica (na qual são impostas demandas, caracterizações, qualidades e proposições específicas).
Falando justamente da necessidade de um lugar do qual se possa sair para que a argumentação se desenvolva, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 116) entendem que a discussão jurídica deve ocorrer no seio de um sistema definido, o qual estabelece alguma hierarquia nos problemas a serem abordados, notadamente em relação à forma de interpretar aqueles textos.
Também Neil MacCormick (2008, p. 19) concebe o Direito como um campo inerentemente argumentativo:
Não menos antigo que o reconhecimento do Estado de Direito como ideal político é o reconhecimento do Direito como o campo da argumentação, um ambiente em que a retórica se desenvolve com toda a sua elegante e persuasiva, mas às vezes também dúbia, arte. A retórica, então, pode voltar-se contra si mesma. (...) O Direito é uma disciplina argumentativa. Qualquer que seja a questão ou problema que tenhamos em mente, se os colocarmos como uma questão ou problema jurídicos, procuraremos uma solução ou resposta em termos de uma proposição que pareça adequada do ponto de vista do Direito (ao menos discutivelmente adequada, ainda que o preferível seja uma proposição definitivamente adequada).
Mas quais são as balizas em que essa argumentação jurídica ocorre? De que maneiro pode-se diferenciar um debate jurídico de uma discussão estritamente moral, se é que isso é possível? A hipótese deste pequeno trabalho é simplesmente tratar de como a questão é percebida por uma visão pragmática e um tanto quanto relativista do Direito, esposada, entre outros, por Robert Alexy e Neil MacCormick. Na visão dos autores citados, parece haver semelhanças entre a argumentação geral e a jurídica, com pontos de distinção fulcrais, no entanto.
Posteriormente, pretende-se abrir uma senda para um diálogo (rudimentar, reconheça-se) com a visão de Niklas Luhmann sobre a argumentação jurídica e como esta se insere em seu campo maior de observação, a Teoria dos Sistemas. De certo modo, pretende-se uma aproximação que afaste a (injusta) crítica de que a referida teoria seria por demais isolacionista.
2. A que serve uma teoria da argumentação jurídica?
O Direito moderno é organizado, sobretudo, a partir da construção de normas jurídicas estruturadas diante da percepção de textos. Em uma certa medida, a centralidade do chamado “direito positivo” impõe a conceitualização a partir do conhecimento das normas e de sua interação (ordenamento). A partir daí, ganha importância o processo de aplicação da norma jurídica, da tentativa imperfeita de levar ao plano da realidade fenomênica o que é um constructo de linguagem por excelência. Isto, no caso dos ordenamentos de matriz romano-germânica, ocorre primordialmente num processo judicial (embora cada vez mais ganhe importância a chamada jurisdição administrativa). Neste ponto, é essencial uma teoria da decisão jurídica, i.e., que auxilie e, simultaneamente, controle o itinerário de produção de uma norma aplicável a um caso concreto.
Karl Larenz (2009, p. 326) percebe esta necessidade de entrelaçamento entre a teoria e a prática jurídica, quando afirma:
A Jurisprudência está empenhada, através de um tratamento adequado do material que lhe é dado nas leis e nas sentenças dos tribunais, em alcançar critérios precisos para a solução de questões jurídicas e a decisão de casos jurídicos e, bem entendido, nos quadros do Direito que em cada momento vigora e das suas valorações fundamentais.
Há, portanto, um papel reservado ao saber jurídico, em tratar do processo interpretativo que culmina na produção de uma norma concreta, afinal, esta necessariamente tem de ser resolvida pelo decisor, seja no âmbito administrativo ou judicial, dada esta imposição também moderna, o “non liquet”.
E assim afirma o mesmo Larenz (2009, p. 326) na sua consagrada obra acerca da metodologia no Direito, no sentido de que é preciso a quem decide “arriscar” uma solução, conquanto não seja plena de fundamentos e um tanto quanto discricionária, mas sustentada, dentro das possibilidades, em argumentos jurídicos, numa vinculação aos textos legais. Esta, uma relação de duas vias entre a teoria e a prática jurídica, implica a imprescindibilidade de que se fale sobre a argumentação jurídica.
A argumentação é percebida por Perelman e Tyteca (2005, p. 61), como uma “ação que tende sempre a modificar um estado de coisas preexistente” e, embora assemelhada, na disputa, a uma agressão, reside no campo simbólico, pois “supõe o estabelecimento de uma comunidade dos espíritos que, enquanto dura, exclui o uso da violência”. Para que ocorra, depende de algumas condições, dentre as quais se inserem: (i) uma linguagem comum que possibilite a comunicação; (ii) o apreço pelo interlocutor e seu consentimento; (iii) eventualmente participar do mesmo meio daquele com quem se argumenta e (iv) e a atenção do interlocutor (PERELMAN e TYTECA, 2005, p. 16-20).
De modo similar aos acadêmicos da Universidade de Bruxelas, Adrian Sgarbi (2007, p. 485- 486) concebe a argumentação como uma renúncia ao uso da força e à consideração pela existência do outro como um ser racional, passível de ter ser convencido e, ainda, ter seus contra-argumentos levados em conta. Argumentar é partir para a tentativa da persuasão, da remoção de resistências por meio da adesão a um processo intelectual de quem fala. Sgarbi, contudo, vê na polissemia do termo algo a ser de logo identificado: de um lado, “argumentar” significando a organização de estratégias de persuasão; de outro, o estabelecimento de um raciocínio encadeado.
Em ambos os sentidos, é verdade, está presente a noção de racionalização, e em algum grau, de justificação de um discurso, mesmo que no primeiro caso, o essencial parece não ser fundamentar, mas persuadir, no sentido de fazer com que o outro adira às suas conclusões.
O problema da fundamentação é notado por boa parte dos teóricos, dentre os quais se destaca Robert Alexy. O professor da Universidade de Kiel guarda um especial cuidado pelo caráter racional intrínseco ao Direito moderno, e sua visão do processo de aplicação de normas jurídicas é tributária de um modelo que pretende reduzir a indeterminabilidade e subjetividade intrínseca do acontecimento jurídico a partir da racionalidade dos argumentos postos em tela.
Em sua obra sobre os direitos fundamentais, Alexy (2011b, p. 85) já evidencia esta preocupação quando ressalta que a distinção entre regras e princípios “(...) constitui, além disso, a estrutura de uma teoria normativo-material dos direitos fundamentais e, com isso, um ponto de partida para a resposta à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais”.
Alexy insere-se numa tradição de autores que são chamados de “procedimentalistas”, para os quais o controle da atividade jurídica está, acima de tudo, na racionalização do itinerário de decisão, não sendo possível determinar, em última razão, seu conteúdo final. Neste caminho metodológico, destaca um trecho de um voto do Tribunal Constitucional Federal alemão, clarificando que considera primordial na atuação do decisor:
O juiz deve atuar sem arbitrariedade; sua decisão deve ser fundamentada em uma argumentação racional. Deve ter ficado claro que a lei escrita não cumpre sua função de resolver um problema jurídico de forma justa. A decisão judicial preenche então essa lacuna, segundo os critérios da razão prática e as ‘concepções gerais de justiça consolidadas na coletividade’ (BVerfG E 34, 269 (287) apud ALEXY 2011a, p. 39-40)
Se é bem verdade que seria possível retirar alguns sentidos (chamados “discursivamente impossíveis”), não sendo aceito aqueles que não se ajustem ao processo interpretativo, não se teria como dominar, por último, a substância final de uma decisão.
