RESUMO: Versa, o estudo de caso, acerca de querela judicial que busca a responsabilização civil de culpados por fatídico evento que vitimou infante, impingindo-lhe incontornável estado de vida vegetativo. Acerca da demanda, foi obrigado a se manifestar o TJ/SP e, posteriormente, o STJ. Desenrolaram-se durante o processo, teses antagônicas acerca da responsabilidade civil e seus assuntos correlatos. Utilizou-se como parâmetro para o artigo as normas contidas no CC/16 sem prescindir do seu paralelo com o atual diploma legal civil. Valendo-se de um viés doutrinário e jurisprudencial, de antanho e hodierno, desenrola-se estudo acerca da compensação de culpas, da responsabilidade pelo inadimplemento de contrato, da distinção e cumulação entre dano moral e dano estético, além da responsabilidade do fabricante por defeito no produto ante a ausência de informação adequada. Esboça-se no texto posicionamento adotado por cada qual dos tribunais, sem olvidar a crítica que a eles se faz. Conclui o estudo, pela evolução do direito privado através da contínua jurisprudência dos tribunais, que culminou com a edição do Artigo 945 do Código Civil de 2002, sem dicção correspondente no Código de Beviláqua. Verifica-se ademais, significativa estagnação na interpretação do direito de proteção ao consumidor. Utiliza-se na resolução do caso uma interpretação acanhada de normas jurídicas modernas e claras, malferindo, o que predispõem os Artigos 6º, II, 9º, 12 e 31, todos do CDC. Entre acertos e erros dos tribunais, o texto possui autonomia suficiente para expressar por intermédio das suas próprias linhas posição autônoma, dissociada da encontrada por ambos os colegiados, com vistas a propiciar uma solução mais justa adequada ao caso.
Palavras-chave: Culpa concorrente. Inadimplemento. Consumidor. Informação-advertência.
1 INTRODUÇÃO
Trata-se de estudo de caso submetido à apreciação do judiciário paulista e a respeito do qual, em sede de Recurso Especial, se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça. Lança-se mão, nesta feita, de uma análise minudente da demanda, a se desenrolar tanto sobre os argumentos lançados no julgamento da apelação pelo tribunal local, quanto pela divergência delineada nas proficientes palavras da instância superior.
O alcance do trabalho, por óbvio, se limitará aos temas imbricados na querela judicial, que ensejou a aplicação de institutos jurídicos presentes no Código Civil de Beviláqua, gênese de preceitos hoje consolidados no atual Código Civil. Como se vê, a apreciação da solução judicial interage com preceitos de antanho e atuais, paralelo do qual não poderemos prescindir na exposição que se sucederá.
Sem a pretensão de esgotar a matéria da Responsabilidade Civil, o estudo tem como meta apresentar um posicionamento pertinaz dos regressos e avanços do entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre esse tema, notadamente no que concerne: à culpa concorrente; à distinção entre o dano estético e o dano moral; a responsabilidade pela demora no pagamento de seguro; por fim, não menos importante, a responsabilidade do fabricante do produto.
Consessa venia, será ainda esposado o posicionamento deste subscritor acerca do entendimento que se mostrou acertado durante a divergência entre os juízos, na esperança de que, sem a toga da respeitabilidade que veste os julgadores, possam, as linhas que se sucedem, ao menos, serem respaldadas pelo esmero na elucubração jurídica.
2 MARIA ODELE O OUTRO VERSUS CONDOMÍNIO EDIFÍCIO JARDIM DA JURITI E OUTROS: APELAÇÃO CÍVEL N.º 398.857-4/4-00 TJ/SP E RECURSO ESPECIAL N.º 1.081.432 - SP
2.1 O Caso
Trata-se de fatídico evento ocorrido no interior de piscina de condomínio residencial, que vitimou criança impúbere. O malsinado fato foi engendrado pela sucção dos cabelos da infante através da bomba de sucção superdimensionada e mal instalada, mantendo-lha imersa na água, em apneia, durante tempo, não eficaz em causar a morte, mas suficiente para lhe submeter a danos neuronais abissais e irreversíveis que a obrigam a permanecer em estado de vida vegetativo.
Abstrai-se dos autos, que a vítima, criança de 10 anos de idade, sabendo nadar, desacompanhada dos pais, seguiu juntamente com outras crianças, inclusive com um irmão seu, também menor, para se divertir em piscina - com profundidade de 0,95 metros - do condomínio em que morava.
Pode-se também concluir que, a bomba utilizada para drenagem da referida piscina estava inadequada para o tamanho do reservatório de água, possuindo capacidade significativamente superior à adequada para a sua finalidade, sendo de potência equivalente a 1 e ½ cv, quando a indicada seria de ¾ cv de potência. Ou seja, existia uma bomba de potência elevada em 5 (cinco) vezes à adequada para o local.
Ficou registrado, entretanto, que a mãe da vítima, embora estando em casa no momento do fatídico evento, não fiscalizava a filha em sua incursão na área de lazer do condomínio-réu.
Com vista a responsabilizar os culpados pelo nefando evento, fora proposta demanda pela menor vitimada e sua genitora, cujo resultado em primeiro grau de jurisdição foi de procedência parcial da inicial que, reconhecendo a culpa concorrente da genitora (por não estar em fiscalização de sua filha no momento do evento gravoso), condenou o Condomínio Edifício Jardim da Juriti a custear metade dos gastos com o tratamento da menor, além de danos morais.
