Neste artigo, pretende-se abordar a influência dos assentos lusitanos, bem como as principais críticas da Lei 11.417/2006 e da Emenda Constitucional de n°45.
No Direito Português, os assentos eram proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, com a função de uniformizar a jurisprudência lusitana (TAVARES, 2009). A doutrina defende que uma das diferenças entre a súmula vinculante e os assentos é que o primeiro instituto foi outorgado a competência exclusiva ao STF. Já no segundo caso, o STJ Português não se trata de um tribunal constitucional.
O efeito erga omnes é comum aos dois institutos, mas no Direito Brasileiro o legislador atribuiu uma característica além da vinculação, ou seja, a força de norma constitucional, conforme mencionada no decorrer da pesquisa.
Para Neves (1983, p.11-12 apud SOUZA, 2013, p.181): “[...] assentos não se trata de dar relevo a uma jurisprudência constante ou uniforme, mas de impor, mediante uma norma expressamente formulada para o futuro, a solução de um conflito de jurisprudência”.
Como se vê, para o autor português os assentos incide como forma de pacificar a jurisprudência, cuja finalidade não é típica de um Estado constitucional. Bem como, as súmulas vinculantes que foram instituídas para desafogar o Poder Judiciário, limitando-se ao máximo as ações ajuizadas no Supremo Tribunal Federal.
Em Silva (2008, p.680): “Do latim summula (resumo, epítome breve) tem o sentido de sumário, ou de índice de alguma coisa. É o que de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa”.
Com relação aos precedentes, a súmula se diferencia em seu aspecto substancial, isto porque a técnica brasileira gera efeitos futuros, como verdadeiras normas. Enquanto o precedente insere-se a partir do caso concreto, como acontece no Direito Americano.
A Reforma do Poder Judiciário instituiu o artigo 103-A na Constituição Federal, cuja redação garante ao STF a legitimidade e competência para aprovar súmula com efeito vinculante. O novo dispositivo constitucional é regulamentado pela lei 11.417/2006, que dispõe acerca do cancelamento e edição dos efeitos vinculantes.
Tavares (2009, p.26) preceitua: “As súmulas sempre foram compreendidas na sistemática brasileira, portanto, como a sedimentação de orientações adotadas topicamente pelos Tribunais em decisões diversas (jurisprudência compendida)”.
Assim, o quórum de 2/3 para aprovação da súmula vinculante foi instituído pelo artigo 8° da Emenda Constitucional em análise, cujo texto assegurava que as súmulas do STF produziriam efeitos vinculantes após a confirmação dos votos e com a devida publicação oficial.
Vale registrar que a súmula é uma aproximação com as técnicas do direito estrangeiro, conforme visto durante a pesquisa. Então, se o precedente se legitima na previsibilidade e segurança jurídica, não precisava do artigo 103-A onde o mesmo prevê que a súmula do STF, aprovada nos termos do referido artigo, indicasse expressamente o efeito vinculativo, pois a vinculação das decisões judiciais é uma consequência comum de todo Tribunal Constitucional (MARINONI, 2011).
Para Souza (2013, p.262): “A adoção da súmula universalmente vinculante é mais um passo para a interseção dos dois sistemas, o common law e o civil law [...]”.
Desse modo, os requisitos para aprovação da súmula vinculante, principalmente as reiteradas decisões judiciais configura a ideia de que o STF exerce uma função típica do Poder Legislativo, em que o judiciário resolve um litígio cuja competência seria do legislativo.
Ademais, o pensamento acerca da uniformidade jurisprudencial não é efetivado da forma que o Direito Brasileiro insere a posição jurisdicional do Supremo, vez que se o precedente, principalmente americano, alcança estabilidade e segurança jurídica com apenas uma decisão consolidada pela Suprema Corte Americana, conforme visto acerca da motivação da decisão judicial.
No pensamento de Moraes (2010, p.795): “A instituição da súmula vinculante, pela EC n° 45/04, corresponde à tentativa de adaptação do modelo da common law (stare decisis) para nosso sistema romano-germânico (civil law)”.
A súmula apresenta natureza normativa, isto porque a mesma trata de questões abstratas, cujo objeto principal é o impedimento de decisões repetidas no STF. Para Schäfer (2012, p.31): “Ao verificar que a súmula se dirige ao futuro, que tem caráter obrigatório, pode-se afirmar, como já se fazia, que ela tem natureza normativa- equivalente a uma lei, em função de sua generalidade e abstração”.
Uma questão não deve ser omitida, a súmula vinculante, incorporada pela emenda constitucional n° 45, corresponde a uma verdadeira ruptura com o Direito Romano Germânico (SOUZA, 2013).
O efeito vinculante visa o alcance e estabilidade constitucional fundado na previsibilidade de decisões, bem como acontece no Sistema de Precedentes judiciais. A única diferença é que a súmula vinculante, ao ser editada pelo Supremo, incide numa função atípica de uma corte constitucional. Ao contrário do common law, a Corte constitucional não edita norma, apenas se utiliza de previsibilidade das decisões proferidas com base no stare decisis.
Em sede de Agravo Regimental, decidiu o Supremo:
Súmulas vinculantes. Natureza constitucional específica (art.103-A, § 3º, da CF) que as distingue das demais súmulas da Corte (art. 8º da EC 45/2004). Súmulas 634 e 635 do STF. Natureza simplesmente processual, não constitucional. Ausência de vinculação ou subordinação por parte do STJ. (Rcl 3.979 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, julgamento em3-5-2006, Plenário, DJ de 2-6-2006.) No mesmo sentido:Rcl 10.707 MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 20-10-2010 DJE de4-11-2010; Rcl 3.284 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em1-7-2009, Plenário, DJE de28-8-2009 (BRASIL, 2011, p.1414).
Como se vê, ao determinar a natureza constitucional específica das súmulas vinculantes, percebe-se que o Supremo afirmou de vez a sua função ativista no cenário atual da jurisprudência brasileira.
A função ativista, como já visto, insere a atual posição do STF enquanto função proativa jurisdicional, ou seja, a ideia de que a Corte brasileira cria direitos constitucionais, bem como ocorre no sistema de precedentes (SILVA, 2013).
Pelo exposto, está certo que a súmula é compatível com o princípio da duração razoável do processo, instituído pela Emenda Constitucional de n° 45, mas, por outro lado, o instituto da forma que é utilizado não é adequado a um Estado constitucional, pois não se deve aceitar a atuação do STF como um legislador positivo. Isto porque, ao editar um enunciado com efeito vinculante e erga omnes, não é mesmo daquele predominante nos precedentes judiciais, cuja atividade é exercida a partir do caso concreto, mediante certeza e previsibilidade das decisões judiciais.
REFERÊNCIAS
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. 2°ed. Curitiba: Juruá, 2013.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30°ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
TAVARES, André Ramos. Nova Lei da Súmula Vinculante Estudos e Comentários à Lei 11.417, de 19/12/2006. 3°ed. Método: São Paulo, 2009.
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