Caberia ao Direito controlar a racionalidade de seu processo argumentativo e decisório, mas não indo muito além disso. O autor chega mesmo a afirmar a possibilidade de escolha entre várias soluções e como não haveria antijuridicidade nisso, a despeito de aquela decisão não ser necessariamente fundamentável do ponto de vista da metodologia jurídica (ALEXY, 2011b, p. 19).
Antes, ainda competiria à Jurisprudência a análise das estruturas lógicas que compõem o Direito, tanto das normas quanto dos argumentos. Por isso, Alexy (2011a, p. 31) considera sua perspectiva analítico-normativa.
Bem próximo a esta concepção pragmática e argumentativa do Direito está o professor escocês Neil MacCormick (2008, p. 23), sustentando que o “jurídico” está por trás dos pleitos e da argumentação, ao menos persuasiva. E a seu ver, a visão procedimentalista contribui com a racionalização da argumentação, na medida em que afasta critérios subjetivistas acerca do que consistiria uma determinada questão jurídica em disputa. Para MacCormick (2008, p. 30):
A racionalidade da argumentação introduz mais um limite importante. Ainda que qualquer dilema ou problema prático em particular deva ser considerado a partir de seus próprios méritos (E esteja sujeito a procedimentos tais como aqueles que nós consideramos até aqui), devemos ter sempre em mente que aquelas proposições universais (sempre que C, então D) que utilizamos não podem ser consideradas como compromissos isolados que somente nos vinculam àquele caso particular.
É como se se dissesse: em Direito, há sempre uma disputa em torno de questões relevantes para uma certa decisão, mas esta disputa há de ser controlada por uma determinada forma de argumentação. Vale dizer: não é qualquer argumento válido. É preciso que este argumento esteja revestido de uma forma jurídica e esteja inserido num determinado contexto.
Tercio Sampaio Ferraz Jr. (2003, p. 323) sintetiza bem as expectativas referentes ao processo de fundamentação e decisão jurídicas, pois, nesta temos um discurso racional e esta racionalidade é derivada da necessidade de fundamentação. A fundamentação significa a comprovação de que algumas regras foram seguidas para a obtenção de delimitada decisão.
Como o senso comum percebe, por trás da iniciação jurídica, por trás do (justamente) mal-afamado “juridiquês”, este jargão moderno inerente aos juristas de todo o mundo[1], parece haver, sim, um conhecimento específico inerente à argumentação jurídica, que diz respeito tanto às regras acima aludidas quanto ao próprio direito positivo. Não à toa, MacCormick (2008, p. 20) reconhece, no particular, a circunstância de que muitos, a despeito de terem grande conhecimento, não desenvolvam habilmente os atos de alegação e defesa jurídicas, enquanto outras, dotadas de uma capacidade geral de argumentação, não dominem completamente o Direito, a ponto de encetarem com competência a disputa de teses jurídicas.
A Teoria da Argumentação estabelece-se, enfim, como uma forma discursiva de fundamentação da decisão. Ou melhor, nas mais diferentes circunstâncias e nos mais variados estilos, a Teoria da Argumentação põe-se a serviço de organizar e fundamentar uma dada decisão, orientada por mecanismos de racionalidade. Mas é possível distinguir a argumentação jurídica de outras espécies de argumentação?
3. Argumentação jurídica como caso especial da argumentação prática geral
A percepção de que o Direito é uma técnica para a resolução prática de certas questões está muito presente. Contudo, o dizer jurídico pode não ser concebido simplesmente como uma forma de resolver conflitos, no campo da ação, afinal se trata de um discurso. A cisão inquebrantável entre a realidade dos eventos e a linguagem não pode ser reconstituída, tendo em vista que há sempre uma diferença de nível entre o discurso e a ação.
O Direito funciona, então, como a tentativa de edificar uma ponte que relacione o campo da argumentação ao da ação física (para usar o termo de alguns, de duas ações, uma no campo da fala e outro não âmbito da realidade material, para quem considera a argumentação como uma forma específica de atividade). Ora, existem semelhanças evidentes entre o discurso jurídico e aquele efetuado na moral, na política e em outras áreas da aplicação do conhecimento humano “aplicado”.
Neste caminho, pode-se falar na argumentação jurídica como um “discurso prático”. E isso porque, conforme já se adiantou, os enunciados de Direito são sempre voltados à resolução de um “caso”, fundamentando enunciados acerca da correção ou não de proposições normativas, i.e., que pretendem regular certa situação.
De um lado, assim como todo discurso prático é racional, na medida em que é justificável, o discurso jurídico é racional por sempre estar fundamentado à luz do ordenamento jurídico. Esta é a chamada “coincidência parcial na pretensão de correção de que fala Robert Alexy (2011a, p. 281). Do mesmo jeito, o professor disseca a riqueza de ocasiões em que se dá uso à argumentação jurídica, desde um processo judicial até uma discussão acadêmica, por ele chamada de “científico-jurídica” (ALEXY, 2011a, p. 30). Assim, tratar-se-ia de “uma atividade linguística da correção dos enunciados normativos”. Esta, aliás, é uma visão reiterada por Neil MacCormick (2008, p. 24), quando delimita alguns marcos para esta modalidade de discurso:
Isso quer dizer que a argumentação jurídica precisa ser reconhecida como um caso especial do raciocínio prático em geral, e precisa então conformar-se às condições de racionalidade e razoabilidade que se aplicam a todos os tipos de razão prática (...) O argumento será confinado à consideração daquilo que é racionalmente defensável
Esta “fome de decisão” inerente ao Direito é a própria justificação alexyana para a separação do discurso jurídico como uma modalidade autônoma de argumentação, pois, nos termos do professor alemão, nestas circunstâncias, “(...) é racional (isto é, fundamentável num discurso prático) concordar com um procedimento que limite o campo do possível discursivamente da maneira mais racional possível” (ALEXY, 2011ª, p. 280).
Afasta-se, de pronto, qualquer questionamento a respeito do âmbito prático, de que isto não procederia totalmente, dado o arcabouço teórico inerente ao Direito positivo e às teorias do direito contemporâneo. Veja-se o caso da chamada “jurisprudência dos conceitos” e da própria noção de ordenamento jurídico, em que o estudo das relações internas entre normas abstratas ocupam boa parte da atividade do jurista, gerando certa impressão de que o operador do direito guarde uma relação algo fria com as situações, pensando (e discursando) muitas vezes, “em tese”. Assim, seria questionada a existência de um componente prático inerente ao Direito quando se trata da criação conceitual e do estudo de certos institutos.
Contudo, deve-se frisar que mesmo no manejo de argumentos que não se refiram a eventos já ocorridos, há, ao menos, a remissão à um caso abstrato, i.e., a delimitação de certas circunstâncias que comporiam, em tese, o fato jurídico, que é nada mais que a qualificação de caracteres a partir do conceito legal. Ao tratar da argumentação consequencialista no Direito, MacCormick (2008, p. 152) resvala na importância de mencionar situações hipotéticas para que se discuta uma questão jurídica:
Ao considerar as consequências de uma decisão por meio dessas implicações em relação a casos hipotéticos, descobrimos se uma decisão nos obriga a tratar universalmente como corretas certas ações que subvertem ou deixam de respeitar em nível adequado os valores em jogo, ou de tratar como erradas formas de conduta que não incluem qualquer subversão desse tipo.