Afastou-se, outrossim, a pretensão das autoras em verem condenada a seguradora do condomínio – AGF Brasil Seguros S/A - pela demora no pagamento de indenização, bem assim restou rechaçada a pretensão de responsabilização da empresa Jacuzzi Brasil Indústria e Comércio Ltda. – fabricante da bomba de sucção da piscina -, além de não haver prosperado a fixação de dano estético independente e cumulativamente ao dano moral.
Contra esta decisão de parcial procedência foi interposta Apelação Cível, cujo acórdão ficou assim ementado:
RESPONSABILIDADE CIVIL - Evento lesivo decorrente de afogamento de menor impúbere em piscina de condomínio edilício, de que lhe resultou danos pessoais irreversíveis de vida vegetativa - Demonstração de responsabilidade civil (objetiva e subjetiva) do condomínio pela instalação de sistema superdimensionado em relação ao padrão da piscina, além de omissão no resguardo da segurança dos condôminos e seus dependentes da potencialidade superior do equipamento nela instalado – Existência de relação de causalidade entre o dano e a conduta do condomínio- réu — Responsabilidade civil subjetiva concorrente, no entanto, da genitora e guardiã da menor impúbere por falta de cumprimento do dever de vigilância, proteção e cuidados da infante - Manutenção da decisão apelada no sentido de condenar o condomínio ao pagamento de metade do valor dos danos materiais, consistente em custeio de todo o tratamento exigido - Descabimento de responsabilização da fabricante do produto face à suficiente informação que acompanhava o equipamento, o qual nenhum defeito apresentou - Afastamento do pleito de indenização por danos morais em face da seguradora do condomínio, que não é parte no feito, mas garante, nos moldes do inciso III do artigo 70 do CPC - Responsabilização limitada ao valor estipulado na apólice - Razoabilidade de fixação de indenização consubstanciada em pensão mensal, a teor do artigo 1539 do CC de 1916 - Expectativa de que a menor vitimada, no futuro, viesse a exercer atividade laboral - Encargo do condomínio edilício e da genitora da menor - Elevação do quantum de danos morais somente em prol da co-autora vitimada - Irrecusável violação de direito à vida plena, à locomoção, ao crescimento, à saúde e ao trabalho - Dano estético que se subsume ao dano moral - Majoração da indenização por danos morais, no entanto, em razão das conseqüências graves e irreversíveis do dano - Descabimento, outrossim, de constituição de dote, eis que o § 2" do artigo 1.538 do CC de 1916 não foi recepcionado pela CF/88 - Necessidade de acerto, na forma de compensação, entre a indenização devida nos moldes do presente acórdão e a cifra efetivamente paga pelo condomínio edilício a partir da decisão antecipatória da tutela — Necessidade de constituição de capital cujos rendimentos assegurem o pagamento do encargo, nos termos do artigo 602 do CPC - Possibilidade, entretanto, de prestação de caução fidejussória, a teor da Súmula 313 do STJ, com a ressalva do parágrafo único do artigo 950 do CC vigente - Recurso das autoras parcialmente provido e apelo do réu improvido.[1]
Essa decisão, como se depreende, manteve quase em toda a sua integralidade a posição adotada pelo magistrado monocrático, alterando, essencialmente, apenas o valor a ser pago a título de dano moral, ao agregar ao seu valor o dano estético sofrido pela menor. Observe que, longe de estipular uma nova espécie de dano, a constatação no acórdão, de existência de um dano estético apenas agravou o dano moral, portanto, com ele se confundindo.
Em face do acórdão do Tribunal Paulista fora interposto Recurso Especial pelas autoras, cujo teor da ementa do julgamento é abaixo transcrita:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AFOGAMENTO. CRIANÇA. PISCINA DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO. SUCÇÃO DOS CABELOS DA VÍTIMA PELO SISTEMA DE DRENAGEM E FILTRAGEM DA PISCINA. ESTADO VEGETATIVO PERMANENTE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. CULPA CONCORRENTE DA GENITORA. DESCUIDO QUANTO AO DEVER DE VIGILÂNCIA. INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CUMULATIVIDADE. DOTE. ART. 1.538, §2.º, DO CC/1916. ACÓRDÃO ASSENTADO EM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA FABRICANTE DO SISTEMA DE FILTRAGEM INSTALADO DE FORMA INADEQUADA PELO CONDOMÍNIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO CARREADO AOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA DO CONDOMÍNIO PELOS DANOS MORAIS DECORRENTES DA MORA NA INDENIZAÇÃO DA VÍTIMA. COMPENSAÇÃO DE VERBAS INDENIZATÓRIAS DE DANOS MATERIAIS E VERBAS ALIMENTARES. IMPOSSIBILIDADE.
1. Ação indenizatória por danos materiais e morais, promovidas por mãe e filha menor em decorrência do afogamento desta última – que lhe impôs condição de vida em estado vegetativo permanente – em decorrência da sucção de seus cabelos pelo sistema de dreno/filtragem super dimensionado e indevidamente instalado no fundo de piscina condominial.
2. Não se verifica violação ao art. 535 do CPC quando o acórdão impugnado examina e decide, de forma fundamentada e objetiva, as questões relevantes para o desate da lide.
