RESUMO: Por certo, o efeito vinculante não deve prevalecer frente à interpretação do direito, uma vez que o tratamento igualitário em casos iguais, por um lado efetiva o princípio daigualdade perante à jurisdição, mas o mesmo entendimento em casos análogos ofende os valores tutelados no Ordenamento Jurídico.
Palavras-Chave: Ativismo judicial. Precedentes judiciais. Súmula vinculante.
Não se pode confundir que o staredecisis configura a natureza jurídica do direito costumeiro, uma vez que esta técnica é apenas um instrumento moderno de origem inglesa. Sua formação histórica teve início numa decisão da Câmara dos Lordes em que a Corte entendeu que sua sentença não deveria contrariar um caso idêntico (ORTOLAN, 2012).
Uma questão merece ser registrada, pois a ideia de criação do direito, mencionada anteriormente, não diferencia o juiz entre as duas tradições, isto porque o juiz do civil law atua, frequentemente, como um ativista judicial, o que o aproxima muito da atividade do magistrado no direito anglo-saxônico.
O precedente obrigatório é, portanto, uma atividade jurisdicional em que o corpo de magistrados deve seguir as decisões da mesma forma que foram interpretadas. Então, o conceito de força vinculante se insere quando a Suprema Corte Norte Americana decide questão constitucional, cuja eficácia possui efeitos erga omnes. Assim, verifica-se que a evolução do Direito americano é marcada por traços jurisprudenciais proporcionais à Constituição estadunidense (MARINONI, 2011).
Um dos fundamentos da tradição saxônica se justifica pelo controle judicial dos atos do parlamento, ou seja, compete ao tribunal anular o ato caso seja contrário aos princípios e regras do direito costumeiro. Nesta cultura, o que se destaca, talvez, seja o fato do direito americano acompanhar o desenvolvimento jurisprudencial, mesmo diante de uma Constituição escrita. Desse modo, a relação constitucional não se encerra na codificação, pelo contrário, a tradição americana aceita o pensamento de que o direito deve ser aprimorado em cada decisão judicial.
Nos EUA, a aplicação de precedentes representa o respeito das decisões superiores, vez que a jurisdição rege-se pela vinculação jurisprudencial. Nessa corrente, para Justice Kennedy, em respeitável decisão prolatada: “a doutrina do staredecisis é essencial para o respeito devido aos julgamentos da Corte e para a estabilidade do direito” (MARINONI, 2011, p.77).
Já a doutrina italiana, comandada por Cappelletti (1999), defende que um sistema, cuja jurisdição não rege pela vinculação de precedentes, contribui para a não racionalização da justiça. Na mesma obra, preceitua Marinoni (2011, p.83) ao citar o dispositivo § 31,1 da lei orgânica do Direito alemão: “As decisões do Tribunal Federal Constitucional vinculam os órgãos constitucionais federais e estaduais, bem como todos os Tribunais e autoridades administrativas”.
Após compreender os principais aspectos do common law, não seria arriscado afirmar que, no Direito Brasileiro, após a emenda constitucional de número 45, certeza e segurança jurídicas tornam-se duas pretensões de uma mesma cultura (MARINONI, 2011). Ressalta-se a importância dos precedentes na sistemática do common law, cujo objetivo não afasta a eficácia de vinculação fundada na previsibilidade, segurança e certeza jurídica. Assim, a técnica da vinculação incide no princípio da igualdade, tratando-se casos análogos da mesma forma.
Não se deve prosperar a fundamentação de que os precedentes possuem força vinculante na ausência de atuação do Poder Legislativo, pois é comum nessa tradição, a regra de que o precedente explica a vontade da lei. Para MacCormick (2005, p.176 apud MARINONI, 2011, p.99), “em tempos recentes, mesmo nos países do common law, direito jurisprudencial puro é relativamente raro. Muito do direito jurisprudencial agora toma a forma de interpretações explicativas (glosses) da lei”.
