SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Aspectos gerais e fundamentos; 3. Aplicabilidade do princípio; 3.1. Da adequação; 3.2. Da necessidade; 3.3. Da proporcionalidade em sentido estrito; 4. Conclusão.
RESUMO: O presente trabalho aborda a importância do princípio da proporcionalidade para a concreta efetividade dos preceitos fundamentais através da ponderação e harmonização dos meios e dos fins. Através do princípio do devido processo legal, teve seu desenvolvimento acentuado no direito americano. Do âmbito unicamente procedimental contemplado em sua origem, passou ao aspecto substancial, assumindo, por fim, importante função na proteção de direitos fundamentais com a máxima otimização dos valores e do ideal de justiça.O princípio da proporcionalidade permite uma fluidez na análise dos atos normativos e da aplicação do direito ao caso concreto, que concede ao Judiciário um maior êxito e liberdade para decisões favoráveis ao cidadão, sem a rigidez e o arbítrio do legislativo. Também revela-se importante na análise dos atos administrativos, ainda que somente seja passível de anulação o ato manifestamente desproporcional. São três critérios a serem avaliados objetivamente, quais sejam, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Todos eles dependem dos elementos causa, finalidade e nexo de causalidade. Através desta análise viabiliza-se a ponderação entre os valores constitucionais em suas diversas aplicações.
PALAVRAS-CHAVE: PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE; PONDERAÇÃO DE VALORES; ADEQUAÇÃO; NECESSIDADE; PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO; SOPESAMENTO; MÁXIMA OTIMIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS.
1 INTRODUÇÃO
O princípio da proporcionalidade[1] vem ganhando importância pela sua função de controle da atuação legislativa e administrativa do Poder Público em favor da tutela dos direitos fundamentais e, sobretudo, do ideal de justiça.
A rigidez normativa, por vezes, pode ocasionar soluções injustas na aplicação ao caso concreto. Deste modo, o princípio é um meio eficaz de análise pelo Judiciário do aspecto meritório do ato normativo, superando a mera análise da legalidade, de modo a possibilitar o afastamento de restrições indevidas a direitos fundamentais.
Proporcionalidade transmite ideia de harmonia, justa medida, coerência, meio condizente com a finalidade que se propõe. Significa que na atuação do direito deve-se prezar pela intervenção que resulte na máxima otimização dos princípios fundamentais, ainda que em detrimento da liberdade de organização do sistema normativo pelo legislador que, segundo Daniel Sarmento, passa a submeter-se a um controle mais rigoroso e subjetivo de seus atos (SARMENTO, 2003, p. 77-78).
Proporção é princípio que pressupõe correlação. Não há que se falar em aplicação de proporcionalidade sem uma relação entre dois elementos, sendo um a causa e o outro, finalidade. Daí entende-se que a proporcionalidade permite examinar se o meio utilizado para alcançar determinado fim é adequado e satisfatório ou excessivo em relação ao que se almeja. O exame visa a, principalmente, avaliar as restrições a princípios fundamentais, sendo importante mecanismo de ponderação.
Grande fonte de evolução para o princípio da proporcionalidade foi o Direito americano, que desenvolveu a ideia de razoabilidade[2] como norma principiológica (o qual se funde com a proporcionalidade) através da interpretação dada a cláusula do due process of law.
O devido processo legal, nos Estados Unidos, inicialmente, apenas analisava o processo no aspecto da legalidade, levando em conta o procedimento adotado. Uma vez detectada uma falha de procedimento, o Judiciário poderia apontar a violação e anular ou invalidar determinado ato. Servia para garantir no processo direitos como o contraditório, ampla defesa, instrução probatória, defesa por advogado etc. Esta foi a primeira fase do princípio, que se estendeu até o fim do século XIX (SARMENTO, 2003, p.83).