Um “caso”, portanto, é construção narrativa, seja retroativa (referindo-se ao passado e buscando ali caracteres essenciais presentes no texto geral e abstrato para que se classifique dada situação como jurídica), seja prospectiva (quando enuncia um modo de aplicação para o futuro, não buscando em um evento da realidade o que a lei implica, mas trazendo exemplos teóricos de possíveis situações práticas). A influência da análise prospectiva na decisão e na argumentação jurídica é também destacada por MacCormick (2008, p. 283)
Uma vez que trazemos a explicação motivacional, ela adiciona uma certa complexidade à sequência causal, pois o futuro, tal como o agente que o vislumbrou, terá feito parte essencial da deliberação daquele agente sobre a ação agora a ser explicada. (...) Em termos de raciocínio prático de A, A chega a uma decisão apenas definindo uma intenção sobre o futuro e sobre valores que considera alcançáveis ou realizáveis. Nesse sentido, o futuro pode ter efeitos presentes (...)
Mas a questão do direito como tipo especial de discurso prático não se encerra aí, pois também isto diz respeito ao problema da fundamentação. Consoante aventado, o discurso jurídico seria prático porque trata da justificação de proposições normativas, reguladoras de conduta. Neste ponto reside a similitude com qualquer discurso prático (ALEXY, 2011a, p. 31). Entretanto, se a argumentação é o procedimento de justificativa de uma decisão, referente ao modo como se constroem seus fundamentos, isto poderia implicar um processo ao infinito. Ora, é justamente a necessidade de decidir que impõe um corte final nesta justificação.
Assim, Robert Alexy (2011a, p. 179) explica em que sentido uma argumentação prática é fundamentada:
A simples indicação do seu caráter discutível não justifica certamente falar da fundamentalidade ou correção das proposições normativas (...) Um regresso ao infinito apenas poderá ser evitado caso a fundamentação se interromper em algum momento e se substitui por uma decisão que já não se tem de fundamentar. Isso, porém, teria a consequência de que só se poderia falar num sentido muito limitado da correção da proposição a ser justificada.
A especialidade da argumentação jurídica mora, ademais, na fatalidade de sua limitação (ALEXY, 2011a, p. 31). Um discurso jurídico é (e tem de ser) limitado. Uma vez que é orientado a uma decisão final (conforme dito acima), são estabelecidas condições limitadoras, como a submissão aos cânones legislativos, aos precedentes e a como a dogmática jurídica organiza e entende a aplicação destes institutos, além da restrição - o que não vale para o alcance da “ciência jurídica” -, quanto às regras processuais, como limitações de prazo, de condições argumentativas (sustentação oral), quanto à prática de certos atos (preclusões, contumácia, etc.).
A fundamentação é um critério que determinaria a própria racionalidade do direito, tendo em vista que esta não ocorre a partir de nada, mas sim de outras decisões (consubstanciadas em textos legais), como lembra MacCormick (2008, p. 31):
O contexto jurídico, no entanto, é um contexto no qual a idéia recém-mencionada de coerência tem uma importância peculiar e óbvia. Em uma discussão jurídica, ninguém começa a partir de uma folha em branco e tenta alcançar uma conclusão razoável a priori. A solução oferecida precisa fundar-se ela mesma em alguma proposição que possa ser apresentada ao menos com alguma credibilidade como uma proposição jurídica, e essa proposição deve mostrar coerência de alguma forma em relação a outras proposições que possamos tirar das leis estabelecidas pelo Estado.
Esta racionalidade, atrelada à premente expectativa por segurança em questões intersubjetivas justifica, para MacCormick (2008, p. 201) a existência de uma “prática especializada da justificação jurídica”, que não alcançaria as mesmas conclusões atingidas pelo discurso moral. Há uma especificidade quanto às regras, que diria respeito, sobretudo ao procedimento. Numa sociedade de variáveis princípios morais, em que estes, inclusive, disputam a primazia em temas polêmicos, o Direito precisa decidir- e para isso, é preciso que se afaste da substância e tente garantir o procedimento argumentativo, daí a opção “procedimentalista” tanto de MacCormick quanto de Alexy. Este intentou estabelecer um verdadeiro “código de razão prática”, consistente em “(...) um grupo de regras e formas, com status lógico completamente diferente e cuja adoção deve ser suficiente para que o resultado fundamentado na argumentação possa estabelecer a pretensão de correção” (ALEXY, 2011a, p. 32).
MacCormick (2008, p. 30) vê como grande vantagem desta abordagem procedimental a redução dos apelos à intuição ou sentimentos estritamente pessoais, agregando racionalidade à discussão jurídica, o que, ademais, parece ser mesmo a intenção de Alexy. O teórico alemão frisa que há limitações inerentes ao campo do discurso e dentre estas, a principal, de que não há garantias quanto à substância da decisão (i.e., o que será efetivamente decidido).
Desta forma, o que cabe à Teoria da Argumentação é estabelecer os limites racionais nos quais a justificação daquela decisão pode ocorrer, de modo que ela seja controlada intersubjetivamente, de um modo direto, por aqueles diretamente atingidos num processo ou, indiretamente, pelo debate na comunidade científica que pode chancelar ou não certo fundamento, indicando caminhos futuros de aplicação do discurso.
Para Alexy (2011a, p. 284-286), não é a certeza ou a garantia da decisão que afirma a racionalidade do direito, mas a observação, pelo discurso, de diversos critérios ou regras de fundamentação, atendendo à exigência de racionalidade.
4. O caráter argumentativo do Direito e as regras do discurso
Já se falou aqui na dimensão argumentativa do Direito e em como qualquer questão jurídica tende a ser problematizada em proposições que sondam seus respectivos fundamentos. Nas sociedades democráticas contemporâneas, então, tal caráter de “disputa” das proposições é essencial, a ponto de MacCormick (2008, p. 19) entender que o reconhecimento do Estado de Direito como ideal político tem equivalência a perceber o Direito como um campo inequívoco da argumentação.
De certa maneira, para o escocês, a retórica é inerente à democracia, com seus debates e a eterna possibilidade de questionar mesmo o já decidido. Por isso, chega a afirmar que: “A idéia de Estado de Direito sugerida aqui insiste no direito da defesa de questionar e rebater a causa que lhe é apresentada. Não há segurança contra os governos arbitrários a não ser que esse questionamento seja livremente permitido” (MACCORMICK, 2008, p. 37). Nesta senda, ele entende que, dado o caráter argumentativo, para qualquer problema jurídico, há a busca de uma proposição jurídica que o solucione[2] (proposição que pode ser questionada juridicamente, de modo recursivo, etc.)
Para que a argumentação seja elaborada da melhor forma possível, além de um rol de argumentos, MacCormick desenvolve dois conceitos essenciais, referente à coerência das proposições jurídicas firmadas no discurso: coerência normativa e coerência narrativa.
Em relação à narrativa, o falecido professor de Edimburgo sustenta que faz parte da trajetória do discurso a percepção de que este é inserido num contexto e num “processo contínuo e indiferenciado”, em que atos particulares integram-se a atividades maiores. Há a necessidade de estabelecer uma narrativa que encadeie os fatos e confira-lhes um certo sentido social (MACCORMICK, 2008, p. 280).
