Resumo: Entender o que é a arbitragem requer a compreensão acerca de como tal instituto se efetiva. Em nosso país, uma lei específica o rege. Abordar sua natureza jurídica, sua capacidade e o seu objeto importa, e muito, ao domínio desse juízo paraestatal. Da mesma maneira, a apreciação do que venha a ser a convenção de arbitragem, sobre o papel dos árbitros e a relevância da sentença proferida são outros pontos relevantes para o estudo. Importante estabelecer o valor que cada um desses itens representa para que o juízo arbitral possa alcançar maior aceitação e conquistar ainda mais usuários.
Palavras-chave: Judiciário; Lei nº 9.307/1996; Arbitragem.
Arbitration: an alternative to the Judiciary
Abstract: Understanding what is arbitration requires the understanding of how such institute effective. In our country, a specific law governing it. Address their legal nature, their capacity and their matter object, and much, to the domain of parastatal judgment. Similarly, the appreciation of what will be the arbitration agreement on the role of judges and the relevance of the sentence pronounced are other areas for the study. Important to establish the value that each of these items is that the arbitration can achieve greater acceptance and gain more users.
Keywords: Judiciary; Law No. 9,307 / 1996; Arbitration.
Sumário: 1) Conceito de arbitragem; 2) A Lei nº 9.307/1996 e a nova sistemática da arbitragem em nosso país; 3) Natureza jurídica: a prática arbitral entre o público e o privado; 4) Capacidade das partes e objeto envolvido; 5) Convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral; 6) Presença e atuação dos árbitros; 7) Sentença conclusiva da arbitragem; 8) Considerações finais; 9) Referências.
Summary: 1) Arbitration concept; 2) Law No. 9,307 / 1996 and the new system of arbitration in our country; 3) Legal nature: the arbitration practice between the public and private; 4) the ability of the parties involved and object; 5) Arbitration agreement: arbitration clause and arbitration; 6) presence and action of the referees; 7) conclusive judgment of the arbitration; 8) Final considerations; 9) References.
“- É uma revolta?
- Não, senhor, é uma revolução.”
Assim respondeu La Rochefoulcauld-Liancourt à pergunta do Rei Luís XVI, quando chegou a Versalhes a notícia da queda da Bastilha em 1789.
1 – Conceito de arbitragem
Diremos que o instituto da arbitragem representa um tipo de jurisconstrução social oposta à justiça sob o comando do Estado. Logo, afirmar-se-á que o conceito de arbitragem refoge a uma determinação precisa. E “a arbitragem pode ser definida como o meio privado e alternativo de solução de conflitos referentes aos direitos patrimoniais e disponíveis através do árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral” (SCAVONE JÚNIOR, 2010, p.15). Marinoni (2009) assenta precisamente que a arbitragem é colocada ao lado da estrutura jurisdicional do Estado. Continua ele, dizendo que “sua tônica está na tentativa de ladear o formalismo – muitas vezes exagerado – do processo tradicional”, (Marinoni, 2009, p.343). Esse é o método mais utilizado de solução de litígios fora da esfera do Judiciário (DOLINGER; TIBURCIO, 2003, p.19; MOURA, 2007, p.24).
José Maria Rossani Garcez (2004, p.71) define:
A arbitragem pode ser definida como uma técnica que visa a solucionar questões de interesse de duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, sobre as quais as mesmas possam dispor livremente em termos de transação e renúncia, por decisão de uma ou mais pessoas - o árbitro ou os árbitros - os quais têm poderes para assim decidir pelas partes por delegação expressa destas, resultante de convenção privada, sem estar investidos dessas funções pelo Estado.
Para nós, é a arbitragem um oportuno processo de solução de conflitos. Tem imponente relevância nos cenários nacional e internacional, e está colocada a disposição dos jurisdicionados, de qualquer nível social, para o debate de questões de maior ou menor complexidade, sendo disciplinado pela Lei nº. 9.307/1996.