Após, a Suprema Corte americana, motivada pela ideal do liberalismo econômico, passou a invalidar normas editadas pelo poder legislativo que determinassem a intervenção estatal na economia ou que tutelassem o trabalho, desencadeando um retrocesso no direito social. De todo modo, significou uma nova concepção dada à cláusula do devido processo legal, que superou um caráter unicamente procedimental, alcançando um entendimento substancial.
Na década de 30, com a grande crise econômica e com a medida intervencionista que o Estado passou a adotar, a Corte se posicionou no sentido de defender rigorosamente os direitos fundamentais, deslocando as atenções das liberdades econômicas.
Destarte, tem-se que, como principal conquista no que atine a avaliação e controle dos atos normativos, o devido processo legal substancial passou a ser usado para analisar questão meritória dos atos do legislativo, certificando-se se os meios adotados eram adequados ao fim desejado, bem como a legitimidade dos fins. Luís Roberto Barroso afirma que “[...] a cláusula enseja a verificação da compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins. Somente presentes essas condições poder-se-á admitir a limitação a algum direito individual” (BARROSO, 2012, p.226).
Ressalte-se que os direitos individuais não se limitam àqueles expressos na Constituição, mas possuem uma concepção ampla direcionada pelos princípios gerais de justiça e liberdade.
O Poder Judiciário, então, não defende unicamente um processo em estrito acordo com as previsões legais, mas é um forte instrumento de tutela do cidadão americano e seus direitos individuais. Foram diversas conquistas de direitos fundamentais alcançadas em razão da possibilidade de uma análise valorativa dos atos normativos.
Desde a década de 1980, contudo, o avanço dos direitos individuais nos Estados Unidos da América se atenuou em razão da nomeação de ministros conservadores para ocupar a Suprema Corte.
De todo modo, o que se abstrai é que a partir da cláusula do devido processo legal, pode-se analisar a razoabilidade e proporcionalidade das leis. Ambos os princípios, da razoabilidade e proporcionalidade, visam a coibir a atuação arbitrária do estado e, por isso, se fundem, de modo que são tratados igualmente por parte da doutrina.
O princípio da proporcionalidade permite uma fluidez na análise dos atos normativos e da aplicação do direito ao caso concreto que concede ao Judiciário um maior êxito e liberdade para decisões favoráveis ao cidadão, sem a rigidez e o arbítrio do legislativo.
O subjetivismo oriundo do princípio, bem como a constituição abstrata deste, por vezes permite atuações por parte do Judiciário também distanciadas da solução que representaria a coletividade, principalmente em hipóteses de omissão legislativa. Critica-se o fato de o legislativo, uma vez sendo a representação democrática do povo, sofrer controle pelo Judiciário para ter seu ato invalidado em prestígio de uma decisão de valor e opinião do órgão julgador, sem representar a coletividade.
Não obstante, inegável a importância do princípio, que tem permitido uma fluidez do ordenamento, resultando em um aperfeiçoamento na fundamentação e argumentação, com base na ponderação de princípios, objetivando, em última análise, a proteção de direitos fundamentais com a máxima otimização dos valores e do ideal de justiça.
Para a aplicação do princípio da proporcionalidade são necessários um meio, um fim concreto e uma relação de causalidade (ÁVILA, 2012, p.183). É inerente ao próprio sentido de proporcionalidade a concepção de justa medida na relação entre dois elementos. Significa que deve existir relação de causalidade entre os elementos, de modo que um (meio) seja a razão da concretização do outro (finalidade).
A doutrina define três critérios a serem analisados na aplicação do princípio da proporcionalidade. Estes são a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Os critérios existem para dar objetividade ao princípio e evitar a possibilidade de decisões arbitrárias em razão de seu uso. Ainda, possuem como maior razão a promoção dos valores e interesses sociais. Neste sentido é o ensinamento de Ricardo Maurício:
[...] o referido princípio ordena que a relação entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado deve ser adequada, necessária e proporcional, visto que os direitos fundamentais, como expressão da dignidade dos cidadãos, só podem ser limitados pelo Poder Público e particulares quando for imprescindível para a proteção dos interesses e valores mais relevantes para uma dada coletividade humana, tendo em vista a interpretação e aplicação de um direito potencialmente mais justo e, portanto, socialmente legítimo (SOARES, 2012, p. 151).