Um caso jurídico, diferente do que julga o senso comum, não corresponde à realidade dos eventos, mas sim a uma reconstrução linguística, em que são selecionadas certas características. Sendo narrativas sobre o passado, construídas sob características relevantes para o Direito atual, atuam numa sequência temporal. Conclui-se, então, que a coerência narrativa provê uma avaliação acerca da verdade das proposições (MACCORMICK, 2008, p. 288-294)
É preciso que os argumentos se encadeiem numa sequência que faça sentido, de modo que possam ser contrapostas aos mecanismos probatórios (que, a rigor, hão de servir à narrativa e menos a reconstruir uma realidade dos fatos já esgotada). Para MacCormick (2008, p. 298), “a coerência narrativa se refere necessariamente ao fluxo de eventos no tempo. As narrativas replicam, no tempo analítico, eventos que se supõe ou se imagina terem ocorrido em tempo real”.
Exposto isto, vê-se que, diante de uma narrativa incoerente, não faz sentido nem partir para a instrução ou verificação, pois se percebe um defeito intrínseco, falhando já aí a reconstrução fática. Embora no julgamento acerca da coerência e das provas que certifiquem a respeito de uma dada narrativa reste um grau de subjetividade, o Direito pode regular o modo como se pode elaborá-la, para que seja exercido algum controle.
Para além da coerência narrativa do caso, há ainda um outro tipo de nexo, referente ao próprio sistema jurídico a partir do qual se argumenta: a coerência normativa (MACCORMICK, p 299). Dada a exigência de tratamento similar entre casos parecidos, corolário do Estado de Direito e condição de possibilidade de uma argumentação jurídica com algum grau de integração, é preciso que se aponte com alguma segurança quais seriam as normas aplicáveis.
Neste ponto, é grande o papel da doutrina, com o fim de reforçar a aplicação do Direito, o que reforça o caráter eminentemente prático da atividade intelectual jurídica, conquanto não se esteja decidindo um caso em concreto. Esta coerência é a compatibilidade axiológica entre duas ou mais regras, todas fundadas em princípios e valores jurídicos, não sendo mera ausência lógica de contradição (MACCORMICK, p. 301).
Postas em relação, MacCormick (2008, p. 298) enuncia que:
A coerência narrativa se refere necessariamente ao fluxo de eventos no tempo. As narrativas replicam, no tempo analítico, eventos que se supõe ou se imagina terem ocorrido em tempo real. (...) A coerência normativa, em contraste, é uma coerência “simultânea”, em vez de coerência ao longo do tempo; a coerência normativa tem um caráter essencialmente sincrônico, em oposição ao caráter essencialmente diacrônico da coerência narrativa (...)
A coerência normativa, portanto, diz respeito à justificação de uma proposição em pertinência junto ao ordenamento jurídico, visualizado como um todo de sentido, no que toca à organização interna e aplicação de normas jurídicas. De outro lado, a coerência narrativa se refere aos fatos e à elaboração de inferências a partir das provas, i.e., elementos que pretendem reconstruir linguisticamente um evento já esgotado temporalmente (daí sua sequencialidade).
Porém, a coerência é um ponto de partida. Na visão de Alexy, a racionalidade do discurso, embora dependa estritamente da coerência, necessita seguir algumas regras procedimentais, para que se justifique em si.
De um modo mais prescritivo do que o enlaçado por MacCormick, o teórico alemão pretende elaborar uma verdadeira teoria argumentativa. A seu ver, seu “código da razão prática” é um acúmulo de normas para a fundamentação de normas, pois pretendem fundamentar todo e qualquer discurso racional. No caso da argumentação jurídica, seu grande diferencial diz respeito à vinculação ao direito vigente e por isso, pode-se dizer que as disputas jurídicas são limitadas, não estando a todo o tempo em disputa.
Como um caso especial da argumentação prática, a discussão jurídica sempre faz referência a questões práticas, mesmo em suas matérias mais teóricas, pois, Alexy (2011a, p. 211) destaca, “junto a essas atividades, há a argumentação jurídica referente à solução de questões práticas”. Igualmente, esta argumentação tem pretensão de correção, ou seja, pretende-se racionalmente fundamentada (a diferença para o discurso prático geral está na base de fundamentação, que é mais restrita, o ordenamento jurídico).
Sobressai, neste contexto, a relevância da pretensão de correção: é ela que termina por configurar qualquer discurso jurídico como um caso especial da discussão prática geral, pois, a despeito de, num processo judicial, p.ex., as partes integrantes não necessariamente estarem motivadas para a elaboração de um juízo correto ou justo (senão de seu próprio interesse), além das limitações temporais e outras estabelecidas pelo processo, todas argumentam a partir dos cânones de racionalidade e supõem que seus argumentos seriam acatados, sob condições ideais.
A fundamentação do discurso jurídico implica, sobretudo, na justificação de proposições normativas de um tipo especial, as decisões jurídicas. Esta justificação, na construção procedimentalista da Teoria da Argumentação, acontece em dois planos: o interno e o externo. Assim, “na justificação interna verifica-se a decisão se segue logicamente das premissas que se expõem como fundamentação; o objeto da justificação externa é a correção destas premissas” (ALEXY, 2011a, p. 219).
Em essência, a justificação interna diz respeito à construção do silogismo. Em geral, o silogismo não é o simples, mas o complexo, tendo em vista a necessidade de articular diversas proposições, a título de premissas. Isto reconhece Alexy (2011a, p. 221) sem maiores dificuldades quando assevera:
O esquema de fundamentação é insuficiente em casos complicados, que se apresentam, por exemplo: quando uma norma (...) contém diversas propriedades alternativas do fato hipotético, quando sua aplicação exige um complemento por meio de normas jurídicas explicativas, limitativas ou extensivas, quando são possíveis diversas consequências jurídicas, ou quando na formulação da norma se usam expressões que admitem diversas interpretações.
A grande dificuldade da justificação interna está em estabelecer quais são estas premissas, dada a exigibilidade de estabelecer uma norma universal. O rigor com que se estabelece o silogismo é sua grande virtude, de maneira que sejam explicitadas aquelas normas que não são jurídicas, mas ainda assim estariam sendo usadas para fundamentar uma decisão. Explicitar estas premissas é um dos papéis principais da justificação interna (ALEXY, 2011a, p. 226). Por fim, Alexy defende o silogismo daqueles que qualificam-no como uma forma engessada e rígida que não considere a influência recíproca entre a interpretação do fato e da norma que o regula. A seu ver, isto é uma maneira equivocada de superestimar a etapa de justificação interna, visto que essas inter-relações hão de ser verificadas na justificação externa.
De outro lado, a justificação externa trata da correção daquelas premissas encontradas no procedimento silogístico. Estas premissas podem ser “regras de direito positivo”, “enunciados empíricos” ou de um terceiro gênero. Em relação às primeiras, a justificação é meramente a fundamentação da validade ou não, isto é, a conformidade de uma norma aos critérios de validade, sua pertinência a determinado ordenamento jurídico. Em relação aos enunciados empíricos, pode haver justificação no âmbito das provas (aproximando-se ao âmbito da coerência narrativa), bem como em ciência empíricas e em regras de presunção (ALEXY, 2011a, p. 228).
