Resumo: O presente texto tem por escopo delimitar conceitos essenciais ao tema do planejamento tributário. São eles: planejamento fiscal; elisão, evasão e elusão tributárias; simulação; fraude; abuso de direito; abuso de forma, propósito negocial e extratributário.
Introdução
Cada vez mais, o planejamento tributário galga espaços de destaque não só nos estudos de Direito Tributário, mas, também e principalmente, na vida do empresariado, vítima, muitas vezes, de carga tributária excessivamente onerosa.
Nesse cenário, é de supina importância investigar-se os limites semânticos dos conceitos essenciais subjacentes a referida disciplina, de molde a facilitar seu estudo e aprimoramento. Afinal, o desenvolvimento do Direito e da própria ciência em geral exige que o ponto de partida do cientista esteja bem delimitado e traçado a fim de se evitar o contraproducente debate sobre coisas essencialmente distintas, mas debatidas sobre o mesmo rótulo, ou vice-versa. Por isso, é preciso dada certeza, ainda que não absoluta e harmônica entre todos os estudiosos, sobre os conceitos envolvidos na área de estudo do cientista. É o que se propõe a fazer atinentemente ao estudo do planejamento tributário.
Desenvolvimento
Planejamento tributário: elisão, evasão e elusão.
Pois bem. O primeiro dos conceitos que precisa ser bem definido é o do próprio planejamento tributário. Entende-se que planejamento tributário consiste na adoção de procedimentos, pelo contribuinte, na busca por uma menor oneração tributária. Defende-se, ainda, que o planejamento tributário contempla tão somente procedimentos lícitos de economia fiscal, não podendo sê-lo as medidas de economia tributária realizadas ao arrepio da lei, do ordenamento jurídico. Nessa perspectiva, o conceito de elisão tributária passa a ser o resultado (fim) do planejamento tributário (meio), assim entendido como a adoção de procedimentos lícitos com vistas a redução da carga tributária, sobretudo com a evitação ou retardamento da ocorrência de fato gerador de tributo. É procedimento inerente ao próprio Estado Democrático de Direito Brasileiro, que contemplou uma ordem econômica livre e norteada pelo princípio da livre iniciativa e livre concorrência, nos termos do art. 170, IV, da Constituição da República.
A evasão tributária, de modo distinto, consubstancia-se na adoção de meios ilícitos de economia fiscal, geralmente consistentes na dissimulação de fatos geradores já ocorridos. Em vista disso, não se pode alçar a evasão tributária à categoria do planejamento tributário, por estar dotada de forte conteúdo de antijuridicidade. É dizer, o Estado Democrático de Direito Brasileiro não se coaduna com expedientes ilegais e ardis do contribuinte.
Nesse sentido, sobre a diferenciação de elisão e evasão, leciona Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 83) que
“enquanto a primeira (elisão) é lícita, consistindo na escolha de formas de direito mediante as quais não se dá a efetivação do fato tributário, e consequentemente, impedindo o nascimento da relação jurídica, a segunda (evasão) decorre de operações simuladas em que, ocorrido fato de relevância para o direito tributário, pretende-se ocultá-lo, mascarando o negócio praticado.”
Em tempo, vale ressaltar que alguns estudiosos conceituam a elisão tributária como procedimento ilícito e a evasão tributária como procedimento lícito, por entenderem serem essas acepções que melhor se harmonizam com a significação de cada uma dessas palavras que compõe o núcleo dessas expressões (elisão e evasão)[1]. Dentre esses, sobreleva-se Hugo de Brito Machado (2014). Valioso salientar, entretanto, que essa não é a posição majoritária.
Por fim, atinentemente à elusão fiscal, são oportunos os escólios de Hugo de Brito Machado e Schubert de Farias Machado, em sua obra Dicionário de Direito Tributário, às p. 73 e 74, onde dizem que o termo é “de utilização não muito comum, com a qual alguns tributaristas pretendem designar a forma lícita de fugir ao pagamento de tributo.” Pertinente, ainda, a crítica disferida pelos citados doutrinadores à utilização do termo: “O uso da palavra elusão na expressão elusão tributária parece ser apenas uma prática dos que pretendem inovar, ser diferentes, mas a rigor nada acrescenta na busca do rigor terminológico que a doutrina deve buscar.”
