Resumo: Analisa alguns dos principais conceitos sobre arbitragem e mediação. Salienta alguns dos principais problemas relacionados ao acesso à justiça no Brasil, apontado a mediação a arbitragem e a conciliação como possibilidades alternativas para sanar tais problemas e impasses da justiça o do judiciário brasileiro. Argumenta sobre conceitos como: acesso à justiça e inclusão, apontando para as dificuldades de definição sobre estas questões. Apresenta também de maneira breve e objetiva, que a formação do conceito de justiça no mundo ocidental, percorreu caminhos nem sempre bem analisado pela literatura brasileira.
Palavras-chaves: Mediação, Arbitragem, Jurisdição e Acesso à Justiça
Abstract: Analyzes some key concepts on arbitration and mediation. Highlights some of the main problems related to access to justice in Brazil, pointed to the mediation arbitration and conciliation as alternative possibilities to remedy such problems and dilemmas of justice of the Brazilian judiciary. Argues about concepts such as access to justice and inclusion, pointing to the difficulties of defining these issues. It also presents a brief and objective manner, the formation of the concept of justice in the Western world, not always well traveled paths analyzed by the Brazilian literature.
Keywords: Mediation, Arbitration, Jurisdiction and Access to Justice
I – Introdução: epistemologias e ideologias de justiça
Este trabalho é uma extensão de outro artigo que ainda se encontra no prelo, cujo título é: “Epistemologias e Ideologias: Mediação e Conciliação, Arbitragem e o Acesso à Justiça”. Nas últimas décadas tem sido lugar comum o uso de expressões como “justiça” e “inclusão”. A questão não é somente variedades e divergências de conceitos e sim, muitas vezes, a ausência de definição sobre eles. Daí que neste trabalho a conceituação de “justiça” tem o sentido de designar mecanismos que conduzam à pacificação de conflitos.
Os discursos criados e veiculados através do meio acadêmico e intelectual, onde a “crítica” tornou-se meio e fim destes discursos, rumo ao desmonte do modelo tradicional de jurisdição foi sempre muito mais do que apenas busca de aperfeiçoamentos.
A formação do Estado Moderno, evoluindo para o Estado Nação trouxe no seu bojo a necessidade de aperfeiçoamento do uso dos mecanismos utilizados na persecução civil e penal. De modo geral a necessidade de tornar os processos e julgamentos “justos” passou a significar “imparcial”, sem tendência de qualquer tipo. Sabendo que isto é uma questão meramente deontológica foi sendo construído e aperfeiçoado um modelo burocrático jurídico que, baseado em princípios aos poucos eleitos intelectualmente, deram forma aos nossos mecanismos processuais vigentes.
Alguns documentos históricos pontuam esta questão e caso não fossem interpretados na literatura brasileira com tanto entusiasmo festivo, já teriam sido identificados como tal. A primeira tentativa de estruturar as jurisdições e competências no universo moderno que temos notícia está, exatamente, na Carta Magna. Aquele pacto assinado entre o rei João Sem Terra com os seus principais vassalos, ou seja, os mais importantes senhores feudais da Inglaterra, na busca de salvar uma Coroa falida levou a uma delimitação da lei e do poder no Estado com o objetivo de preservar a propriedade privada e o apoio à Coroa inglesa. O documento está endereçado aos “homens livres do Reio”, que jamais terão tomadas “as terras ou as rendas de quem quer que seja em razão de dívidas” (BRANDÃO, 2001, p. 66). Isso por que, o trabalho e a indenização pecuniária tomam importância frente a uma punição em cárcere. A Coroa inglesa esta falida em função dos altos investimentos pecuniários nas Cruzadas no Oriente Médio, principalmente.
Era preciso gerar capital e só através do trabalho livre isso seria possível. Daí desde aquele tempo o Direito inglês passou a preservar tanto o trabalho, a liberdade e a propriedade privada. Mas os problemas oriundos da convivência existiam e demandavam respostas do Estado. Surge então a necessidade de organizar a justiça. Por isso está no artigo 22 do documento aqui citado: “o Tribunal das Causas Comuns não seguirá mais a nossa pessoa. Os processos... serão julgados na província da qual dependem as partes... deliberarão sobre as causas na própria província”. E, seguindo este argumento, expõe no artigo 35: “Nenhum de nossos juízes ou condestáveis apreenderá o grão ou outros bens móveis de uma pessoa que não seja de sua jurisdição” (BRANDÃO, 2001, p. 67, 68). Tal aperfeiçoamento se repete na Lei de Habeas Corpus de 1679 e quando da publicação da Declaração Bill of Rights de 1689.