2 - A Lei nº 9.307/1996 e a nova sistemática da arbitragem em nosso país
O Código de Processo Civil de 1973 em nada acrescentou para o desenvolvimento da prática da arbitragem no Brasil, uma vez que o receio do legislador em inovar fez com que um regime ortodoxo e pouco pragmático imperasse, mantendo-nos em posição altamente desfavorável, frente aos demais países.
Tinha-se, portanto, “um entrave histórico, pois, embora a arbitragem seja conhecida no país desde a primeira constituição do Império, a de 1824, e tenha sido expressamente prevista no Código Civil de 1916 (artigos 1037 a 1048) e nos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973, somente com a Lei nº. 9.307/1996 recebeu um instrumental moderno e seguro para a sua utilização” (GARCEZ, 2004, p. 73).
Dentre os principais equívocos para tamanho empecilho, elencam-se a não vinculação e a não obrigatoriedade da cláusula compromissória, a não atribuição da prerrogativa jurisdicional aos árbitros, a pendência de apreciação e de reconhecimento dos laudos arbitrais pelo Poder Judiciário, a admissão de recurso de apelação contra a sentença homologatória do dito laudo, e a necessidade de que a decisão estrangeira tivesse que preencher os requisitos da “dupla homologação” (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999; AYOUB, 2005).
Porém, o legislativo reagiu à apatia da arbitragem no país, tanto que, somente na década de 1980, três anteprojetos de lei tramitaram no Congresso Nacional, com a finalidade de tentar adequar ou mesmo restaurar a plena efetividade do juízo arbitral. Mas foi no ano de 1991 que se lançou a “Operação Arbiter”, com o objetivo de, fazendo uso do que se mostrasse pertinente ou possível nos malogrados anteprojetos anteriores, redigir uma Lei que realmente pudesse suprir os pedidos da sociedade civil no tocante à revitalização da arbitragem entre nós. Então, notável comissão relatora, que incluía renomados estudiosos (Selma Maria Ferreira Lemes, Pedro Antônio Batista Martins e Carlos Alberto Carmona), e que contou com a participação ativa de entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, recolocou os eixos na questão, pois, em linhas gerais, prestigiou-se o princípio da autonomia da vontade e se fortaleceu a arbitragem institucional, tratando de forma conjunta a cláusula e o compromisso arbitral, que receberam a denominação de “convenção de arbitragem”. Também se equiparou o laudo à sentença, tendo-se a preocupação de adaptar o diploma aos textos legais conexos e de explicitar o acesso ao judiciário aos eventualmente prejudicados, o que deu eficácia aos tratados internacionais aplicáveis à matéria, superando o problema da homologação da decisão arbitral e do respectivo recurso de apelação (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999).
O processo legislativo teve início em 3 de junho de 1992, pelas mãos do então Senador Marco Maciel, que se dignou a apresentar o esboço de lei ao Congresso Nacional, onde o projeto recebeu o número 78, tendo sido aprovado pela Câmara dos Deputados em junho de 1996. Devolvido ao Senado Federal, que o aprovou em setembro daquele mesmo ano, com a alteração de apenas dois artigos (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999), fato que não abalou a norma em si, a “Lei Maciel” ganhou, após 60 dias, enfim, o mundo fático.
Assim, a Lei nº 9.307/1996, chamada “Lei da Arbitragem”, com seus 7 capítulos e 44 artigos, veio a integrar, positivamente, a legislação nacional, verticalizando um microssistema excepcional e próspero, que equiparou o país às nações detentoras das mais atualizadas técnicas no tema das soluções extrajudiciais.
