1. Breve Histórico acerca dos Juizados Especiais
Antes do advento das Leis n. 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09 que instituíram no âmbito do Judiciário, respectivamente, o Juizado Especial Cível Estadual, Federal e de Fazenda Pública, vigorava a Lei n. 7244/84 que deu origem ao Juizado de Pequenas Causas Cíveis. Esses Juizados tiveram por base o denominado Small Claims Courts de origem Americana, os quais foram criados com o escopo de solucionar os conflitos de menor complexidade decorrentes do dia a dia[01] possibilitando que a resolução dos litígios pudessem ser resolvidos com a seguridade do Judiciário sem que para isso o cidadão adentrasse em um sistema complexo e moroso.
A Lei das Pequenas Causas, que teve seu início no estado do Rio Grande do Sul em 1982 com a criação dos "Conselhos de Conciliação e Arbitramento, não foi, e não se esperava mesmo que fosse, um corpo isolado com vida autônoma e despregado de raízes lançadas para fora de si. Ela constituiu um ponto bastante luminoso na constelação das leis processuais no universo do ordenamento jurídico brasileiro. A criação dos Juizados de Pequenas Causas foi uma imposição do interesse nacional, por representar a garantia do acesso à Justiça das grandes massas populacionais. As despesas com custas e honorários de advogado, o tempo perdido nas diligências preliminares ao ajuizamento da demanda, o temor de uma longa tramitação da causa, constituíam fatores que desestimulavam os prejudicados, mesmo pessoas de alguns recursos, de pleitear em juízo aquilo que entendiam ser de seu direito.[02]
Assim, surgiu a Lei n. 7.244/84 com o objetivo de apresentar ao cenário jurídico brasileiro uma modalidade de procedimento que simplificasse e acelerasse a prestação jurisdicional, visando humanizar a Justiça. O Juizado Informal de Pequenas Causas veio desmistificar o conceito que se tinha de Justiça, como sendo cara, morosa e complicada, tendente a afastar a massa popular da solução de seus conflitos. Com efeito, a Lei de Pequenas Causas não resolveu completamente o problema em questão, mas, sem dúvida, aproximou da Justiça o cidadão de baixa renda. [03]
Com o passar do tempo, o Juizado de Pequenas Causas foi modernizado, e seu aperfeiçoamento se deu através da Lei n. 9.099/95 [04], visando uma significativa e silenciosa revolução de mentalidade e perspectiva concreta no caminho de uma Justiça eficiente e cidadã. Assim, a Lei n. 9.099/95 nasceu com o objetivo de viabilizar o maior acesso à Justiça, desburocratizando-a. [05]
Em 23 de dezembro de 2009, acompanhando os bons resultados oriundos dos juizados especiais estaduais e federais, foi publicada no DOU a lei nº12.153/09, que instituiu os Juizados especiais de Fazenda publica, visando conferir, principalmente, mais celeridade ao processo jucial em face dos Estados, Distrito Federal e município.
2. Jus Postulandi perante a lei 12.153/09
A capacidade processual é definida por José Frederico Marques como a "(...) aptidão de uma pessoa para ser parte, isto é, sujeito de direitos e obrigações, faculdades e deveres, ônus e poderes na relação processual, como autor, réu, ou interveniente". Para Humberto Theodoro Júnior é a "(...) aptidão de participar da relação processual, em nome próprio ou alheio", e está relacionada com a capacidade civil, prevista nos arts. 1º/6º (pessoas naturais) e 40/52 (pessoas jurídicas), do Código Civil. [06]
Já a capacidade postulatória (ius postulandi) é um pressuposto técnico, exigido para a prática dos atos processuais postulatórios, além da aptidão de direito material. Logo, mesmo que o titular do direito tenha capacidade de ser parte e capacidade processual, necessita, em regra, para invocar a prestação jurisdicional, ou para se defender em um processo, ser representado por advogado. Nesse sentido, o art. 36 do CPC preceitua que "a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver"[07]. Excepcionalmente essa capacidade postulatória é conferida independentemente do exercício da advocacia, como nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública, no pedido de habeas corpus, nas ações trabalhistas, e na parte final do citado art. 36 do Código de Processo Civil. [08]
Ao tratar da capacidade postulatória no Juizado de Fazenda publica, ao contrario do que foi previsto na lei instituidora dos demais juizados especiais, o legislador foi omisso acerca do jus postulandi, restando aos doutrinadores e julgadores a obtenção de um concenso sobre o tema.
Se fizermos um estudo analítico acerca da exigibilidade do advogado nos juizados especiais, veremos que tal necessidade se justifica através da complexidade da demanda, delimitada através do valor da causa, conforme a seguinte tabela:
Juizado |
Dispensa de Advogado |
Exigencia de Advogado |
Juizado Especial Cível |
Causas até 20 Salários Mínimos |
Causas a partir de 20 Salários Mínimos |
Juizado Especial Federal |
Até o teto da competência do Juizado |
Não se exige |
Juizado Especial Criminal |
- |
Sempre |
Juizado Especial de Fazenda Publica |
Até o teto da competência do Juizado |
Não se exige |
Portanto, atualmente, qualquer que seja o valor atribuído a causa, estando dentro da competência valorativa do juizado especial de fazenda publica, o autor, poderá demandar sem um advogado.