Nesta seara, atualmente, talvez o documento mais lido ou dito como tal é o manifesto “Dos delitos e das Penas”, fruto dos anseios de um grupo de jovens intelectuais italianos que compunham a Sociedade dos Punhos, iluministas em essência, que tiveram o assim chamado, Marques de Beccaria, como protagonista. Tal manifesto buscou alertar, principalmente, para os problemas que hoje estão no âmbito da persecução penal, dos meios de prova e da interpreção da lei. Tudo isso ilustra a trajetória do pensamento político-jurídico moderno.
Agora, muito influenciados por interpretações neomarxistas, por via da Escola de Frankfurt e da Escola de Budapeste, juristas, doutrinadores e legisladores vêm empreendendo uma “crítica” ao Direito, visando através da reorganização ideológica, implementar um novo modelo de Direito, Estado e Sociedade.
É nesse novo contexto, que a tal crítica ao Direito moderno, dá espaço para o já existente, Direito pós-moderno. Daí surge dúvidas, quando muitos já afirmam ter certeza. É de fato a vítima que está se buscando visualizar nas novas interpretações e reformulações da lei ou simplesmente implementar de forma sofisticada o tradicional modelo marxista da dialética do conflito? Ou este termo “vítima” está ganhando novos significados “ideológicos”, influenciando a doutrina jurídica de então? Os chamados modelos “alternativos” de justiça estão surgindo por questões, de fato, de “evolução” das compreensões ou porque Estados e governos com finanças comprometidas estão incentivando discursos que façam reduzir despesas orçamentárias? As novas concepções de responsabilidade e responsabilização estão sendo desenvolvidas por entender a complexidade dos fenômenos humanos ou também, para aplicar um mecanismo de luta de classes, muito bem adaptado e travestido em termos como: “justiça igualitária”, “problema social” e “justiça social”?
No quesito epistemológico e metodológico é preciso pensar como fundamentar os novos modelos de heterocomposição e autocomposição. Uma vez identificadas as respectivas naturezas jurídicas destes institutos, aprofundar o argumento doutrinário, evitando a influência de ideologias político-partidárias em tais discursos.
Nesse sentido, se impõe no discurso brasileiro sobre mediação a ideia de uma técnica. Entretanto, é a mediação uma técnica ou um instituto? Se for técnica, de fato, não há por que tantos debates. Pode-se, inclusive, adaptá-la a tantas situações e instituições quantas julgarem necessário tal recurso. Porém, se for considerada um instituto deve-se buscar suas origens, doutrinas e objetivos. Este artigo aponta para interpretação da mediação como instituto, uma vez que a literatura, geralmente estrangeira, indica que ela passa a ser constituída no sentido de afastar a concepção de justiça dos moldes traçados pelos ordenamentos jurídicos e os respectivos tribunais. Em outras palavras, a Justiça Restaurativa quando aplicada através da mediação visa afastar por completo a jurisdição do seu circuito interativo.
Entretanto, no Brasil, existem muitos obstáculos para esse modelo. Baseada no discurso do colapso do judiciário e da necessidade urgente do acesso à justiça é possível observar a transformação da justiça restaurativa em num novo modelo de jurisdição. Nesse contexto, a mediação torna-se uma mera técnica de diálogo e entendimento.
É fato, que, se instituto, a mediação pode ser aplicada às mais distintas dimensões da vida, inclusive no interior das instituições públicas e privas que atuam nos mais diversos setores. Porém a mediação, enquanto autocomposição tem o objetivo de proporcionar o entendimento entre as partes, como livre expressão da vontade, sobre todos aqueles bens jurídicos que o Direito prevê como disponíveis, sem a intervenção de um terceiro, senão, como condutor neutro. Nesse sentido, trata-se de fato, de um acordo extrajudicial sem, contudo, tratar-e de justiça própria ou que venha atingir qualquer princípio ou norma que compõe o nosso ordenamento.