Os critérios para aplicação do princípio possuem como pressuposto de otimização a delimitação clara dos efeitos do meio e a especificação do fim anelado, propulsor da medida. Nas palavras de Humberto Ávila: “[...] sua força estruturadora reside na forma como podem ser precisados os efeitos da utilização do meio e de como é definido o fim justificativo da medida” (ÁVILA, 2012, p.185).
No mesmo sentido afirma Luís Barroso:
A atuação do Estado na produção de normas jurídicas normalmente far-se-á diante de certas circunstâncias concretas; será destinada à realização de determinados fins, a serem atingidos pelo emprego de determinados meios. Desse modo, são fatores invariavelmente presentes em toda ação relevante para a criação do direito: os motivos (circunstâncias de fato), os fins e os meios. Além disso, há de se tomar em conta, também os valores fundamentais da organização estatal, explícitos ou implícitos, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade; em última análise, a justiça. A razoabilidade é, precisamente, a adequação de sentido que deve haver entre esses elementos (grifo nosso). (BARROSO, 2010, p. 232).
Destarte, finalidade é um estado real a ser alcançado, no mundo dos fatos, portanto, extrajurídico. Quanto maior a definição do resultado que se busca e mais claros os efeitos do meio que se usa para alcançá-lo, melhor a eficácia e análise à luz do princípio da proporcionalidade e melhor a verificação da adequação da medida, da necessidade e do valor do fim em relação à restrição do meio.
Barroso destaca que o princípio pode ser aplicado não somente pelo intérprete e pelo julgador, mas também pelo legislador. Ao elaborar uma norma, decide-se acerca de um meio para atingir um fim. Tal decisão deve ser tomada à luz do princípio da proporcionalidade/razoabilidade (BARROSO, 2010, p.233).
O autor denomina razoabilidade interna a aferida dentro da própria lei. Importa configurar uma relação proporcional entre o motivo, o meio e o fim da norma.
Para exemplificar Barroso cita a hipótese de um surto inflacionário (motivo) e a medida tomada pelo Poder Público de congelar o preço de medicamentos vitais para certas doenças crônicas (meio), com o fim de garantir o acesso da população de baixa renda aos medicamentos (finalidade). A norma mostra-se válida em razão de uma relação proporcional entre os elementos.
De outro modo, cita também uma hipótese em que há um aumento estatístico de AIDS (motivo). O governo, então, proíbe o consumo de bebidas alcoólicas durante o carnaval (meio) com o fim de afastar contaminação de nacionais. Não há razoabilidade ou proporcionalidade na medida, pois não há relação de causalidade entre o consumo de bebida alcoólica e a contaminação (Idem, p.234).
Após analisada a proporcionalidade interna, propõe-se a análise externa da norma, que verificará a validade dos meios e fins postos na norma face às previsões constitucionais. Se há contraposição a ideal implícito ou explicito na Constituição, não haverá legitimidade na norma.
Ávila faz a distinção entre os fins intrínsecos e extrínsecos. Os primeiros correspondem a fins alcançados no próprio objeto ou pessoa de comparação. Os fins internos relacionam-se com a própria pessoa alvo de uma medida para alcançá-lo, devendo realizar um resultado necessário ao trato com o próprio objeto. É o exemplo da culpa e da pena. Para se definir uma pena, se mede a culpa da própria pessoa alvo da pena. Nesse caso não há aplicação do princípio da proporcionalidade em seus aspectos de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, mas exige-se apenas uma correspondência (ÁVILA, 2012, p. 185-187).
Já os fins externos são determinados pelo Direito e se concretizam no mundo dos fatos. Dizem respeito a uma realidade distinta da do meio que se utiliza para a persecução do fim. Os meios são a causa do fim, não se confundindo com ele. O fim pode ser, por exemplo, a redução da pobreza, a proteção ao meio ambiente etc. Neste caso, aplica-se o princípio da proporcionalidade em todas as suas dimensões.