3. Ocorre a modalidade de culpa que se denomina concorrente quando agente e vítima concomitantemente tenham colaborado para o resultado lesivo, implicando, assim, em eventual redução proporcional do quantum indenizatório.
4. A simples ausência da genitora no local e momento do incidente que vitimou sua filha, a despeito de lhe imposto dever de vigilância pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não configura a culpa concorrente da mesma pelo afogamento da menina em razão de ter ela seus cabelos sugados por sistema hidráulico de drenagem e filtragem
super dimensionado para o local e instalado de forma indevida pelo Condomínio-réu.
5. Consoante o entendimento jurisprudencial sedimentado desta Corte Superior, "permite-se a cumulação de valores autônomos, um fixado a título de dano moral e outro a título de dano estético, derivados do mesmo fato, quando forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis" (REsp n.º 210.351/RJ, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, DJU de 25/09/2000)
6. Assentado o acórdão recorrido em fundamento eminentemente constitucional, qual seja, a não recepção do art. 1538, §2.º do CC/1916 pela Carta Maior, escapa à competência desta Corte Superior, na via especial, a apreciação da matéria.
7. Estando consignado pelas instâncias de cognição plena que os manuais fornecidos pela fabricante do sistema hidráulico traziam informações suficientes à demonstração do perigo pela utilização inadequada do produto, sendo expressos, ainda, ao alertar sobre a
necessidade de que pessoas de cabelos longos prendessem os mesmos à altura da nuca ou fizessem uso de toucas para natação, é descabido imputar à mesma responsabilidade pelo evento danoso que ocorrera.
8. O reexame do conjunto fático-probatório carreado aos autos é labor vedado à esta Corte Superior, na via especial, nos expressos termos do verbete sumular n.º 07/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
9. Impõe-se à empresa seguradora pagamento de indenização pelos danos morais decorrentes da mora no pagamento do prêmio contratado, fato que impôs a exposição pública genitora da vítima, que se viu compelida a promover campanhas públicas de arrecadação de fundos necessários a cobertura para o pagamento da terapia em curso, em momento de fragilidade, fator inquestionável de angústia, sofrimento e dor.
10. Em se tratando da responsabilidade contratual da seguradora, os juros moratórios correm da citação, sendo devidos, a partir daí à taxa de 0,5% ao mês (art. 1.062 do CC/1916) até o dia 10.01.2003 (data da entrada em vigor do novo código civil) e, a partir daí, pela taxa que estiver em vigor para a mora no pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional (art. 406). (Precedentes: REsp n.º 173.190/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 03/04/2006; e REsp n.º 821506/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 26/02/2007)
11. Por terem natureza distinta, não são compensáveis os pagamentos efetuados pelo condomínio-reu para custeio do tratamento médico da vítima, decorrentes de decisão de antecipação dos efeitos da tutela, com aqueles referentes à pensão alimentícia arbitrada em função da perda de capacidade da mesma para qualquer ato da vida civil.
12. Recurso especial parcialmente provido.[2]
Verifica-se que há nesse último momento, uma alteração significativa das balizas fixadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sem entretanto incorporar outros grandes avanços que, ao nosso sentir, deveriam estar presentes na resolução da demanda.
Segue-se, portanto, específico estudo pontos relevantes que aventados na demanda exigem uma apreciação atenta, notadamente sobre a culpa concorrente, a cumulação entre danos morais e danos estéticos e a possibilidade de indenização pela demora de pagamento do seguro. Matérias que, julgadas de uma forma pelo juízo local, foram radicalmente alteradas pelo Superior Tribunal de Justiça.
O acórdão reformador embora dizendo muito, não disse o suficiente. Deve-se atentar, portanto, para a possibilidade da responsabilização do fabricante do produto, conducente à bomba de sucção da piscina fabricada pela empresa Jacuzzi Brasil Indústria e Comércio Ltda., com base no Art. 12, do Código de Defesa do Consumidor, posicionamento do qual divergiu ambas as cortes de justiça.
2.2 Culpa Concorrente: da propalada contribuição da mãe da vítima para o fatídico evento
Entendeu a corte local de justiça que a genitora da pupila vitimada detinha o poder de vigilância, guarda e cuidado da menor, fato este que a obrigaria em acompanhar sua filha à piscina do condomínio, não havendo como excluir sua culpa concorrente para o fato lesivo que vitimou a infante, participando pela metade do evento desastroso.
Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça, enfrentando a matéria, de longe divergiu do tribunal paulista para assinalar a inexistência de culpa concorrente da genitora da menor. Aduziu o relator em seu voto que, mesmo existente o dever de fiscalização da menina vitimada, a mãe não contribuíra pra o fato lesivo, pois o afogamento da criança foi conseqüência imediata e exclusiva da sucção de seus cabelos provocada pela bomba superdimensionada instalada de forma inadequada na piscina.
De fato, dimana do Art. 384, inciso II, do Código Civil de 1916, com redação idêntica inserida no Art. 1.684 do atual Código Civil, que compete aos pais, quanto às pessoas dos filhos menores tê-los em companhia e guarda. Nesse sentido, também é preclara a norma contida no Art. 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual aos pais incube o dever de guarda, sustento e educação dos filhos menores.
