RESUMO: Passados 26 anos da Constituição de 1988 a democracia brasileira vive um impasse. Como efetivar os direitos fundamentais? O golpe de 1964 e o tortuoso processo de redemocratização revelam algo mais que um tempo de lutas pela liberdade. A Justiça Social parece cada dia mais distante do povo. Ao mesmo tempo a classe dominante não vislumbra desenvolver o país a partir das premissas de oportunidade e capacidades humanas que permitam a superação da pobreza, a educação de qualidade, e o combate à miséria e ao debate profícuo. Prefere-se apostar em ações de pobreza de espírito, sem que se ofereça alternativas de unam norte e sul, leste e oeste em torno do projeto nacional que contemple a diversidade. Portanto a política como campo de legitimidade e ética está contaminada por grupos econômicos e clãs financiadores e beneficiários de campanhas milionárias que ajudaram a eleger representantes hoje ilegítimos. Assim a fonte da corrupção está na raiz da simbiose público-privado que mantém os “donos do poder” com o status quo do passado e do presente. Ao mesmo tempo em que se aposta no impeachment como instrumento para manter as desigualdades. Portanto como campo jurídico-político trata-se de mecanismo imediatista. E os que apostam na medida extrema sem que se ofereça ao povo o seu lugar ao sol mediante alternativas de mudança social. Nesse diapasão analisaremos neste artigo a relação entre o impedimento e o conflito de classes como embate relacionado muito mais ao autoritarismo que as regras democráticas.
Palavras-chave: Impeachment; “Cordialidade”; Autoritarismo; Democracia.
1. INTRODUÇÃO
A crise ronda os poderes pelo País adentro, desde a famigerada lista de políticos investigados por supostos atos de corrupção, empresários ligados à empreiteiras. Ao mesmo tempo se apontam culpados, se discute a extensão da responsabilidade por atos de improbidade administrativa ao longo de décadas de governos de direita, centro e esquerda. Indaga-se até onde se vai a culpa daqueles que prometem “maravilhas” em períodos eleitorais e acabada a eleição demagogicamente buscam culpar até mesmo os santos pela crise. Não reconhecem a mentira política como um mal que aflige nossa democracia. Ao mesmo tempo descontentes ávidos por mudança para manter seu poder econômico querem trocar “seis por meia-dúzia” num fulminante impeachment e como se fosse possível passando pela soberania popular num passe de mágica se colocaria no trono o seu candidato preferido mas que nem sempre próximo do desejo da maioria. Ou seja, primeiro se retira quem não se deseja depois se volta ao velho “Pão e Circo” dos domingões e do futebol.
2. O IMPEACHMENT COMO INSTRUMENTO POLÍTICO-JURÍDICO
À luz da questão em análise vejamos inicialmente o entendimento do significado do termo impeachment:
[...] processo político-criminal instaurado por denúncia no Congresso para apurar a responsabilidade, por grave delito ou má conduta no exercício de suas funções, do presidente da República, ministros do Supremo Tribunal ou de qualquer outro funcionário de alta categoria.
[...] este mesmo processo, no nível estadual, em que é apresentada denúncia à Assembleia Legislativa com o fim de destituir o governador do seu cargo;
[...] processo semelhante, no nível municipal, em que se apresenta denúncia à Câmara de vereadores com a finalidade de destituir o prefeito.
[...] na verdade, segundo seus matizes semânticos, corresponde a: desacreditamento, descredenciamento, despojamento, apeamento etc, e na acp. Jur impedimento, destituição [...]. (HOUAISS, 2001, p. 1578)
A administração pública é regida pelos princípios do art. 37, caput da carta Magna entre os quais a impessoalidade, publicidade, legalidade, moralidade e eficiência. No entanto a crise de legitimidade institucional se revela próxima da “cordialidade” que aposta mais na prática da lei pelo o povo e não para o povo. Especialmente pela cultura patrimonialista, personalista que regem as relações público-privadas nos negócios. (HOLANDA, 1995). Assim, moralidade e eficiência se tornaram palavras utópicas na história republicana e na vida política brasileira.
Mas vejamos mais a fundo acerca do instituto do impeachment e seus desdobramentos a partir dos artigos seguintes: 51, inciso I; 85, I a VII e parágrafo único; 86, e 102, I, b. Todos da Constituição Federal de 1988:
Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
I. autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado.
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I. a existência da União;
II. o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III. o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV. a segurança interna do país;
V. a probidade na administração;
VI. a lei orçamentária;
VII. o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
§ único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por 2/3 da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o STF, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade;
Art. 102. Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República.
Assim uma vez admitida os crimes praticados à luz da lei 8.429/92 por agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional conforme previsão dos art. 1º a 11 da lei especial supracitada estaria por exemplo o Presidente sujeito a abertura, processo e julgamento de Impeachment em tese pela violação as normas e regras norteadoras do exercício da função.
No entanto diante da crise de legitimidade que assola as instituições e começa no financiamento privado de campanha, como discernir hoje quem é beneficiário de campanhas milionárias e quem é santo para depois de eleito não agradar seus padrinhos e apadrinhados? Só a Justiça pode ajudar a desvendar esse mistério. Mas certamente não são poucos os beneficiários, é aguardar o listão do Ministério Público Federal e as investigações na CPI da Petrobrás para ver o “santo” que atira a primeira pedra.
3. O CONFLITO DE CLASSES: AUTORITARISMO X DEMOCRACIA
Enquanto se discute os culpados e possíveis crimes de corrupção na Petrobrás. Observa-se uma tendência de setores organizados em fazer um julgamentos sumários de culpados pelo descontentamento com o resultado das eleições. No desejo de rapidamente fazer a justiça com as próprias mãos típico do passado autoritário que permanece presente na sociedade brasileira fruto da ditadura civil-militar de 1964-1985. Ao invés de deixar que o Judiciário faça sua parte sem pressão e dentro da legalidade.
Aposta-se no Impeachment como saída rápida para se possível manter o ódio de classes, especialmente culpando os pobres pelas escolhas democráticas nas urnas, como se o povo democraticamente não fosse capaz de avançar nas mudanças que o País precisa sem que se dê oportunidade de decidir sobre o que é melhor para sua vida. No entanto esses setores descontentes não estão preocupados em dar oportunidades e capacidades aos desprovidos dos direitos fundamentais básicos, mas apenas em controlar o poder. Para isso alimenta-se o velho ódio entre riqueza e pobreza, numa utopia entre “civilidade e barbárie” nos trópicos, sem projetos viáveis para o País.
CONCLUSÃO
Certamente se a mesma classe dominante com seus fartos recursos apostassem em educação de qualidade nosso país teria outra realidade social e política. Mas os “donos do poder” colhem hoje justamente os frutos da sua opção por manter e perpetuar a velha política do “Pão e Circo”. Especialmente nos domingões e meios de semana e tudo acaba em “cerveja e futebol”. Portanto vislumbram a solução “coelho na cartola” como caminho para manter seus privilégios.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 01 de mar. 2015.
_______.Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm>. Acesso em 01 de mar. 2015.
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001.
Advogado, Membro da ABRAFI, membro do IBDH. Doutor em Direito - FADISP.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOBRINHO, Afonso Soares de Oliveira. O impeachment e o conflito de classes: autoritarismo x democracia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43484/o-impeachment-e-o-conflito-de-classes-autoritarismo-x-democracia. Acesso em: 23 dez 2024.
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