RESUMO: A preocupação básica deste estudo é refletir sobre o instituto da delação premiada, espécie de colaboração processual, que se insere em uma lógica útil de reforço das técnicas investigativas, que foi inserida na legislação pátria, para ser utilizada por determinados órgãos governamentais no combate ao crime organizado. Deve-se vislumbrar a fundamental questão do valor probatório desta colaboração processual, no que tange a delação do corréu que colaborou com a justiça. Além de traçar alguns parâmetros, quanto à efetividade da delação premiada no combate às organizações criminosas, a fim de que esta colaboração processual não seja leiga, intuitiva e não traga elementos que corroborem com os dados concretos, externos e objetivos, para elucidação dos crimes praticados pelas organizações criminosas.
Palavras-chave: Instituto. Colaboração Processual. Delação Premiada. Valor Probatório. Efetividade. Combate. Organizações Criminosas.
Introdução
O presente trabalho tem como tema o estudo dos efeitos da delação premiada no desbaratamento das organizações criminosas, e a efetiva colaboração processual do corréu na elucidação dos crimes praticados por essas organizações, que cada vez mais desafiam o Poder Público e a paz social.
Nesta perspectiva, construíram-se as seguintes questões que nortearam este trabalho:
a) A real dimensão do instituto da delação premiada na legislação brasileira?
b) A questão do valor probatório da delação premiada, quanto à efetividade das informações prestadas pelos corréus que colaboram com a justiça?
c) A colaboração processual (delação premiada) pode auxiliar concretamente o Estado no combate ao crime organizado?
O crime na atualidade revela uma complexa organização nacional e transnacional, eficiente e poderosa, em face de Estados ineficientes, desorganizados, sem tecnologia da informação, que não possuem uma política eficaz de prevenção de combate aos crimes.
Com o crescimento econômico e o poderio bélico dessas organizações criminosas, esses Estados tendem agravar penas, buscando alternativas possíveis para combater o crescimento e fortalecimento do crime organizado.
Nesse contexto, determinados órgãos governamentais vêm se utilizando do instituto da colaboração processual como um instrumento de combate às organizações criminosas, registrando avanços no desbaratamento e identificação de criminosos.
O legislador brasileiro passou a se valer da delação premiada em vários dispositivos legais, na intenção de proporcionar maior eficácia probatória, em relação a delitos considerados graves no ordenamento jurídico pátrio, como os do art. 8.º, parágrafo único da Lei 8.072/90, do art. 6.º da Lei 9.034/95, do § 5.º do art. 1.º da Lei 9.613/98, do art. 14 da Lei 9.807/99 e dos §§ 2.º e 3.º do art. 32 da Lei 10.409/2002 os quais permitiram o ingresso, sob diversas formas, da delação premiada em outras áreas do direito penal comum.
Assim, verifica-se que a delação premiada restou introduzida no nosso ordenamento jurídico, excepcionalmente, para coibir determinados tipos de delitos, mas acabou se irradiando por todo o sistema jurídico penal, como um instrumento legal, eficiente e poderoso no combate das organizações criminosas, que se mostram cada vez mais como um poder paralelo à força estatal, o que gera grande instabilidade ao Estado e insegurança à população.
Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é investigar se o instituto da delação premiada, aplicado pelo direito penal pátrio, é efetivo no combate da criminalidade.
Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura, artigos científicos divulgados no meio eletrônico e jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
Desenvolvimento
Como o tema central deste trabalho vincula-se especificamente à delação premiada, afigura-se imprescindível defini-lo, vez que se encontra dentro do que se convencionou denominar colaboração processual, que se entende por “todas as formas de postura cooperativa do imputado, com a autoridade policial, judiciária, ou com o Ministério Público, que auxiliem na obtenção de provas na persecução penal”. (LAUAND, 2008, p. 49).
Observa, Lima Lauand (2008) que o instituto da colaboração processual é gênero do qual são espécies a confissão, o chamamento do corréu, a delação e a delação premiada.