Dos dispositivos legais acima transcritos poderia se chegar à conclusão, assim como o fez a corte local, de responsabilidade da mãe da menor, entretanto, esse caminho não é o mais correto, com a vênia dos que entenderam de modo diverso.
Com efeito, a Responsabilidade Civil aquiliana, decorre normalmente de um dever violado, de um ato ilícito perpetrado em desfavor de outrem, gerando a obrigação de indenizar que, segundo o Ex-Ministro do superior Tribunal de Justiça José Delgado, necessita dos seguintes requisitos:
a) Ocorrência de um fato lesivo ao direito subjetivo de alguém e que tenha sido oriundo de uma ação positiva ou negativa nascida voluntariamente do agente (dolo) ou, de sua negligência ou imprudência (culpa); b) a existência de um dano de natureza patrimonial ou moral; c) o nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente.[3]
Especificamente no que concerne ao nexo causal, assinala o preclaro Roberto Senise Lisboa, que:
A teoria da causalidade adequada é a aplicável aos casos de responsabilidade civil no direito brasileiro. Com isso, estabelece-se o dever de reparação do dano patrimonial e extrapatrimonial em desfavor do agente que de forma adequada e suficiente contribuiu para que o evento danoso viesse a ocorrer. [...] Confere-se relevância , no entanto, apenas para as causas que contribuíram de forma adequada para que o dano viesse a ocorrer.[4]
Para aceitar a responsabilidade da genitora da menor é indispensável a percepção de sua contribuição adequada para o fato lesivo, sem a qual, fica afastado o nexo causal. Ou seja, a sua distração com a infante, bem como a negligência nos deveres de cuidado, guarda e vigilância, devem ser adequadas e suficientes para o colaborarem com o resultado desastroso.
A esse respeito importa que se diga que, no caso, existia um turbilhão de filtragem de água com capacidade exagerada; também uma a piscina de profundidade menor que a estatura da criança; além de ser a menor, comprovadamente, boa nadadora e conhecedora da piscina do condomínio.
Entremostra-se, portanto, com o devido respeito, execrável, o argumento de contribuição da genitora da menor para o malsinado evento, que desprezando a causalidade adequada, torna-lhe culpada por qualquer evento danoso.
Significa nos dizeres do eminente Ministro João Otávio Noronha, em passagem de seu voto proferido oralmente, neste processo que se analisa, literis:
Aliás uma mãe muito injustiçada, segundo o acórdão recorrido. Uma mãe a quem se tributa uma responsabilidade de ter deixado uma criança que sabia nadar – e nadava bem – nadar na piscina do condomínio. A criança mede 1,5 m, e a piscina, 95cm. [...] Se a mãe estivesse lá, diante da situação, a menina puxada pelo cabelo, teria acontecido o mesmo, porque os irmãos estavam lá, a vizinha gritou, tentaram ajudar e a dificuldade foi muito grande.
De se notar que, se instalado um sistema hidráulico em piscina, sistema esse potencialmente danoso para os banhistas, a livre alvedrio dos representantes do condomínio, sem advertência dos condôminos, gerando-lhes o risco à segurança e saúde de suas vidas, em desrespeitos às normas legais e sem auxílio de técnico apto para tanto, criou o condomínio o cenário adequado e, por si só suficiente, para o evento lesivo que atingiu a menor.
Outrossim, nota-se que, a respeito das culpas concorrentes, o Código Civil de 1916 – aplicável ao incidente - não trouxe em seus enunciados normativos espécie de dispositivo que tratasse da culpa concorrente, sendo mesmo, fruto de relevante construção jurisprudencial, aplicável quando o evento danoso erige-se de culpa de ambas as partes nele envolvidas. Lesante e lesado atuam reciprocamente na provocação do resultado, devendo cada qual arcar na medida de suas condutas no patrocínio do evento desastroso. Exige como ponto crucial o nexo causal de ambas as partes para a construção do desastre.
Ad argumentandum, foi esse entendimento consolidado na jurisprudência que ensejou o inaugural tratamento da matéria através do Art. 945, do atual Código civil, segundo o qual:
Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor.
Nunca de somenos importância ressaltar que, mesmo ante as obrigações normativas que dispõem sobre os deveres de cuidado, guarda e vigilância dos pais sobre os seus filhos menores, como possíveis delineadores do nexo causal da mãe no malsinado evento, nada se pode esperar da genitora da menina vitimada, que em não sabendo dos riscos criados pelo sistema de sucção superdimensionado da piscina, permitiu que sua filha lá se banhasse, por ser esta boa conhecedora do local, cuja profundidade não superava sua altura.
Solapando de vez o argumento de culpa concorrente, assinalou em significativa passagem, o Relator do Recurso Especial interposto no caso:
O malsinado incidente, ocorreu não por descuido dos familiares da menina, mas pelo fato de ter a mesma, como concluíram as instâncias de ampla cognição, sido vítima de afogamento decorrente de ter seus cabelos sugados por sistema de recirculação e tratamento de água superdimensionado, indevidamente instalado e mal operado pelo condomínio réu. A presença da genitora da vítima no local só adicionaria ao evento mais uma testemunha ao acidente que imputou à menor as gravíssimas seqüelas que a acometeram.[5]
Pois bem, conclui-se que não existe, nem por mera epítrope, culpa concorrente da genitora da menor, que se presente no momento do incidente, representaria mais uma testemunha do nefando ocaso de sua filha. Ressalte-se que a sucção da infante erigida pela bomba superdimensionada para a piscina, foi de tal força que arrancou-lhe parte dos cabelos.