As regras de justificação externa do terceiro gênero, então, dizem respeito a “análise lógica das formas de argumentação que se reúnem nestes grupos”, percebendo como essas se conectam, sendo classificadas por Alexy (2011a, p. 229), do seguinte modo:
“(...) regras e formas (1) de interpretação, (2) da argumentação da Ciência do Direito (dogmática), (3) do uso dos precedentes, (4) da argumentação prática geral e (5) da argumentação empírica, assim como (6) das chamadas formas especiais de argumentos jurídicos”.
Como está longe da pretensão deste trabalho uma taxativa descrição desta teoria argumentativa, optou-se por usar um desses grupos de argumentos, o da dogmática, para ser utilizado de parâmetro do seu modo de funcionamento. Antes, inclusive, porém, cabe verificar uma forma peculiar de perceber a argumentação jurídica, para que se faça um cotejo com as teses de Alexy.
5.Argumentação jurídica em Luhmann
Luhmann percebe a argumentação jurídica dentro de um esquema maior, numa observação funcionalista-sistêmica, a qual merece alguns comentários. A Teoria dos Sistemas Sociais é a tentativa de construção de um aparato epistêmico de conhecimento da sociedade, influenciada inicialmente pela sociologia funcionalista do norte-americano Talcott Parsons, e posteriormente incrementada por aportes diversos: conceitos biológicos (essencialmente dos trabalhos de Humberto Maturana e Francisco Varela), cibernéticos, de teorias da comunicação e de uma teoria geral dos sistemas. De modo resumido, pode-se dizer que a concepção luhmanniana “(...) afirma que a sociedade apresenta as características de um sistema, permitindo a observação dos fenômenos sociais através dos laços de interdependência que os unem e os constituem numa totalidade” (ROCHA, 2013, p. 27).
Nesse caminho, Leonel Severo Rocha (2013) apresenta a teoria luhmanniana como uma que vê na diferença, na distinção, na fragmentação um aspecto essencial dos sistemas contemporâneos. E é o próprio Luhmann (2009, p. 81 e 89) que reconhece o papel da diferença entre sistema e seu meio circundante como elementar para definir o próprio sistema: “Toda a teoria está baseada, então, em um preceito sobre a diferença: o ponto de partida deve derivar da disparidade entre sistema e meio, caso se queira conservar a razão social de Teoria dos Sistemas (...)”. Aliás, para que se entenda o modo como um sistema se diferencia do meio circundante, por meio de operações de um tipo específico, é essencial a noção de autopoiese.
A autopoiese, conceito tomado de empréstimo das ciências biológicas[3], implica a capacidade de cada sistema reproduzir-se por conta própria, sem qualquer referência externa que não a si mesmo. Desta forma, a circunstância de o direito constituir-se como um subsistema autônomo, em que o fenômeno da juridicidade é constituído a partir dos elementos daquele próprio sistema (só o direito pode dizer o que efetivamente é o direito) não significa uma explicação causal sobre todo o modo de produção do direito. Como bem explica Luhmann (2009, p. 90), “com o conceito de autopoiesis (Maturana) colocado no centro da teoria biológica, não se pretende explicar (no sentido causal) absolutamente nada, mas somente evidenciar que a autorreferência é uma operação com capacidade de articulações subsequentes”.
O mecanismo da autopoiese não significa um isolamento total do direito em relação ao mundo (ou melhor, do sistema em relação ao meio). Afinal, uma vez que cuidamos de um subsistema social, e como tal, composto de comunicação, observa-se sua abertura cognitiva e fechamento operacional. Luhmann (2009, p. 103) descarta a ideia de que há um fechamento completo do sistema, justamente pela diferença entre operação e causalidade.
A definição de Luhmann (2009, p. 120), seguindo Maturana, é que a autopoiese “(...) significa que um sistema só pode produzir operações na rede de suas próprias operações, sendo que a rede na qual essas operações se realizam é produzida por essas mesmas operações”.
Sobre a noção de operações, Luhmann (2002, p. 26) percebe como importante a reflexão sobre como é produzida a diferença entre sistema e meio. É preciso, no caso, algum grau de recursividade, de maneira que as operações possam reconhecer o tipo de operações que pertencem ao sistema (e excluir as não-pertencentes). Em um exemplo, o direito só se torna real, i.e., efetivo por meio das operações que produzem e reproduzem o sentido específico do direito.
Esse sentido do direito poderia ser examinado em três níveis: (i) normativo; (ii) institucional e (iii) do núcleo significativo. Dito de outro modo, o direito corresponderia a uma estrutura de estabilização de expectativas sociais (Luhmann [1990, p. 151 e 161]; [2004, p. 33-36].
O direito é definido, portanto, a partir de suas funções específicas no sistema social mais amplo, e o resultado disso é o funcionalismo da perspectiva sistêmica. Falar em função do sistema é, como lembra Chamon Junior (2010, p. 103), procurar “responder qual problema da Sociedade é resolvido através do processo de diferenciação do sistema jurídico, e por conseguinte, de diferenciação das normas jurídicas”. Luhmann (2002, p. 86) responde a esta questão de forma quase cifrada, mesmo que (paradoxalmente?) taxativa:
(...) el derecho resuelve un problema temporal que se presenta en la comunicación social, cuando la comunicación en proceso no se basta a sí misma (ya sea como expresión, ya sea como "práctica") y tiene que orientarse y expresarse en expectativas de sentido que implican tiempo. La función del derecho tiene que ver con expectativas. Si además se parte de la sociedad y no de los individuos, esta función se relaciona con la posibilidad de comunicar expectativas y de llevarlas al reconocimiento en la comunicación. Expectativa quiere aquí decir: no sólo el estado actual de conciencia de un individuo determinado, sino el aspecto temporal del sentido, en la comunicación[4].
A função do direito é aplacar a contingência, reduzindo a arbitrariedade e estabelecendo algum sentido comum que possam servir à resolução de certos conflitos. A partir desta função é que a diferenciação do direito ocorrerá- e para isso, será necessário o código ilícito/ilícito e seu programa, que espelha o modo como o subsistema funciona.
Ressalte-se que a diferenciação iniciada pela especificidade funcional faz com que seja aguçada a necessidade de preservação do subsistema, o que acontece a partir do seu modo de operação, reproduzindo-se conforme um código específico, para a realização de certa função[5]. Com isto, Luhmann (2002, p. 91) afirma:
Desde una perspectiva abstracta, el derecho tiene que ver con los costos sociales que se desprenden de los enlazamientos del tiempo que efectúan las expectativas. En concreto, se trata de la función de estabilización de las expectativas normativas a través de la regulación de la generalización temporal, objetual y social. El derecho permite saber qué expectativas tienen un respaldo social (y cuáles no). Existiendo esta seguridad que confieren las expectativas, uno se puede enfrentar a los desencantos de la vida cotidiana; o por lo menos se puede estar seguro de no verse desacreditado en relación a sus expectativas[6]
Conclui-se, pois, que um sistema jurídico não é um conjunto congruente de regras e sim como uma rede[7] (ou uma trama) de operações fáticas, composta de comunicação (LUHMANN, 2002, p. 26).