Cabe salientar, com isso, que o sentido do caput do art. 5°, inciso XXXV é a proibição de lei que impeça o cidadão no acesso ao judiciário. Tal como está escrito: “a lei não excluirá da apreciação do judiciário”. Isso não quer dizer que não pode haver outras formas de solução de conflitos desde que em função de manifesta expressão da vontade, cumprindo todas as regras da representatividade e capacidade além de estar em objeto de litígios bens jurídico disponíveis.
Tal entendimento além de pacificado é esclarecido na lição de Alves da Silva:
A recepção da Lei de Arbitragem brasileira não foi imediata. Por cindo anos, pendeu contra ela uma impugnação de constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, fundada no argumento de violação da garantia de acesso à justiça (CF, art. 5°, inciso XXXV). Em 2001 a Corte confirmou a constitucionalidade da Lei, por sete votos a quatro. Fundamentou-se no fato de a arbitragem se limitar a demandas envolvendo direitos disponíveis e, afinal de contas, “o inciso XXXV representa um direito à ação, e não um dever” (STF, SE 5.206) (ALVES da SILVA, p. 08, 2013).
Os discursos sobre o conceito de “justiça” têm alcançado desdobramentos cujas origens e fundamentos não são devidamente realçados. Neste universo encontramos temas recorrentes que colocam em pauta questões consideradas próprias do nosso tempo.
A partir de então temos relações de conceitos e doutrinas que antes necessitam de esclarecimentos para entendimento adequado. Nesse sentido, o Direito Processual tornou-se tema dos mais frequentes nos debates acadêmicos entre juristas tanto do Brasil, América Latina e União Europeia.
O que requer cuidado são exatamente os novos usos dos conceitos e as diversas combinações que são feitas em busca de supostas respostas para os problemas propostos. Como exemplo podemos observar a ideia e o apelo frequente no uso da relação entre “processo” e “democracia”. A primeira pergunta é qual a relação entre Forma de Governo e Teoria Geral do Processo? Não seria mais coerente relacionarmos Direito Processual e Estado de Direito?
No mesmo contexto o evidente conflito doutrinário entre “formalismo” versus “instrumentalismo” revela, sem dúvida, a necessidade de aperfeiçoamentos do âmbito processual. Entretanto, esse problema tem servido para esconder motivações ideológicas que fogem para distante da reflexão técnica e mesmo doutrinária no sentido mesmo de simplesmente trazer respostas para novas demandas.
O repensar a Teoria Geral do Direito e, no seu interior, a Teoria Processual dá espaço para a publicação de bandeiras que não são diretamente relacionadas ao Direito, mas sim, ao projeto pós-moderno calculadamente articulado a partir dos grandes centros acadêmicos europeus e norte americanos e que migram para países como o Brasil, onde freqüentemente se ouve reclames por um Direito autêntico. Esse neocolonialismo jurídico, sapecado de histerias nacionalistas autênticas, faz confundir neófitos em doutrina, por conta mesmo, dos louvores que são dispensados nesses discursos sobre a tal “justiça”.
Desse modo, “jurisdição” e “competência” tornam-se não só conceitos, mas realidades institucionais que são objeto de revisionismos, até mesmo por conta, da necessidade de aproximar o ordenamento jurídico dos novos desafios expostos no mundo da vida. Nesse ambiente, as possibilidades e dificuldades da expansão dos institutos da mediação e conciliação, assim como a arbitragem, aqui no Brasil, é algo muito mais vinculado a uma cultura local que ao amadurecimento destas modalidades de “justiça”.
O tempo de existência destes institutos que remontam civilizações antigas já mostra o amplo universo de experiências que, inclusive em nosso tempo, é possível desfrutar. Por isso é preciso buscar respostas em outras formas de explicação para timidez como ainda são tratados e utilizados tais institutos aqui no Brasil, quando inclusive, comparado com outros países da America Latina, a exemplo da Argentina, Paraguai e Uruguai.
Aqui no Brasil foi notória a relação estabelecida entre cidadania e judicialização de conflitos no período da “retomada da democracia” nos anos 90. Os autores que filosofavam sobre o Direito, aqui no Brasil, neste período rendiam aplausos à relação entre conquista de direitos e encaminhar à justiça público-estatal seus conflitos ou supostos conflitos. Até mesmo nas relações pessoais os conflitos deveriam ser judicializados, ou seja, processar alguém ganhou status de conquista e cidadania no Brasil.