Assim, pelas razões acima esposadas é que se verifica o equívoco da corte local ao decidir pela culpa concorrente da genitora da menor, andando em melhor passo a reforma propiciada pela corte superior quando da análise do Recurso especial.
2.3 Distinção, Autonomia e Cumulação Entre o Dano Moral e o Dano Estético
Outra questão controvertida entre o Tribunal de Justiça de são Paulo e o Superior Tribunal de Justiça foi conducente à possibilidade de cumulação entre dano moral e dano estético.
Ao fixar o quantum indenizatório, o Tribunal local asseverou pela impossibilidade de cumulação entre dano moral e dano estético, sob a assertiva que este se incorpora naquele, gerando tão somente uma majoração no valor indenizatório moral. Ou seja, o dano estético apenas qualifica o dano moral puro e, uma vez presente, eleva o valor a ser pago à vítima sem alterar, contudo, a natureza da reparação.
Por ocasião, importa que se diga: são coisas distintas o dano moral e o dano estético.
Assim é que a corte superior, revendo o posicionamento do Tribunal estadual, assinalou, seguindo sua pacífica jurisprudência, a heterogeneidade entre dano moral e dano estético, sendo cada qual independente e cumulativo.
Com efeito, o dano estético é aquele que se origina de uma deformação morfológica na estrutura corporal do indivíduo por ato ilícito que, mutilando-lhe membros, diminuindo-lhe a funcionalidade do organismo ou imprimindo-lhe marcas, é causa de repulsa por terceiros.
Como se vê, é coisa distinta, isso que se falou, daquele outro dano engendrado pelo sofrimento físico e psíquico, causador de diminuição de auto-estima pessoal e íntima, consistente no dano moral.
Dispunha o Art. 1538, §1º, do Código Civil de 1916 que no caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente, sendo que, esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.
Por reforço de argumento, leia-se o que esclarece Maria Helena Diniz (1999, p.130) que, comentando a norma do Código Civil de 1916, definiu o conceito e a amplitude do dano estético, in verbis:
II – Dano Estético. Se do ferimento advier aleijão ou deformidade, a soma da indenização será duplicada, pois a lesão fará com que o ofendido cause impressão desagradável, configurando dano estético.[6]
Observa-se que, já em antanho se tinha a noção de que é a impressão desagradável, de repulsa a terceiros, que fundamenta o dano estético.
Ainda em outrora, demonstra J. M. Carvalho Santos (1969, p.130) a peculiaridade do dano estético, assentando que:
Justifica-se cabalmente a razão do dispositivo, precisamente porque a beleza física não é, em verdade, um dom inútil da natureza, apresentando, ao invés, em determinadas condições uma fonte de vantagens e de lucros.[7]
Verifica-se dos dois renomados anotadores do Código de 1916, que o dano estético possui uma maior correlação com a apreciação externa da pessoa, dos juízos ensejados por terceiros, dos prejuízos pecuniários gerados pelo desfalque da beleza, ao invés, de prestigiar o valor emocional, a estima pessoal, que o individuo tem sobre si mesmo. E não é por outra razão esse entendimento, uma vez que cuidava o código de proteger o dano moral, para fins não deixar descoberta essa angústia e sofrimento inerente à onticidade do ser.
Já não são meras expectativas as palavras dos preclaros doutrinadores, que se fizeram seguidas pela jurisprudência nacional através de diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça, que por endosso ao que se expõe, se faz colacionar: Resp.254.445[8]; Resp.705.457[9]; Resp. 899.869[10].
Com efeito, são julgados como esses, que representam a gênese do atual entendimento acerca da dissociação entre dano moral e dano estético, e a possibilidade de sua cumulação.
Vem à balha do que se está a expressar a edição do verbete sumular n.º 387 do Superior Tribunal de Justiça, cujo enunciado proclama: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano mora”.
Com efeito, em sendo perceptível a existência de um dano estético – alteração morfológica do indivíduo -, bem assim presente um dano moral – perturbação psíquica da vida pessoal e íntima do indivíduo – ainda que originários do mesmo ato ilícito, ensejam cominações de indenizações distintas, uma para cada espécie de dano, que serão ao final cumuladas.
Outro resultado não se pode aplicar ao caso. Aflora da situação fática patente dano estético proveniente da inarredável condição de vida vegetativa e suas conseqüências indissociáveis, como o esmorecimento da força motora da criança, perda da fala, paralisia dos membros e atrofia muscular, indizíveis alterações morfológicas.
Noutro pórtico, imensurável angústia recai sobre a própria vítima, a qual tem seu íntimo diariamente dilacerado, através da abissal tortura de ter sua autonomia funcional e orgânica ceifada por ato ilícito de outrem.
Andou em melhor sentido a corte superior de justiça, e não por outros motivos, enobrecem o poder judicante deste país, ao assegurar à menor vitimada o ressarcimento correto de seu sofrimento e a punição adequada dos responsáveis.