Logo, tem-se que somente há a possibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade quando coexistem dois elementos empiricamente discerníveis que nutrem entre si uma relação de causalidade, sendo um o meio e o outro um fim. Somente assim é possível ao intérprete a avaliação da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Passa-se então a analisar cada uma das dimensões do princípio.
3.1. Da Adequação
A adequação, enquanto dimensão do princípio da proporcionalidade, exige que o meio seja apropriado para o alcance do fim. É imprescindível que o mecanismo adotado promova a realização da finalidade. Daniel Sarmento define o subprincípio da seguinte maneira:
O subprincípio da adequação preconiza que a medida administrativa ou legislativa emanada do Poder Público deve ser apta para o atingimento dos fins que a inspiraram. Trata-se, em síntese, da aferição da idoneidade do ato para a consecução da finalidade perseguida pelo Estado. A análise cinge-se, assim, à existência de uma relação congruente entre meio e fim na medida examinada (SARMENTO, 2003, p.87).
Denota-se que um meio eleito para a concretização de um fim deve ser adequado para tanto, ou seja, capaz de promovê-lo. Tal exame não se atém à esfera abstrata da norma, mas analisa também a realidade, pois, tratando de fim extrínseco, este se consolida no mundo dos fatos. Tal aspecto é um dos modos de otimizar a consolidação dos valores e ideais, haja vista que, ao permitir uma maleabilidade na aplicação da norma ao caso concreto, em razão do princípio da proporcionalidade, o ordenamento torna-se mais moldável ao contexto histórico, cultura e modificações sociais.
Humberto Ávila distingue três critérios de avaliação da adequação, quais sejam, o quantitativo (intensidade), qualitativo (qualidade) e probabilístico (certeza). Significa que: um meio pode promover mais, igual ou menos um fim que outro meio; melhor, pior ou igual que outro meio; e com menos, igual ou mais certeza que outro meio (ÁVILA, 2012, p.188).
Tais critérios não facilitam a comparação entre meios que promovem um fim, já que um meio pode promover mais intensamente um fim que outro meio, mas com menor qualidade e com menor certeza, e muitas outras combinações podem haver entre os critérios, cabendo, ao fim, uma decisão da administração ou do legislador por conveniência, a depender de cada caso.
Nessa esteira, defende-se que não cabe ao Judiciário o controle da atividade legislativa e dos atos administrativos por meio destes critérios. É suficiente que o meio promova minimamente o fim, independente de ser o mais intenso, melhor ou mais seguro, para o ato ser considerado adequado. Um controle rigoroso nesse aspecto inviabilizaria a atividade do Poder Público, considerando ainda que muitas vezes a avaliação segura desses aspectos nem sempre é possível.
Não somente isto, mas, necessário também limitar a intervenção do Judiciário às decisões dos demais poderes em face do princípio da separação dos poderes[3]. Importa manter a liberdade de escolha a critério do poder originalmente competente.
Outra questão que se deve atentar é que nem sempre o meio que é o mais intenso, melhor e seguro na adequação será o que melhor preencherá os demais quesitos necessários da proporcionalidade.
Por fim, para o meio ser considerado adequado, basta que ele promova minimamente o fim proposto.
Ávila indica ainda que a adequação pode ser examinada quanto abstração/concretude, generalidade/particularidade e antecedência/posteridade (ÁVILA, 2012, p.189).
O critério da abstração e concretude significa que a medida poderá ser adequada se abstratamente verificado que o meio coopera com a realização do fim, de modo que compreende-se ser possível que do meio adotado o fim seja alcançado, não importando na inadequação o risco de, no caso concreto, não se consubstanciar a realização do fim. Ou, por outro lado, pode-se exigir que, para configurar a adequação, o meio deve viabilizar concretamente o fim.