Agora, mesmo com a criação da Justiça Especial Civil e Criminal, a inoperância da instituição judiciária brasileira é traço marcante. Porém, a necessidade de ampliar o uso da mediação e conciliação e da arbitragem como resolução de conflitos passa por uma mudança de mentalidade, pois se torna imperativo reverter a orientação anterior onde simples disputas ou demandas se tornam lide.
I I – Justiça, Judiciário e Acesso à Justiça
Dizer que a teoria do Direito é um fenômeno histórico-cultural não autoriza utilizar-se de outras selecionadas teorias como paradigmas libertadores e críticos ao modelo vigente. Em outras palavras, o autoritarismo intelectual do relativismo conceitual, não se autolegitima apenas por se autoproclamar crítico. O que é científico em essência transcende o tempo, a partir da sua descoberta. Reduzir o Direito a um fenômeno sócio-histórico-cultural é tirar-lhe, prioritariamente, o status de ciência. Em seguida, não há apenas a relativização de conceitos, mas de todo o Direito.
O problema da “justiça” começa pela dificuldade em definir do que estamos falando, quando usamos este termo. Kelsen já havia deixado bem claro que o Direito não poderia ter uma vinculação direta ou mesmo promessa de justiça, uma vez que, em sua opinião, o homem e o Direito não poderiam chegar a uma incontestável concepção de verdade. Daí por que o refrão positivista de que a verdade no Direito é a verdade dos autos ou se restringe aos limites da lei (KELSEN, 2001).
O aparecimento das correntes doutrinarias que, em conjunto, têm sido chamadas de “instrumentalismo”, fazendo uma ousada oposição aos “formalismos” processuais trazem questionamentos interessantes sobre a possibilidade de que uma reforma processual traga maior grau de “justiça” para o Direito pátrio.
Os instrumentalistas seguindo orientações dos diversos ordenamentos jurídicos europeus e, além disso, das novas tendências do Direito Internacional, buscam aproximar as leis processuais da Constituição. Por isso que, essa corrente comumente associa Constituição a Direitos Fundamentais, o que tem levado a engendrar novas formas de conflitos uma vez que, todos, em princípio, são iguais perante a lei. Entretanto, é natural que essa busca por novos parâmetros de justiça acarrete desequilíbrios e até mesmo certa insegurança jurídica e, por outro, lado novos meios de resolver conflitos.
Essa confrontação doutrinária parte do pressuposto de que o positivismo jurídico não mais responde aos anseios de uma sociedade em profundas e rápidas transformações. Essas demandas estão bem demonstradas quando levadas ao âmbito jurisdicional e têm acarretado a necessidade de novas interpretações do direito escrito.
Não por acaso foram retomadas as polêmicas entre Chiovenda e Carnelutti a respeito de o juiz criar norma individual diante do caso concreto ou se ocorre apenas uma justa composição da lide respectivamente. Conceitos como: “Estado Legislativo” e “Estado Constitucional” retratam muito bem esta polêmica, quando, na literatura apontam para uma transformação da autoridade suprema da lei e de quem a proclama para uma nova interpretação do princípio da legalidade no sentido de trazer a validade da lei condicionada à sintonia com a Constituição. Nesse sentido ensina Marinoni:
A lei, como é sabido, perdeu o seu posto de supremacia, e hoje é subordinada à Constituição.
Agora é amarrada substancialmente aos direitos positivados na Constituição e, por isso, já constitui slogan dizer que as leis devem estar em conformidade com os direitos fundamentais, contrariando o que antes acontecia, quando os direitos fundamentais dependiam da lei (2013, p. 04).
O embate doutrinário ao qual estamos nos referindo não reside apenas em apontar falhas no modelo processual, constitucional e jurisdicional vigente. Atinge também a interpretação até então majoritária sobre os direitos constitucionais e das leis processuais. Por isso, procura desmontar mesmo o modelo vigente e implantar outra dogmática que traga novos parâmetros hermenêuticos, processuais e até jurisdicionais.
A crítica inicial aponta para o Estado Liberal e depois segue para o Estado de Direito e, com isso, atinge diretamente a Constituição. Esquecem tais críticos que foi o Estado Liberal e o Estado de Direito, depois de Nuremberg, veio a ser chamado Estado de Direito Democrático, que trouxe a garantia de proteção do indivíduo sobre as ações arbitrárias e nocivas do Estado.