3. Aplicabilidade do Artigo 133 da CF e art. 2º do EAOAB (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) frente a Lei nº12.153/09
Com o advento do Estatuto da Advocacia, a figura do advogado já enaltecida pelo constituinte originário, foi ratificada como sendo indispensável à administração da justiça, conforme se verifica abaixo:
Art. 133 da CF: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Art. 2º EAOAB: Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
Em sede de controle direto de constitucionalidade o Ministro Marco Aurélio nos diz que:
"No artigo 133 temos a previsão de que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da Lei.” Esse dispositivo não inviabiliza o acesso ao Judiciário. Ao contrário, torna-o seguro, porquanto o Direito é uma ciência e, enquanto tal, os institutos, as expressões, os vocábulos tem sentido próprio, devendo ser articulados por profissional da advocacia. Tanto é assim que no rol das garantias constitucionais constamos que o Estado está compelido a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos – inciso LXXIV do artigo 5º da Carta Política de 1988.".(BRASIL, ADI 1.127-8, 1994, p. 346)
Nessa esteira de pensamento preleciona que:
"Fico a imaginar, por exemplo, Senhor Presidente, o subscritor da inicial desta ação direta de inconstitucionalidade – Dr. Sérgio Bermudes – prestando assistência a uma grande empresa e, do lado contrário, a defender-se um autor de uma ação concernente a uma causa de pequeno valor, sem a representação processual por advogado, acionando, portanto, a capacidade postulatória direta. O massacre técnico seria fatal. É um engodo pensar-se que o afastamento do advogado, por si só, implica a celeridade almejada nos procedimentos judiciais. Se a Justiça é morosa, Senhor Presidente, há outras pessoas também responsáveis por essa morosidade. Nunca tive, na participação dos advogados, um entrave dos processos nos quais atuei.".(BRASIL, ADI 1.127-8, 1994, p. 347)
Frise-se que apesar de o referido Ministro ter votado em consonância com o entendimento do relator frisou a importância da implantação de curadorias para o serviço de assistência judiciária. No caso em apreço aduziu que:
"Vejam que se tem no artigo 54: não se instituirá juizados de pequenas causas sem a correspondente implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária, preceito certamente inspirado no estatuto anterior dos advogados – na Lei nº 4215/63 – no que já previa como indispensável à administração da Justiça, a participação do advogado.".(BRASIL, ADI 1.127-8, 1994, p. 348)
Apesar do Supremo Tribunal Federal ter entendido que a dispensa do advogado ante ao Juizado Especial seja dispensável, cumpre esclarecer que o aumento das demandas não aumentou o acesso efetivo à verdadeira Justiça.
Assim, fica fácil constatar que, por mais que na literalidade da lei exista uma colisão de normas, por se tratar de um complexo de ineficiências estatais, o STF, utilizando argumentações frágeis de celeridade e amplo acesso jurisdicional, cria a capacidade postulatória para pessoas desprovidas de conhecimento técnico e de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil.
4. Conclusão
A realidade dos Juizados atualmente encontra barreiras que nem só a participação do advogado poderia transpor. Está ligada a uma conscientização de todos os profissionais atuantes na área que vai desde estagiários e serventuários, até promotores e juízes.
Permitir que as próprias partes, sem qualquer conhecimento técnico, ingressem com demandas judiciais sem a devida representação, cria inúmeras causas com fundamentações errôneas, alem de muitas supressões de direitos.
Como consequência disso, caminhamos para uma justiça parcial, que já ocorre em muitos juizados, onde o magistrado, por entender a disparidade de defesa entre a parte gozando do jus postulandi e a representada por advogado, desce da sua cadeira imparcial e atua muitas vezes como assistente de defesa.
Concluimos assim que o caminho que trilhamos hoje, delineado pelo STF na ADI 1.127-8, além de já ter passado por cima de disposições constitucionais, nos leva dia após dia a derrubar outras normas e princípios dentre eles o Principio da Imparcialidade, sem o qual não existe Justiça.
5. Referencias
PINTO, Oriana Piske Azevedo Magalhães. Artigo online Abordagem Histórica e Jurídica dos Juizados de Pequenas Causas aos Atuais Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasileiros. http://www.tjdft.jus.br/trib/bibli/docBibli/ideias/AborHistRicaJurDica.pdf.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Juizados de Pequenas Causas: lei estadual receptiva. AJURIS, n. 33, mar. 85, p.7
FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei de Pequenas Causas.São Paulo: Livraria e Editora de Direito, 1995. p. 27.
Artigo 98, I, da Constituição Federal.
PINTO, Oriana Piske Azevedo Magalhães. Artigo online Abordagem Histórica e Jurídica dos Juizados de Pequenas Causas aos Atuais Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasileiros. http://www.tjdft.jus.br/trib/bibli/docBibli/ideias/AborHistRicaJurDica.pdf.
http://jus.com.br/artigos/19873/o-juizado-especial-e-a-proposta-de-acesso-a-justica/2#ixzz3Uf6NqUP7
http://jus.com.br/artigos/15047/juizados-especiais-da-fazenda-publica#ixzz3UfDHZcZZ
http://jus.com.br/artigos/15047/juizados-especiais-da-fazenda-publica#ixzz3UfCmvtfj
Estudante de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal e Membro do corpo Jurídico do Escritório de Advocacia Caputo Bastos e Serra Advogados.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Samuel Coelho de. A (In)constitucionalidade da Lei nº12.153/09 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43674/a-in-constitucionalidade-da-lei-no12-153-09. Acesso em: 23 dez 2024.
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