Joel Dias Figueira Júnior (1999, p.110) reflete que não estamos diante apenas de um novo sistema processual, por quanto “a Lei 9.307/96 representa muito mais do que isso, ou seja, significa verdadeira revolução em nossa cultura jurídica à medida que coloca lado a lado a jurisdição estatal e a privada, à escolha do jurisdicionado [...]”. Maristela Basso (1996, p.15), conclui que, definitivamente, “a nova Lei traz a revitalização da arbitragem através de postulados realistas e com a intenção de fazê-la perdurar e sedimentar-se definitivamente como uma alternativa a que se pode recorrer, mesmo quando a justiça funcione sem problemas”.
Embora já notória a questão, importante se faz mencionar, a legítima preocupação com a constitucionalidade ou não do regime de arbitragem assumido pelo país a partir do ano de 1996, diante de princípios insertos na Constituição Federal, haja vista o artigo 5°, inciso XXXV, desta, o qual ultima que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Indubitável que a tal cláusula pétrea da Lei Maior exaure o assunto, de modo até simplista, pois a ninguém é negado o acesso à Justiça Comum, não havendo norma infraconstitucional que possa ir de encontro a essa regra-matriz. No entanto, sabe-se que plena é a vigência da Lei de Arbitragem, inclusive com as modificações e os reflexos por ela provocados em termos de direito processual e material.
Constatado isso, o Supremo Tribunal Federal declarou, no ano de 2001, em questão levantada incidentalmente em Agravo Regimental no processo de Sentença Estrangeira (STF-SE-5.206-DJU de 19/12/2001), a constitucionalidade das formas de instituição da arbitragem, bem como os efeitos da sentença arbitral e as alterações no Código de Processo Civil previstos na Lei 9.307/96, de forma que se encerrou o debate, ganhando força inquestionável o disciplinamento ali presente.
Mais recentemente, para fins de completude deste artigo, há que se mencionar que, à data de 3 de abril de 2013, fora instalada uma comissão de juristas encarregada de, no prazo de seis meses, apresentar o esboço de um projeto com vistas a atualizar a já mencionada lei. O objetivo será o de estimular ainda mais a prática arbitral em nosso país, através de uma ampla reformulação da mesma (LIMA, 2013).
A Lei de Arbitragem teria, com a iniciativa, alguns preceitos melhor esclarecidos, adequando seu texto a normas legais posteriores, afora a absorção da jurisprudência recente sobre o assunto. Persegue-se, com isso, a meta de reduzir consideravelmente a visível sobrecarga do Poder Judiciário pátrio e de estimular o consenso entre os próprios particulares (LIMA, 2013).
Na presidência da mencionada comissão está o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, o qual, apenas para frisar a relevância do tema, deixou claro que, um diagnóstico sobre os problemas apresentados por essa prática extrajudicial, deverá abranger as questões envolvendo a administração pública. Ou seja, o Estado deseja utilizar a arbitragem, e o fará. Participam da iniciativa o ex-senador Marco Maciel, o ministro Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União, e a jurista Ellen Gracie, ministra aposentada do Supremo Tribunal Federal (LIMA, 2013).
3 - Natureza jurídica: a prática arbitral entre o público e o privado
A arbitragem, em uma definição generalística, se caracteriza todas as vezes que um conflito de interesses é resolvido mediante decisão imposta por terceira pessoa que não esteja investida na função de magistrado. Em sentido restrito é que surgem problemas, pois a celeuma reside em estabelecer se o instituto da arbitragem pertence ao campo do direito processual, e, portanto, tem natureza pública, ou se integra a esfera civil, tendo aspecto privado. Funda-se o debate na constatação de que, no que tange aos direitos disponíveis, não pode o Estado privar as pessoas de escolherem o modo pelo qual desejam ver seus conflitos resolvidos, afinal os árbitros obtêm suas faculdades da livre e indiscutível disposição das partes e não da lei (CAMÂRA, 2005; MARINONI, 2010).
