Resumo: O presente artigo tem por objetivo a análise dos princípios constitucionais aplicáveis às empresas estatais e os seus reflexos nas relações trabalhistas, tendo em vista que o § 1º do art. 173 da Constituição dispõe que as empresas estatais e suas subsidiárias ficam submetidas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive, quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
Palavras-chave: princípios constitucionais; empresas estatais; relações trabalhistas.
1. Introdução:
Segundo Alexandre de Moraes, a Administração Pública pode ser definida, em seu sentido objetivo, como a atividade concreta, direta e imediata que o Estado desenvolve para assegurar os interesses coletivos e, subjetivamente, como o conjunto de órgãos e de pessoas aos quais a Lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.
A Administração Pública é, portanto, em seu sentido subjetivo, o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Ela é dividida em Administração Pública Direta e Administração Pública Indireta.
A Administração Pública Direta compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, entes políticos aos quais são constitucionalmente atribuídas as funções administrativas. Portanto, a Administração Pública Direta é composta pelos órgãos internos do Estado.
Porém, o direito permite que o ente político atribua uma parcela de suas competências administrativas a outros sujeitos de direito, criados diretamente por lei ou mediante autorização legal. Tais pessoas jurídicas não são entes políticos, nem titulares de poderes atribuídos diretamente pela Constituição Federal, mas meras pessoas jurídicas administrativas que recebem as suas competências de modo indireto, por decisão infraconstitucional das pessoas políticas, e constituem a chamada Administração Indireta.
A criação da Administração Indireta teve origem em razões meramente técnicas, relacionadas ao princípio da eficiência administrativa, uma vez que o acúmulo de todas as competências no âmbito do ente político gerava dificuldades na gestão pública, em razão da demora da tomada de decisões e nas suas execuções, em razão da burocracia inerente à Administração Direta.
Portanto, a Administração Pública Indireta é o conjunto de pessoas administrativas que vinculadas à respectiva Administração Direta, têm o objetivo de desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada. Há, nesse caso, a transferência de poderes e atribuições a outro sujeito de direito distinto e autônomo que pode ser uma pessoa jurídica de direito público ou de direito privado.
A Administração Pública Indireta é formada, tradicionalmente, pelas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas, além das suas subsidiárias.
Conforme a Lei nº 11.107, de 06/04/2005, também os consórcios públicos que sejam constituídos sob a forma de associações públicas integram a Administração Indireta, uma vez que se enquadram como autarquias.
Portanto, as empresas públicas e sociedades de economia mista fazem parte da Administração Indireta e são pessoas jurídicas de direito privado criadas para o exercício de atividades gerais de caráter econômico ou a execução de prestação de certos serviços públicos pelo Governo.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro dispõe o seguinte acerca das empresas públicas e sociedades de economia mista:
“Quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista, há de se entender que todas elas foram incluídas no conceito constitucional de ‘administração indireta’, sejam elas prestadoras de serviços públicos ou de atividade econômica de natureza privada, que é o sentido comum, que se vulgarizou, apesar da conceituação falha contida no artigo 5.º, II e III, do Decreto-lei n.º 200. Caso contrário, chegar-se ia ao absurdo de excluir as empresas prestadoras de serviços públicos ao alcance de determinadas normas constitucionais que são mais importantes precisamente com relação a elas: é o que ocorre com a norma do artigo 37, que estabelece os princípios da Administração Pública.
Ficaram, no entanto, excluídas da expressão ‘administração indireta’ as empresas estatais sob controle acionário do Estado, mas que não têm natureza de empresas públicas ou sociedades de economia mista; quando quis alcançá-las, o constituinte as mencionou expressamente, como nos artigos 22, XXVII, 71, II; a maioria delas desempenha serviços públicos, incluindo-se na categoria de concessionárias de serviços públicos.
Em resumo, a Constituição usa a expressão ‘administração indireta’ no mesmo sentido subjetivo do Decreto-lei n.º 200, ou seja, para designar o conjunto de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, criadas por lei, para desempenhar atividades assumidas pelo Estado, sejam como serviço público, seja a título de intervenção no domínio econômico.”
A criação das empresas estatais deve ser autorizada por lei específica, nos termos do art. 37, XIX, da Constituição Federal. Vejamos:
Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;
Assim como a criação, a extinção das empresas estatais também deve ser autorizada por lei, em conformidade com a teoria da simetria.
Tais estatais também podem possuir empresas subsidiárias que são aquelas cujo controle e gestão são atribuídos a alguma sociedade de economia mista ou empresa estatal.
2. Dos princípios constitucionais aplicados às empresas estatais e seus reflexos nas relações trabalhistas:
Conforme o art. 173 da Constituição Federal, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só é permitida quando for necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Quando o Estado exerce tais atividades econômicas, é necessário que haja uma maior flexibilidade, sem a burocracia inerente às pessoas jurídicas de direito público e por isso as empresas estatais constituem pessoas jurídicas de direito privado.
O § 1º do artigo 173 da Constituição dispõe que as empresas estatais e suas subsidiárias ficam submetidas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive, quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
Em razão de tal dispositivo da Constituição Federal, as empresas estatais, bem como as suas subsidiárias, tem as suas relações de emprego regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, tais entidades ficam submetidas ao mesmo regime jurídico das empresas privadas quanto aos direitos e obrigações trabalhistas.