Como dito, a vinculação de precedentes tem como marco crucial a segurança jurídica, da mesma forma que no civil law, mas em contextos diferentes. Se, na primeira tradição, as decisões prévias devem ser respeitadas, a partir daí surge a ideia de que casos iguais devem ser interpretados na mesma direção. Ao contrário do direito Romano-Germânico, tal sistema é fundado na relação do juiz com a lei, isto porque a segurança jurídica seria alcançada na aplicação do ato normativo.
Os países que adotam a vinculação de precedentes são considerados rígidos. Mas, o fato do precedente apresentar esta característica não impede a utilização da flexibilidade, pois há técnicas procedimentais para revogação de um precedente.
A complexidade é a segunda desvantagem do staredecisis. Ou seja, este defeito incide na fundamentação, pois não é fácil diferenciar as razões de direito e, de fato, em cada precedente judicial. Para Souza (2013, p.286): “O uso exagerado do poder de distinguir, pode levar a que certas questões do direito se tornem complexas demais [...] e as decisões tomadas parecem, de certo modo, ilógicas”.
Quanto à morosidade, a vinculação de precedentes insere uma lentidão na evolução jurisprudencial, isto porque, para o conhecimento de uma decisão chegar a um tribunal supremo, como a Suprema Corte Norte Americana, deve ocorrer a obediência de decisões pretéritas.
Por outro lado, há alguns juristas, como Rosas e Aragão (1988 apud SOUZA, 2013), que entendem que um sistema fundado na legalidade pode incidir numa lentidão, pois o procedimento legislativo é mais estático do que um sistema instituído em precedentes judiciais.
Desse modo, a vinculação de precedente não impede que o juiz decida conforme sua livre convicção, isto porque este, como membro do Sistema Jurídico, deve manter estabilidade e coerência jurisprudencial. Apesar do STF, posicionar-se quanto a não ofensa ao princípio, a teoria em análise preceitua que o juiz deve seguir as decisões consolidadas.
Então, no common law, não haveria ofensa à liberdade de julgamento. Enquanto no Sistema Brasileiro, instituído na legalidade, a incorporação da Teoria dos Precedentes Judiciais não comporta compatibilidade, uma vez que o juiz seria vinculado ao tribunal superior, a ponto de transformasse numa máquina que apenas obedece as decisões do Supremo.
O último defeito é a violação ao princípio da separação de funções do estado. A vinculação de precedentes, na doutrina do staredecisis, principalmente acerca do precedente como criador do direito, incide na ofensa à separação de poderes. Isto porque, o sistema de precedentes substituiria a atividade do Poder Legislativo, pois um dos efeitos dos precedentes é a eficácia erga omnes, muito próxima do mesmo efeito gerado na legislação. Apesar de o precedente partir de um caso concreto (controle difuso), a decisão atinge a todos no âmbito do Judiciário e Administração Pública Direta e Indireta. Isto porque, incide numa função ativista do Poder Judiciário contrária às raízes históricas do Direito Romano-Germânico.
Acerca da previsibilidade do direito, este aspecto está interligado à vantagem anterior, diz respeito a uma das funções do direito que é conferir certeza jurídica ao jurisdicionado, pois o caminho percorrido até a sentença será refletido pelo instituto da previsibilidade de decisões judiciais. Então, a regra vinculativa de precedentes conduz ao desenvolvimento do direito e à uniformidade jurisprudencial.
Quanto à precisão e celeridade, na primeira, o direito torna-se preciso, pois os princípios são aplicados no caso concreto que chegam aos tribunais superiores (SOUZA, 2013). No caso da celeridade, o sistema de precedentes atende ao princípio da duração razoável do processo, tema versado por várias reformas legislativas.
Uma vantagem crucial da Teria dos Precedentes é o aprimoramento do trabalho decisório do juiz. Para Souza (2013, p.303): “A doutrina do staredecisis enseja, via de regra, um aprimoramento do resultado do trabalho decisório do juiz e, consequentemente, um fortalecimento institucional do Poder Judiciário”.
