Resumo: O presente artigo tem por objetivo discorrer acerca da dispensa por justa causa e dos requisitos para a sua aplicação, considerando a necessidade da limitação do poder disciplinar, em razão do “Princípio da Proteção ao Trabalhador”.
Palavras-chave: dispensa por justa causa, requisitos, princípio da proteção ao trabalhador.
1. Introdução:
O Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação do trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas.
Portanto, verificamos que o Direito do Trabalho tem por característica principal a proteção do empregado na relação de trabalho com o empregador. Tal proteção se justifica pelo fato de tratar-se da parte mais fraca na relação contratual de subordinação entre contratante e contratado, na qual o empregado é submetido, inclusive, ao poder disciplinar do empregador.
A penalidade mais grave que um empregador pode aplicar ao seu empregado é a dispensa por justa causa. A aplicação da justa causa só é possível quando o empregado comete algumas das faltas graves previstas taxativamente na lei.
A Consolidação das Leis do Trabalho enumera as seguintes faltas graves nos seguintes artigos:
Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando construir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato e indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo de honra e boa fama ou ofensas físicas praticada contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem:
l) prática constante de jogos de azar.
Art. 240. Nos casos de urgência ou de acidente, capazes de afetar a segurança ou regularidade do serviço, poderá a duração do trabalho ser excepcionalmente elevada a qualquer número de horas, incumbindo à estrada zelar pela incolumidade dos seus empregados e pela possibilidade de revezamento de turmas, assegurando ao pessoal um repouso correspondente e comunicando a ocorrência ao Ministério do Trabalho, dentro de dez dias da sua verificação.
Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, a recusa, sem causa justificada, por parte de qualquer empregado, à execução de serviço extraordinário, será considerado falta grave.
Art. 158. Cabe aos empregados:
I - observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior;
II - colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.
Parágrafo único. Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:
a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecido pela empresa.
Art. 433. O contrato de aprendizagem extinguir-se-á no seu termo ou quando o aprendiz completar 24 (vinte e quatro) anos, ressalvada a hipótese prevista no § 5º do art. 428 desta Consolidação, ou ainda antecipadamente nas seguintes hipóteses:
I - desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; (Acrescentado pela L-010.097-2000)
II - falta disciplinar grave;
III - ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; ou
IV - a pedido do aprendiz;
Outras faltas graves estão previstas na legislação. Vejamos:
- Lei nº 7.783/89 (ato faltoso praticado durante movimento grevista):
Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.
Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.
- Lei nº 9.962/00 (empregado público):
Art. 3º O contrato de trabalho por prazo indeterminado somente será rescindido por ato unilateral da Administração pública nas seguintes hipóteses:
I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;
II – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal;
IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.
Parágrafo único. Excluem-se da obrigatoriedade dos procedimentos previstos no caput as contratações de pessoal decorrentes da autonomia de gestão de que trata o § 8o do art. 37 da Constituição Federal.
- Decreto 95.247/87 (declaração falsa ou uso indevido de vale-transporte):
Art. 7° Para o exercício do direito de receber o Vale-Transporte o empregado informará ao empregador, por escrito:
I - seu endereço residencial;
II - os serviços e meios de transporte mais adequados ao seu deslocamento residência-trabalho e vice-versa.
§ 1° A informação de que trata este artigo será atualizada anualmente ou sempre que ocorrer alteração das circunstâncias mencionadas nos itens I e II, sob pena de suspensão do benefício até o cumprimento dessa exigência.
§ 2° O benefício firmará compromisso de utilizar o Vale-Transporte exclusivamente para seu efetivo deslocamento residência-trabalho e vice-versa.
§ 3° A declaração falsa ou o uso indevido do Vale-Transporte constituem falta grave.
-Decreto nº 73.626/74 (empregado rural):
Art. 23. A aposentadoria por idade concedida ao empregado rural, na forma da Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e sua regulamentação, não acarretará rescisão do respectivo contrato de trabalho, nem constituirá justa causa para a dispensa.