Esclarecendo o modo como é construída a visão funcionalista-sistêmica, Caroline Kunzler (2004, p. 16) destaca uma série de premissas claramente estabelecidas na teoria luhmanniana, quais sejam: (i) de que a sociedade é concebida como um sistema, assim como são sistemas os indivíduos (sistemas psíquicos), seres biológicos (sistemas vivos), e outros sistemas inanimados (não-vivos -havendo um contraste deste com aqueles, na medida em que faltam-lhe as características da auto-reprodução e consequente autonomia) ; (ii) que este sistema é composto não de sujeitos, mas de comunicações; (iii) que o sistema social está em um entorno referido (ambiente), sem que com ele se confunda, ainda que retire dali os elementos que comporão sua existência- mas numa espécie de recriação, conforme (iv) a criação de regras próprias pelo sistema, de modo que ele próprio define as suas condições de “sobrevivência” de acordo com (v) um código diferenciador, próprio de cada sistema (e subsistema), marcador de sua diferença, por meio de um aspecto binário.
O sistema jurídico, no caso, é fechado em suas operações, de modo que seja mantida sua autonomia e sua função, de estabilizar expectativas. Os conceitos e o modo de produção das normas jurídicas, portanto, funcionam em um subsistema próprio, de maneira que sua organização confira maior efetividade a seu papel social. Isto não significa que o fenômeno jurídico mantém-se estanque ou num nível de abstrativização alheio a outras campos e à própria realidade- daí a abertura cognitiva, brecha pela qual entram as informações outras, que, transformadas pelo código jurídico (ou seja, passam a ser consideradas sob a ótica do direito), vão informar o subsistema em seu ciclo de operação.
Em verdade, numa sociedade complexa, é tomada como um dado a constante irritação do sistema pelo ambiente (entorno), porquanto, na medida em que o meio produz mais informações, isto enseja a produção de mais complexidade e informação no próprio sistema. Não é à toa que o direito contemporâneo regula as mais diversas situações, impensadas de serem tratadas por outras ordens jurídicas ao longo da história.
Ora, nesta intricada trama teórica, em que um conceito está amarrado ao desenvolvimento do outro, a argumentação jurídica é vista como uma “operação de auto-observação do sistema jurídico reagindo em seu contexto comunicativo às diferenças de opinião e à alocação do código de valores legal/ilegal[8]” (LUHMANN, 1995, p. 286).
Dito de outro modo, a argumentação jurídica atua como um intermediário de persuasão. Para o teórico sistêmico, ela é um meio para que o sistema jurídico convença a si mesmo, refine e continue suas operações em determinada direção. A rigor, a argumentação é uma operação existente para assegurar os efeitos no próprio sistema jurídico, marcando o fato de que pertencem a ele, por meio da referência constante ao código lícito/ilícito.
Luhmann (1995, p. 286-287; 2002, p. 241) lembra que argumentar não é a única operação do sistema jurídico, distinguindo-a das decisões que são as operações que efetivamente dizem respeito à validade normativa e que os argumentos só surgem para atuar como operações internas do sistema quando, no próprio sistema, afloram as diferenças de opinião a respeito da atribuição do código jurídico, ou seja, para qualificar dada situação como em conformidade ou não ao direito.
Os argumentos são necessários quando surge a necessidade de uma distinção a partir dos textos legais, o que tende a se intensificar numa sociedade complexa. Em outros termos, Luhmann (1995, p. 287) enuncia: “Argumentation is a mode of operation of the system, but a mode of a special kind, a mode specialised in self-observation[9]”.
De certa forma, há uma aproximação entre esta visão e a percepção de MacCormick, que qualifica a retórica e a disputa argumentativa como inerentes ao Estado de Direito. Poderíamos dizer com Luhmann, que, em alguma medida, o Estado de Direito é uma das formas mais complexas de organização do Estado já surgidas, tendo em vista a aceitação de diversos polos e intérpretes autorizados do sistema jurídico.
Num nível primário, o sistema não observa a si mesmo como um sistema, sendo as operações de distinção e denotação elaboradas com base em seus textos. A argumentação ocorre num segundo nível, quando já há uma percepção interna do sistema, uma observação dos textos e de seus leitores. Dito de outra forma, pelo próprio Luhmann (1995, p. 291): “While the first order observer merely reads the text and understands it in ist immediate verbal meaning, the second-order observer asks how the text is to be read and understood, and to what arguments it puts a stop”[10].
Assim sendo, Luhmann (1995, p. 287-290) sustenta que é importante vislumbrar como os argumentos dizem algo para si mesmos- como eles se observam. Neste ponto, o teórico destaca que os argumentos observam e descrevem os eventos jurídicos com suas próprias distinções, havendo as formas[11] do erro e da fundamentação[12], que são usadas para isso. O uso dessas formas significa “observação” e qualquer texto aí produzido é chamado de “descrição”. Essencialmente, a argumentação consiste em uma observação usando os instrumentos do erro e da fundamentação (em que a negativa de um não implica necessariamente a afirmação do outro).
A demonstração de um erro destrói o argumento, sendo o primeiro passo para a argumentação, uma vez que os fundamentos só são passíveis de descoberta quando não há erro. Neste ponto, Luhmann (1995, p. 289) sustenta a importância da lógica e da dedução, o que é igualmente defendido por MacCormick[13] (2008, p. 44), que em obra posterior, reafirma a importância da dedução quando diz que:
A lógica formal e a dedução importam no Direito. Certamente, reconhecer isso não exige que neguemos o papel imensamente importante desempenhado no Direito pela argumentação informal, probabilística, pela retórica em todos os seus sentidos e modos.
A conexão entre argumentação e interpretação é compreendida a partir da dependência do discurso jurídico pelos textos. Para que se argumente, é preciso interpretar, sendo que esta atividade é de um leitor singular em sua própria mente, ao passo que a argumentação é sempre uma ação comunicativa (Luhmann, 1995, p. 290). A Teoria da Argumentação atua, portanto, com a preparação de textos que podem refletir, começar, guiar ou controlar a auto-observação do próprio processo argumentativo.
Em uma aproximação com o “código de razão prática” alexyano, vê-se que as regras ali consolidadas, com o intuito de conferir racionalidade à fundamentação prática, na verdade, atuam de um modo metalinguístico, servindo justamente à observação do próprio sistema jurídico. O uso daquelas razões e normas de argumentação implicam uma referência ao próprio discurso, evitando os problemas na fundamentação e colhendo razões não-contraditórias, o que permite um discurso livre de erros.
A “arte” desta observação de segunda ordem, i.e., o processo de fundamentação das proposições jurídicas consiste em especificar esses motivos, deixando de lado algo que é importante e indispensável para que se possa construir uma maior riqueza de observações e descrições a partir da construção de formas ainda não articuladas (LUHMANN, 1995, p. 293). Resta, contudo, uma observação de terceiro nível, que diz respeito à função da própria argumentação e nas razões que estão por trás da satisfação daquele que argumenta com a descoberta de boas fundamentações.
Para o teórico, que foi professor da Universidade de Bielefeld, isso pode ser explicado a partir dos conceitos de informação e redundância, uma distinção gerada a partir do processo comunicativo. Neste, a produção de informação nova significa a produção de surpresas e a redundância significa a reprodução de informações já conhecidas. Como a repetição implica redundância, toda comunicação tende a converter informação em redundância. Assim, Luhmann (1995, p. 292) diz que do mesmo modo ocorre com a argumentação: esta serve para trabalhar contra a tendência do subsistema jurídico em produzir complexidade.