Há quem defenda que a arbitragem está adstrita exclusivamente à seara privada, sem possuir força jurisdicional. Para esses autores, apreciar e julgar litígios são formas mediante as quais se exterioriza a soberania estatal, caracterizando atribuição indelegável. Também dizem que o vínculo que se cria entre o árbitro e as partes é eminentemente contratual, possível somente em virtude da zona de autonomia de vontade que gozam os particulares e em razão de um pacto preestabelecido, pelo menos nas questões onde a ordem pública não está diretamente interessada. Disso, ficaria afastada a jurisdição estatal (CAMÂRA, 2005; MARINONI, 2010).
Contudo, a quem opte pela corrente pública. Figueira Júnior (1999) diz que a justiça estatal e a justiça arbitral são dois modos distintos de se tratar a jurisdição. Magistrados e árbitros são juízes, com a diferença residindo tão somente no fato de que o primeiro é nomeado pelo Estado, enquanto que o segundo é um juiz privado, escolhido pelas partes, mas ambos apresentam idênticas funções, e, devido a isso, representariam a jurisdição.
João Roberto da Silva (2004, p.47) é categórico ao afirmar que é o árbitro juiz de fato, dada a natureza de sua investidura, e de direito, porque, nesse caso, aplica as regras legais ao caso concreto. “Tanto os juízes estatais quanto os arbitrais são investidos de suas funções pelo povo, indiretamente, no primeiro caso, e diretamente, no que tange ao juízo arbitral”. Fredie Didier Júnior (2007, p.72), defende que “a arbitragem, no Brasil, não é equivalente jurisdicional: é propriamente jurisdição, sem qualquer diferença, a não ser que é privada e o juiz é escolhido pelos litigantes”. Similar opinião é defendida por Morais (1999, p.196), uma vez que “sendo a função de julgar de natureza pública, essa mesma natureza se projeta sobre quem tem a responsabilidade de fazê-la, não devendo haver distinção segundo seja funcionário público ou uma pessoa que careça de uma vinculação jurídica permanente com o Estado”. “Em síntese, conforme se observa, a arbitragem brasileira é resultado da colocação em prática do direito fundamental de auto-regramento, e é considerada [...] como sendo a própria jurisdição, que neste caso é exercida por particulares autorizados para tanto pelo Estado” (ALVES; BATISTA, 2011, p.2).
Esses posicionamentos, no entanto, divergem do defendido por Luís Guilherme Marinoni (2009, p.346), para quem “a atividade arbitral não pode, ao menos segundo as teorias de jurisdição que se costuma adotar atualmente, ser tida como jurisdicional”. Este autor, diga-se de passagem, com belo fundamento, baliza seu entendimento no fato de que o árbitro, embora esteja preso aos princípios constitucionais relacionados ao devido processo legal, não tem o poder de conceder medidas de urgência, devendo a parte interessada buscar tal providência junto à Justiça Comum, figurando como “inútil” a sentença arbitral a este respeito. Logo, não se poderia reconhecer plenitude ao juízo arbitral, tampouco estabelecer um caráter jurisdicional a essa prática, visto que recorre Judiciário para dar força a algumas de suas decisões e até para executar seus julgados. Enfatiza ele que “quando alguém opta pela arbitragem, não há delegação de algo que não pode ser delegado - o poder jurisdicional - mas simplesmente o exercício de uma faculdade que os litigantes têm em suas mãos como corolário do princípio da autonomia da vontade” (MARINONI, 2010, p.34).