Ocorre então uma crítica ao Direito e o Estado como se fossem entes de vida própria e não dependem dos condicionamentos e direcionamentos dados pela vontade humana. Tal percepção é muito evidente a exemplo da leitura do fenômeno em questão feita por Marinoni. Segundo o autor:
O positivismo jurídico é tributário dessa concepção de direito, pois, partindo da ideia de que o direito se resume à lei e, assim, é fruto exclusivo das casas legislativas, limita a atividade do jurista à descrição da lei e à busca da vontade do legislador.
O positivismo jurídico nada mais é do que uma tentativa de adaptação do positivismo filosófico ao domínio do direito. Imaginou-se, sob o rótulo de positivismo jurídico, que seria possível criar uma ciência jurídica a partir dos métodos das ciências naturais, basicamente a objetividade da observação e a experimentação. Se o investigador das ciências naturais pode, muito mais do que aquele que trabalha com o direito, despir-se dos seus sentimentos ao investigar, bem como realizar experimentos com base em procedimentos lógicos até concluir a respeito da verdade ou da falsidade de uma proposição, supôs-se que a tarefa do jurista poderia ser submetida a essa mesma lógica (2013, p. 11).
A mudança de paradigmas segue então um itinerário que é bem retratado por Marinoni. Sobre a crítica ao Estado Liberal e ao seu respectivo modelo de Jurisdição, aponta:
A tendência de defesa da esfera de liberdade do particular aliada à tese de que a apenas a supremacia da lei seria capaz de proteger esses direitos, deram naturalmente à jurisdição a função de proteger os direitos subjetivos dos particulares mediante a aplicação da lei.
Mais precisamente, a jurisdição tinha a função de viabilizar a reparação do dano, uma vez que, nessa época, não se admitia que o juiz pudesse atuar antes de uma ação humana ter violado o ordenamento jurídico. Se a liberdade era garantida na medida em que o Estado não interferia nas relações privadas, obviamente não se podia dar ao juiz o poder de evitar a prática de uma conduta sob o argumento de que ela poderia violar a lei. Na verdade, qualquer ingerência do juiz, sem que houvesse sido violada uma lei, seria vista como um atentado à liberdade individual (2013, p. 13 e 14).
O último ponto relevante desse debate doutrinário, que aqui nos interessa, é o problema da igualdade. Esse conceito que logo se torna princípio no decorrer da formação do Direito Moderno, sempre acarretou celeumas sobre o seu significado no universo jurídico. Tal debate acirrou-se e tomou novos rumos no decorrer do século XX entre as escolas liberais e as escolas socialistas. Tal dilema sempre esteve muito bem retratado na questão da igualdade entre as liberdades e igualdade material.
Atualmente o problema das liberdades individuais tem sido negligenciado sistematicamente, sendo a ênfase atribuída ao social, aos coletivos. Marinoni segue tal linha de interpretação e esclarece:
Após a análise realizada no item anterior, cabe verificar o que separa e o que identifica as teorias da proteção dos direitos subjetivos privados e da atuação da vontade da lei.
A atuação da vontade da lei revela a preocupação em salientar que a jurisdição exerce um poder voltado à afirmação do direito objetivo ou do ordenamento jurídico. O objetivo da jurisdição, nessa linha, passa a ter, antes de tudo, uma conotação publicista, e não apenas um compromisso com a proteção dos particulares, isto é, um compromisso privatista (2013, p. 15).
É nesse ambiente que o reconhecimento da mediação e arbitragem volta a merecer destaque. A arbitragem não é instituto desconhecido no Brasil. Seu primeiro reconhecimento tem registro na Constituição de 1824, com um histórico de regulamentação em lei que já vinha desde 1866.
Recentemente com diploma legal n° 9.307/96 traz nova regulamentação atualizada não só aos novos parâmetros constitucionais como também, aos anseios de um país que participa ativamente da internacionalização do comércio.
Em Teoria Geral do Processo, Marinoni (2013) aborda o tema da Arbitragem sob o título: “Jurisdição Voluntária, Distribuição da Atividade Jurisdicional (Competência) e Arbitragem”.
Sob a ótica do conceito de “jurisdição voluntária” desenvolve argumentação no sentido de mostrar a relação e fundamentação da Arbitragem do CPC. Elenca os artigos 890 ao 1.102-C e o 1.103 ao 1.210 como basilares. De fato reza art. 1.103 que: “Quando este Código não estabelecer procedimento especial, regem a jurisdição voluntária as disposições constantes deste Capítulo” (2014, p. 650).