Parágrafo único. Constitui justa causa, para rescisão do contrato de trabalho, além das apuradas em inquérito administrativo processado pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, a incapacidade total e permanente, resultante de idade avançada, enfermidade ou lesão orgânica, comprovada mediante perícia médica a cargo da Delegacia Regional do Trabalho.
- Lei nº 5859/72 (doméstico):
Art. 6o-A. O empregado doméstico que for dispensado sem justa causa fará jus ao benefício do seguro-desemprego, de que trata a Lei no 7.998, de 11 de janeiro de 1990, no valor de um salário mínimo, por um período máximo de três meses, de forma contínua ou alternada.(Incluído pela Lei nº 10.208, de 2001)
§ 1o O benefício será concedido ao empregado inscrito no FGTS que tiver trabalhado como doméstico por um período mínimo de quinze meses nos últimos vinte e quatro meses contados da dispensa sem justa causa.(Incluído pela Lei nº 10.208, de 2001)
§ 2o Considera-se justa causa para os efeitos desta Lei as hipóteses previstas no art. 482, com exceção das alíneas "c" e "g" e do seu parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho
-Lei nº 6.019/74 (trabalho temporário):
Art. 13 - Constituem justa causa para rescisão do contrato do trabalhador temporário os atos e circunstâncias mencionados nos artigos 482 e 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, ocorrentes entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário ou entre aquele e a empresa cliente onde estiver prestando serviço.
Ocorre que para que haja a aplicação da dispensa por justa causa é necessário não apenas o cometimento de tais faltas graves, mas que estejam presentes alguns requisitos ou elementos enumerados pela doutrina.
2. Dos requisitos ou elementos da justa causa:
Ao discorrer acerca dos requisitos da justa causa, a doutrinadora Vólia Bonfim, os enumera e os define da seguinte forma:
a) Imediação, imediatidade ou atualidade: A punição deve ser atual, ou seja, assim que o empregador tomar conhecimento da prática do ato faltoso deve providenciar a aplicação da penalidade, sob pena da configuração do perdão tácito. No entanto, punição atual não significa concomitante, mas contemporânea, pois deve ser contada a partir da ciência do fato e da autoria do ato inquinado.
b) Proporcionalidade entre a falta e a punição: As penalidades devem ser aplicadas de acordo com a gravidade da falta. Apesar da CLT só mencionar as penalidades de suspensão e de dispensa por justa causa, a doutrina e a jurisprudência consagraram o direito de aplicação também da pena de advertência, que pode ser realizada de forma verbal ou escrita e se destina a punir faltas leves. A suspensão é utilizada para a punição de falta de gravidade média, mas que não justifica a resolução do contrato de trabalho. Já a justa causa é aplicada à faltas graves que são taxativamente previstas em lei e cuja prática torna insustentável a relação de emprego.
c) Non bis in idem ou singuralidade da punição: O presente requisito impede a dupla punição do empregado por uma mesma falta. Ou seja, caso o empregador puna o empregado com a penalidade de advertência em decorrência de uma determinada falta, não seria possível, posteriormente, pela mesma falta puni-lo com suspensão. Segundo Vólia Bonfim, não se considera “bis in idem” descontar do salário os dias de faltas injustificadas daqueles empregados dispensados por desídia ou abandono. Também não configuraria “bis in idem”, a faculdade que o empregador possui em descontar do período de férias as faltas injustas que o empregado teve no período aquisitivo e a demissão do trabalhador por desídia. Além desses exemplos, não se relacionam com as punições disciplinares, o desconto dos dias não trabalhados, o desconto dos danos causados, a redução dos dias de férias, a perda da remuneração do dia de repouso semanal, seja por impontualidade ou faltas. Conforme a referida doutrinadora, tais faculdades foram conferidas pelo legislador ao empregador.
d) Não-discriminação ou tratamento igual: Este requisito impede que por um mesmo ato faltoso praticado por dois ou mais empregados haja punições diversas. Segundo, a doutrinadora Vólia Bonfim, não se trata de faltas iguais praticadas por empregados diferentes e em momentos distintos, mas de ato único praticado em co-autoria. No caso de faltas iguais praticadas por empregados distintos e em momentos diferentes, há algumas ressalvas na doutrina, sendo prudente que o empregador que tenha o costume de relevar ou abrandar a punição de determinadas condutas, caso deseje mudar a sua postura diante da mesma falta, comunique, anteriormente, aos empregados acerca da mudança de posicionamento em relação à punição de faltas futuras.
