Resumo: Este artigo pretende analisar e apontar os argumentos que justificam a existência da solidariedade nos contratos de construção entre o agente financiador e a construtora na presença de defeitos na obra objeto do contrato.
Palavras-chave: Responsabilidade Solidária; Agente Financiador; Construtora; Defeitos em Obras.
Sumário: Introdução; 1. Do contrato de compra e venda e contrato de financiamento; 2. Da conexão contratual e do contrato misto; Conclusão; Referências Bibliográficas.
Introdução
A não previsão expressa da solidariedade, como exigido no Código Civil vigente, foi o grande obste, gerador do afastamento absoluto da possibilidade de responsabilização solidária do agente financiador para com a construtora em virtude de defeito na obra.
Ocorre que, a manutenção de tal posicionamento inviolavelmente selado prejudicava nítida e avassaladoramente o adquirente do imóvel financiado, parte no contrato de financiamento, mas alheio ao contrato da financiadora para com a empresa responsável pela edificação da obra, uma vez que, a empresa construtora poderia deixar de existir ou simplesmente declarar falência com incômoda facilidade, tornando quase impossível uma reparação em caso de defeito na obra realizada pela mesma.
Diante da clara lesão que tal entendimento causava à parte hipossuficiente da relação contratual, importante entendimento, consolidado por decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, nasceram dispondo de maneira diversa sobre a solidariedade entre agente financiador e construtora em alguns casos.
Tal entendimento viabilizador da configuração da solidariedade entre ambas as partes passará a ser exposto.
1. Do Contrato de Compra e Venda e do Contrato de Financiamento
Sendo um dos mais antigos anseios e uma das mais notórias necessidades humanas, possuir uma moradia sempre foi uma questão presente nas sociedades modernas.
Tamanha a importância da moradia para a ordem social que a mesma encontra-se constitucionalmente assegurada dentro dos direitos fundamentais, especificamente disposta nos direitos sociais, senão vejamos:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. ”
O financiamento de imóveis é uma das maneiras encontradas, atualmente, mais utilizadas para dar concretude ao texto constitucional que salvaguarda o direito de moradia.
O contrato de financiamento, limitado à presente temática, tem como partes o cliente, o financiado, e uma instituição bancária, a financiadora, tendo um fim específico e pré-determinado para utilização do recurso tomado, no caso in tela a aquisição de bem imóvel.
Vital esclarecer que, para a realização do contrato de financiamento faz-se necessária a existência de um contrato de compra e venda, tendo como cerne do negócio jurídico o bem imóvel a ser futuramente financiado, definido pelo Código Civil em seu artigo 481 da seguinte forma:
“Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro. ”
Ocorre que, o agente financiador não edifica obras, via de regra, limitando-se a adquiri-la, já pronta, através da compra, e financiando-a a posteriori.
Uma vez que, o agente financiador não tem participação na construção da obra, limitando-se à questão somente financeira com o financiado, a este era afastada a responsabilidade solidária com a construtora pelos defeitos na obra, haja vista que, a solidariedade só resulta da lei ou da vontade das partes, sendo vedada a sua presunção por conta do artigo 265 do Código Civil.
2. Da conexão contratual e do contrato misto
Para que haja a existência do contrato de financiamento é necessária a prévia existência de um contrato de compra venda entre o agente financiador, tendo como objeto o imóvel a ser posteriormente financiado.
Ocorre que, ambos contratos, aparentemente distintos e independentes entre si, são permeados pelo fenômeno doutrinariamente conhecido como “conexão contratual”, uma vez que, tem o mesmo objeto e possuindo correlação existencial.
Sobre a “conexão contratual” discorre Mamede:
Essa conexão entre contratos conduz a uma comunicação entre faculdades e obrigações, ou seja, a prestação disposta numa relação contratual transcende os limites dos planos restrito daquele negócio, podendo ali encontrar um outro credor ou devedor, conforme as circunstâncias de cada caso.
Não se trata de uma situação jurídica que comporte uma equação abstrata aplicável genericamente a todos os casos. Sua fonte primordial é o cenário fático de cada situação, decorrendo das particularidades de um fato dado em concreto, conforme a avaliação do julgador.[1]
A maneira como o contrato de compra e venda se conecta ao contrato de financiamento e vice e versa é um dos principais argumentos que ensejam a responsabilização do agente financiador com relação aos defeitos na obra por ele financiada e edificada pela construtora.
Em igual objetivo é aplicada a classificação dos contratos de financiamento como sendo “contratos mistos”, para que se resolva a questão da necessidade de atendimento ao teor do artigo 265 do Código Civil, qual seja, a expressa previsão legal ou acordo entre as partes para configuração da solidariedade.