É inerente a um subsistema complexo a sua irritação pelo ambiente e consequente produção de variedade por meio de seus mecanismos de diferenciação funcional. Isto tende a aumentar ainda mais a complexidade do sistema, na medida em que novos elementos são adicionados a ele. Em outros termos: Na medida em que a sociedade torna-se mais complexa, há uma tendência por demanda de mais regulação jurídica. Quanto mais há regulação jurídica, o Direito torna-se mais complexo, o que dificulta a sua operação (as decisões jurídicas são mais difíceis de ser produzidas, a legislação torna-se mais complicada de ser compreendida e muito mais extensa, etc.). O processo de argumentação jurídica, na visão de Luhmann (1995, p. 291-292) age de uma forma reativa, conquanto estabilizadora deste processo.
Assim, a argumentação, em regra, pretende estabelecer redundâncias adequadas, reativando motivações já conhecidas. Eventualmente, chega até a criar novas razões a partir de critérios como os de distinguishing e overrulling, mas sempre com o intuito de permitir ao sistema jurídico sua operacionalidade. O ponto principal é que no uso do argumento, o sistema reduz sua surpresa a um limite tolerável e só permite que novas informações sejam inseridas de forma limitada- daí a especificidade do chamado discurso prático jurídico, como mencionado no tópico anterior.
O paradoxo da justificação para o teórico sistêmico significa: As razões são redundantes na medida em que o sistema recebe mais informação, mas não são supérfluas por serem essenciais à operação do sistema. Num ponto em que se distingue explicitamente da visão sobre a argumentação jurídica, Luhmann nega que haja prática (práxis) no processo argumentativo. A seu ver, ela integra o processo criador (poiesis) do sistema jurídico.
6. Dogmática e argumentação para Luhmann e Alexy
A dogmática jurídica possui um papel considerável na argumentação jurídica, tanto na abordagem sistêmica quanto no pragmatismo de Alexy. Não é por acaso que Chamon Junior (2009, p. 182), um seguidor da escola habermasiana, crítico de ambas as teses, portanto, questione o “neopositivismo” de Kelsen e Luhmann, justamente pela primazia conferida aos “especialistas”, embora seja bem verdade que neste termo o professor mineiro refira-se mais ao Judiciário do que propriamente à doutrina.
Karl Larenz (2009, p. 320-325) traz uma boa síntese da visão luhmanniana a respeito da dogmática jurídica. Já foi referido neste trabalho a distinção entre níveis operadas pelo Direito em suas operações de comunicação. A dogmática, para ele, tem como uma de suas funções essenciais a contextualização dos textos de leis e das decisões judiciais, para uma interpretação mais ampla- de segundo nível, em que se possa observar o texto, não mais num sentido meramente semântico, mas visto que ele mesmo já observa algo- é de segundo nível porque é uma observação da observação. Esta observação distanciada permitiria à dogmática inserir incertezas no sistema jurídico (incertezas devidamente demarcadas por seus limites operativos).
Contudo, a dogmática guarda outra função, que é a de definir as condições do que é juridicamente possível, i.e., é como se a dogmática delimitasse o campo do possível, no qual se darão as operações de argumentação e produção da decisão jurídica. Vê-se, então, uma dupla função da dogmática, que é, de certo modo paradoxal: ela agrega incertezas, mas delimita o campo das possíveis certezas, embora não faça parte diretamente do processo decisório (LARENZ, 2009, p. 324-325). Conclui-se, logo, que a dogmática, para Luhmann, colabora, numa fase prévia, com as operações argumentativas, agindo ora como um mecanismo de inserção de complexidade, ora como instrumento de redução, restringindo razões, inclusive sob as formas de erro e fundamentação.
Robert Alexy (2011a, p. 247-267), por sua vez[14], insere os argumentos dogmáticos em um dos grupos da justificação externa, i.e., no processo de fundamentação das premissas usadas na justificação interna (ou seja, num silogismo, geralmente complexo) de proposições jurídicas que não são enunciados empíricos nem regras de direito positivo. Em sua análise, ao autor sugere um outro conceito, ao tempo em que reconhece que os juristas reúnem sob este nome três atividades distintas: a de descrever o direito vigente, de analisá-lo sistemática e conceitualmente e, por fim, a de elaborar propostas para a solução de casos problemáticos.
Neste ponto, Alexy sugere definir a dogmática do seguinte modo:
“(...) uma série de enunciados que se referem à legislação e à aplicação do Direito, mas que não se podem identificar com sua descrição, estão entre si numa relação de coerência mútua, formam-se e discutem dentro de uma Ciência do Direito que funciona institucionalmente e têm conteúdo normativo.
O contraste entre a visão dos dois teóricos acima citados diz respeito não à participação da dogmática na argumentação e mesmo no processo de fundamentação normativa, algo que é reconhecido por ambos, mas, sim, no que Alexy chama de papel normativo da dogmática.
Luhmann enuncia que a dogmática define as condições do juridicamente possível, i.e., restringe a capacidade de variação de normas, impõe os limites do que seria pertinente ao direito para que aquele que decide efetue sua tarefa, conforme exposto em seu “O Direito da sociedade”:
Resumiendo: se puede ahora hablar de dogmática jurídica que toma en cuenta la sistemática conceptual y la coherencia histórica. Este material semántico que hace abstracción de la praxis casuística (pero que de ninguna manera es insensible a ella) ofrece posibilidades de que emerjan las preguntas de construcción. Estas preguntas se aprovechan para rechazar las decisiones imposibles, pero también para fundamentar las decisiones que desde hace tiempo corresponden al uso conceptual en práctica. De esta manera, se llega -a través de un proceso típico de "refuerzo de la desviación"-, a una expansión paulatina de los denominados conceptualmente institutos jurídicos (...) [15] (LUHMANN, 2002, p. 195).
Em Alexy (2011a, p. 252), a dogmática parece ir além, pois “seus enunciados podem ser expostos como argumentos para a decisão de questões que não se poderiam resolver unicamente por argumentos empíricos”.
Contudo, Alexy (2011a, p. 266) trata como um uso incorreto do argumento dogmático sua utilização como “modelo autônomo hipotético de decisão”, o que parece aproximá-lo novamente do que sustenta Luhmann (2002, p. 276-277), para quem a dogmática é a expressão de uma necessidade de argumentar por meio de conceitos e orienta, como “uma regra de demarcação” a busca de fundamentos que racionalizem a decisão jurídica. Assim, o autor consigna a insuficiência da dogmática para fundamentar, de modo único, a decisão jurídica:
Con esto se hará claro que los conceptos jurídicos no tienen la función directa de posibilitar una deducción lógica. Son, más bien, (y a partir de Saussure así se puede formular) distinciones; llaman la atención sobre las diferencias y con esto delimitan el espectro para la argumentación de lo que puede ser considerado como parecido o como análogo[16].
No que se refere às funções da dogmática, talvez o correto não seja falar em certa distinção, mas um caráter mais analítico conferido por Alexy, que enuncia estabilização, progresso, descarga argumentativa, técnica, controle, além da heurística (ponto de partida para novas argumentações) como papéis da dogmática. De certa forma, Luhmann os reconhece todos, embora não dê este destaque individualizado típico da filosofia analítica, que tanto influencia Alexy.
Alexy, contudo, não professa uma fé cega na racionalidade do uso de “argumentos dogmáticos”, uma vez que entende que pode haver irracionalismo quando, e.g., há uso da dogmática para encobrir os motivos verdadeiros de uma decisão.