Alexandre Freitas Câmara (2005) assume posição idêntica à de Marinoni (2010), porém com outra linha de raciocínio. Pensa ele que a arbitragem é verdadeiro processo, que não é nada mais que todo procedimento realizado em contraditório. Desta feita, poder-se-ia referir a processo administrativo, a processo legislativo ou a processo arbitral, todos ao lado do processo jurisdicional, públicos, sim, mas não equiparados a este último, o qual se distingue das outras espécies processuais pela força executória de seus julgados e pelo fato de se dar sim entre as partes, mas com a intervenção obrigatória e imperativa do Estado. Rememora o autor, ainda, que a Lei 9.307/1996 traz todos os procedimentos correlatos em seu corpo, apresentando “módulo processual”, na medida em que se tem assegurada a participação dos interessados, assim entendidos todos aqueles que serão alcançados pelos efeitos de tal provimento. Daí que é processo, não havendo como negar-lhe a distinção publicista, mas não é, nem nunca será, jurisdicional, pois a jurisdição é exclusiva do Estado, não podendo ser exercida pelo árbitro, em representação de um ente privado. Pelo exposto, “não se faz presente na arbitragem a relação jurídica processual jurisdicional, qual seja aquela que se estabelece entre as partes e o Estado-juiz. Não há, portanto como se admitir a natureza jurisdicional da arbitragem” (CÂMARA, 2005, p.15).
Logo, considerados os posicionamentos prós e contras acima carreados, inclinamo-nos a defender que estamos diante de uma jurisdição com caráter híbrido, entre o público e o privado, figura singular no ordenamento jurídico nacional. E a própria Lei da Arbitragem deixa bastante claro que é um tipo adverso de justiça, porquanto efetivada entre particulares com nuances de poder estatal, e, consequentemente, detentora de natureza pública, por duas óbvias razões primárias: a) “os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos [...]” (artigo 17, Lei nº. 9.307/96), distanciando-se, portanto, da falta de jurisdicionalidade apontada por Câmara (2005) e b) a sentença final (ou laudo) é oponível perante o Poder Judiciário, mesmo que não tenha força executória de tutelas de urgência, nem de medidas cautelares ou antecipatórias de direito, como lembrado por Marinoni (2009).
Câmara (2005) e Marinoni (2009), na exata medida de seus entendimentos, merecem respeito e estão corretos. Nada pode ser comparado à prática arbitral. Classificá-la como pública ou privada é tarefa difícil. Não há parâmetros válidos aptos a delinear sua natureza jurídica. “Modernamente, um tertium genus classificado como misto é admitido, pelo qual se compreende haver aparência sui generis na Arbitragem, dado originar-se da vontade das partes – logo, de origem contratual -, mas visando regular aspecto de direito processual” (KALINSKIBAYER, 2003b, p.34). É a arbitragem, simplesmente, uma variação das duas órbitas.
Há apressados que concluem: então temos dois Poderes judiciários! Não, não temos dois Judiciários: Estatal e Particular. Temos, sim, um único. O Poder Judiciário, a quem compete o exercício da jurisdição. Órgão estatal, parcela da soberania, responsável pelo dizer do direito e realizar da justiça, como forma de manter a ordem e cultivar a paz. Em verdade, foi instituído um segundo braço; outro caminho; um segmento novo para realização da justiça, conferido, desta feita, à própria sociedade. Têm-se, assim, dois caminhos a trilhar em busca da harmonia ao seio da sociedade. O Poder Judiciário é uno, indivisível e único; porém dois são os caminhos, as vias, para realizá-lo: o caminho ou a via da jurisdição pública e o caminho ou via da jurisdição privada; particular (CUNHA, 2010, p.230-231).
“Em verdade, a arbitragem é a jurisdição exercida fora do âmbito do Estado” (SCAVONE JÚNIOR, 2010, p.59). Todavia, “não é de se estranhar a repulsa que causa há alguns a eventual ‘supremacia’ da jurisdição Arbitral sobre a Estatal, quando é a mesma eleita para dirimir controvérsias em lugar da outra; entretanto, não se mantém necessária, dado tratar-se apenas de vias paralelas e não sobrepostas [...]” (KALINSKIBAYER, 2003a, p. 304).