Conceituando o instituto da delação premiada, aduz Mariana de Souza Lima Lauand:
[...] Somente no direito brasileiro se faz uso da expressão delação premiada, enquanto que nos demais ordenamentos refere-se ao instituto por colaboração processual, colaboração premiada ou colaboração com a Justiça. A idéia principal da delação premiada é, de fato, a de premiar o delator que, de alguma forma, colabore com autoridade policial ou judiciária, permitindo, eficazmente, evidenciar fatos que venham a contribuir com a apuração da materialidade delitiva e sua autoria. No entanto, merece ser pontuado que, conforme se observou, o legislador nacional em nenhum momento fez uso da expressão delação premiada, sendo tal denominação fruto de construção doutrinária e jurisprudencial. Por oportuno, há que se registrar a existência de texto projetado, em trâmite no Congresso Nacional, que se utiliza da terminologia colaboração premiada, objeto de comentário mais adiante. (LAUAND, 2008, p. 61)
[...] A colaboração processual stricto sensu, por sua vez, seria a contribuição do imputado com a investigação de infrações penais em troca de benefícios de natureza estritamente processual, tais como o non-prosecution agreements e o plea bargain, típicos do ordenamento norte-americano. (LAUAND, 2008, p. 65)
Consoante, conceitua Nucci, a delação premiada:
[...] significa a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade. (NUCCI, 2007, p. 716)
Neste sentido, podemos presumir que a delação premiada se traduz num acordo entre o Ministério Público e o acusado, onde este recebe alguma vantagem em troca de informações que fornecerá ao parquet, subsídios que o levarão ao esclarecimento do delito, sendo que, quanto mais essas informações levarem ao desembaraço da atividade criminosa, maior será o benefício proporcionado, ao corréu.
Com relação, aos benefícios oferecidos ao delator temos a substituição, redução ou isenção da pena, ou mesmo o estabelecimento de regime penitenciário menos gravoso, a depender da legislação aplicável ao caso.
Destarte, pode-se dizer que a natureza jurídica da delação premiada vai variar conforme o benefício concedido ao delator, de acordo com o caso concreto, podendo ser uma causa de redução de pena, ou até mesmo, uma causa de extinção da punibilidade, como no caso do perdão judicial, nos termos do art. 13 da Lei 9.807/99:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.”
Lado outro, cumpre salientar que a delação premiada, não pode ser considerada prova absoluta de autoria e materialidade da conduta delitiva, devendo a instrução probatória corroborar com as informações prestadas pelo corréu, pois, se assim não fosse, poderia ser manipulada, pelo delator, apenas como forma de se beneficiar da delação inverídica, prejudicando pessoa que não teria cometido crime algum.
Diante do conceito de delação premiada, pode-se afirmar que referida espécie de colaboração processual, encontra-se em conformidade com o direito pátrio, de acordo com Tiago Cintra Essado:
[...] O ponto central parece estar nos limites das palavras do imputado, que variam entre o direito ao silêncio e o direito à fala. No movimento pendular da história do processo penal, se em tempos pretéritos o direito amparava, à custa de torturas físicas e psicológicas, o dever do imputado falar, em nome da busca da verdade real, atualmente garante-se o silêncio como conquista imprescindível para a proteção da dignidade da pessoa humana, vedando-se o arbítrio estatal. Contudo, a vontade livre e voluntária do imputado manifestar-se, colaborando de qualquer forma com a atividade estatal de persecução penal, encontra amparo na ordem constitucional, que garante a liberdade de expressão como direito fundamental. (ESSADO, p. 6, 2013)
Dessa forma, verificada a conformidade do instituto da delação premiada com o direito brasileiro, cumpre-nos analisar os requisitos obrigatórios para que referido instituto se revista de idoneidade probatória, obtendo validade e efetividade processual.
Dois requisitos são imprescindíveis para validade e eficácia da delação premiada, o primeiro a voluntariedade, o segundo, a presença do defensor e do Ministério Público, quando da delação do corréu, visando resguardar seus direitos constitucionais e legais. Como bem, leciona Tiago Cintra Essado:
[...] A voluntariedade pressupõe a livre vontade do imputado em se manifestar, sendo incompatível com qualquer meio de coação física ou psíquica. Por vontade livre, inicialmente há que se ponderar sobre as condições físicas do próprio imputado. Se o imputado, ao tempo da delação, padece de comprometimento mental que venha a prejudicar o entendimento da natureza do ato, isto vicia a vontade, podendo ser declarada a nulidade do ato, por ausência da voluntariedade, sem qualquer consequência ao imputado.35 A higidez psíquica e mental deste, pois, revela-se circunstância inicial obrigatória para a validade do ato.36 (ESSADO, p. 6, 2013).
E continua o aludido autor:
[...] O segundo requisito, qual seja, o da indispensabilidade da presença do defensor e do Ministério Público no ato de delação, decorre do primeiro. A fim de se ter o mínimo de controle sobre a existência da voluntariedade e ser possível aferir a validade do ato, indispensável afigura-se a presença, no mínimo, de defensor do imputado, constituído ou dativo. (ESSADO, p. 7, 2013).
Enumera ainda, Cintra Essado, um terceiro requisito para validade e efetividade da delação premiada, que consiste na eficácia probatória, que é de verificação diferida, e merece análise mais cuidadosa.