7. Conclusões
Este trabalho pretendeu, de modo breve, tratar da argumentação jurídica conforme duas perspectivas: de um lado, a perspectiva pragmática-analítica, usando como referências os trabalhos de Robert Alexy e Neil MacCormick, e de outro, uma visão cujo arcabouço teórico é próprio e distinto da “gramática” comum nos estudos jurídicos: a Teoria dos Sistemas, de Niklas Luhmann.
Neste caminho, partiu-se a um panorama geral da Teoria da Argumentação, alguns conceitos elementares, sempre tendo em vista a importância e o modo de funcionamento do discurso jurídico diante do Direito contemporâneo, conforme as perspectivas citadas.
Neste ponto, deve-se mencionar que Alexy (2011a, p. 41-42), na introdução à sua Teoria da Argumentação, reflete sobre as semelhanças e incompatibilidades de suas teses com a Teoria dos Sistemas. Um ponto de separação estaria na percepção de Luhmann a respeito da natureza da argumentação. Por outro lado, o próprio Alexy menciona as possibilidades de que “em certo sentido” haja compatibilidade entre o que defende e a Teoria dos Sistemas.
Longe de querer combinar o inconciliável, este escrito buscou investigar possíveis aproximações e aberturas a um verdadeiro diálogo, que possa ser estabelecido entre a visão sistêmica e outras diversas teses existentes no campo jurídico, com o fim principal de utilizar o aparato da Teoria Sistêmica para auxiliar no esclarecimento e no refinamento analítico do fenômeno jurídico, e assim contribuir no aperfeiçoamento de sua compreensão.
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[1] Pierre Bourdieu faz uma boa abordagem sobre o poder simbólico da linguagem (não só jurídica, mas médica, p.e.x.), em seu “Poder Simbólico” (7ª ed, São Paulo: Ed. Bertrand Brasil, 2004).
[2] Ver ainda: MacCormick, 2008, p. 361.
[3] A profa. Marília Muricy Machado Pinto (2005, p. 111) apresenta uma diferenciação do conceito social de autopoiese para o conceito biológico: Tais sistemas, diferentemente dos biológicos, são capazes de auto-observar-se, refererindo-se, a um só tempo, a si mesmos e a seu entorno, para integrar seu próprio conjunto de operações, a diferença entre sistema e meio ambiente. Não há, portanto, uma atuação externa do meio ambiente sobre o sistema de direito”.
[4] Tradução para o português: (...) o direito resolve um problema temporal que se apresenta na comunicação social, quando a comunicação em processo não basta em si mesma (seja como expressão, seja como “prática”) e tem a ver com expectativas. Se, ademais, se parte da sociedade e não dos indivíduos, esta função se relaciona com a possibilidade de comunicar expectativas e de levá-las ao reconhecimento na comunicação. Expectativa aqui quer dizer: não só o estado atual de consciência de um determinado indivíduo, senão o aspecto temporal do sentido, na comunicação (Tradução nossa a partir da tradução do alemão para o espanhol feita por Javier T. Nafarrate, 2014).
[5] Neste ponto, é importante atentar para certa circularidade inerente à Teoria dos Sistemas, muito influenciada pela idéia de autogeração e autorreprodução, presentes na biologia e na cibernética.
[6] Tradução para o português: A partir de uma perspectiva abstrata, o direito tem a ver com os custos sociais que se desprendem das ligações temporais que efetivam as expectativas. Concretamente, trata-se da função de estabilização das expectativas normativas através da regulação da generalização temporal, objetual e social. O direito permite saber quais expectativas têm um respaldo social (e quais não têm). Existindo essa segurança conferida pelas expectativas, pode-se enfrentar aos desencantos da vida cotidiana; ou ao menos se pode estar seguro de não se ver desacreditado em relação a suas expectativas (Tradução nossa a partir da tradução do alemão para o espanhol feita por Javier T. Nafarrate, 2014).
[7] O termo utilizado pelo tradutor espanhol é “entramado”, que, em português, literalmente, quer dizer “caixilho”. Segundo o Dicionário HOUAISS, este é a “peça na qual se encaixavam as janelas de duas abas”. A opção pelo vocábulo “rede” é do prof. Chamon Junior (2010, p. 90). Uma escolha feliz, pois passa o sentido de uma ligação intrincada entre seus elementos constituintes.
[8] Esta é uma tradução nossa (2014) da seguinte versão em inglês do texto, realizada por Ian Fraser: “(..) (legal) argumentation an operation of self-observation of the legal system reacting in its communicative context to a difference of opinion as to the allocation of the code values legal/illegal”. Optou-se pela tradução no corpo do texto, de modo a permitir fluidez maior na leitura.
[9]A argumentação é um modo de operação do sistema, mas um modo de tipo especial, um modo especializado na auto-observação.
[10] Tradução nossa para o português, da versão inglesa de Ian Fraser: “Enquanto o observador de primeiro nível meramente lê um texto e o entende em seu sentido verbal imediato, o observador de segundo nível pergunta como o texto pode ser lido e entendido e a quais argumentos ele põe um fim”
[11] Sobre o conceito de formas, Luhmann (1995, p. 288) diz, nos passos de Spencer Brown, que: “(...) forms are distinctions which serve (only) to allow the designation of one (and not the other) side, including the possibility of crossing the dividing line in a further operation and going over to the other side. Em nossa tradução para o português a partir desta versão de Ian Fraser: (...) formas são distinções que servem (somente) para permitir a designação de um (e não de outro) lado, incluindo a possibilidade de cruzar a linha divisória numa operação à frente e mover-se para o outro lado.
[12] Optei alternadamente pelo uso de fundamentação, justificação, motivos ou razões. O termo usado em alemão é “Gründen”, traduzido para o inglês como “grounds” e para o espanhol por “razones”.
[13] Vale salientar que MacCormick é citado expressamente nesta passagem de Luhmann, indicando algum diálogo entre os autores.
[14] V. tópico 4
[15] Tradução para o português: Resumindo: se pode agora falar de dogmática jurídica que leva em conta a sistemática conceitual e a coerência histórica. Este material semântico que faz abstração da práxis casuística (mas que de nenhuma maneira é insensível a ela) oferece possibilidades para rechaçar as decisões impossíveis, mas também para fundamentar as decisões que faz tempo correspondem ao uso conceitual da prática. Desta maneira, se chega- através de um processo típico de “reforço do desvio”- a uma expansão paulatina dos denominados conceitualmente institutos jurídicos (...)(Tradução nossa a partir da tradução do alemão para o espanhol feita por Javier T. Nafarrate, 2014). Expondo esta visão de Luhmann, a partir de outro texto: Larenz, 2009, p. 324.
[16] Tradução para o português: “Com isto se fará claro que os conceitos jurídicos não têm a função direta de possibilitar uma dedução lógica. São, antes (e a partir de Saussure assim se pode formular) distinções: chamam a atenção para as diferenças e com isto delimitam o espectro par a argumentação do que pode ser considerado como parecido ou análogo”. (Tradução nossa a partir da tradução do alemão para o espanhol feita por Javier T. Nafarrate, 2014).
Advogado, Assessor no Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas dos Municípios.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Rafael Barros Silva de Pedreira. Argumentação jurídica como forma preparatória da decisão judicial: um rascunho de diálogo entre Luhmann, Alexy e MacCormick Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 fev 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43302/argumentacao-juridica-como-forma-preparatoria-da-decisao-judicial-um-rascunho-de-dialogo-entre-luhmann-alexy-e-maccormick. Acesso em: 23 dez 2024.
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