Em seguida, demonstra importante polêmica causada pela posição de Chiovenda, quanto à jurisdição voluntária. Segundo Marinoni:
Para Chiovenda, o provimento da jurisdição voluntária, como ato de pura administração, não produz por se coisa julgada. É interessante lembrar, de fato, a inexistência, que possui fundamento chiovendiano e mesmo pós-chiovendiano, no sentido de que só há jurisdição onde há provimento capaz de produzir coisa julgada material. Entretanto, a ideia de ligar jurisdição a coisa julgada material, que deu origem ao “mito da coisa julgada”, está destinada a desaparecer em vista das novas exigências do mundo contemporâneo, que não mais podem esperar a ”coisa julgada material” (isto é, a declaração relevante, que somente pode ser produzida pela cognição exauriente) para a realização dos direitos. [...] A jurisdição não é indissociável da coisa julgada material. As decisões da “jurisdição voluntária”, embora não sujeita à coisa julgada material, têm estabilidade, apenas podendo ser desconstituídas mediante ação em que se alegue e demonstre vício grave (2013, p. 154, 155).
III - A Arbitragem, Mediação e Conciliação
Arbitragem é uma jurisdição delegada pela lei 9.307/96 que posteriormente sofre alterações ou complementações através de outros diplomas legais tais como: Decreto: 4.311, de 23-07-2002 que promulga a Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras – Convenção de Nova York; Decreto 4.719 de 04-06-2003 que promulga o Acordo Sobre Arbitragem Comercial Internacional do MERCOSUL.
Tal Instituto trata de bens disponíveis de natureza jurídica contratual baseada na livre manifestação da vontade das partes envolvidas. Na lição de Scavone Junior “a Arbitragem pode ser definida como o meio privado e alternativo de solução de conflitos referentes aos direitos patrimoniais e disponíveis através do árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral” (2010, p 15). Segundo o autor:
[...] entre as varias teorias que tentam explicar a natureza da jurisdição voluntaria, destaca-se como majoritária na doutrina a que se poderia denominar “teoria clássica", segundo a qual a jurisdição voluntaria não teria natureza de jurisdição, mas sim de função administrativa Para os defensores dessa teoria, a jurisdição voluntaria não poderia ser tida como verdadeira jurisdição por não ser destinada a compor lides,35 ou por não ser substitutiva,36 ou ainda por não ter natureza declaratória, mas constitutiva, isto e, por não ser a jurisdição voluntaria voltada para a atuação de direitos preexistentes, mas sim a criação de novas situações jurídicas.37 Sobre a jurisdição voluntaria, disseram ainda os defensores desta teoria clássica, também chamada administrativista, que não seria jurisdição, uma vez que os provimentos emitidos pelo Estado nessa hipótese não alcançam em nenhum momento a autoridade de coisa julgada 38 Segundo esta teoria administrativista, na jurisdição voluntaria não se poderia falar em processo, havendo ali mero procedimento,39 não se podendo falar em partes, mas em interessados (2010, p. 75)
Seguindo o entendimento de Luiz Fernando do V. de A. Guilherme, em: “Manual de Arbitragem” (2012) existem três tipos de autocomposição: a submissão, a desistência e a transação. Enquanto na desistência ocorre a renúncia do interesse, na desistência evidencia-se a renúncia à resistência e na transação ocorre um negócio jurídico bilateral onde concessões mútuas favorecem a extinção do conflito. Em seguida afirma o autor São espécies de heterocomposição: a arbitragem e a jurisdição (2012, p. 30).
Polêmica conceitual verifica-se também na definição da Natureza Jurídica da arbitragem. Não é pacífica a essência da arbitragem, formando-se a esse respeito três correntes. Segundo Almeida Guilherme:
a esse respeito três correntes, muito bem descritas por J.E. Carreira Alvim: uma privatista (ou contratualista), sendo Chiovenda o precursor; outra, publicista (ou processualista), com Mortara à frente; e a intermediária (ou conciliadora), tendo expoente Carnelutti. [...] Portanto a definição a definição da natureza jurídica da arbitragem parece ser eminentemente contratual, contracenando com seu aspecto jurisdicional, haja vista que este instituto resulta de vontade entre as partes, ou seja, constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral (2012, 33, 34).