Fato é que essa forma de se efetivar a justiça é, no Brasil, um caminho a ser trilhado, a ser inteiramente desbravado, de maneira que falar acerca dele, quanto mais explicá-lo, é realmente complicado e requer que o expectador tenha “mente aberta” e discernimento o suficiente para que seja deixada de lado a clássica dicotomia didática do direito, em público e privado. Na clássica lição, “a propriedade e o direito têm cabeça de Jano, com face dupla. A uns volta uma das faces, aos demais, a outra. Daí vem a imagem totalmente diferente das duas entidades que os homens concebem” (IHERING, 2000, p.28).
A arbitragem simboliza términos e começos, o passado e o futuro. É a totalidade de ação em uma única vertente. Dentro desse juízo privado, os conceitos são alterados. Diremos que encerra os dois enfoques, público e privado, não em duas, mas em uma única face, por expressa autorização legal. É um novo ser em desenvolvimento.
4 - Capacidade das partes e objeto envolvido
Dispõe o artigo 1º da Lei da Arbitragem: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Assim há que se fixarem como essenciais à arbitragem: a) a capacidade em contratar e b) a disponibilidade do direito em ser passível de transação. O artigo 7º do Código de Processo Civil norteia que “toda pessoa que se acha no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”. E os requisitos de admissibilidade da demanda válida são os mesmos da teoria geral do processo tradicional: interesse para agir, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido.
Como se depreende das normas acima, para que se possa falar em juízo arbitral, é necessário que as partes, pessoas físicas ou jurídicas civilmente capazes, assim o tenham convencionado contratualmente, mediante estabelecimento de cláusula compromissória ou de posterior compromisso arbitral, respeitado o direito de escolha, princípio da autonomia da vontade, determinando-se, precisamente, o objeto litigioso, observados os requisitos legais.
A respeito do objeto alvo de arbitragem, maior atenção é requisitada, uma vez que o artigo 1º, ao final, da Lei de Arbitragem não deixa dúvidas: o juízo arbitral cinge-se tão somente a “direitos patrimoniais disponíveis”. Scavone Júnior (2010, p.22) pronuncia que “a disponibilidade dos direitos se liga, conforme pensamos, à possibilidade de alienação e, demais disso e principalmente, àqueles direitos que são passíveis de transação”.
Para concluir, no geral, torna-se inviável a arbitragem quando incoerente com o prescrito em lei, vez que se trata de nulidade absoluta da convenção por ser impossível seu objeto, nos termos do artigo 139, inciso I, combinado com o artigo 166, inciso II, ambos do Código Civil. Havendo incerteza sobre a natureza do bem litigioso, isto é, se o objeto é ou não disponível, caberá à Justiça Comum dirimir essa matéria prejudicial, declarando a viabilidade, ou não, da realização ou prosseguimento do juízo arbitral.
5 - Convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral
A arbitragem decorre da vontade expressa pelas partes na dita “convenção de arbitragem”, que é gênero, do qual são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
O artigo 851 do Código Civil prescreve que “é admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar”. E o artigo 3º, da Lei de Arbitragem, diz que “as partes interessadas podem submeter à solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”.
Ninguém é obrigado a participar de arbitragem. No entanto, dada a possibilidade de escolha, havendo um acordo de vontades, legalmente formalizado, não poderá, qualquer das partes, recusar a solução alternativa. Eis o que se depreende da inteligência dos artigos 267, VII, e 301, IX, do Código de Processo Civil. Scavone Júnior (2010, p.67), leciona: “Sendo assim, em razão do contrato, que é um acordo de vontades, surgem duas obrigações, ou seja, a obrigação de não fazer, que implica em não ingressar com pedido junto ao Poder Judiciário e, consequentemente, de fazer, que consiste em levar os conflitos à solução arbitral”. Isso porque a convenção estabelecida tem força vinculante, não podendo as partes buscarem o Poder Judiciário, ressalvados os casos previstos em lei.