2.4 Da Responsabilidade Civil Pela Demora no Pagamento de Seguro.
Considera-se contrato de seguro, segundo a regra contida no Código Civil de 1916, aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizar-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato.[11]
Como se observa, as relações erigidas por contratos de seguro são típicas obrigações contratuais trazendo para a matéria a observância acerca do princípio geral de indenizar, pelo espectro do inadimplemento do negócio. Assim é que prescreveu o Art. 955 do antigo Código Civil que considera-se em mora – e portanto, em estado de inadimplência - o devedor que não efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma pactuados.[12] Verbete com seu semelhante inscrito no Art. 394, do novo Código Civil.
Na verdade, são requisitos para a configuração da mora do devedor, tanto o seu cumprimento imperfeito, como o atraso no adimplemento da obrigação além da existência de uma prestação exigível, vencida, total ou parcialmente.
Pode-se concluir que, para o segurado surge a obrigação de pagamento, integral e pontual dos prêmios do seguro, com o que, cumprindo sua parte na avença, transfere para o segurador os riscos e a obrigação de arcar com legítimos prejuízos decorrentes de sinistros futuros e incertos que aquele venha sofrer.
Com efeito, se formalizado o contrato de seguro, com a concomitante percepção do sinistro, cabe ao segurador arcar com os prejuízos sofridos pelo segurado, no montante pactuado.
No caso sob análise, observa que malgrado o sinistro tenha afligido as seguradas autoras, o seguro não cumpriu sua parte na avença, deixando de repassar quantias para o custeio do tratamento da menor vitimada. Agregue-se a isso a total insurgência contra as determinações judiciais no sentido do pagamento do seguro.
A demora no cumprimento contratual, invariavelmente, provocou na mãe da menor agravamento da dor sofrida, porquanto fora obrigada a promover campanhas públicas de arrecadação de verbas para custeio do tratamento da sua filha.
Embora o colegiado local tenha julgado a questão sob a perspectiva de que a empresa seguradora apenas figurava no processo como denunciada à lide, uma vez que garante do condomínio-réu, fato que apenas geraria sua obrigação de pagar após trânsito em julgado da decisão, foi essa tese, solapada pelo Superior Tribunal de Justiça que, reconhecendo o vínculo de seguro entre as autoras e a seguradora, determinou pagamento de verba indenizatória decorrente de danos morais causados pela demora no pagamento de seguro.
Imprescindível de se notar o agravamento da dor moral e psicológica, notadamente pelo aumento da aflição da Mãe da vítima, ante o brutal descumprimento de avença, andando em melhor caminho o egrégio Superior Tribunal de Justiça.
2.5 Da Responsabilidade do Fabricante do Produto: Jacuzzi do Brasil Indústria e Comércio Ltda.
As autoras requereram na inicial, a responsabilização da empresa Jacuzzi do Brasil Indústria e Comércio Ltda por entenderem defeituoso o produto, notadamente pela insuficiência de informações acerca da utilização e riscos que razoavelmente dele se esperam.
A tese levantada pelas autoras restou rechaçada pelos dois colegiados, em ambos os acórdãos logrou êxito a tese do relator. Em primeiro momento entendeu o TJ/SP:
Pelo que se depreende dos autos, restou demonstrado, de forma irretorquível, que o produto fabricado e colocado no mercado pela ré-apelada Jacuzzi do Brasil Indústria e Comércio Ltda. não apresentou qualquer defeito ou irregularidade de fabricação e uso. O que se pode admitir é que o consumidor réu Condomínio Edifício Jardim da Juriti, ou não soube escolher, ou escolheu mal, o sistema de filtro/bomba/dreno antiturbilhão para instalar na piscina do prédio, não de grande nem de médio porte, sistema esse com potência acima da adequada para aquele padrão de piscina, nos termos do laudo pericial.
Em segundo momento, ratificou o STJ:
De toda sorte, ad argumentandum tantum, cumpre destacar que, de fato, consta nos manuais da JACUZZI (fls. 1523) tanto orientação expressa para utilização de toucas por pessoas de cabelos longos, quanto alerta de perigo pela utilização de piscinas desacompanhadas de adultos.
Assim, os relatores da Apelação Cível e do Recurso Especial concordaram na assertiva de que a bomba de sucção não tinha qualquer defeito, seja porque o produto estava em perfeito funcionamento, seja porque o manual sugeria ao consumidor os riscos da má utilização do aparelho, teses que foram vencedoras no julgamento.
Data venia, não enxergamos esse como o melhor entendimento acerca da matéria.
Dimana do Art. 5º, inciso XIV, da Constituição Federal o direito fundamental à informação. Não por outro motivo é que o legislador infraconstitucional dispôs no código de proteção, dispositivos que em respeito à constituição, revalidam-na, na perspectiva de fazer esse direito duplamente observado.
Com efeito, deflui do Art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor que são direitos básicos do consumidor, literis:
A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quanditade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. (grifos acrescidos)
No mesmo sentido, para não se fazer de somenos importância o que pretendia esclarecer o legislador acerca do direito à informação, dispôs no Art. 9º os seguintes dizeres:
O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em caso concreto. (grifos acrescidos)
Com a licença do leitor, é importante alinhavar, ainda, o que provém do Art. 31 do mesmo diploma protetivo, segundo o qual:
A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidades, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. (grifos acrescidos)
Não bastassem as rebarbativas repetições sobre a proteção do direito à informação do consumidor, cuidou o código (Art. 12, do CDC) ainda de considerar defeituoso o produto que não contiver as informações suficientes e claras sobre sua utilização e riscos. A esse defeito, atribuiu responsabilidade objetiva ao fabricante, produtor, construtor, e ao importador. Tamanha a proteção que tenta angariar aos mais desfavorecidos nas hodiernas relações de consumo.