A nós nos parece que o termo elusão tributária origina de duas possíveis explicações. A primeira delas é que se trata de uma “aportuguesação” da terminologia italiana elusione fiscale, que, em bom vernáculo, significa a elisão tributária, tal como acima definida – meio lícito de economia fiscal. A segunda possível origem do termo é mais inusitada: o termo elusão fiscal não passaria de mero erro de digitação. Explica-se: um dia, alguém pretendia digitar elisão fiscal e, por um equívoco, digitou elusão fiscal. O erro é facilmente explicado, pois nos teclados de computadores e das antigas máquinas de escrever as teclas i e u encontram-se um do lado da outra, sendo perfeitamente comum mencionado erro de datilografia. Portanto, acredita-se que, num passado remoto, alguém cometeu esse equívoco de digitação e, desde então, os tributaristas tentam à exaustão desvelar o conceito que a expressão, nascida de um equívoco, encerra. Ressalte-se, por oportuno, que o substantivo elusão não está registrado nos dicionários da língua portuguesa, o que reforça as citadas teorias.
Seja como for, em ambas as teorizações, o termo elusão fiscal é sinômino de elisão tributária.
Simulação
Simulação, no âmbito do estudo do planejamento tributário, consiste na identificação pelo Fisco de um descompasso entre o que aparentemente praticou o contribuinte e o que realmente praticou-se, tal descompasso deve redundar em uma (indevida) economia fiscal e, ainda, deve ser deliberada, dolosa, intencional. O conceito está positivado em nosso ordenamento jurídico no art. 167, do Código Civil.
Nessa senda, pontua Paulo de Barros Carvalhos (2011, p. 80) que “os atos tendentes a ocultar ocorrência de fato jurídico tributário configuram operações simuladas, pois não obstante a intenção consista na prática do fato que acarretará o nascimento da obrigação de pagar tributo, este, ao ser concretizado, é mascarado para que aparente algo diverso do que realmente é.”
A simulação pode ser absoluta ou relativa. Na simulação relativa, diz-se estar praticando um negócio jurídico (negócio simulado), enquanto que, na realidade, pratica-se outro (negócio dissimulado). Na simulação absoluta, diz-se praticar um negócio jurídico que, na verdade, nunca existiu. Em ambos os casos, a fim de que seja desconsiderado o “planejamento” do contribuinte, a simulação deve resultar em prejuízo ao Fisco.
Fraude
A fraude, nessa quadra, traduz-se em expedientes do contribuinte que, ilicitamente, “modifiquem ou excluam os caracteres do fato”, conforme lição de Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 85).
Na acepção capitaneada por Hugo de Brito Machado (2014, p. 78), fraude é definida como a “inverdade ou alteração do fato como elemento do mundo fenomênico com o propósito de eliminar ou reduzir tributo.” Referido vício, prescinde do conluio entre as partes, diferentemente da simulação, sendo suficiente para configurá-la a vontade de uma das partes de burlar o prescrito em norma imperativa do sistema jurídico, conforme ensina Luis Cesar Souza de Queiroz (2008).
Os conceitos de fraude e simulação são bem próximos. Entretanto, uma possível diferença entre eles é que, ao que tudo indica, enquanto a simulação opera com instrumentos jurídicos – e. g. celebra-se um contrato de locação quando, na verdade, está-se a comprar o bem; a fraude labora com elementos do mundo dos fatos - recebe-se R$10.000,00 por um serviço prestados, mas emite-se a respectiva nota fiscal de prestação dos serviços no valor de R$5.000,00.
Abuso de direito
O Abuso de direito está caracterizado quando o contribuinte, ao exercer seu direito, o faz de maneira contrária ao princípio da normalidade do uso do direito. Como se nota, referida conceituação é pouco explicativa, por isso socorre-se ao legislador civilista, que no art. 167 do Código Civil Brasileiro, explica que incorre em abuso de direito aquele que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A toda evidência, trata-se de um conceito com alto nível de abstração, que só pode ser bem compreendido casuisticamente.