“Cláusula compromissória” é a convenção através da qual as partes, na vigência de um contrato, comprometem-se, por escrito, a submeter à arbitragem os litígios que possam surgir no decorrer do cumprimento daquele relacionamento, obrigando-as a cumprir a opção feita, qual seja pela justiça privada. Em síntese, é promessa de que, futuramente, na iminência de um conflito, as partes irão firmar compromisso arbitral, elegendo árbitros para solucionar a divergência. Assim, o artigo 853, do Código Civil: “Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lê especial” (SCAVONE JÚNIOR, 2010).
“Entre as diversas funções da cláusula compromissória, ressalta a de constituir-se em prova de que as partes admitiram submeter-se ao regime arbitral para solver suas pendências na execução de um contrato. Esse é o elemento consensual, sem o qual a arbitragem não pode existir validamente” (STRENGER, 1996, p.109). “Espelha obrigação certa, líquida e exigível, configurando título executivo” (SCAVONE JÚNIOR, 2010, p.69).
Pode ela vincular a realização da arbitragem, rompendo-se com o posicionamento de que o seu descumprimento só seria capaz de gerar o direito à percepção de indenização por perdas e danos, constituindo verdadeira obrigação de fazer. Se estipulada contratualmente a solução pela via paraestatal, deve ela ser obedecida, a não ser que seja declarada nula nos termos da legislação (artigo 7º, Lei de Arbitragem).
Deve discriminar os elementos passíveis de serem arbitrados, haja vista que se podem ser estendidas as suas regras a todo o contrato ou não, determinar os árbitros, ou expressar a escolha por uma câmara ou instituição de arbitragem, definir as regras para o procedimento, tais como número de audiências e perícias, estipular o local a ser realizado o julgamento, e regulamentar outros pontos, a exemplo dos custos, da interposição de recursos, tentativa de reconciliação etc. É ela “autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória” (artigo 8º, Lei de Arbitragem).
“O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (artigo 9º, Lei n°. 9.307/1996). Para Câmara (2005, p. 37), é “um contrato de direito privado, cujo efeito é a instauração de um processo arbitral”. “Trata-se de verdadeiro negócio jurídico de direito material que expressa a renúncia à atividade jurisdicional do Estado” (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999, p.193).
O pressuposto de existência do “compromisso arbitral” é o acontecimento de uma discórdia, com a consequente colisão de interesses entre as partes do contrato, em oposto à cláusula compromissória, a qual deverá ser firmada e inscrita no contrato antes da ocorrência do litígio (GARCEZ, 2004). “Observe-se, porém, que a ideia de compromisso é muito mais ampla que a de arbitragem, pois é através do primeiro que, pela manifestação livre da vontade, as partes de dirigem para o segundo, como forma de solução de conflitos de interesses” (STOLZE, 2007).
Poderá originar-se judicialmente, nas hipóteses de haver resistência de uma das partes signatárias da cláusula compromissória (artigo 7º, §7º, Lei da Arbitragem), com a propositura de ação com esse propósito, oportunidade em que a sentença valerá como se compromisso fosse, substituindo a convenção, ou extrajudicialmente, o acordo tem que ser firmado por escrito, assinado pelas partes, na presença de duas testemunhas, para que este assuma o perfil de contrato (§§ 1º e 2º, do artigo 9º, Lei de Arbitragem).
Ao desfecho, cabe repisar que a diferença existente entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral é estritamente temporal, vez que, enquanto a cláusula visa resolver futuras controvérsias através da arbitragem, no compromisso têm-se já a existência do conflito, onde as partes concordam que a solução seja obtida através da justiça privada.
Morais (1999, p.210), ao falar sobre a validade e eficácia da cláusula compromissória e do compromisso arbitral, coloca que “qualquer que seja a convenção de arbitragem ela configura um impedimento processual. Se uma das partes, inobstante ter convencionado a utilização da arbitragem, for ao Judiciário, tal processo deverá ser extinto sem resolução do mérito”.