Existem - e é bom que se diga - a concomitância de três espécies de defeitos no produto, consoante se depreende do Art. 12 do Código de Defesa do Consumidor: defeitos de concepção concernentes àqueles envolvendo vícios de projeto, formulação e desing do produto; defeitos de produção, significa dizer, os denominados vícios de fabricação, construção, montagem, manipulação, acondicionamento; por fim, defeitos de informação ou de comercialização, os quais se mostram através de informações insuficientes ou inadequadas sobre utilização e riscos do produto.
As duas primeiras espécies de defeitos são intrínsecos ao produto e dizem respeito a sua própria essência, enquanto que a última modalidade de defeito – que mais importa a este trabalho – remete a um defeito extrínseco que sobressai ao produto, através das informações que são passadas externamente ao consumidor.
Decorrência da grande multiplicidade de produtos expostos no mercado e, com vistas a proteger o consumidor, a legislação deferiu o entendimento que as informações para não serem defeituosas devem ser claras e precisas, remetidas de pronto ao consumidor.
Com essas repetitivas conclusões enunciadas na lei, pode-se seguramente, revelar que a informação exposta no manual do produto, não se mostra idônea para afastar a responsabilidade objetiva do fabricante do produto, notadamente porque não se faz clara e precisa, de fácil alcance dos consumidores.
Nesse sentido, faz escola à jurisprudência pátria, o Ministro Herman Benjamim, quando da análise do REsp 586.316/MG, que em seu voto de claro esmero jurídico, professorou:
O direito à informação, abrigado expressamente pelo Art. 5º, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do princípio da transparência, sendo também corolário do princípio da Boa-fé Objetiva e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC. [...] A informação deve ser correta (= verdadeira ), clara (= de fácil entendimento), precisa ( = não prolixa ou escassa), ostensiva (= de fácil constatação ou percepção) e, por óbvio, em língua portuguesa. [...] A obrigação de informação é desdobrada pelo art. 31 do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-conteúdo ( = características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização (como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço (= custo, formas e condições de pagamento), e d) informação-advertência (= riscos do produto ou serviço). [...] Embora toda advertência seja informação, nem toda informação é advertência. Quem informa nem sempre adverte.[13]
De se notar que não estamos em má companhia.
A informação acerca dos riscos do produto, segundo leciona o precitado jurista, corresponde à classe de informação-advertência. Muito embora o manual do produto possa representar significativo mecanismo de informação ao consumidor, apenas assim o será no que concerne à informação-conteúdo e informação-utilização. Será, entretanto, inócuo no que diz respeito à informação-advertência.
Deveras, o manual não atende aos requisitos de ser adequado, claro e ostensivo quanto aos riscos da utilização do produto, exigidos pelos Arts. 6º, II, 9º, 12, e 31 do Código de Defesa do Consumidor, principalmente por se tratar de produto cuja fruição é de potencial perigo para a saúde e segurança dos consumidores.
Indispensável seria, a criação de mecanismos outros, autônomos, claros, observáveis à primeira vista, que alertassem o consumidor sobre os riscos decorrentes do produto. A simples menção em manual, emaranhada com um aluvião de outras informações, torna a advertência imperceptível, sendo insuficiente para desonerar, no caso, o fabricante.
Por essas considerações é que entendemos de melhor solução a responsabilização conjunta da empresa Jacuzzi do Brasil Indústria e Comercio Ltda., ante o defeito no produto bomba de sucção, em face da ausência da informação-advertência ao consumidor, acerca dos riscos na utilização do produto.
3 CONCLUSÃO
Das linhas que se sucederam fácil é de se observar a evolução por que tem passado o direito privado brasileiro, principalmente através do trabalho profícuo e repetitivo dos tribunais. Isso se conclui, pela deflagração de conceitos antes omissos ao legislador, como o de compensação de culpas, hoje consagrado no Art. 945, do atual Código Civil.
A dialética engendrada pelos tribunais e observada nesse esboço jurídico, não permite esquecer quão falível é o homem. As decisões judiciais precisam ser atentamente trabalhadas a fim de não escorchar ao indivíduo a mancha indelével da injustiça. Ao sufragar a tese de culpa concorrente da genitora da vítima, pôde o Superior Tribunal de Justiça, impedir que recaísse sobre uma mãe o fardo do error in judicando.
Ainda de perceptível evolução, é a construção jurídica da distinção e cumulação entre espécies de danos inconfundíveis, como são o dano estético e o dano moral que, se em um passado próximo emaranhavam-se, ganharam hodiernamente a linha da distinção pela edição do verbete sumular n.º 387 do Superior Tribunal de Justiça.
Também de louvável percuciência foi a tese modificadora do Superior Tribunal de Justiça que impôs à recalcitrante devedora/seguradora, o pagamento do sinistro sofrido, acrescido de indenização por dano moral decorrente da demora nesse pagamento. De se anotar que, se a mora geradora do inadimplemento contratual propicia danos reflexos a um dos contraentes, deverá o recalcitrante arcar com esses prejuízos.