Diversos são os princípios que fundamentam o instituto e orientam a atividade da arbitragem: princípio da autonomia da vontade, da obrigatoriedade da convenção, da relatividade dos efeitos do contrato, do princípio da boa-fé, da confidencialidade, da competência. Quanto á classificação a arbitragem define-se em: facultativa e obrigatória, formal e informal, de direito e de equidade, ad hoc e institucional, interna e internacional.
Conceitos que se fazem necessários em qualquer estudo sobre arbitragem são: cláusula arbitral e compromisso arbitral. Segundo Almeida Guilherme:
A cláusula arbitral é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter á arbitragem os litígios eventualmente derivados do contrato. É, pois, a cláusula compromisso, necessariamente escrita, ainda, que em forma de pacto adjecto, e dela não poderá fugir [...]. Prevê ainda a lei que a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato, de modo que mesmo ocorrendo nulidade ou outros vícios não implicam, necessariamente nulidade da cláusula compromissórias. [...] Compromisso arbitral é a convenção bilateral pela qual as partes renunciam à jurisdição estatal e se obrigam a se submeter à decisão de árbitros por elas indicados [...] (2012, p. 79, 80).
No mesmo sentido segundo Scavone Junior:
Convenção de arbitragem é gênero do qual são espécies a cláusula (ou cláusula compromissória) e compromisso arbitral. [...] cláusula arbitral, spécie de convenção de arbitragem mediante a qual os contratantes se obrigam a submeter seus futuros e eventuais conflitos que possam surgir do contrato á solução arbitral. [...] O compromisso arbitral nada mais é a convenção de arbitragem mediante o qual as partes pactuam que o conflito já existente entre elas será dirimido através da solução arbitral e pode ser:
a) Judicial, na medida em que as partes decidem colocar termo no procedimento judicial em andamento e submeter o conflito à arbitragem; e,
b) Extrajudicial, firmado depois do conflito, mas antes da propositura de ação judicial (2010, p, 70, 71, 76).
Em seu livro “Acesso á Justiça”, Dr., Wilson Alves apresenta juntamente com sua vasta experiência de magistrado conceitos e problemas da justiça que, quando refletidos à luz da experiência da vida cotidiana tomam consistência e significados reais. Segundo o autor: “o juiz arbitral é uma forma alternativa de solução de conflitos” (2011, 73). Mas não é somente isso que incomoda as discussões sobre jurisdição, acesso à justiça e o significado do que é justiça. Problemas como: celeridade, segurança, taxa judiciária, assistência jurídica gratuita. Nesse contexto a mediação e a conciliação ganham espaço no universo dos modelos de justiça alternativos. Segundo boletim n. 34 do site www.ibape-mg.com.br:
Convém observar que nos Estados Unidos, apenas 5% dasdemandas judiciais obtém sentença conclusiva de um juiz. 50%terminam abandonadas pelas partes, sendo que os 45% restantes são resolvidos por acordo entre as partes, após negociação, ou pelo uso dos meios alternativos. Para solucionar estes e outros transtornos, buscando o ideal da Justiça ágil, presente e efetiva, sem a utilização do poder judiciário, foram criados mecanismos como a negociação, a mediação, a conciliação e a arbitragem. [...]
A Mediação é um processo voluntário, confidencial e pacífico
de resolução de conflitos, em que um terceiro (pessoa neutra), o
mediador, auxilia as partes, de forma simples e participativa, a
encontrarem elas mesmas uma solução para a questão, a fim de
que a mesma satisfaça a todos. [...]
A Arbitragem é a intervenção imparcial de um ou mais árbitros
com poder de decisão pautada em julgamento dos fatos à luz de uma estrutura legal e de procedimento. Decisão esta, sem intervenção estatal e destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial (2013, p. 20).
Também na lição de Fredie Didier, segundo a Resolução n° 125/2010:
Esta resolução, por exemplo: a) institui a política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses (art. 1°); b) define o papel do Conselho Nacional de Justiça como organizador desta política pública no âmbito do Poder Judiciário (art. 4°); c0impõe a criação, pelos tribunais, dos centros de solução de conflitos e cidadania (art. 7°); d) regulamenta a atuação do mediador e do conciliador (art. 12), inclusive criando o seu Código de Ética 9anexo à Resolução); e) imputa aos tribunais o dever de criar, manter e dar publicidade ao bando de estatísticas de seus centros de solução de conflitos e cidadania (art. 13); f) define o currículo mínimo para o curso de capacitação dos mediadores e conciliadores (2013, p. 218).