No entanto, tais empresas estatais, por integrarem a Administração Pública Indireta, possuem um regime híbrido, pelo qual, de um lado, sofrem o influxo de normas de direito privado enquanto exploradora de atividades econômicas, e de outro se submetem às regras de direito público quanto aos efeitos de sua relação jurídica com o Estado. Tal regime híbrido ao qual estão submetidas as empresas estatais, apresentam vários reflexos na relação empregatícia existente no âmbito de tais entidades.
Ocorre que a Administração Pública é regida por vários princípios jurídicos, uns de nível constitucional e outros inseridos nas diversas leis que cuidam da organização dos entes federativos.
Os princípios constitucionais que regem a Administração Pública constam do art. 37, caput, da Constituição Federal e se impõe à todas as esferas federativas e abrangem tanto a Administração Pública Direta quanto a Indireta. São eles os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.
O princípio da legalidade administrativa tem, para a Administração Pública, um conteúdo mais restritivo do que o da legalidade geral aplicável à conduta dos particulares. Segundo o princípio da legalidade administrativa, a atuação da Administração estará limitada estritamente ao que dispuser a lei.
O princípio da impessoalidade possui duas acepções, a da finalidade e a da vedação à promoção pessoal do administrador público. A acepção da finalidade diz que a atuação da Administração deve ter como objetivo o interesse público, decorrente implícita ou explicitamente da lei, sendo nulo o ato praticado com desvio de tal finalidade. Portanto, é nulo o ato administrativo praticado a fim de favorecer, perseguir ou discriminar agentes públicos ou administrados.
A acepção da vedação pessoal proíbe que o agente público se promova às custas das realizações da Administração Pública.
O princípio da moralidade administrativa diz que os atos administrativos devem ser sempre pautados na probidade, ética objetiva e boa-fé. O ato contrário à moral administrativa deve ser declarado nulo.
O princípio da publicidade possui dois sentidos. O primeiro é a necessidade da publicidade em órgão oficial do ato administrativo que deva produzir efeitos externos ou que implique em ônus para o patrimônio público, como requisito de sua eficácia.
O outro sentido dado ao princípio da publicidade é a exigência da transparência da atuação administrativa, ou seja, o ato administrativo deve ser motivado, de forma que seja possível o controle da sua legitimidade pelos administrados e órgãos de controle.
O princípio da eficiência diz respeito tanto à excelência e produtividade do agente público no desempenho das suas atribuições, quanto ao modo racional de estruturar e organizar os órgãos e entidades da Administração Pública, no intuito de alcançar ótimos resultados na prestação de serviços.
Portanto, tanto a Administração Pública Direta quanto a Indireta devem respeitar os princípios constitucionais acima mencionados, inclusive as empresas estatais.
Tais princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública Indireta refletem no âmbito das relações trabalhistas dessas empresas estatais, desde a exigência da contratação de pessoal por meio de concurso público, a vedação de acumulação de cargos, até o encerramento do contrato de trabalho, principalmente, no caso da justa causa.
3. Conclusão:
Podemos concluir, então que apesar das empresas estatais estarem sujeitas ao regime das empresas privadas, os seus gestores e diretores devem ter suas decisões sempre pautadas pelos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, inclusive, no que diz respeito à relações trabalhistas: atuar segundo o que a lei determina, com eficiência e visando ao interesse público; não perseguir ou favorecer algum empregado de forma a infringir o princípio da impessoalidade; ter seus atos pautados sempre na probidade administrativa e devidamente motivados para que sejam respeitados os princípios da moralidade e da publicidade.
Cabe ressaltar que os empregados públicos das sociedades de economia mista e das empresas públicas, apesar de admitidos por concurso público, não possuem o direito à estabilidade no emprego ou de ter a sua despedida vinculada à motivação. Portanto, é possível a rescisão do contrato de trabalho sem justa causa do empregado das empresas estatais, por meio do exercício do poder potestativo de resilição unilateral do contrato, cabível a qualquer empregador, independentemente de ato motivado para a sua validade.
No entanto, para se imputar alguma penalidade disciplinar ao empregado público, é necessário que o empregador obtenha comprovação robusta, clara e convincente que não deixe dúvidas acerca do cometimento do ato faltoso. Tal precaução é de extrema importância, principalmente, no caso da justa causa, tendo em vista as conseqüências de tal penalidade, na qual são negadas ao empregado quaisquer das verbas rescisórias previstas em outras modalidades de rompimento de contrato.
Verificamos, então, que apesar de apesar do § 1º do art. 173 da Constituição Federal dispor que as empresas estatais e suas subsidiárias ficam submetidas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive, em relação aos direitos trabalhistas, os princípios constitucionais referentes à Administração Pública também devem ser respeitados na relação laboral de tais entidades estatais.
5. Referências Bibliográficas
-BRASIL. Constituição Federal, Disponível em: <http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cf037a038.htm >.
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris , 2006.
- CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª. ed. Niterói, RJ: Editora Impetus. 2009.
- DI PIETRO, Maria Silvya Zanella. Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
- JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Editora Altas, 2006.
- PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2010, p. 354/359.
Procuradora da Fazenda Nacional lotada na Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Caxias do Sul-RS, Pós-Graduada em Direito Público e em Direito do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Ana Paula Alencar Marinho. Princípios constitucionais aplicáveis às empresas estatais e relações trabalhistas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43673/principios-constitucionais-aplicaveis-as-empresas-estatais-e-relacoes-trabalhistas. Acesso em: 23 dez 2024.
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