Este precedente contribui para o aperfeiçoamento da decisão e auxilia o juiz na fundamentação da sentença ou acórdão. Vale destacar que, o precedente representa a historicidade de julgados de uma corte constitucional e a experiência tradicional dos juízes.
Desse modo, uma das funções da Teoria dos Precedentes é o tratamento igualitário em casos semelhantes, como forma de impedir a desigualdade jurisdicional. Ou seja, a força do precedente, como descrição narrativa de um fato pretérito, incide numa mesma fundamentação para tratar casos análogos da mesma forma.
Conforme mencionado nos capítulos anteriores, a Teoria Declaratória da Jurisdição define que o precedente declara o direito e não o constitui. Adeptos à esta teoria, entendem que os julgados dos EUA demonstram o significado real do common law, como uma técnica processual que conserva suas raízes históricas. Desse modo, o inglês William Blackstone afirmava que as decisões judiciais constituíam a razão do que o direito consuetudinário realmente é (MARINONI, 2011).
A técnica dos precedentes obrigatórios, embora não seja utilizada no Direito Brasileiro é um método eficaz que visa a tutela da confiança depositada no Tribunal Supremo. Por vezes, quando acontecer uma revogação de jurisprudência consolidada ou de um precedente obrigatório, isto pode gerar uma insegurança jurídica aos jurisdicionados que pautam suas ações nos respectivos tribunais(MARINONI, 2011).
Fala-se então, frente à onda reformista, que passa o CPC, na observância hermenêutica dos precedentes no Sistema Jurídico Brasileiro. Pois, como dito, é imprescindível a prevalência do direito, como fenômeno histórico-cultural diante das modificações dos conceitos positivo-jurídicos do direito (DIDIER, 2013).
Sendo assim, o Direito Costumeiro é o sistema que mais atribui certeza jurídica aos jurisdicionados, pois a previsibilidade na Teoria dos Precedentes se insere como elemento indispensável do exercício jurisdicional.
A interpretação de diversas normas, em casos semelhantes, gera uma insegurança na ordem jurídica, sendo necessário utilizar o mesmo entendimento em casos iguais. O objetivo dos precedentes obrigatórios, ao vincular os juízes de primeira instância às decisões dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal, enfraquece o princípio da interpretação, conforme a Constituição, pois o sistema de precedentes pretende abordar a falha histórica da tradição do civil law, advinda da Revolução Francesa, em que a lei era suficiente para garantir a segurança jurídica(MARINONI, 2011).
Para tanto, o Poder Judiciário deve ser coerente na interpretação da lei, uma vez que somente é realizado um Estado de Direito, quando os direitos fundamentais e a igualdade jurisdicional são equilibrados. Logo, a partir dos precedentes, é possível que o ordenamento seja incoerente quando se trata casos iguais de forma desigual, ou um sistema jurídico com jurisprudências diferentes sobre um mesmo litígio.
Um sistema judicial instituído mediante estabilidade reduz a litigiosidade e gastos com multas protelatórias. Isto porque é fundamental para a ideia de um judiciário célere à prestação da tutela jurisdicional dentro de um tempo razoável e equilibrado.
Neste sentido, uma decisão judicial não pode ser prestada em pouco tempo, a ponto de se tornar injusta, da mesma forma, é necessário um tempo-limite, pois uma decisão proferida, em longo prazo, pode ser tão injusta quanto à situação anterior.
Como se vê, a previsibilidade flexibiliza o conflito, fazendo com que as partes desistam da litigiosidade e optem pelo acordo, mediação ou arbitragem. Quanto à economia processual, o respeito aos precedentes fortalece esta concepção, uma vez que reduz as despesas processuais e a carga de demandas do tribunal.É notório que, neste aspecto, a ideia dos precedentes contribui para um Poder Judiciário menos oneroso e materializa o princípio da duração razoável do processo, instituído pela EC de n°45-2004.