No que atine à generalidade e à particularidade, o meio pode ser considerado adequado se promover o fim na maioria dos casos, ainda que em algum grupo ou indivíduos específicos o resultado não seja alcançado. Ou se pode exigir que, para a adequação, seja imprescindível que o meio promova o fim individualmente e em todos os casos, sendo a medida inadequada caso haja uma situação individual que não demonstre o fim objetivado.
Por fim, quanto a antecedência e posteridade, pode-se considerar que a medida é adequada se, no momento de sua adoção, ela era eficaz na concretização do fim, não importando se posteriormente a ela se tornou ineficaz, ou, pode-se condicionar a adequação à análise da eficácia do meio para a produção do fim no momento do julgamento (e não da criação). Neste caso, uma vez percebido pelo julgador que o meio não produz mais o fim, ainda que em razão de elementos ou fatos novos, este, o meio, deve ser anulado.
Após tais considerações, Ávila explica que o modo de classificar como adequada uma medida vai variar em função das inúmeras hipóteses de atuação do Poder Público. O autor traz dois exemplos que merecem ser transcritos:
[...] nas hipóteses em que o Poder Público está atuando para uma generalidade de casos – por exemplo, quando edita atos normativos – a medida será adequada se, abstrata e geralmente, servir de instrumento para a promoção do fim. Tratando-se, porém, de atos meramente individuais – por exemplo, atos administrativos – a medida será adequada se, concreta e individualmente, funcionar como meio para a promoção do fim. Em qualquer das duas hipóteses a adequação deverá ser avaliada no momento da escolha do meio pelo Poder Público, e não em momento posterior, quando essa escolha é avaliada pelo julgador. Isso porque a qualidade da avaliação e da projeção – e, portanto, a atuação da Administração – deve ser averiguada de acordo com as circunstâncias existentes no momento dessa atuação. É imperioso lembrar que o exame da proporcionalidade exige do aplicador uma análise em que preponderam juízos do tipo probabilístico e indutivo (ÁVILA, 2012, p. 190).
Tem-se, portanto, que os aspectos a serem analisados para a conclusão acerca da adequação ou não da medida vão depender do tipo de atuação da Administração, das circunstâncias existentes no momento da escolha e da capacidade de promoção do fim pela medida adotada.
Por último, impende avaliar a intensidade do controle que o Judiciário pode exercer sobre as decisões da Administração.
Considera-se para tanto o princípio da separação e autonomia dos poderes, que impõe um mínimo de liberdade de decisão e escolha para cada poder. Somente uma evidente inadequação, ou seja, manifesta incompatibilidade entre o meio e o fim, pode justificar a anulação de uma decisão pelo Judiciário.
É a adoção do modelo fraco de controle, no qual “apenas uma demonstração objetiva, evidente e fundamentada pode conduzir à declaração de invalidade da atuação administrativa concernente à escolha de um meio para atingir um fim” (Ìdem, p. 191).
Deste modo, considera-se que o Poder Judiciário somente pode invalidar um ato por considerá-lo inadequado se for constatação ostensiva e fundamentada. No mais, a administração terá a prevalência e autonomia na definição de critérios e escolha para optar pelo meio adequado[4].
3.2. Da Necessidade
O subprincípio da necessidade impõe que o Poder Público deve adotar a medida menos lesiva ao interesse do particular ao objetivar um determinado fim. Significa que o Judiciário pode invalidar um ato que se mostre desnecessário em razão da existência de outro também adequado e menos restritivo de direitos do particular. Daniel Sarmento explica:
O princípio da necessidade ou exigibilidade, por sua vez, impõe que o Poder Público adote sempre a medida menos gravosa possível para atingir determinado objetivo.Assim, se há várias formas possíveis de chegar ao resultado pretendido, o legislador ou administrador tem de optar por aquela que afete com menos intensidade os direitos e interesses da coletividade em geral (SARMENTO, 2003, p.88).
Observa-se que, ao atender interesses coletivos, o Estado deve cuidar de tutelar ao máximo a liberdade e esfera do poder privado.