Abuso de forma
O Abuso de forma é um conceito importado do ordenamento jurídico alemão. Não há em nosso sistema jurídica instituto análogo, de molde que sua aplicação em terrae brasilia deriva de importação (muitas vezes inadvertida) do exegeta. Leciona Luis Cesar Souza de Queiroz (2008) que haverá abuso de forma “quando um determinado resultado econômico é alcançado mediante um forma jurídica considerada ‘pouco usual’, ‘incomum’, ‘não adequada’”. E arremata que, “portanto, se ocorrer o uso de uma forma jurídica inadequada com o propósito de incorrer numa menor carga tributária, será considerado devido o tributo como se a forma adequada ao resultado econômico pretendido tivesse sido adotado.” (p. 9, do artigo).
Propósito negocial e propósito extratributário
Um último conceito essencial à disciplina do planjemento tributário é o de propósito negocial e de propósito extratributário. Pelo primeiro deles, entende-se a economia de tributos alcançada em razão da persecução pelo contribuinte-empresário de objetivos inerentes a sua atividade empresarial, à finalidade de sua empresa. Nessa quadra, para os admitem a aplicação no Brasil da referida tese (business purpose doctrine), seria lícito apenas o planejamento tributário levado a cabo por razões negociais e não exclusivamente tributária – isto é, simples redução da carga tributária. A nós, não nos parece juridicamente aceitável, em face do ordenamento jurídico brasileiro, que tais limites sejam impostos ao planejamento tributário. Isso porque não há como negar que uma mitigação do custo tributário está e sempre estará circunscrita aos propósitos negociais do empresário que é, resumidamente, a minimização de suas despesas com vistas à maximização de seus lucros.
Pelo a teoria do propósito extratributário, só será considerado válido uma economia fiscal (planejamento tributária) quando ela tiver sido motivada por fins outros que não fins tributários, não precisa haver propósito negocial, basta que o propósito não seja meramente tributário. Em outras palavras, propugna que ao contribuinte estaria vedada a busca de uma menor oneração tributária como fim em si mesmo. Assim, refrida teoria encerra o grande absurdo de que a redução da carga tributária só seria lícita se o próprio contribuinte não a almejasse –algo como serendipidade na esfera tributária. Felizmente, não há previsão no sistema jurídica brasileiro da possibilidade de aplicação de ambas as teorias, o que impede sua utilização pelo Fisco Brasileiro, por força do princípio da legalidade norteador da atividade administrativa do Estado (art. 5, II, art. 37 e art. 84, IV, da CRFB).
Além disso, não há como afastar planejamento tributário quando esse se funda em procedimento e meios lícitos de economia fiscal. É dizer, para fins de desconsideração ou não de planejamento tributário, não importa qual propósito motivou o contribuinte para lograr redução dos seus custos tributários, o que importa é saber se ele se utilizou, ou não, de caminhos lícitos para fazê-lo.
Conclusão
A disciplina do planejamento tributária é deveras complexa, sobretudo quando tem seus pilares erigidos em conceitos com alto grau de fluidez e indeterminação. Nesse cenário, esperamos ter contribuído, com suporte de abalizada doutrina, para uma adequada delimitação desses conceitos essenciais ao tema, de modo a fraquear a boa aplicação e aprimoramento da matériao, cada dia mais em voga.
Referências bibliográficas
CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário - Vol. 1. 1. ed. Noeses: São Paulo, 2011.
___________, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. Saraiva: São Paulo, 2012.
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 3. ed. Dialética: São Paulo, 2011.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
__________, Hugo de Brito. Introdução ao planejamento tributário. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2014
QUEIROZ, Luis Cesar Souza de. Limites do Planejamento Tributário in Direito Tributário – Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Quartir Latin: São Paulo, 2008.
[1] Do dicionário online Priberam (www.priberam.pt/dlpo) extrai-se o seguinte: Elisão: ato ou efeito de elidir. (Elidir: omitir, suprimir); Evasão: ato de evadir-se, fuga, saída.
Advogado especialista em Direito Tributário e Direito Público, sócio-fundador do escritório Costa Ferreira & Hayashi - Advocacia e Consultoria.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Gustavo Costa. Conceitos essenciais no planejamento tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43739/conceitos-essenciais-no-planejamento-tributario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.