Frente a um precedente americano, a Suprema Corte posicionou-se no sentido de que os princípios do direito natural são legitimados para declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Trata-se de uma lei que modificava o direito adquirido em contratos lícitos constituídos antes da vigência do diploma normativo. O juiz Justice Chase, em seu voto, fundamentou que deve prevalecer a supremacia do direito constitucional e dos princípios do direito natural, isto porque para ele a autorização pretendida pela lei não afrontava os princípios gerais de direito (MARTEL, 2005).
A declaração de inconstitucionalidade, no caso investigado, representou um questionamento da utilização de princípios implícitos na Constituição. Por sua vez, a doutrina estadunidense entende que a aplicabilidade de princípios não incorporados na Constituição insere a ideia de adequação ao princípio do devido processo legal substantivo(MARTEL, 2005).
Pelo exposto, a aplicabilidade de precedentes judiciais fortalece as concepções de segurança jurídica e a estabilidade jurisdicional, mas,por outro lado, impede o desenvolvimento hermenêutico do direito. O direito fundamental no aspecto processual, não prescinde das inovações processuais, mas a recepção desenfreada de técnicas do common law, principalmente da vinculação de precedentes, que podem apagar aos poucos as raízes deixadas pelo Direito Romano-Germânico, bem como americanizar o Direito Constitucional Brasileiro (BARROSO, 2010).
BARROSO, Luís Roberto. A americanização do direito constitucional e seus paradoxos: teoria e jurisprudência constitucional no mundo contemporâneo. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/aamericanizacaododireito_constitucional_e_seus_paradoxos.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2013
CAPPELLETTI, Mauro. O controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. 2°ed. Trad. Aroldo Plínio Gonçalves. Rev. José Carlos Barbosa Moreira. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1999.
JUNIOR, Fredie Didier. Sobre a Teoria Geral do Processo essa desconhecida. Salvador: JusPODIVM, 2013.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
MARTEL, Letícia de Campos Velho. A linha decisória da Suprema Corte Estadunidense. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
MACCORMICK, Neil. Rethoric and the rule of law. New Yorke: Oxford University Press, 2005 apudMARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
ORTOLAN, Marcelo Augusto Biehl. Common Law, judicial review e staredecisis: uma abordagem histórica do sistema de controle de constitucionalidade anglo-americano em perspectiva comparada com o sistema brasileiro. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord). A Força dos Precedentes Estudos dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR.Precedentes Reguladores: uma afronta à Separação de Poderes e À independência judicial. Paraná: JusPodivm, 2012.
ODAHARA, Bruno Periolo. Adriano Barbosa. Um rápido olhar sobre o staredecisis. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord). A Força dos Precedentes Estudos dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR.Precedentes Reguladores: uma afronta à Separação de Poderes e À independência judicial. Paraná: JusPodivm, 2012.
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. 2°ed. Curitiba: Juruá, 2013.
Pós-graduado latu sensu em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2015). Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos, FUPAC/ UNIPAC (2013). Graduação interrompida em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP (2015). Tem experiência acadêmica enquanto Professor de Filosofia e Sociologia. Dedica-se ao estudo nas áreas de Direito Penal e Processual, com foco na Psicanálise na Cena do Crime, inclusive, em pesquisas voltadas ao Direito Constitucional Comparado, Ambiental e Minerário. Autor de artigos científicos de revistas nacionais e internacionais, bem como autoria citada em Faculdades renomadas, como na Tese no âmbito do Doutoramento em Direito, Ciências Jurídico-Processuais orientada pelo Professor Doutor João Paulo Fernandes Remédio Marques e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Fernando Cristian. Aplicação prospectiva: o stare decisis no direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 fev 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43444/aplicacao-prospectiva-o-stare-decisis-no-direito-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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