Ainda na lição do mesmo autor:
Mediação e conciliação são formas de solução de conflito pelas quais um terceiro intervém em processo negocial, com a função de auxiliar as partes a chegar à auto composição. Ao terceiro não cabe resolver o problema, como acontece na arbitragem: o mediador/conciliador exerce um papel de catalisador da solução negocial do conflito. Não são, por isso, espécies de heterocomposição do conflito; trata-se de exemplos de autocomposição, com participação de um terceiro (DIDIER, 2013, p. 219).
IV - Conclusão
A intensidade com a qual o tema da mediação e da arbitragem vem se desenvolvendo no Brasil é razoável quando olhamos o nosso próprio histórico. Porém, qualquer aproximação através de um estudo em Direito comparado irá mostrar a nossa defasagem na implantação de uma cultura sobre o tema.
Os impasses que hoje caracterizam a justiça brasileira não são frutos do acaso. Como foi apontado no início deste trabalho, o clamor dos juristas entre os anos 90 e início dos anos 2000, a pregação e militância no sentido judicializar conflitos, levou à cultura do processar o outro como forma, inclusive, de exercício da cidadania.
Agora que a concepção de ter direitos aumenta na mesma velocidade da difusão da comunicação, a justiça tradicional não tem como dar respostas para essa procura.
Uma nova economia da justiça se faz necessária. É evidente que esse novo modelo já está sendo construído. A questão é sua velocidade por conta dos obstáculos mantidos pelos velhos paradigmas sobre justiça, judiciário, judicialização, jurisdição etc.
Nesse sentido, as propostas referentes aos institutos da mediação e da arbitragem seguem tendência de reformulação da economia da justiça, capitaneadas pelas correntes do neoprocessualismo e neoconstitucionalismo. Talvez a questão ainda pendente, que tanto já se arguiu e que, uma vez respondida, seria parâmetro certeiro para todo o resto é a pergunta: o que é justiça?
Bibliografia
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ALVES da SILVA, Paulo Eduardo Solução “Solução de Controvérsias: Métodos Adequados para Resultados Possíveis e Métodos Possíveis para Resultados Adequados”. In: (Coord.) ALBERTO se SALES, Carlos; GARCIA LOPES LORENCINI, Marco Antônio; ALVES da SILVA, Paulo Eduardo Negociação, Mediação e Arbitragem. São Paulo: Ed. Gen, 2013
ALVES de SOUZA, Wilson Acesso à Justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011
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DIDIER Jr., Fredie Curso de Direito: Processo Civil. Salvador: Juspodium, vol. 1, 2013
MARINONI, Luiz Guilherme Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 1, 2013
______________________ Jurisdição no Estado Constitucional. www.marinoni.adv.br/ acesso: 26/09/2013
SACAVONE JUNIOR, Luiz Antonio Manual de Arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010
Osvaldo Bastos Neto é Bacharel em Ciências Sociais UFBA, Mestre em Sociologia UFBa, Acadêmico de Direito FBB, Professor em Cursos de Direito e Serviço Social. Autor de Livros, Crônicas e artigos científicos.
Bacharel em Direito - FBB; Bacharel em Ciências Sociais - UFBa; Mestre em Sociologia - UFBa; Professor universitário e de faculdades; Atualmente leciona em cursos de graduação: Direito e Serviço Social; Leciona em cursos de pós-graduação: Agência Brasileira de Análise Criminal - ABACRIM, Curso de Especialização em Segurança Pública - (CESP-PMBa), Curso de Especialização em Gestão Estratégica de Segurança Pública - (CEGESP-PMBa); Autor de Livros especializados, artigos acadêmicos e crônicas. Coordenador do Observatório de Estudos Criminais - Salvador - Ba.; Coordenador do Seminário em Direito Penal, Literatura e Hermenêutica: Coordenador Adj. do Curso de Especialização em Ciências Criminais e Sistemas Prisionais - Dom Petrum.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Osvaldo de Oliveira Bastos. Da Mediação e Conciliação e Da Arbitragem: Acesso à Justiça e Modelos de Jurisdição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43480/da-mediacao-e-conciliacao-e-da-arbitragem-acesso-a-justica-e-modelos-de-jurisdicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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