e) Gravidade da falta e apreciação da gravidade: Conforme este requisito, ao aplicar a justa causa o empregador deve avaliar cada caso de forma concreta e subjetiva. Ou seja, o empregador deve sempre levar em consideração a personalidade do agente, a intencionalidade, os fatos que levaram o empregado à prática do ato, a ficha funcional, os antecedentes, as máculas funcionais anteriores, o grau de instrução ou de cultura, a época do fato, o critério social dentre outros.
f) Teoria da vinculação dos fatos ou dos motivos determinantes da punição ou do caráter determinante da falta ou nexo causal: O empregador deve comunicar quais os atos praticados pelo empregado que foram considerados como faltosos e que foram a causa da dispensa por justa causa (efeito). Tal comunicação é necessária para a defesa do empregado e para que o empregador não inclua ou substitua as faltas que motivaram a dispensa por outras. Uma vez que o empregador informar quais foram as faltas cometidas, não poderá haver mudanças e as demais faltas do empregado, caso existam, serão consideradas perdoadas.
g) Não ocorrência do perdão - expresso ou tácito: O perdão expresso ocorre quando o empregador toma conhecimento do ato faltoso praticado pelo empregado e o desculpa formalmente, não podendo, posteriormente, dispensá-lo por justa causa pelo ato faltoso perdoado. Já o perdão tácito ocorre quando o empregador, ciente da prática do ato faltoso, realiza ato que não condiz com o a vontade de punir o empregado. Tal conduta do empregador configura o perdão presumido ou tácito. Também configura o perdão tácito a demora ou a não punição do empregado, bem como a concessão do aviso prévio em relação às faltas ainda não punidas.
Portanto, a aplicação da justa causa depende da presença dos requisitos acima mencionados, caso contrário, pode ser anulada pela Justiça do Trabalho.
A existência de tais requisitos ou elementos é importante para que exista uma limitação ao poder disciplinar do empregador e impede que o empregado fique à mercê da vontade exclusiva de seu patrão no que diz respeito à possibilidade de ser penalizado.
3. Conclusão:
Segundo Maurício Godinho Delgado, o poder disciplinar no Direito do Trabalho consiste no conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais. Tal poder é decorrente do poder diretivo conferido ao empregador pelo artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.
No entanto, como já mencionamos anteriormente, o Direito do Trabalho tem por característica a proteção ao trabalhador, parte mais fraca na relação de emprego.
A existência de tal princípio tornou necessária a existência de determinados requisitos quando da aplicação do poder disciplinar do empregador, ou seja, limitações que validem a justa causa aplicada ao empregado.
Em suma, os requisitos ou elementos da justa causa, enumerados pela doutrina, tem por objetivo impedir o abuso por parte do empregador quando da aplicação das penalidades aos seus subordinados. Fica assegurado, portanto, ao empregado que, ao ser penalizado, não ficará à mercê da vontade exclusiva de seu patrão, em virtude do princípio da proteção ao trabalhador.
4. Referências Bibliográficas
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BRASIL. Lei nº 5859/72. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm >. Acesso em 10 de abril de 2013.
BRASIL. Lei nº 6.019/74. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm >. Acesso em 10 de abril de 2013.
- CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª. ed. Niterói, RJ: Editora Impetus. 2009.
- DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTR,1992.
-MARTINS, Sérgio Pinto.Direito do Trabalho. 25ª ed, São Paulo: Editora Atlas, 2009.
Procuradora da Fazenda Nacional lotada na Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Caxias do Sul-RS, Pós-Graduada em Direito Público e em Direito do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Ana Paula Alencar Marinho. Dos requisitos ou elementos para aplicação da justa causa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43950/dos-requisitos-ou-elementos-para-aplicacao-da-justa-causa. Acesso em: 23 dez 2024.
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