Humberto Ávila define a necessidade como “a verificação da existência de meios que sejam alternativos àquele inicialmente escolhido pelo Poder Legislativo ou Poder Executivo, e que possam promover igualmente o fim sem restringir, na mesma intensidade, os direitos fundamentais afetados.” (ÁVILA, 2012, p.192).
Acrescenta-se que a análise da medida a ser adotada deve ser direcionada não apenas à sua natureza como também à extensão e ao espaço temporal. Logo, se uma medida de mesma natureza e extensão pode ser eficaz restringindo certo direito por menor espaço de tempo, esta deverá ser a eleita pela Administração.
Ricardo Maurício afirma a importância de uma análise a respeito da necessidade conjugada com o exame da adequação. Veja-se:
A necessidade envolve duas etapas de investigação: o exame da igualdade de adequação dos meios, para verificar se os diversos meios promovem igualmente o fim; e o exame do meio menos restritivo, para examinar se os meios alternativos restringem em menor medida os direitos fundamentais colateralmente afetados. A ponderação entre o grau de restrição e o grau de promoção dos direitos fundamentais em prol de um vida digna tornam-se, portanto, inafastáveis para a interpretação e a tomada de uma decisão jurídica (SOARES, 2010, p. 148-149).
Ou seja, primeiro o julgador deve analisar a adequação e a intensidade com que cada meio promove o fim em seus diversos aspectos (quantitativo, qualitativo, probabilístico etc.) para então avaliar qual meio é menos lesivo. Nessa esteira, cabe ao Judiciário a ponderação entre grau de restrição e o grau de promoção de direitos.
O subprincípio da necessidade, contudo, apresenta um problema. Se examinado em uma hipótese em que dois meios promovem igualmente um fim restringindo em graus distintos um mesmo princípio, não há dificuldade em decidir o meio a ser adotado. Contudo, é comum que diferentes meios promovam o fim restringindo direitos diferentes. Nesse caso teria que fazer uma análise entre restrições a direitos distintos, obrigando a contextualização de outros fatores, que não apenas o grau de restrição envolvido (BUSTAMANTE, 2005, p.257-258).
Ainda, é possível que um meio promova pouco um fim restringindo muito um direito e outro promova muito um fim restringindo pouco o mesmo direito. Também exigiria uma ponderação entre os interesses. Daí a necessidade do terceiro subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito.
Ávila assevera que não é cabível ao Judiciário a análise da adequação do princípio em todos os seus aspectos, mas que o ato somente pode ser invalidado quando a inadequação for evidente. Do mesmo modo, no que atine à restrição de direitos deve-se buscar o meio cuja violação a interesse ou direito seja a mais suave, mas desde que manifesta a diferença entre a violação do meio adotado e do alternativo (ÁVILA, 2012, p.194).
Tal posicionamento se deve, conforme já mencionado, em respeito ao princípio da separação dos poderes, que impõe um mínimo de autonomia e liberdade de decisão a cada poder.
Conclui-se então que a ponderação entre os graus de restrição de direito fundamental e de promoção do fim é inafastável. O subprincípio coopera proporcionando que o intérprete busque o modo menos restritivo para concretizar um fim, devendo tal análise ser feita ponderando-se outros aspectos como o grau de promoção do meio e o custo benefício da restrição em comparação com a vantagem oriunda do ato.
3.3. O Da Proporcionalidade em Sentido Estrito
A proporcionalidade em sentido estrito impõe que o intérprete analise o custo-benefício entre a vantagem do fim a ser promovido e a o dano causado em razão do direito restringido.
Uma vez constatado que o ganho advindo da concretização do fim supera o dano oriundo da restrição a interesse fundamental colateral, a medida é considerada proporcional (no sentido estrito do conceito).
Ricardo Maurício conceitua da seguinte maneira o subprincípio:
A proporcionalidade em sentido estrito é examinada diante da comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais. O julgamento daquilo que será considerado como vantagem e daquilo que será considerado como desvantagem depende do exame teleológico e axiológico do hermeneuta, em face das circunstâncias da lide e da apuração do binômio utilitário do custo-benefício, sempre com vistas para a salvaguarda da dignidade da pessoa humana (SOARES, 2010, p. 149).