Necessário definir o que vem a ser um contrato misto, e sobre tal tema versa Pinto:
O contrato misto é formado de elementos típicos de vários contratos, reunidos em um único, num conjunto harmônico em que seus elementos se coordenam e se fundem em função de uma causa única. São formados de partes cuja disciplina foi estabelecida pela lei, mas cuja combinação não foi por ela prevista. Para que exista contrato misto é necessário que as causas das várias prestações se fundam em uma só causa, a causa dos contratos complexos; não há contrato único com pluralidade de causas. Para isso é preciso que o conjunto de elementos formadores tenha uma função única. Dentre os contratos atípicos só podem ser considerados mistos aqueles em que duas ou mais prestações autônomas, queridas cada uma em função típica, se acham reunidas por conexão econômica suficiente para determinar a unidade do contrato, que tem assim uma causa mista.[2]
Encontrando apoio em tais teorias foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça decisão na qual se estabeleceu a solidariedade entre construtora e agente financiador em razão de defeito na obra. Segue a ementa de tal decisão:
SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DE OBRA E DE MÚTUO. RESPONSABILIDADE DO AGENTE FINANCEIRO. AGRAVO IMPROVIDO.
I - Não há como afastar a responsabilidade solidária que existe entre o agente financeiro e o construtor pela solidez e segurança dos imóveis construídos com financiamentos do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, quanto mais nos casos em que há 2 (dois) contratos que se relacionam entre si, quais sejam, um de financiamento da obra e outro de financiamento imobiliário.
II - Ao repassar recursos para a construção de moradias, a Caixa Econômica Federal - CEF acompanha e fiscaliza toda a sua execução, até porque a liberação do dinheiro se encontra vinculada ao linear andamento da a obra.
III - Os defeitos construtivos que sejam prejudiciais à habitação do prédio devem ser reparados sob a responsabilidade de ambos, agente financeiro e construtor, vale dizer, no caso presente a Caixa Econômica Federal - CEF e a Construtora Santos Carmagnani. Nesse sentido é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica do seguinte acórdão, a título de exemplo: "PROMESSA DE VENDA E COMPRA. AQUISIÇÃO DE UNIDADE HABITACIONAL MEDIANTE FINANCIAMENTO (SFH). VÍCIOS DA CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE DE PARTE DO AGENTE FINANCEIRO. CONTRATOS DE CONSTRUÇÃO E DE FINANCIAMENTO. INTERDEPENDÊNCIA. - O agente financeiro é parte legítima na ação de resolução contratual proposta por mutuários em virtude de vícios constatados no edifício, dada a inequívoca interdependência entre os contratos de construção e de financiamento. -"A obra iniciada mediante financiamento do Sistema Financeiro da Habitação acarreta a solidariedade do agente financeiro pela respectiva solidez e segurança"(REsps n. 51.169-RS e 647.372-SC). Recurso especial conhecido e provido." (REsp 331340 - Relator Ministro Barros Monteiro - 4ª Turma - j. 02/12/04 - v.u. - DJ 14/03/05, pág. 340). IV - Agravo improvido.
Conclusão
Neste artigo, vimos que, embora ainda seja entendimento majoritário, por conta do disposto no artigo 265 do Código Civil, atualmente é possível a configuração da solidariedade, ainda que não legal ou convencionada entre as partes, entre o agente financiador e a empresa construtora na presença de defeito na edificação.
Tal possibilidade encontra respaldo na teoria da “conexão contratual” e na teoria dos “contratos mistos”, abrindo precedentes, por decisões proferidas por órgãos judiciais, dentro o qual se destaca o Supremo Tribunal de Justiça.
A justificativa para a aplicação de tal entendimento nasce com a necessidade do cumprimento de preceitos constitucionais basilares, visando salvaguardar o direito do financiado, parte contratual mais frágil, em caso de defeito na obra edificada pela construtora, financiada pelo agente financiador e por ele adquirida.
Referências bibliográficas
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP 51.169/RS Relator Desembargadora Federal Cecília Mello, 2ª Turma, 3ª Região. Julgado em 30/03/2010.
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: teoria geral dos contratos. 1. Ed. São Paulo: Atlas. 2010, v.5.
PINTO, Paulo J. da Silva. Dos contratos atípicos. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/645/23.pdf> Acesso em 19 jun. 2014.
RABELLO, Fernando. Vícios de construção do imóvel financiado: conexão contratual e responsabilidade do agente financiador. Revista CEJ, Brasília, Ano XVII, n. 59,jan/abr. 2013.
[1]MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: teoria geral dos contratos. 1. Ed. São Paulo: Atlas. 2010, v.5, p. 16-17.
[2]PINTO, Paulo J. da Silva. Dos contratos atípicos. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/645/23.pdf> Acesso em 19 jun. 2014.
Advogada (graduada na Faculdade Municipal de Direito de Franca e pós-graduanda em Contratos pelo INAGE - USP Ribeirão Preto/SP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIM, Eline Luque Teixeira. A responsabilidade solidária entre agente financiador e construtora por defeitos em obras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 mar 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43632/a-responsabilidade-solidaria-entre-agente-financiador-e-construtora-por-defeitos-em-obras. Acesso em: 23 dez 2024.
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