Muitos foram os obstáculos superados nesse processo, mas tantos outros ainda devem ser enfrentados, na esperança de que, se nesse momento obstaram a evolução jurisprudencial, o trabalho judicante contínuo possa com o tempo dilacerá-los.
Trata-se, com efeito, do afastamento da responsabilidade da empresa Jacuzzi do Brasil Comércio e Indústrial Ltda., através do entendimento pela ausência de defeito no produto.
Nesse sentido, deve-se atentar que as normas protecionistas refletidas no Código de Defesa do Consumidor não podem virar letra morta, a despeito da evolução tecnológica. Há de se encontrar no exercício jurisdicional um equilíbrio, formalmente inexistente, entre um lado vulnerável e hipossuficiente e o outro apaniguado tecnológica e economicamente.
Deve existir, ademais, maior interesse dos criadores de jurisprudência nesse país, em superar velhos paradigmas de proteção do poder econômico, a fim de que as ausências de advertências em produtos potencialmente perigosos e, portanto, defeituosos, não venham a ser transmudados em lídimas ferramentas de comércio, vitimando, quem sabe, tantas outras crianças como a que ora jaz em um universo incompreensível, de estado de vida vegetativo.
REFERÊNCIAS
DELGADO, José Augusto; JÚNIOR, Luiz Manoel Gomes Júnior. Comentários ao Código Civil Brasileiro: Dos Fatos Jurídicos. 1ª Ed. V.2. Rio de Janeiro: Forense, 2008. .
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
LISBOA, Roberto Senise, Manual de Direito civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, 4ª ed., V.2, São Paulo: Saraiva, 2009.
SANTOS, J.M. Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado: principalmente do ponto de vista prático. 7ª Ed. V.21, Rio de Janeiro: Livraria Freitas bastos, 1961.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 10 Ed. V. 4. São Paulo: Atrlas, 2010.
[1] TJSP – ApC n.º 398.857-4/4-00, da Relator Desembargador Sebastião Carlos Garcia, da Sexta Câmara de Direito Privado, julgado em 02/02/2006.
[2] STJ – Resp. 1.081.432/SP, Relator Ministro Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal Convocado do TRF 1ª Região), da Quarta Turma, julgado em 03/03/2009.
[3] DELGADO, José Augusto; JÚNIOR, Luiz Manoel Gomes Júnior. Comentários ao Código Civil Brasileiro: Dos Fatos Jurídicos. 1ª Ed. V.2. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 845.
[4] LISBOA, Roberto Senise, Manual de Direito civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, 4ª ed., V.2, São Paulo: Saraiva, 2009, p.236/237.
[5] Passagem do voto relator do Recurso Especial 1.081.432/SP (sob análise), da lavra do Ministro Carlos ernando Mathias (Juiz Federal Convocado do TRF da 1ª Região), p.13.
[6] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.130.
[7] SANTOS, J.M. Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado: principalmente do ponto de vista prático. 7ª Ed. V.21, Rio de Janeiro: Livraria Freitas bastos, 1961, p. 130.
[8] Direito civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Acórdão. Omissão. Inexistência. Disparo de espingarda. Danos estéticos e danos morais produzidos em separado. Condenação. Cumulação. Possibilidade. Analisado pelo voto condutor do acórdão o ponto mencionado pelo recorrente, Deve-se afastar a omissão alegada. Se do fato exsurge, cumuladamente, danos morais e danos estéticos, deve ser reconhecida, na condenação, a cumulação pleiteada. Precedentes. - Recurso especial a que se dá provimento. (STJ, REsp 254.445, da terceira turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 08/05/2003.
[9] CIVIL E PROCESSUAL. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE. AMPUTAÇÃO. PARTE DISTAL DO PÉ DIREITO. DANO ESTÉTICO. CÓDIGO CIVIL DE 1916, ART. 1.538. EXEGESE. INCLUSÃO COMO DANO MORAL. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. CONDIÇÕES AUSENTES. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA N. 7-STJ. VEDAÇÃO. [...] II. Podem cumular-se danos estético e moral quando possível identificar claramente as condições justificadoras de cada espécie. (STJ, REsp. 705.457, da quarta turma, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgado em 27/08/2007)
[10] INDENIZAÇÃO. "DANOS ESTÉTICOS" OU "DANOS FÍSICOS". INDENIZABILIDADE EM SEPARADO.1. A jurisprudência da 3ª Turma admite sejam indenizados, separadamente, os danos morais e os danos estéticos oriundos do mesmo fato. Ressalva do entendimento do relator. [...] (STJ, REsp. 899.869, da terceira turma, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 13/02/2007)
[11] Com redação semelhante contida no Art. 757 do Código Civil de 2002, segundo o qual: Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir o interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
[12] Redação do atual Art. 394, do Código Civil de 2002, para o qual: Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
[13] STJ, REsp. 586.316, da Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, Julgado em 17/04/2007.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Lucas Medeiros de. A responsabilidade civil, a evolução criativa da jurisprudência e a razão sensível do julgador a partir de um estudo de caso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43323/a-responsabilidade-civil-a-evolucao-criativa-da-jurisprudencia-e-a-razao-sensivel-do-julgador-a-partir-de-um-estudo-de-caso. Acesso em: 23 dez 2024.
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