Deste modo, a avaliação da vantagem e desvantagem dependerá de uma valoração e da análise de finalidades a ser realizada pelo intérprete. Este poderá, com base no contexto histórico, econômico, cultural, social etc. examinar se o dano causado pela restrição é compensado pela vantagem da finalidade que se deseja alcançar.
Na mesma linha Luís Roberto Barroso explica que o subprincípio cuida “de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos” (BARROSO, 2010, p. 235).
Em verdade uma medida tomada com o fim de beneficiar uma coletividade gera, como efeito colateral, restrições a direito fundamental do cidadão, sendo necessária a ponderação entre danos e benefícios para que se avalie a validade da medida.
Tal ponderação somente deve ocorrer após a constatação da adequação e necessidade da medida.
Ainda, para a aplicação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, importante a definição dos efeitos e da abrangência da restrição ocasionada pelo meio adotado, de modo a viabilizar a análise comparativa entre os benefícios do fim e as restrições do meio. Quanto mais definido o efeito a ser causado pela restrição bem como da intensidade do benefício fomentado pelo fim a ser atingido, mais segura a avaliação da medida.
Tem-se, por fim, que a aplicação do princípio da proporcionalidade à decisão ou ao ato da Administração assegura, sobretudo, a promoção dos direitos fundamentais, em qualquer tempo ou espaço, em razão da fluidez concedida pelo princípio ao ordenamento e à sua incidência.
A aplicação da proporcionalidade é também útil para a otimização dos princípios constitucionais. Em razão dos diversos princípios assegurados pela Lei Maior, por vezes é necessário avaliar entre princípios a serem privilegiados e outros a sofrerem restrição. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, exerce importante função no exercício da ponderação.
6 Conclusão
Proporcionalidade transmite ideia de harmonia, justa medida, coerência, meio condizente com a finalidade que se propõe. Significa que na atuação do direito deve-se prezar pela intervenção que resulte na máxima otimização dos princípios fundamentais. O legislador e o administrador passam por um controle mais rigoroso e subjetivo de seus atos, sendo certo que apenas em hipótese de manifesta desproporcionalidade poderá o judiciário anular um ato administrativo. A proporcionalidade permite examinar se o meio utilizado para alcançar determinado fim é adequado e satisfatório ou excessivo em relação ao que se almeja.
Com o fito de atribuir maior objetividade ao princípio, surgem três parâmetros de análise. A adequação permite avaliar se o meio adotado é suficiente para a concretização do fim. Em sequência, observa-se a necessidade, ou seja, se há algum outro meio que atinja o mesmo fim de maneira menos restritiva a direitos fundamentais. Por último, a proporcionalidade em sentido estrito possibilita a análise do custo benefício. Se os benefícios do fim almejado superam os prejuízos do direito eventualmente restringido.
À luz do princípio da proporcionalidade o legislador poderá produzir normas adequadas, necessárias e benéficas, respeitando e otimizando os valores e direitos fundamentais; o executivo, por sua vez, tem a possibilidade de ponderar e adotar medidas mais eficazes à luz da ponderação de princípios; bem como o judiciário fará um controle mais objetivo e justo dos atos legislativos e administrativos, concretizando uma aplicação eficaz dos valores protegidos pelo sistema jurídico.
O resultado é a fluidez do ordenamento e um aperfeiçoamento na fundamentação e argumentação, com base na ponderação de princípios, objetivando, em última análise, a proteção de direitos fundamentais com a máxima otimização dos valores e do ideal de justiça.
referências
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Argumentação contra legem: a teoria do discurso e a justificação jurídica nos casos mais difícies. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003.
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 798, 2002.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. O devido processo legal: uma visão pós-moderna. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 88.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.