Nesse diapasão, ensinamento do ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci, no que tange aos requisitos de validade, para que o corréu possa usufruir dos benefícios de sua delação:
[...] para a obtenção dos benefícios da delação premiada, é preciso que o agente permita a identificação dos demais coautores ou partícipes ou favoreça a localização da vítima com sua integridade física preservada ou proporcione a recuperação total ou parcial do produto do delito [...] (NUCCI, 2012, p. 488)
Da mesma forma que na doutrina, no âmbito jurisprudencial existe a convergência quanto à aplicação do referido instituto, somente, quando permita a revelação dos demais coautores e partícipes, bem como a localização de possíveis vítimas e o desmantelamento das organizações criminosas.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de Habeas Corpus, substitutivo de Recurso Especial (HC 289853 / MT), por seu ilustre Ministro Relator, Felix Fischer, entendeu que a condenação do réu não se baseou somente em depoimento extraído da delação premiada, amparando-se, outrossim, em elementos coligidos tanto na fase inquisitorial quanto judicial, não havendo falar em nulidade do processo por ofensa ao contraditório e ampla defesa[1].
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Habeas corpus (HC 119976 / SP), da lavra do eminente Ministro Luiz Fux, manifestou-se no sentido de reconhecer a delação premiada, apenas, quando os dados fornecidos pelo delator trouxerem qualquer proveito concreto à efetiva localização dos integrantes da organização criminosa que financiou o delito, bem como para a elucidação do crime[2].
.Observe-se que ambas as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, admitem a delação premiada como forma de auxilio efetivo no combate ao crime organizado, desde que o corréu (delator), traga dados que contribuam efetivamente para localização dos integrantes das organizações criminosas, das vítimas e elucide os crimes praticados.
Nessa esteira, verifica-se que a colaboração processual, especificamente, a delação premiada, pode ser aplicada no combate ao crime organizado, tanto na fase de investigação, como na fase processual, desde que acompanhado o delator de seu defensor, com a participação do Ministério Público, para se conferir maior segurança aos elementos de provas colhidos, bem como localizar os integrantes destas organizações e elucidar os crimes praticados.
Conclusão
Diante do exposto, nota-se que o instituto da delação premiada é aceito, amplamente, pela doutrina e jurisprudência, sendo que, inicialmente no Brasil a legislação delatora, surgiu para coibir crimes mais graves praticados por organizações criminosas, mas hoje tem prevalecido que o instituto da colaboração processual pode ser aplicado em qualquer tipo de ilícito penal, desde que contribua de forma efetiva para a investigação e instrução processual Criminal.
Ressalte-se, que a delação premiada, apenas poderá ser considerada válida e eficaz, como instrumento probatório, se preencher os requisitos da voluntariedade, o ato for praticado na presença do defensor e do Ministério Público, e as informações trazidas pelo delator efetivamente contribuam preventivamente, para evitar o cometimento de outros crimes e, repressivamente, auxilie concretamente a polícia e o Ministério Público nas suas atividades de recolher provas contra os demais corréus, possibilitando suas prisões.
Diante de todo o exposto, verifica-se que a tendência do moderno processo penal, caminha para a consagração do instituto da colaboração premiada, na apuração e combate da criminalidade organizada, através da criação de mecanismos complexos, nos quais a investigação criminal e a coerção processual formam um todo contínuo dirigido a incentivar o investigado, o processado e o condenado a colaborar com a acusação.
Desse modo, não há dúvidas de que a colaboração processual (delação premiada) pode trazer extraordinários benefícios às investigações criminais, mormente, em relação ao crime organizado, desde que observados os princípios constitucionais e os preceitos legais do nosso ordenamento jurídico.
ESSADO,Tiago Cintra. Delação premiada e idoneidade probatória. Revista Brasileira
de Ciências Criminais. vol. 101/2013. p. 203. Mar/2013. DTR20132653.
LAUAND, Mariana de Souza Lima. O valor probatório da colaboração processual.
Dissertação de Mestrado, São Paulo, USP, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3ª
Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
______. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 6ª ed. São Paulo: RT,
2012. v.1.
PEREIRA, Frederico. Valor probatório da colaboração processual (delação remiada). Doutrinas Essenciais Processo Penal. vol. 3. p. 577. Jun/2012 DTR2009828.
[1] HC 289.853/MT, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 09.12.2014, DJe 19.12.2014
[2] HC 119976, Relator: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 25.02.2014, Processo Eletrônico DJe-053 Divulg 17.03.2014 Public 18.03.2014
Analista, Especialidade Direito, no Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Formado em direito, pela Faculdade de Direito da PUC-Minas. Especialista em Direito Público pela Universidade Newton Paiva. Especialista em Direito Civil pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UCAM - Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LANA, Cristiano Teixeira Rodrigues. O instituto da delação premiada e sua efetividade no combate às organizações criminosas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 mar 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43468/o-instituto-da-delacao-premiada-e-sua-efetividade-no-combate-as-organizacoes-criminosas. Acesso em: 23 dez 2024.
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