Anote-se, em tempo, que, invalidada a convenção de arbitragem, por nulidade, ineficácia ou inobservância dos requisitos legais, figurará ilegítima a instalação do juízo privado, e nulo o laudo gerado (artigo 32, inciso I, Lei de Arbitragem), restando às partes serem remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa (artigo 20, § 1º, in fine, Lei nº. 9.307/96).
6 - Presença e atuação dos árbitros
“É na figura do árbitro, diz-se, que descansa a confiabilidade e eficácia da arbitragem como método de resolução de conflitos” (MORAIS, 1999, p.207). Até porque, “considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro” (artigo 19, Lei nº. 9.307/1996). Para Câmara (2005, p. 76), trata-se “de norma extremamente relevante, equiparável à norma contida no art. 263 do Código de Processo Civil, que determina o momento em que se considera proposta a demanda”.
“Árbitro” é a pessoa que é eleita, por duas ou mais pessoas, para solucionar conflito entre elas surgido, prolatando decisão de mérito. “Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes” (artigo 13, Lei de Arbitragem). “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou à homologação do Poder Judiciário” (artigo 18, Lei nº. 9.307/1996). Vale sopesar que “ninguém é árbitro e sim está árbitro” (DOLINGER; TIBURCIO, 2003, p. 233).
Assumindo o mister arbitral, inaugura uma função pública. É ele equiparado a funcionário público, enquanto, e apenas enquanto, perdurar a obrigação extrajudicial, respondendo por seus atos, e gozando da proteção necessária, como se assim o fosse. Não há como se questionar ou duvidar disso.
7 - Sentença conclusiva da arbitragem
“A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo” (artigo 31, da Lei 9.307/1996). De acordo com o inciso IV, artigo 475-N, do Código de Processo Civil “são títulos executivos judiciais [...] a sentença arbitral”. “A única diferença é que o árbitro não é dotado de coerção de tal sorte que a execução demandará, diante da resistência, a atuação do juiz togado, a quem competirá materializar a sentença arbitral” (SCAVONE JÚNIOR, 2010, p.145). E a decisão segue a estrutura de uma sentença da justiça comum, mas, por força do artigo 23, caput, da Lei de Arbitragem, o limite para prolação do resultado é de apenas seis meses, isso se prazo inferior não tiver sido convencionado antecipadamente pelas partes.
No curso da arbitragem, podem despontar questões ditas prejudiciais. Após iniciado o juízo paraestatal, existindo dúvidas sobre a patrimonialidade, ou não, do objeto litigioso, insurge o artigo 25, da Lei nº. 9.307/1996, o qual externa que “verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral”. O prazo para prolação da sentença será suspenso nesse período, e, se sanado o obstáculo, retornará de onde parou, com a juntada aos autos da sentença ou acórdão transitados em julgado.
A Justiça Comum não pode rever o mérito da decisão arbitral, até por que a arbitragem não é supervisionada pelo juiz estatal, mas sim pela lei. Daí de se poder asseverar a existência, inabalável, da dita “coisa julgada arbitral” (PALONI, 2000). A nulidade da decisão pode ser suscitada nas hipóteses dos artigos 32 e 33, da Lei nº 9.307/1996.
8 – Considerações finais
Por todo o exposto, compreende-se que a alternativa representada pela arbitragem no manejo da jurisdição há que ser considerada. Encerrando um meio válido para resolver litígios, talvez mais oportuno, menos custoso e mais rápido que a Justiça estatal, é crucial seu conhecimento e disseminação, até para desafogar as vias contenciosas desde sempre utilizadas. Assim consideramos ao epílogo.
9 – Referências
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Advogado, com Especialização em Direito Tributário e Mestrado em Ciências Jurídicas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, Thiago Nóbrega. Juízo arbitral: uma alternativa ao Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43384/juizo-arbitral-uma-alternativa-ao-judiciario. Acesso em: 23 dez 2024.
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