[1] Controvertida é a classificação da proporcionalidade, sendo costumeiramente denominado princípio pela doutrina e jurisprudência brasileira, sem maiores controvérsias terminológicas. Para alguns autores, contudo não se trata de princípio da proporcionalidade, mas postulado (ÁVILA, 2012, p. 163) e para outros, ainda, se trata de regra da proporcionalidade.
Virgílio Afonso da Silva explica que a aplicação da proporcionalidade não se dá por graduação, podendo ser aplicado com maior ou menor intensidade, tampouco entra em conflito normativo, como é próprio dos princípios, mas é um dever, sendo aplicado por subsunção. Defende, desse modo, ser mais adequada a terminologia “regra da proporcionalidade” (SILVA, 2002, p. 23-50). Neste trabalho não há a pretensão de um aprofundamento terminológico, sendo o posicionamento aqui adotado em consonância com a prática brasileira. Importa esclarecer que, conforme aduz Virgílio Afonso, a prática jurídica brasileira adota o termo princípio a fim de dar maior importância ao conceito da proporcionalidade. Neste caso o termo princípio não é usado como o oposto de regra, mas em um sentido diverso, dada a plurivocidade do termo (Idem, p. 26).
[2] Necessário ressaltar que alguns doutrinadores, dentre os quais Luís Roberto Barroso, igualam proporcionalidade e razoabilidade, utilizando-os como sinônimos, em razão do uso indistinto dos princípios pela doutrina e jurisprudência. Veja-se: “De logo é conveniente ressaltar que a doutrina e a jurisprudência, assim na Europa continental como no Brasil, costumam fazer referência, igualmente ao princípio da proporcionalidade, conceito que em linhas gerais mantém uma relação com o princípio da razoabilidade. Salvo onde assinalado, um e outro serão aqui empregados indistintamente”. (BARROSO, 2010, p. 230).
A tênue diferença entre os princípios reside principalmente na origem histórica, haja vista que a razoabilidade se desenvolveu na Suprema Corte dos EUA e a proporcionalidade no Tribunal Constitucional Alemão (não se pode negar, porém, que, apesar de manterem suas tradições, um sofreu a influência do outro). Ainda há uma diferença estrutural, à qual se refere Virgílio Afonso da Silva, sendo a aplicação do princípio da razoabilidade muito mais voltada para a análise da medida à luz do senso comum, enquanto que a proporcionalidade depende de uma análise da medida muito mais profunda e metódica, à luz da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. (SILVA, 2002, p. 29-31). Neste trabalho considerar-se-á a razoabilidade no seu uso abrangente, o qual se funde com o conceito da proporcionalidade, em razão da fusão comumente feita entre os conceitos pela jurisprudência e pela doutrina.
[3] O princípio da separação dos poderes, positivado na Constituição brasileira, determina a tripartição do Poder estatal em Legislativo, Executivo e Judiciário. Os poderes são autônomos e independentes entre si, sem, contudo, perderem a complementariedade.
[4] No que atine à atuação do Poder Judiciário nas relações privadas, após uma leitura constitucional do direito privado, Ricardo Maurício Soares assente com a necessidade de privilegiar os princípios constitucionais em detrimento da autonomia privada. Nesta esteira, cabe ao Estado impedir abusos cometidos na vida privada a fim de tutelar e efetivar direitos e garantias fundamentais. Nas palavras do autor “[...] resta assim permitido ao juiz não só integrar a vontade das partes, como também impor limitações à liberdade individual e ainda, em certos casos, afastar a aplicação tanto do princípio do pacta sunt servanda, como do princípio da imutabilidade dos negócios jurídicos”. (SOARES, 2008, p. 88).
Graduação em Direito Universidade Federal da Bahia, UFBA, Bahia, Brasil. Curso de Especialização em Direito Comunitário e União Europeia na Universidade de Cantabria, Santander Espanha. Bacharelado em Comunicação Social com Relações Públicas (incompleto) Universidade do Estado da Bahia, UNEB, Bahia, Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Mírian dos Reis Ferraz de. O princípio da proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44024/o-principio-da-proporcionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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